Más notícias do país de Dilma (127)

Entra ano, sai ano, e o estoque de más notícias parece inesgotável.

Nos últimos sete dias, o país ficou sabendo que:

* a inflação teve a maior alta mensal em 10 anos em dezembro e o IPCA fechou 2013 em 5,91%. É o quarto ano seguido com a inflação acima da meta. Três anos de Dilma presidente, todos eles com a inflação acima da meta; como escreveu Rolf Kuntz no Estadão, “o número final da inflação, 5,91%, desmentiu as promessas de um resultado melhor que o do ano anterior, desmoralizou mais um pouco a intervenção nos preços e comprovou, mais uma vez, a inépcia de uma política populista, voluntarista e irresponsável”;

* o número de famílias endividadas cresceu 7,5% em 2013; 62,5% relataram ter dívidas, segundo estudo da Confederação Nacional do Comércio (CNC);

* Ao longo de 2013, a indústria brasileira teve em 2013 o maior déficit comercial da história. O déficit dos manufaturados atingiu US$ 105,015 bilhões, resultado de exportações de US$ 93,090 bilhões e importações de US$ 198,105 bilhões;

* A balança comercial iniciou o ano no vermelho, com déficit de US$ 574 milhões;

* O ano de 2014 começou também com grande saída de dólares: em apenas dez dias, US$ 1,217 bilhão deixou o país, já descontando o que entrou.

A presidente da República diz que é “guerra psicológica”; o ministro da Fazenda diz há gente “nervosinha”. Mas o que há, na verdade, são más notícias.

Como escreveu no Estadão o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Loyola: “A divulgação antecipada pelo ministro da Fazenda do resultado primário do governo central em 2013 foi um verdadeiro tiro no pé e expôs a falta de credibilidade da política fiscal. Ao invés de acalmar os ‘nervosinhos’, como queria o ministro, os números divulgados conseguiram enervar até o mais calmo dos analistas.”

Aí vai a 127ª compilação de notícias e análises que comprovam os malefícios e a incompetência do lulo-petismo como um todo e do governo Dilma Rousseff em especial. Foram publicadas entre os dias 10 e 16 de janeiro de 2014.

A inflação

* Inflação tem a maior alta mensal em 10 anos em dezembro e IPCA fecha 2013 em 5,91%. É o quarto ano seguido com a inflação acima da meta

“O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 5,91% em 2013, acima da taxa apurada um ano antes, de 5,84%, conforme levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Apenas em dezembro, a inflação foi de 0,92%, superando a marca de novembro (0,54%). É o maior IPCA mensal desde abril de 2003 e o maior IPCA de meses de dezembro desde 2002, destacou o IBGE em nota.  Em dezembro de 2012, o IPCA tinha avançado 0,79%.

“Com o resultado, a meta informal sinalizada pelo Banco Central (BC) para 2013, que era entregar inflação menor do que os 5,84% do ano anterior, não foi alcançada.

“O resultado do IPCA do último mês de 2013 ficou acima da média de 0,84% das projeções de 20 consultorias e instituições financeiras consultadas pelo Valor Data. O resultado do ano também ficou acima da média prevista, de 5,83%.

“Pelo quarto ano consecutivo, o IPCA ficou acima do centro da meta estabelecida pelo Banco Central (BC), de 4,5% ao ano. A taxa acumulada no ano, porém, ficou dentro da banda de variação, que permite um índice dois pontos percentuais acima ou abaixo do centro. A última vez em que a inflação ficou perto do centro da meta foi em 2009, quando o indicador encerrou o ano em 4,31%.

“A inflação de 2013 foi puxada por Alimentos e bebidas, com alta de 8,48%. Um ano antes, contudo, essa classe de despesa tinha aumentado 9,86%. Apesar desse abrandamento, o grupo ‘exerceu o mais forte impacto no IPCA do ano’. ‘Detendo 2,03 ponto percentual, os alimentos foram responsáveis por 34% do índice’, destacou o IBGE. ‘A despesa com alimentação ocupa de parte significativa do orçamento das famílias (24,57%) e aumentou em todas as regiões pesquisadas, sobretudo na região metropolitana de Recife, onde a alta foi de 9,47%, seguida de Porto Alegre, com 9,36% e Rio de Janeiro, com 9,34%.’

“O IPCA apura a inflação para as famílias com rendimento de um a 40 salários mínimos, qualquer que seja a fonte, e abrange nove regiões metropolitanas. (Diogo Martins, Valor, 10/1/2014.)

* A inflação alta comprovou, mais uma vez, a inépcia de uma política populista, voluntarista e irresponsável

“Como um nariz de Pinóquio, o número final da inflação, 5,91%, desmentiu as promessas de um resultado melhor que o do ano anterior, desmoralizou mais um pouco a intervenção nos preços e comprovou, mais uma vez, a inépcia de uma política populista, voluntarista e irresponsável. A letra V, de verdade, mostra graficamente, com a graça de um desenho animado, a evolução do índice oficial de preços ao consumidor. Na primeira fase, de janeiro a julho, os números decrescem de 0,86% até 0,03%, muito perto de zero. Na segunda, há uma subida quase contínua, a partir do vértice, até 0,92%, uma taxa surpreendente. No mercado financeiro, a mediana das projeções para dezembro indicava uma variação de 0,75%. Seria uma elevação muito grande pelo padrão de qualquer país bem administrado, mas ainda insuficiente para levar a alta acumulada no ano aos 5,84% de 2012. Na primeira parte do V aparecem o efeitos da manipulação dos preços da eletricidade, da gasolina e do transporte público e dos cortes de impostos. Na segunda, os truques se esgotam, as pressões inflacionárias se manifestam mais abertamente e o nariz pinoquiano se expande com rapidez.

“Se a estatística, como dizem os incréus, é a arte de mentir com números, faltou arte a quem tentou administrar, pelo voluntarismo, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O governo errou, dirá talvez algum companheiro, ao fazer só uma parte do serviço. Interveio na fixação de alguns preços, mas deixou livre a elaboração dos índices. Na Argentina da família Kirchner o trabalho foi mais ambicioso: a intervenção nos preços, além de muito mais ampla e quase rotineira, foi complementada pela manipulação das estatísticas oficiais e pela censura aos índices privados. A inflação medida por especialistas independentes anda perto de 30%. É o triplo da apresentada pelas fontes oficiais.

“A situação no Brasil ainda é outra, apesar do culto, oficiado no Palácio do Planalto, aos modelos cubano, bolivariano e kirchneriano. O pessoal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) continua trabalhando sem restrições políticas e produz números e relatórios sem censura. Até o Banco Central (BC) tem divulgado avaliações e projeções constrangedoras para o Executivo, como as estimativas de inflação acima da meta ainda por longo tempo. Bom para o governo: embora prejudicada, sua credibilidade é maior, por enquanto, que a da administração Kirchner.

“A presidente Dilma Rousseff e seus auxiliares – pelo menos alguns deles – passaram a cuidar com mais atenção, nos últimos tempos, da credibilidade. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, prometeu fechar o balanço fiscal de 2013 sem recorrer à contabilidade criativa. A promessa foi recebida com sinais de otimismo no mercado financeiro. Mas é difícil consertar em pouco tempo, e apenas com base numa declaração de bons propósitos, uma reputação comprometida por uma longa série de trapalhadas e de truques malsucedidos.

“Para acalmar os nervosinhos, como ele mesmo afirmou, o ministro anunciou com antecipação de umas três semanas o resultado das contas do governo central. Foi alcançado, segundo ele, um superávit primário de R$ 75 bilhões. Ficou R$ 2 bilhões acima da meta, mas só obtido com a ajuda de pelo menos R$ 15 bilhões de receitas atípicas. O anúncio pode ter impressionado a velhinha de Taubaté. Para os menos generosos, o governo continua devendo demonstrações mais convincentes. Mas até a fixação da meta fiscal para 2014 foi deixada para mais tarde, como se a presidente e o ministro da Fazenda tivessem medo, na virada do ano, de prometer um resultado muito difícil.

“O problema da credibilidade continua sem solução. A agência Moody’s anunciou nesta semana a manutenção da nota de crédito do Brasil, já levando em conta as hipóteses de um crescimento econômico medíocre em 2014 (cerca de 2%) e de um superávit primário pouco melhor que o do ano passado (aumento de 1,8% para 2,1%). Mas o anúncio foi acompanhado de uma advertência: a decisão poderá ser revista, nos próximos meses, se o quadro for pior que o previsto e a deterioração econômica se acentuar. A Standard & Poor’s, na mesma semana, reafirmou a possibilidade de um corte da nota antes das eleições. Essa possibilidade havia sido indicada no trimestre final de 2013.

“Um bom complemento do cenário foi o leilão de títulos federais na quinta-feira. Para vender seu novo papel de longo prazo, a NTN-F-2025, o Tesouro teve de oferecer a taxa de 13,3899%, a mais alta já registrada no lançamento de um título desse tipo. O mercado absorveu todas as notas e o responsável pela operação classificou a venda como um sucesso: o custo foi até um pouco menor que o esperado pelo governo. Do outro lado do balcão as opiniões foram diferentes: as condições do mercado mudaram e o financiamento da dívida pública tende a ser mais caro. Isso se explica tanto por fatores externos – um mercado internacional menos folgado – quanto por problemas internos, a qualidade da política econômica e a baixa credibilidade do governo.

“O histórico do governo inclui a tolerância à inflação, a tendência à gastança, a incapacidade de promover um crescimento econômico mais veloz e a má administração das contas externas, em visível deterioração. O aperto financeiro externo, consequência previsível de uma política monetária menos frouxa nos Estados Unidos, nem de longe pode servir como desculpa. Quem tinha juízo e alguma competência tratou de se prevenir e de se manter atraente para o capital estrangeiro. Isso é mais complicado que fazer discursos eleitorais em palanques arrumados pelos companheiros e diante de platéias amigas. A presidente e sua equipe só parecem ter descoberto essa diferença há pouco tempo. Ainda estão, tudo indica, assimilando a novidade.” (Rolf Kuntz, Estadão, 11/1/2014.)

* O governo tem sido leniente com a inflação alta demais

“O Banco Central não cumpriu a meta que estabeleceu para si mesmo. Era um objetivo menos ambicioso que o mandato que a sociedade delegou a ele. Para o BC, tudo estaria bem se a inflação de 2013 fosse menor do que a de 2012, que foi 5,84%. Deu, 5,91%. O resultado é ruim por muito mais que isso. Nossos vizinhos Chile e Colômbia fecharam com inflação de 3% e 1,9%.

“O Brasil tem sido leniente com a inflação alta demais. Outros países que enfrentam os mesmos impactos da economia internacional, que cresceram mais do que o Brasil e têm metas de inflação bem menores do que a nossa, chegaram ao resultado, e nós, não.

“Oficialmente, o governo Dilma gosta de dizer que cumpriu a meta todos os anos. A verdade é que a meta é 4,5% e desde o primeiro momento o Banco Central jogou a toalha dizendo que só atingiria esse número no final do segundo ano do governo. Depois, postergou e agora isso ficou para o próximo período presidencial. O BC decidiu que para ele era bom se fosse qualquer coisa abaixo da inflação do ano anterior. Como em 2012 foi 5,84%, ele disse que prometeu ficar abaixo disso. Um leitura enviesada do seu trabalho. Mas nem isso conseguiu.

“O governo ajudou da pior forma: manipulou os preços de produtos e serviços que ele controla. Só a queda do preço de energia representou uma redução de 0,5 ponto percentual no índice. No acumulado do ano, energia residencial ficou 15% mais barata. Ótimo alívio para os orçamentos domésticos, mas a energia mais barata para residência e, principalmente, para a indústria, custou mais de R$ 10 bilhões aos cofres públicos. Foi o dinheiro que o Tesouro teve que repassar para as distribuidoras de energia. Seria maravilhoso se a queda do preço da energia fosse conseguida de outra forma, por aumento de eficiência. Mas foi parte da campanha eleitoral antecipada e custou caro ao contribuinte. De novo, será preciso repassar mais R$ 9 bilhões para as empresas este ano, mesmo assim os preços devem ser reajustados.

“Os preços dos ônibus que em 2012 tinham ficado acima de 5% tiveram peso zero em 2013. Em 2014, será impossível evitar novamente o reajuste. Ao todo, os preços administrados, que são um quarto do índice, tiveram alta de apenas 1%.

“Houve uma pressão forte de alimentos no começo do ano, mas parte disso aconteceu no mundo inteiro porque foi efeito da seca que destruiu a safra americana de 2012. Os preços de milho, trigo, soja entraram em alta forte em 2013. Normalmente, o clima no começo do ano eleva os preços de frutas, verduras e legumes. Eles subiram, como sempre, e encontraram os grãos e a carne também em alta, o que levou a inflação de alimentos a 14% em 12 meses, em abril. De lá para cá, começou uma trajetória de queda, mas chegou ao fim do ano em 8,5%. ‘Apesar disso, vários aumentos de grãos e derivados foram devolvidos. Milho, trigo e soja tiveram queda de preços no atacado no fim do ano’, disse Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio.

“No acumulado do ano, óleo de soja fechou com 17% de queda, açúcar com queda de quase 10%, feijão com queda de 17%. E o conjunto de alimentos ficou menor do que os 9,86% de 2012. Apesar da redução do atacado, a farinha de trigo teve alta de 30% no varejo ao longo do ano. O tomate não foi o pior vilão. Teve no ano, aumento de 14%. Viagens aéreas só em dezembro subiram 20%. O índice de difusão – percentual de itens que tiveram aumento – chegou a 69%. Muito alto.

“Um Banco Central comprometido com a meta e com credibilidade, uma política fiscal cuidadosa e uma política monetária vigilante teriam conseguido levar a inflação para a meta de 4,5%. E isso não será alcançado no governo Dilma, nem mesmo com todos os truques.” (Miriam Leitão, O Globo, 11/1/2014.)

* Desta vez o governo não tem nem mesmo a desculpa de que essa inflação é conseqüência da crise global

“Espere que alguém no governo Dilma ainda diga que, para os padrões brasileiros, a inflação de 5,91% em 2013 não foi desastrosa e reafirme que desastroso é o pessimismo insuflado pelos analistas econômicos.

“Mas, desta vez, o governo não tem nem mesmo a desculpa de que essa inflação aí é conseqüência da crise global, porque nos principais países em 2013 não passou de alguma coisa entre zero e 3%. Tanto o avanço nanico do PIB como essa inflação alta demais (de 0,92% em dezembro) devem-se mais a problemas nossos do que às mazelas do mundo.

“O Banco Central também chegou a apontar o dedo para causas externas de inflação, mas, nos últimos documentos, tanto nos Relatórios de Inflação como nas Atas do Copom prefere dizer que a inflação está sendo causada por um ritmo forte da demanda, pela expansão dos custos da mão de obra muito acima da produtividade e pelos mecanismos automáticos de reajuste de preços (indexação).

“Tanto quanto o crescimento econômico insatisfatório, essa inflação aí, renitente e excessivamente espalhada (alto índice de difusão, de 69,3%), é o resultado dos desequilíbrios provocados pela atual política econômica. E só não foi mais alta porque o governo está represando artificialmente os preços administrados, aqueles que dependem de vontade política para serem reajustados, como as tarifas de energia elétrica, de combustíveis e de transportes urbanos. Ao longo de todo o ano de 2013, os preços livres avançaram 7,27%, enquanto os preços administrados, que pesam 25% na cesta de consumo, avançaram apenas 1,5% (…).

“Não está claro até que ponto o governo pretende recompor os reajustes desse segmento de preços. De todo modo, começam o ano como foco adicional de pressão. Todos lutam por aumento de postos de trabalho, mas não dá para ignorar que a persistência de uma situação de pleno-emprego com baixa produtividade do trabalho continuará a puxar os preços para cima.

“O Banco Central já deu inúmeras indicações de que está incomodado com o repasse da alta do dólar (desvalorização do real) para os preços internos. É outro foco.

“Os protestos de junho chamaram à atenção do governo Dilma a respeito do estrago causado por uma inflação alta demais sobre o poder aquisitivo e sobre a disposição do eleitor de votar nos candidatos oficiais. Se as previsões da maioria dos analistas se confirmarem, 2014 terá uma inflação mais alta do que 2013. A última pesquisa Focus do Banco Central, por exemplo, aponta para 5,97%.

“Se optasse por uma condução mais austera das contas públicas, o governo Dilma teria mais condições de derrubar a inflação, porque níveis mais baixos de despesa pública também contêm o consumo. Mas até agora não há indicação disso, especialmente num ano eleitoral.

“Isso significa que sobra na vanguarda na luta contra a alta de preços a política do Banco Central que, no entanto, tem apenas uma arma à sua disposição: a alta dos juros básicos (Selic). Mas até onde precisam ir os juros para segurar a inflação em níveis civilizados?” (Celso Ming, Estadão, 11/1/2014.)

* O perigo de uma inflação estabilizada nas alturas

“Variações de preços alucinantes ficaram no passado depois do Plano Real, mas, mesmo assim, o país continuou a conviver com uma inflação média superior não só às de economias mais avançadas como às de muitas em estágios de desenvolvimento semelhantes aos seus. Na América do Sul, por exemplo a inflação brasileira só fica abaixo dos índices registrados na Argentina (25%) e na Venezuela (55%), nações cujas economias padecem das decisões de governantes populistas.

“Há de fato razões estruturais para a inflação no Brasil não ter se nivelado à média internacional. O reconhecimento dessa realidade acabou levando a equipe econômica no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso a adotar um regime de metas factíveis. Em torno de um ponto central (4,5%), admitiu-se uma faixa de tolerância bem folgada, de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, a fim de absorver o impacto de choques de oferta e demanda até que o país conseguisse superar os desequilíbrios estruturais.

“O regime de metas se tornou uma importante peça da política econômica, pois contribuiu para o Brasil conquistar a confiança dos mercados.

“No entanto, não só pelas razões estruturais, mas também por fatores conjunturais (a maioria dos quais oriunda do próprio governo), a trajetória da inflação tem se mantido, durante a gestão Dilma, acima do ponto central, oscilando próxima do teto da faixa superior de tolerância (6,5%). Cumpre-se a meta, mas a percepção dos mercados é que as autoridades se tornaram mais lenientes com a inflação, passando a fixar como alvo não mais o ponto central, mas algo acima.

“Para um país que conviveu por décadas com uma inflação aguda, é um sério risco que os agentes econômicos tenham esse tipo de percepção. Mecanismos formais de indexação tiveram de ser mantidos para dar mais segurança a produtores, consumidores e poupadores. Acreditava-se que esses mecanismos iriam desaparecer à medida que a inflação fosse cedendo e recuasse para patamares mais baixos, próximos da média internacional. Como não houve o recuo esperado, além dos mecanismos formais a sociedade tende a reativar os informais, recriando um pesadelo que os brasileiros não merecem ter novamente.

“Ao longo de 2013, a inflação acumulada em 12 meses chegou a ultrapassar o topo da meta. Não deixa de ser um alívio, mas relativo, que o índice oficial, o IPCA (calculado pelo IBGE), tenha fechado o ano em 5,91%, embora ligeiramente acima do resultado de 2012 (5,84%). Ou seja, a inflação se estabiliza muito acima do centro da meta, o alvo que deve ser atingido. E, mesmo assim, à custa do congelamento de tarifas.

“É ineficaz o governo tentar segurar artificialmente preços que administra se o mercado enxerga na política econômica sinais de que que está pondo lenha na fogueira com outra mão. É o caso, por exemplo, da política fiscal, que também conta com metas preestabelecidas, mas cujo alcance está sempre posto em dúvida.” (Editorial, O Globo, 11/1/2014.)

* O governo fracassou mais uma vez no esforço de maquiar os índices de inflação

“O governo descumpriu mais uma promessa e fracassou mais uma vez no esforço de maquiar os índices de inflação. Os preços ao consumidor subiram 5,91% em 2013, mais que no ano anterior, quando a alta havia chegado a 5,84%. A presidente Dilma Rousseff e sua equipe haviam prometido um resultado melhor que o de 2012 e tentaram manter essa retórica até o fim do ano. Mas isso foi apenas parte do fiasco. As autoridades, em vez de atacar as pressões inflacionárias, tentaram administrar estatísticas. Controlaram politicamente os preços dos combustíveis, as tarifas de transporte público e as contas de eletricidade, além de encenarem uma desoneração da cesta básica. Também a redução de impostos sobre vários bens duráveis pouco serviu para tornar muito melhor o resultado geral. Todos os truques falharam como freios do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Podem ter impedido um número bem mais feio, mas não evitaram um resultado oficial pior que o do ano anterior e, portanto, mais longe de 4,5%, meta já muito alta pelos padrões internacionais.

“Nada garante um cenário muito melhor em 2014. Os primeiros indicadores do ano já trouxeram más notícias. O Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S) havia fechado dezembro com alta de 0,69%. Nas quatro semanas até 7 de janeiro a variação chegou a 0,73%. Essa pesquisa é renovada semanalmente pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e cobre sempre um período equivalente a um mês. Em São Paulo, a primeira prévia do IPC da Fipe também indicou a aceleração dos aumentos. Na primeira quadrissemana houve alta de 0,74%, maior que a constatada na última apuração de dezembro (0,65%) e bem mais ampla que a observada na primeira medição do mês passado (0,45%).

“As expectativas do mercado também são ruins. Na primeira pesquisa Focus do ano, realizada pelo Banco Central (BC) em 3 de janeiro, a mediana das previsões para a alta do IPCA em 2014 chegou a 5,97%. Mas o pessoal consultado na pesquisa havia subestimado o número final de 2013 e ainda apostava em 5,74% – um resultado lamentável, mas pouco melhor que o de 2012. Economistas de instituições financeiras e de consultorias são acusados, muitas vezes, de formular projeções pessimistas para pressionar as autoridades a manter os juros altos. Mas suas estimativas têm sido desmentidas, em alguns casos, por números piores que os previstos.

“Na prática, um aumento do IPCA pouco maior ou pouco menor que o do ano anterior faz pouca diferença, O significado do desvio, neste caso. é principalmente simbólico, político e até moral e nisso consiste sua maior importância. Escancara mais uma vez a baixa qualidade de uma política econômica marcada pela incompetência, pelos erros de diagnóstico e, para dizer o mínimo, pelo empenho em maquiar os sinais e deixar os problemas intactos.

“Autoridades tentaram durante algum tempo atribuir as pressões inflacionárias principalmente a fatores externos. O grande problema seria o aumento das cotações internacionais das commodities. Mas em 2013, os produtos agropecuários ficaram 1,76% mais baratos no atacado, segundo a FGV, e o custo da alimentação continuou subindo no varejo.

“Continuou subindo porque havia no País um ambiente inflacionário: crédito fácil na maior parte do ano, emprego elevado (e pouco produtivo), salários em alta e gastança pública desatada – e dificilmente refreável, agora, em ano de eleição.

“O índice de serviços do IPCA subiu 8,74% em 2012 e 8,75% em 2013, bem mais que a média dos preços nos dois anos (5,84% e 5,91%). Há uma evidente pressão da demanda, complementada, do lado oposto, por fortes pressões de custo. O exemplo mais visível é a sequência de aumentos salariais bem acima dos ganhos de produtividade. Dirigentes do BC, apesar da conversa sobre inflação importada, apontaram mais de uma vez esses problemas. Mas têm sua fatia de culpa: assumiram o risco de alinhar sua política às preferências da presidente Dilma. Erraram e só voltaram a elevar os juros quando sua imagem estava manchada. Mas o maior prejuízo foi mesmo para o País.” (Editorial, Estadão, 12/1/2014.)

* Cesta básica teve alta maior que 10% em 9 das 18 cidades pesquisadas

“O valor da cesta básica aumentou em 2013 nas 18 capitais pesquisadas pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). Segundo o levantamento, divulgado ontem (9/1), em 9 das 18 localidades o preço subiu mais de 10% no acumulado do ano passado.

“A maior alta foi verificada em Salvador, de 16,74%, influenciada pelo preço da carne (14,71%), da farinha (115,58%) e do feijão (29,31%).

“Também tiveram alta acentuada as cestas de Natal (14,07%) e Campo Grande (12,38%). As menores oscilações ocorreram em Goiânia (4,37%) e Brasília (4,99%). Em São Paulo, o aumento foi de 7,33%.

“Só em dezembro, houve elevação do valor da cesta em 15 cidades. As maiores altas foram registradas em Goiânia (7,95%) e Florianópolis (7,86%).

“Porto Alegre foi a capital com o maior valor para a cesta básica em dezembro (R$ 329,18), seguida por São Paulo (R$ 327,24) e Vitória (R$ 321,39). Os menores valores médios foram observados em Aracaju (R$ 216,78), João Pessoa (R$ 258,81) e Salvador (R$ 265,13).

“Com base no custo apurado para a cesta básica no país, e levando em consideração a determinação constitucional que estabelece que o salário mínimo deveria suprir as despesas de um trabalhador e sua família com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e Previdência, o Dieese estima que, em dezembro de 2013, o menor salário pago no país deveria ser R$ 2.765,44, ou seja, quatro vezes o mínimo em vigor.

“Segundo a pesquisa, em dezembro de 2012, o valor necessário para atender às despesas de uma família era de R$ 2.561,47.

“Em dezembro do ano passado, a jornada de trabalho mensal necessária para compra dos alimentos essenciais por um trabalhador remunerado com salário mínimo foi de 94 horas e 47 minutos, ante uma jornada de 94 horas e 23 minutos no mesmo mês de 2012.

“Entre os produtos da cesta básica, leite, farinha de trigo, banana, pão francês e batata tiveram aumento em todas as regiões do país em 2013, segundo o Dieese. Já o óleo de soja foi o único produto da cesta que teve o preço reduzido nas 18 capitais pesquisadas.

“O custo do leite ‘in natura’ aumentou em todas as cidades analisadas em 2013, com variações acumuladas entre 6,18% (Manaus) e 28,24% (Belém). A farinha de trigo teve variações que chegaram a 67,06%, em Florianópolis, e 55,56%, em Campo Grande. O preço do pão francês variou entre 2,13%, em Aracaju, e 24,17%, em Campo Grande. No caso da batata, a alta ficou entre 4,41%, no Rio de Janeiro, e 45,60%, em Porto Alegre.”(Bruno Rosa, O Globo, 10/1/2014.)

Outros números ruins da semana

* Número de famílias endividadas cresceu 7,5% em 2013

“O número de famílias brasileiras endividadas aumentou 7,5% no ano passado na comparação com 2012: 62,5% relataram ter dívidas, incluindo modalidades como cartão de crédito, cheque especial, cheque pré-datado, crédito consignado e financiamento de carro e de casa, segundo estudo divulgado ontem (9/1) pela Confederação Nacional do Comércio (CNC).

“O percentual de famílias com dívidas permaneceu elevado o ano todo, alcançando o pico em julho de 2013, quando marcou 65,2%. Foi o segundo maior patamar de toda a série histórica, atrás somente do registrado em fevereiro de 2011.

“A economista Marianne Hanson, da CNC, avalia que a alta do endividamento dos brasileiros é explicada pelo crescimento da concessão de crédito às pessoas físicas, mesmo que em ritmo mais moderado.

“Ela observou que o número de famílias com contas em atraso ficou praticamente estável no ano passado, em 21,2% do total. O índice de famílias sem condições de pagar as dívidas em atraso caiu de 7,1% para 6,9%.

“Mesmo com o crescimento da fatia da população comprometida com dívidas, o estudo da CNC apontou uma melhoria no perfil de endividamento dos brasileiros, com alongamento dos prazos. De 2012 a 2013, o prazo médio de comprometimento com dívida subiu de 6,53 meses para 6,74 meses. ‘Este alongamento permitiu a queda na parcela média da renda das famílias comprometida com dívidas, de 30% para 29,4%’,  afirma a economista.

“No que diz respeito ao tipo de dívida, o estudo aponta que a parcela das famílias que têm débitos com o cartão de crédito avançou de 73,6% para 75,2%. Em segundo lugar, ficou o carnê de prestações, citado por 18,7% das famílias. O financiamento do carro ficou em terceiro lugar, mencionado por 12,2%.

“Na avaliação do presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), Roque Pellizzaro Júnior, o menor comprometimento da renda mensal dos consumidores brasileiros contribuirá para os resultados do comércio este ano. Ele ressaltou que os consumidores estão mais cautelosos na hora de fechar um negócio.

“Além disso, destaca, os empresários estão preocupados com a Copa do Mundo, que acontece em junho próximo. O comércio deverá fechar as portas em dias de jogos nas cidades sede da competição mundial, o que deve afetar negativamente as vendas. “A nossa expectativa é que os resultados de 2014 fiquem muito próximos aos registrados no ano passado’, conta Pellizzaro. (Cristiane Bonfanti, O Globo, 10/1/2014.)

* Indústria teve em 2013 o maior déficit comercial da história

“A balança comercial brasileira de produtos industrializados teve no ano passado o maior rombo da história. O déficit dos manufaturados atingiu US$ 105,015 bilhões, resultado de exportações de US$ 93,090 bilhões e importações de US$ 198,105 bilhões, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Em 2012, o déficit de manufaturados foi de US$ 94,162 bilhões.

“O déficit do grupo dos produtos industrializados começou a ser registrado em 2007 e aumenta a cada ano desde 2010 (ver quadro). O rombo da indústria mostra que nem mesmo a desvalorização do real em relação ao dólar no ano passado – mais de 15% – e o Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra) foram suficientes para ajudar na competitividade da produção brasileira.

“‘Há um consenso de perda da competitividade da indústria brasileira. São problemas em grande medida provenientes dos custos adicionais de logística e falta de inovação’, diz Ricardo Markwald, diretor-geral da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). As transações da indústria também perderam espaço por causa dos poucos acordos comerciais firmados pelo governo brasileiro, afirma Markwald. ‘Os acordos assinados pelo Brasil são com países pequenos, como Palestina, Israel e Egito. Outros países foram mais ativos nessa assinatura de acordos e têm benefícios tarifários em diversos mercados.’

“Como reflexo do momento ruim da indústria, os produtos manufaturados perderam representação na pauta de exportação do Brasil. A participação desse grupo de produtos cai desde 2005. Em 2008, ano anterior à crise global, os manufaturados representavam 46,8% do total exportado pelo Brasil para o resto do mundo, mas em 2013 responderam por 38,4% das vendas totais. ‘A presença dos manufaturados na pauta de exportação do Brasil é muito baixa para um país que tem um parque industrial como o nosso’, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

“Os números da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) mostram que o déficit no setor não para de crescer – no ano passado, foi de US$ 32,2 bilhões, acima dos US$ 28,6 bilhões de 2012. Em 1991, era apenas de US$ 1,5 bilhão. ‘O déficit aumentou porque não existem investimentos. Se me perguntar sobre 2014, a resposta é que o déficit vai crescer outra vez’, diz Fernando Figueiredo, presidente executivo da Abiquim. A fraca demanda pelos produtos brasileiros fez com que a capacidade utilizada da indústria química ficasse em 82% no ano passado – o ideal é que esteja próximo de 90%.

“O déficit em eletroeletrônicos também avançou entre 2012 e 2013 – passou de US$ 32,5 bilhões para US$ 36 bilhões. ‘Esse número vem crescendo de maneira expressiva ao longo dos anos’, afirma Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). O grande entrave desse setor é que as importações acabaram superando as exportações porque é preciso comprar componentes de fora do País para abastecer a indústria local.

“O setor eletroeletrônico ainda foi afetado pela queda nas exportações de produtos de telecomunicação, sobretudo de aparelhos celulares. Em 2013, o recuo em relação a 2012 foi de 20%, para US$ 457 milhões. ‘É uma queda assustadora. Os países que eram os principais mercados brasileiros, como Argentina e Venezuela, colocaram barreiras contra as importações brasileiras’, diz Barbato. O Brasil foi um grande exportador de celulares. As fábricas foram instaladas no País para abastecer o mercado latino-americano.” (Renata Veríssimo e Luiz Guilherme Gerbelli, Estadão, 14/1/2014.)

* Logística precária, energia cara, tributação irracional e erros da política econômica tornam a indústria pouco competitiva

“Com um buraco de US$ 105 bilhões na conta de manufaturados, o comércio exterior foi mais uma vez desastroso para a indústria brasileira, em 2013. Atribuir o mau resultado à crise internacional e ao câmbio, como têm feito autoridades federais, é tentar disfarçar o indisfarçável. Mesmo com o ambiente externo desfavorável e a queda de preços de vários produtos, o agronegócio faturou US$ 99,97 bilhões no ano passado, 4,3% mais que em 2012, e fechou o balanço com um superávit acumulado de US$ 82,91 bilhões, 4,4% maior que o do período anterior. Uma palavra explica a diferença entre os dois desempenhos: competitividade. Apesar dos problemas logísticos e de uma porção de outras dificuldades, o campo e a indústria diretamente ligada à agropecuária têm mantido um padrão de eficiência respeitado internacionalmente. A maior parte do setor manufatureiro tem sido muito mais afetada pelos entraves à produção e à comercialização – a própria logística, o alto custo da energia, a escassez de mão de obra qualificada e até qualificável, a tributação irracional e, naturalmente, os erros da política econômica.

“A indústria exportou em 2013 manufaturados no valor de US$ 93,09 bilhões, valor 1,8% maior que o de 2012, pela média dos dias úteis. Mas esse resultado inclui US$ 7,74 bilhões obtidos com a exportação meramente contábil de sete plataformas de exploração de petróleo e gás. Sem sair do País, esses equipamentos foram vendidos para a obtenção de benefícios fiscais e alugados para uso no Brasil.

“São operações legais, permitidas há mais de dez anos, mas seu volume e seu valor têm crescido a ponto de se tornarem essas plataformas o item principal da pauta de manufaturados. Isso obviamente distorce os números, porque exportação de plataformas significa, de fato, algo muito diferente de exportação de soja, café, aviões, automóveis, peças, tratores, biquínis, açúcar e minério.

“Expurgadas as contas do ano passado e de 2012, as vendas de manufaturados de fato encolhem, passando de US$ 89,25 bilhões para US$ 85,35 bilhões. Com esse desconto, o déficit do setor sobe de US$ 105 bilhões para US$ 112,75 bilhões. Não se trata de um déficit qualquer, facilmente assimilável e causado por algum fator conjuntural. O quadro fica mais feio quando a atenção se volta para um detalhe. Não se trata somente de importação maior que exportação. O próprio déficit, o resultado da subtração, é muito maior que o valor exportado, seja o oficial (US$ 93,09 bilhões) ou o expurgado (US$ 85,35 bilhões).

“Com ou sem plataformas, pode-se falar de uma desindustrialização das exportações brasileiras. As vendas de manufaturados garantiram mais de 50% da receita comercial durante os anos 90 e em boa parte da última década. Em 2007 ainda proporcionaram 52,25% do valor vendido ao exterior. No ano seguinte a proporção caiu para 46,82%. A queda prosseguiu nos anos seguintes, até 38,4% em 2013. Somada a parcela dos semimanufaturados, obtém-se a participação total dos industrializados, 51% do total vendido ao exterior. Em 2007, a soma dos dois itens ainda rendeu 65,82%, praticamente dois terços da receita comercial.

“O mau desempenho comercial do setor de transformação tem como contrapartida o baixo crescimento do produto industrial nos últimos anos. Os dois fenômenos estão associados. Por um evidente erro de diagnóstico, o governo vem estimulando há anos a demanda de consumo, sem remover de fato os muitos entraves à produção.

“A indústria tem sido incapaz de responder à demanda crescente e de enfrentar a concorrência estrangeira, no exterior e no mercado interno. Apesar disso, as empresas do setor conseguiram durante anos manter o pessoal. Evitaram os altos custos de demissão e os problemas de recomposição de quadros num mercado de mão de obra de baixa qualidade. Esse esforço parece ter chegado ao limite. O emprego na indústria ficou estável em novembro, em nível 1,7% inferior ao de um ano antes, e diminuiu 1,1% em 12 meses. Cada vez mais, a sustentação do emprego tem dependido de vagas em atividades pouco produtivas, principalmente em serviços. Um Bric digno desse nome tem de fazer muito mais.” (Editorial, Estadão, 15/1/2014.)

* Balança comercial inicia o ano no vermelho, com déficit de US$ 574 milhões

“A balança comercial brasileira iniciou o ano no vermelho. Nas duas primeiras semanas de janeiro de 2014, que totalizaram sete dias úteis, a balança registrou déficit de US$ 574 milhões, resultado de exportações no valor de US$ 5,069 bilhões e importações de US$ 5,643 bilhões.

“Os dados divulgados ontem (13/1) pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) mostram que a balança teve superávit de US$ 110 milhões na primeira semana do mês, com apenas dois dias úteis, e um déficit de US$ 684 milhões na segunda semana de janeiro.

“As exportações registraram média diária de US$ 724,1 milhões em janeiro e acumulam queda de 0,2% em relação a janeiro de 2013 (US$ 725,8 milhões). Houve queda de 7,2% das vendas externas de bens manufaturados, puxada por etanol, tubos flexíveis de ferro ou aço, açúcar refinado, autopeças, medicamentos, máquinas e aparelhos para uso agrícola, pneumáticos e automóveis de passageiros.

“Os embarques de bens semimanufaturados subiram 4,9%, em função das vendas de óleo de soja em bruto, celulose, sucos e extratos vegetais, óleo de dendê em bruto, madeira laminada e em estilhas, borracha sintética e artificial e ferro-ligas.

“As exportações de produtos básicos cresceram 3,3% por conta, principalmente, de soja em grão, minério de alumínio, petróleo em bruto, farelo de soja, arroz em grãos, minério de manganês e carne bovina.

“Nas importações, a média diária até a segunda semana de janeiro de 2014 foi de US$ 806,1 milhões, 11,4% abaixo da média de janeiro de 2013 (US$ 909,4 milhões). Diminuíram as compras brasileiras no exterior, principalmente, com combustíveis e lubrificantes (-71,7%), leite e derivados (-38,0%), aeronaves e peças (-23,9%), bebidas e álcool (-21,4%), farmacêuticos (-9,9%), cereais e produtos de moagem (-6,1%), veículos automóveis e partes (-5,9%) e produtos siderúrgicos (-2,2%). (Renata Verísimo, Estadão, 14/1/2014.)

* 2014 começa com grande saída de dólares

“Após registrar uma saída recorde de dólares no ano passado, o Brasil começou 2014 mantendo a tendência, com forte saldo negativo. Segundo o Banco Central (BC), até o dia 10, US$ 1,217 bilhão deixou o país, já descontando o que entrou. Em todo o ano passado, o Brasil registrou a saída de US$ 12,7 bilhões, já descontado o que entrou de moeda americana. Esse foi o pior resultado desde 2002. Só na segunda semana deste mês, US$ 737 milhões saíram do Brasil.

No mesmo período em 2013, o fluxo cambial estava em movimento contrário, com entrada líquida de dólares, apesar de ser em pequeno volume. Nos primeiros dez dias de 2013, o saldo cambial estava positivo em US$ 50 milhões. (…)

Para José Valter Martins de Almeida, economista da RC Consultores, esse patamar é muito alto e se deve ao grau de incerteza dos investidores com a situação econômica do país.” (Flávia Pierry, O Globo, 16/1/2014.)

O Brasil e a Copa

* Estádios de futebol têm mais verba que ensino

“Um levantamento da organização Agência Pública mostra que, em nove das 12 cidades que abrigarão partidas da Copa do Mundo de 2014, o financiamento federal para construção e reformas de estádios entre 2010 e 2013 superou os repasses da União destinados à Educação nesses municípios. A entidade usou dados do Portal de Transparência da Controladoria Geral da União (CGU ). Segundo a organização, só Rio, Brasília e São Paulo receberam mais dinheiro para o Ensino do que para obras em campos de futebol no período.

“O cálculo da Agência Pública, organização voltada para o jornalismo investigativo, considerou os repasses federais para os municípios, sem levar em conta a verba investida pelos estados e pelas prefeituras. Em Recife, segundo constatou a entidade, a Arena Pernambuco recebeu financiamento federal de R$ 400 milhões, enquanto o repasse da União para o Ensino nesse mesmo município ter ia ficado em R$ 123 milhões.

“O financiamento para a construção ou reforma nos estádios tem limite de R$ 400 milhões e devem ser pagos, com juros, ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em Salvador , foram R$ 323 milhões de repasses federais para a Arena Fonte Nova e R$ 133 milhões para a Educação, de acordo com a pesquisa da Agência Pública.

“Em Belo Horizonte, teriam sido R$ 400 milhões para o Mineirão e R$ 238 milhões para o Ensino. Em Porto Alegre, R$ 275 milhões para o Beira-Rio e R$ 143 milhões para a Educação. Em Cuiabá, o financiamento para a Arena Pantanal foi de R$ 339 milhões, enquanto a cidade teria recebido R$ 220 milhões de investimentos federais para a Educação.” (O Globo, 10/1/2014.)

* R$ 7,5 bilhões pelo ralo. Educação, saúde, segurança, que se danem

“Dos gastos bilionários de recursos públicos para a realização da Copa do Mundo restarão para a população contas a acertar, monumentos à gastança sem utilidade pública e algumas obras que poderão melhorar sua vida. Para justificar esses gastos, as autoridades federais sempre invocaram o chamado legado da Copa, especialmente o que decorreria das obras de mobilidade urbana planejadas para facilitar o acesso aos estádios e que posteriormente beneficiariam toda a população. O legado será bem menor do que o anunciado, o custo dos estádios será bem maior do que o previsto e o País terá perdido uma oportunidade para investir com mais racionalidade e critério em áreas essenciais para a vida da população.

“De 2010 a 2013, o governo federal repassou para os Estados onde haverá jogos da Copa muito mais dinheiro para a construção de estádios do que, por exemplo, para melhorar a educação. Os cerca de R$ 7 bilhões gastos na construção dos estádios teriam sido muito mais úteis para a população se tivessem sido aplicados em escolas, em obras na área de saúde pública ou mesmo em estradas, portos, ferrovias, por exemplo.

“Da matriz de responsabilidade – criada em 2010 para que a população se convencesse da necessidade das obras de infra-estrutura nas 12 cidades que sediarão jogos da Copa do Mundo e pudesse acompanhar seu andamento – foram excluídos muitos projetos viários e de transporte urbano de massa, justamente os que mais ajudariam a melhorar as condições de vida nessas cidades. Brasília, por exemplo, não ganhou um sistema de Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) para o transporte de passageiros. Das obras que foram mantidas, a grande maioria estava com sua execução atrasada no fim do ano passado.

“Já os estádios, todos foram contratados, foram ou estão sendo concluídos a tempo, mas sempre a um custo maior do que o previsto. Deles, boa parte não terá praticamente nenhum uso depois de encerrada a Copa. Mas sua manutenção, cara, continuará impondo custos aos contribuintes.

“Com base em dados da Controladoria-Geral da União, a Agência Pública – organização que investiga questões que considera de interesse público – constatou que, desde 2010, quando foi anunciada a matriz de responsabilidade da Copa, 9 das 12 cidades-sede receberam mais financiamentos federais para a construção de estádios do que repasses da União para educação. As exceções são Brasília (o governo do Distrito Federal arcou sozinho com as obras do Estádio Mané Garrinha, que custaram R$ 1,2 bilhão), Rio de Janeiro (o governo fluminense se responsabilizou pela reforma do Maracanã) e São Paulo (o Itaquerão está sendo construído pela iniciativa privada, com financiamento de R$ 400 milhões do BNDES).

“Enquanto as obras dos estádios exigirão investimentos ou financiamentos públicos de R$ 7,5 bilhões, os investimentos públicos em obras que comporão o legado da Copa (mobilidade urbana, aeroportos e portos) estão estimados em R$ 6,5 bilhões.

“A concentração de recursos financeiros e técnicos – para o planejamento e acompanhamento das obras – nos estádios certamente reduziu a disponibilidade desses recursos para outras áreas, que exigem maior atenção do poder público. No caso do governo federal, sua conhecida dificuldade para executar planos e programas, que anuncia com grande facilidade, tornou-se ainda mais aguda com o acúmulo de responsabilidades assumidas para a realização da Copa do Mundo.

“Em algumas das cidades-sede, como São Paulo e Rio de Janeiro, a Copa poderá resultar em agravamento temporário de problemas crônicos, como os congestionamentos, mas, encerrada a competição, dificilmente elas terão alguma compensação ou direito a algum legado. Suas carências continuarão as mesmas, se não tiverem piorado.

“Tinham razão os que saíram às ruas no ano passado para protestar contra os gastos com a Copa do Mundo e exigir das autoridades o uso mais responsável do dinheiro público, sobretudo para a melhoria em áreas essenciais para o País, como educação, saúde e segurança.” (Editorial, Estadão, 15/1/2014.)

Mantega faltou com a verdade: o governo não cumpriu a meta fiscal

* “O que se apresentou como ‘calmante’ para os analistas ‘nervosinhos’ não passou de um grande tiro n’água

“Ao contrário do que noticiou o ministro Guido Mantega no dia 3 de janeiro, em caráter preliminar, a meta fiscal de 2013 não foi cumprida. O texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2013 é claro em seu artigo 2.º: ‘A elaboração e a aprovação do Projeto de Lei Orçamentária de 2013, bem como a execução da respectiva Lei, deverão ser compatíveis com a obtenção da meta de superávit primário, para o setor público consolidado não financeiro de R$ 155.851.000.000,00 (cento e cinquenta e cinco bilhões e oitocentos e cinquenta e um milhões de reais), sendo R$ 108.090.000.000,00 (cento e oito bilhões e noventa milhões de reais) para os Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social’.

“O governo central, conforme a prévia do resultado, obteve superávit de R$ 75 bilhões, superando a ‘meta’ de R$ 73 bilhões considerada pela Fazenda. Mas que meta de R$ 73 bilhões? – poderíamos perguntar. Em verdade, tal compromisso está explicitado no relatório de avaliação fiscal do 3.º bimestre de 2013. Ainda assim, o leitor ficará confuso ao constatar que, no artigo da LDO citado, a meta do governo central era muito maior, de R$ 108,1 bilhões.

“A mágica está na contabilidade criativa, que já virou regra do jogo. A diferença entre a meta legal e a ‘meta’ de R$ 73 bilhões se explica pelos famigerados ‘descontos do PAC’, autorizados pela mesma LDO, que inclusive foi modificada em abril de 2013 para estender os abatimentos também às desonerações tributárias. O volume a ser reduzido poderia chegar a R$ 65,2 bilhões. Mas, dados o resultado de R$ 75 bilhões e o abandono da meta dos governos regionais (que deverão gerar rombo de R$ 28 bilhões), o abatimento só será utilizado em parte, já que a diferença entre o número obtido pelo governo e a meta da LDO é de R$ 33,1 bilhões.

“O que se apresentou no dia 3, pois, à guisa de ‘calmante’ para os analistas ‘nervosinhos’, não passou de um grande tiro n’água, um resultado muito inferior à meta fiscal sinalizada na LDO. Os descontos contábeis têm sido usados largamente e, na prática, permitem que a meta de superávit primário seja reduzida às escondidas. É um mecanismo que confunde, piora a transparência e só desmonta, ano após ano, o edifício de credibilidade construído a duras penas nas últimas décadas.

“Além disso, dos R$ 75 bilhões anunciados, R$ 35,3 bilhões corresponderam a receitas extraordinárias registradas em novembro (novo Refis e bônus de assinatura do leilão dos campos de petróleo do pré-sal), sem mencionar outros R$ 15 bilhões que entraram nos cofres da União pelo questionável canal das receitas de dividendos, rubrica que tem sido marcada pelo inchaço promovido pelas triangulações entre os bancos públicos e o Tesouro, com forte pressão sobre o endividamento. Mesmo que consideremos tais receitas na conta do resultado entregue e descontemos apenas as extraordinárias, o esforço fiscal do governo central teria sido de apenas R$ 39,7 bilhões, pouco superior a 1/3 da parcela da meta fixada na LDO para o governo central. Isso sem mencionar a postergação de despesas realizadas em 2013 por meio do mecanismo dos restos a pagar, como apontado recentemente em reportagem da organização Contas Abertas.

“Em vez de promover esse efetivo retrocesso institucional, o governo deveria ter priorizado a preservação das regras do jogo e anunciado uma meta mais baixa de superávit primário, adequada à nova realidade macroeconômica (menor crescimento do PIB). Uma meta de 2% a 2,5% do PIB, no lugar dos atuais 3,1% (R$ 155,9 bilhões), teria sido bem aceita pelo mercado. Ocorre que a redução do superávit acabou sendo maior, motivada pela própria ausência de transparência. Tais resultados se agravam quando lembramos que têm sido um dos responsáveis pela derrocada do balanço de pagamentos e, assim, pela ampliação das restrições ao crescimento do PIB.

“A sentença que decorre da análise dos números fiscais e de seu manejo (ainda que nos termos da lei), na esteira da contabilidade criativa, é muito clara: a meta fiscal descontada, alterada, inflada e abatida foi cumprida em 2013; a meta fiscal para valer, novamente, morreu na letra da LDO.” (Felipe Salto, economista, Estadão, 10/1/2014.)

* Governo fez manobra e usou R$ 1,2 bilhão de fundo da aviação civil para engordar o caixa do Tesouro

‘’O governo federal fez uso de uma manobra inusitada para fechar suas contas no ano passado. Segundo apurou a reportagem, R$ 1,22 bilhão do Fundo Nacional da Aviação Civil (Fnac) serviu para engordar a meta fiscal de 2013, e não virou gastos em reforma e infra-estrutura de aeroportos. Quando o fundo foi criado, o governo defendeu o uso desse dinheiro em investimentos no setor aéreo e não para pagar juros da dívida, como acabou sendo feito.

“O Fnac teve receitas totais de R$ 2,7 bilhões e chegou a destinar R$ 1,47 bilhão para obras em aeroportos administrados pela Infraero. O restante foi para o chamado superávit primário (economia do governo para abater os juros da dívida pública).

“A operação foi preparada no apagar das luzes de 2012. Inicialmente blindado da meta fiscal, o Fnac teve seu regulamento alterado por um artigo inserido no meio da Medida Provisória (MP) 600, editada em 28 de dezembro de 2012. A partir dali, o dinheiro no caixa do Fnac que não fosse gasto com infra-estrutura aeroportuária e aeronáutica poderia migrar para a Conta Única do Tesouro Nacional.

“Naquele momento, o saldo do fundo era de R$ 978 milhões. Esse dinheiro voltou a engordar a meta fiscal em 2013 – perfazendo um total de R$ 2,19 bilhões em 2013. ‘O dinheiro continua carimbado para responsabilidades do fundo, mas enquanto não é gasto fica à disposição do Tesouro’, explicou uma fonte graduada do governo.

“O secretário do Tesouro, Arno Augustin, informou, por meio da assessoria de imprensa do Ministério da Fazenda, que ‘não houve nenhuma alteração no Fnac com efeito no resultado primário’. Segundo Augustin, ‘quando entra receita nesse fundo, trata-se de uma receita primária, e quando há uma despesa, essa é uma despesa primária, como ocorre em outros fundos’. Mas, no caso do Fnac em 2013, as receitas primárias (de R$ 2,7 bilhões) foram superiores às despesas primárias (de R$ 1,47 bilhão), gerando, portanto, um saldo primário positivo.

“A equipe econômica enfrenta uma crise de credibilidade após as sucessivas manobras contábeis para fechar as contas públicas desde 2012. O governo antecipou recebíveis de Itaipu para sustentar a redução da conta de luz, e tentou contratar um empréstimo da Caixa pela Eletrobrás para o mesmo fim, além de triangular ações entre a Caixa e o BNDES. Nas contas de 2013, o reforço veio de recursos extraordinários, como o bônus do campo de Libra, no pré-sal – além dos recursos que deveriam ser investidos na aviação.” (João Villaverde, Anne Warth e Adriana Fernandes, Estadão, 14/1/2014.)

* Os números divulgados pelo governo não acalmam os “nervosinhos”. Ao contrário, enervam o mais calmo dos analistas

“A divulgação antecipada pelo ministro da Fazenda do resultado primário do governo central em 2013 foi um verdadeiro tiro no pé e expôs a falta de credibilidade da política fiscal. Ao invés de acalmar os ‘nervosinhos’, como queria o ministro, os números divulgados conseguiram enervar até o mais calmo dos analistas.

“A afirmativa de que o governo central cumpriu a meta de superávit primário em 2013 é falaciosa, por várias razões. Os R$ 75 bilhões de superávit anunciados só foram obtidos graças a receitas extraordinárias expressivas – cerca de R$ 35 bilhões de receitas de concessões e de pagamentos de impostos do programa Refis – e com a postergação de despesas para 2014, pelo mecanismo de restos a pagar. Vale ressaltar que a meta de R$ 73 bilhões já resultara de ‘descontos’ relativos às despesas com o PAC, expediente que não faz sentido econômico algum, posto que não afeta o gasto efetivo do governo.

“Por outro lado, o ministro se esqueceu de mencionar o desempenho fiscal de Estados e municípios em 2013, um dos piores dos últimos anos. Essa piora se deve primordialmente a equívocos do governo federal, que patrocinou o afrouxamento das condições de endividamento dos entes federados, como lhes retirou receita por reduções e isenções tributárias que diminuíram os montantes do Fundo de Participação.

“A reação negativa dos mercados aos números fiscais mostra que o exército de ‘nervosinhos’ só faz aumentar, o que já se reflete sobre os prêmios de risco do País e sobre o mercado de câmbio. A situação tenderá a se agravar ao longo do ano, caso o governo mantenha a política atual, que, além de reduzir o superávit primário como proporção do PIB, cria esqueletos fiscais para o futuro e reduz a transparência na gestão das contas públicas.

“Mas os problemas na área fiscal não são fato isolado. Ao contrário, resultam da adoção, a partir principalmente de 2008, de uma política econômica que ressuscitou a fracassada estratégia nacional-desenvolvimentista dos anos 1950 e 1970 e que levou à concessão de benefícios e estímulos tributários e creditícios a determinados setores e empresas, na vã esperança de que isso levasse ao aumento da taxa de crescimento do País. Na esfera macroeconômica, apostou-se no binômio juros baixos/câmbio alto e foi abandonado o tripé de políticas que vinha obtendo sucesso desde o governo FHC.

“Como se vê, os resultados são pífios e o Brasil hoje enfrenta uma onda de pessimismo dos investidores, como mostra a saída recorde de recursos para o exterior em 2013, o pior número em 11 anos. Independentemente de as agências de classificação de risco rebaixarem o rating soberano do Brasil, a verdade é que o mercado já o fez na prática. As mudanças no cenário da política monetária norte-americana agravam a situação, mas é inegável que os fatores idiossincráticos são os maiores responsáveis pelo mau desempenho recente dos ativos brasileiros.

“Num ano eleitoral, como 2014, é difícil de ter esperanças de uma mudança de rumos na política macroeconômica e, em especial, no campo fiscal. A busca de um superávit fiscal robusto e verdadeiro exigiria medidas duras de corte de gastos e, infelizmente, de aumento de impostos, o que dificilmente a presidente Dilma estaria disposta a bancar em plena disputa eleitoral. O mais provável é a continuidade da deterioração estrutural das contas públicas, mesmo se o governo refrear a concessão de novos benefícios tributários e creditícios.

“Porém algo tem de ser feito ainda em 2014 para a recuperação da credibilidade da política macroeconômica, sob pena de a economia enfrentar sérias dificuldades, principalmente decorrentes de uma depreciação excessiva da moeda com graves efeitos inflacionários. Não há dúvida de que o papel do Banco Central (BC) será essencial nessa travessia, mantendo uma política monetária alinhada com o regime de metas para inflação e gerindo a liquidez do mercado cambial. Mas os esforços do BC serão insuficientes sem um choque de credibilidade na política fiscal que pressuporia necessariamente uma renúncia crível e definitiva ao uso das mágicas da contabilidade criativa. No ponto que as coisas hoje estão, talvez tenha chegado a hora de os mágicos abandonarem o palco.” (Gustavo Loyola, Estadão, 15/1/2014.)

O Brasil em Davos

* Na falta de ação, dá-lhe marketing: alentada comitiva vai à Suíça falar das excelências do estado da economia brasileira

“Faz parte da filosofia voluntarista deste governo o entendimento de que, na falta de soluções, se deve chamar o marqueteiro.

“Durante meses, a presidente Dilma se encarregou de tentar virar o jogo com discursos repetitivos e de mobilizar seus ministros a fazer a mesma coisa: o IBGE soltou números decepcionantes? Mobilize-se o Guido Mantega e o Alexandre Tombini. O mercado foi tomado por certa apatia em relação aos leilões de concessão? Acione-se a ministra Gleisi Hoffmann.

“Agora, uma alentada comitiva oficial, com a presidente Dilma na comissão de frente, foi escalada para comparecer à conferência anual do Fórum Econômico Internacional de Davos, na Suíça, agendada para os dias 22 a 25. Sua missão é fazer a cabeça das autoridades e dos analistas internacionais a respeito das excelências da economia brasileira.

“A presidente Dilma está completando seu quarto ano de governo e, até o momento, julgou ser dispensável sua presença no encontro anual de Davos, que reúne durante quase uma semana as mais renomadas autoridades de governo e os capitães globais de negócios.

“No ano passado, o então chanceler do Brasil Antonio Patriota tentou justificar a ausência da presidente com a afirmação de que ‘a Davos só vai quem procura promoção pessoal’. Agora vão ela mais a equipe econômica inteira. O embaixador Patriota não terá de dar explicações adicionais porque foi removido para outro posto.

“O risco que corre o governo brasileiro é de vender fumaça com acompanhamento de orquestra. Se a suposta ofensiva internacional de marketing for feita sem substância a oferecer, o resultado pode ser um desastre, como aconteceu em 1994, semanas antes do estouro do Efeito Tequila que prostrou a economia do México. A iniciativa marqueteira das autoridades mexicanas ficou então imediatamente desmoralizada por falta de respostas convincentes aos maus resultados da economia.

“Desta vez, a presidente Dilma talvez pretenda aproveitar a oportunidade para pregar um choque de capitalismo e, nessas condições, resgatar seu governo e sua política econômica do atual déficit de confiança.

“O problema é que essas ofensivas precisam ser acompanhadas de ação. Meras exibições de planilhas animadas e coloridas em Power Point, sem indicação de mudanças radicais na administração das despesas públicas e sem correção das atuais distorções, tendem a ampliar a frustração e a aumentar a propensão das agências de classificação de risco a rebaixar a qualidade dos títulos de dívida do Brasil. Se isso de fato acontecer, tudo tenderá a piorar.

“Em 2002, o então candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, não precisou de efeitos especiais para virar a onda de pessimismo que tomara conta da opinião pública. Simplesmente, mandou divulgar a Carta ao Povo Brasileiro, em que se comprometeu, sem margem a dúvidas, a cumprir um programa confiável de administração das contas públicas e a puxar os juros básicos até onde fosse necessário para controlar a inflação.” (Celso Ming, Estadão, 15/1/2014.)

Incompetência na área de energia

* Mais e mais evidências de erros, equívocos, no modelo de energia

“Nos últimos meses, apareceram mais evidências de equívocos no modelo de energia elétrica. Por exemplo, o vulto dos subsídios concedidos pelo governo federal às geradoras para compensar a mudança tarifária de 2013; os danos provocados no mercado de gás natural pelos subsídios dados ao preço do óleo combustível; o descontrole das despesas correntes em usinas estatais; ou a cobrança de R$ 12 bilhões da União pela Eletrobrás como indenização pela antecipação de concessões. Em contrapartida, há o exemplo de empreendedores privados que, em plena crise, em pouco mais de uma década montaram o parque eólico de Caetité, na Bahia, descrito na reportagem de Renée Pereira, no Estado de domingo.

“Mas predominam os maus exemplos da política energética, mostrou estudo do Instituto Acende Brasil sobre a falta de transparência do modelo brasileiro de energia, que é analisada desde o racionamento de 2001.

“Um dos erros de planejamento das usinas térmicas fica exposto com clareza nos períodos em que as termoelétricas são muito acionadas, como em 2011 e 2012, quando os reservatórios das hidrelétricas apresentaram níveis baixos, que impunham a operação intensiva das térmicas, sob pena de pôr em risco a oferta de energia.

“As térmicas, segundo o presidente do instituto, Claudio Sales, foram feitas para operar por curtos períodos, só em épocas de fragilidade do regime pluviométrico. Por isso os empreendedores investiram o mínimo possível. ‘Desde que o custo do capital fosse pequeno, as térmicas poderiam ter um custo operacional elevado, já que ficariam desligadas’, notou Sales. Assim, apenas 30% da eletricidade gerada nas usinas térmicas tem custo módico, de até R$ 100 o MWh. Mas 54% da energia produzida pelo parque térmico tem custo alto, a metade entre R$ 100 e R$ 200 o MWh e a outra metade de até R$ 400 o MWh, informou o jornal Valor. Um pequeno porcentual da energia térmica (3,7%) chega a ter custo entre R$ 600 e R$ 800 o MWh. Os projetos térmicos negligenciaram ainda outros atributos, como a localização e a flexibilidade operacional, que lhes dariam mais eficiência.

“O problema é agravado por outros erros, como o de superestimar a oferta de armazenamento dos reservatórios – e, portanto, de oferta de energia. O resultado é um aumento dos custos da energia, cabendo ao governo reconhecer a necessidade de aprimorar as informações e corrigir os erros de planejamento.” (Editorial, Estadão, 14/1/2014.)

* Ao tentar renovar à sua maneira as concessões do setor elétrico, o governo, o governo cometeu três erros – e ainda teve que enfrentar um fiasco humilhante

“O governo pagou pelo menos R$ 22,6 bilhões no ano passado, pagará mais neste ano e ainda teve de enfrentar um fiasco humilhante por três erros cometidos com uma só decisão. Ao tentar renovar à sua maneira as concessões do setor elétrico, a presidente Dilma Rousseff pretendeu também reduzir as contas de energia e conter o aumento dos indicadores de inflação. Truques semelhantes foram encenados para controlar as tarifas de transporte urbano e para atrasar o aumento – há muito necessário – dos preços de combustíveis. Apesar dessas manobras, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), referência oficial para a meta de inflação, subiu 5,91% e superou a alta do ano anterior, de 5,84%.

“O primeiro erro foi a tentativa de administrar o índice, em vez de cuidar seriamente das pressões inflacionárias. O evidente fracasso afetou a credibilidade do governo, já reduzida por uma porção de trapalhadas, e alimentou expectativas de inflação ainda mais alta neste ano. A missão do Banco Central (BC), único órgão federal empenhado de fato no combate à alta de preços, ficou mais difícil, especialmente porque uma política fiscal mais séria é altamente improvável em ano de eleições.

“O segundo erro consistiu em jogar mais um encargo sobre o governo federal, num ano previsivelmente ruim para as contas públicas. Os R$ 22,6 bilhões incluem as indenizações pagas a concessionárias pela renovação antecipada dos contratos (R$ 12,7 bilhões até novembro) e os subsídios para contenção do preço da energia (R$ 9,9 bilhões). Oficialmente, o Tesouro só custeou cerca de R$ 8 bilhões dos subsídios, porque o resto saiu de fundos próprios do setor energético. Mas o Tesouro terá provavelmente de intervir para realimentar esses fundos, já quase esgotados.

“O Executivo chegou a montar no fim do ano um esquema para essa finalidade, com participação da Caixa Econômica. Mas o uso da Caixa apenas disfarçaria o caráter fiscal da operação, evidente para a imprensa e para os analistas privados. O Ministério da Fazenda abandonou o plano pelo menos provisoriamente. Poderá tentar de novo a manobra neste ano.

“Não há, no entanto, como evitar um enorme problema para as finanças federais. Indenizações e subsídios serão pagos ou pelo Tesouro, afetando diretamente as contas fiscais, ou por fundos do setor elétrico, desviando recursos necessários às políticas de desenvolvimento. A transferência de recursos por meio de bancos oficiais serve apenas para maquiar de forma precária o custo fiscal da operação. Nenhum truque desse tipo funciona mais como disfarce. Em pouco tempo a manobra se torna visível e sem grande mistério para quem acompanha profissionalmente a gestão das contas públicas. Neste ano, o governo terá de continuar pagando as indenizações pela renovação antecipada e a subvenção da energia consumida a preços favorecidos.

“O terceiro erro foi cometido quando o governo se arriscou a comprometer um pouco a credibilidade da política fiscal. Tarifas contidas de forma voluntarista podem atrair a simpatia de uma parte do público e render vantagens eleitorais. Mas afetam a confiança dos profissionais mais informados sobre questões financeiras e sobre gestão pública. Isso pode resultar, por exemplo, no corte da nota de crédito do Brasil.

“Mesmo sem esse corte, o financiamento do governo pode ficar mais caro. A mera rolagem da dívida pública tende a tornar-se mais custosa. Esse efeito já tem sido notado nas operações do Tesouro. O risco, neste ano, é ampliado pela redução dos incentivos monetários nos Estados Unidos. Essa mudança já afeta os mercados financeiros e torna menos generosa a oferta de financiamentos. Tomadores de recursos com a credibilidade reduzida serão, presumivelmente, os mais prejudicados. Ao dar prioridade aos objetivos eleitorais, a presidente Dilma Rousseff parece haver negligenciado, perigosamente, a preocupação com a credibilidade.

“Uma piora nas condições de financiamento, em 2014, afetará a ação do governo tanto neste ano quanto no próximo, início do mandato de quem vencer a eleição presidencial. O vencedor, tudo indica, terá um primeiro ano muito complicado.” (Editorial, Estadão, 16/1/2014l.)

Um governo que não sabe investir

* Recorde de restos a pagar distorce a execução do orçamento, cria um orçamento paralelo

“O governo do PT não tem conseguido, por deficiência técnica ou administrativa, retirar do papel boa parte dos projetos de investimentos que anuncia. Quando o consegue, não tem sido capaz de quitar integralmente, no exercício fiscal devido, os valores que reservou para o pagamento de material ou de serviços que havia contratado. Com isso, vem transferindo para exercícios seguintes um volume crescente de recursos já empenhados – isto é, que devem ser desembolsados -, mas que não foram pagos. De 2013 para 2014, os restos a pagar, como são chamados esses valores, alcançaram o recorde de R$ 218,4 bilhões, de acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional.

“Essa prática, que se intensificou ao longo dos governos petistas, distorce a execução do Orçamento anual, gerando uma espécie de orçamento paralelo. Mas ela é particularmente ruim para os cidadãos em geral, pois eles não podem utilizar obras e serviços que não foram concluídos; e, como contribuintes, são obrigados a arcar com os custos adicionais resultantes do atraso do pagamento. No setor público, obra ou pagamento atrasados costumam resultar em aditamentos dos contratos, o que normalmente implica o reajuste dos valores contratados. Resguardam-se, assim, os interesses dos fornecedores, à custa do dinheiro dos contribuintes.

“Em 2003, primeiro ano do governo Lula, os restos a pagar herdados do governo anterior somaram R$ 57,5 bilhões, em valores corrigidos pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) da Fundação Getúlio Vargas, o mesmo indexador das dívidas dos Estados e municípios com a União. Isso quer dizer que, nos 11 anos da gestão petista, essa conta cresceu 280% em valores reais. O valor das despesas empenhadas e não quitadas em 2013 que foi transferido para 2014 é R$ 42,2 bilhões maior do que os restos a pagar que passaram de 2012 para 2013.

“Parte dos restos a pagar que ficaram para este ano poderá ainda ser cancelada. O total inclui tanto os compromissos processados (R$ 33,6 bilhões), isto é, referentes a bens ou serviços para os quais os credores apresentaram todos os documentos comprobatórios da entrega dos itens contratados e de seu direito sobre os valores devidos, como os não processados (R$ 184.8 bilhões), para os quais foi feito o empenho, embora sem o reconhecimento pelo governo da entrega do serviço ou bem, o que pode resultar no seu cancelamento ao longo deste ano.

“Como não fazem parte das dotações orçamentárias originais para 2014, os restos a pagar podem ser manipulados com maior facilidade pelo governo. O dinheiro é tanto que pode sustentar mais da metade dos investimentos que o governo Dilma conseguir realizar ao longo deste ano eleitoral.

“No ano passado, dos investimentos feitos pela União, R$ 30,4 bilhões foram sustentados por restos a pagar, enquanto dos recursos orçamentários de 2013 foram utilizados R$ 16,9 bilhões. Isso ocorreu também com as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que utilizaram R$ 19,6 bilhões do orçamento anual e R$ 25,1 bilhões de restos a pagar. Se não houver cortes nos restos a pagar de 2014, o PAC poderá receber dessa conta cerca de R$ 65 bilhões, mais do que o total orçado para esse programa no ano passado.

“A regra inicial dos restos a pagar, editada em 1986, previa que os valores não quitados no exercício seguinte ao de sua inscrição perderiam sua vigência. Desde 2002, no entanto, esse prazo vem sendo estendido. Um decreto de 2008 restringiu a perda de vigência de restos a pagar não processados. Mesmo depois disso, novos decretos foram prorrogando a vigência dos restos a pagar. Assim, os valores transferidos para 2014 podem se referir a empenhos feitos bem antes de 2013.

“Esses números e as sucessivas extensões dos prazos de validade dos restos a pagar mostram que, em vez de refletir as prioridades definidas no orçamento anual discutido e aprovado pelo Congresso, os investimentos do governo federal estão concentrados em obras previstas em programas anteriores. É como se o governo investisse olhando para trás.” (Editorial, Estadão, 10/1/2014.)

A infra-estrutura em frangalhos

* O agronegócio produz cada vez mais. Faltam estradas, ferrovias, portos

“O agronegócio brasileiro vive uma situação paradoxal. Por causa da incapacidade do governo de prover, na extensão e nos prazos devidos, a infra-estrutura para o escoamento da produção, as boas notícias do campo estão se transformando não em motivo de comemoração, mas em fonte de preocupação cada vez maior de produtores e exportadores. A insuficiente infra-estrutura logística – escancarada pelas imensas filas de caminhões carregados de soja que se formam na época da colheita nos acessos aos principais portos do País – impõe perdas e custos cada vez maiores, e não há nenhuma esperança de que o problema não se repita também na safra 2013/2014. Muito provavelmente, será pior do que nas safras anteriores.

“Fruto do empenho e dos investimentos dos agricultores, o campo deve continuar a registrar recordes, como acaba de prever a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em sua quarta estimativa da safra 2013/2014, já em fase de colheita em algumas regiões. A produção de grãos deverá alcançar 196,67 milhões de toneladas, 5,2% mais do que a safra anterior, que foi de 186,9 milhões de toneladas. É possível, segundo o presidente da Conab, Rubens Rodrigues dos Santos, que a próxima estimativa já indique produção superior a 200 milhões de toneladas. A nova projeção está na dependência da análise da produtividade da soja – cuja produção está estimada em 90,3 milhões de toneladas – e da área plantada de milho.

“Quanto à soja, o avanço da produção pode transformar o Brasil no maior produtor mundial, superando os Estados Unidos. O ministro da Agricultura, Antônio Andrade, acredita que a produção poderá superar a mais recente estimativa da Conab, alcançando 95 milhões de toneladas.

“Mesmo que não se confirmem as projeções otimistas do ministro da Agricultura para a soja e do presidente da Conab para a safra de grãos nos levantamentos que a empresa divulgará nos próximos meses, a estimativa mais recente já indica que a produção será 9 milhões de toneladas maior do que a da safra anterior. Se fosse transportada totalmente por trem, com vagões com capacidade média de 80 toneladas cada, essa produção adicional encheria 112,5 mil vagões. Caso o transporte fosse feito por caminhões com capacidade para 32 toneladas cada, a movimentação dessa produção adicional exigiria 281,2 mil viagens.

“A estrutura de logística, no entanto, não passou por nenhum acréscimo significativo desde o auge do escoamento da safra anterior. Se as filas de caminhões nos acessos aos Portos de Santos e de Paranaguá foram imensas no ano passado, parece bastante provável que serão ainda mais longas neste.

“Com muito atraso em relação às necessidades do País o governo do PT conseguiu tirar do papel projetos importantes na área de infra-estrutura – rodovias, ferrovias, aeroportos e portos -, na qual acabou por aceitar a presença do capital privado. Mas, das estradas transferidas para o setor privado nos últimos meses, os resultados dos investimentos – em recuperação, extensão, duplicação da pista e outras melhorias – não surgirão a tempo de atender à demanda da agricultura na safra 2013/2014.

“Dos 10 mil quilômetros de ferrovias que deveriam ter sido licitados até o fim do ano passado, nada ainda foi transferido para o setor privado e o governo ainda debate regras para a entrada de capital particular no setor.

“Na área de portos, o aumento da capacidade e eficiência operacional será vital para evitar a formação de longas filas de caminhões nos seus acessos, mas, nesse caso, como no das ferrovias, as primeiras medidas concretas só surgirão em 2014 e seus efeitos práticos demorarão ainda mais.

“Sem o aumento da capacidade e sem melhoria notável na infra-estrutura de rodovias, ferrovias e portos, o governo recorreu a mudanças operacionais para melhorar o escoamento da safra, como a adoção de um sistema de agendamento que procura sincronizar o atracamento de navios e a entrada de caminhões na área portuária. Isso pode reduzir as filas, mas não as eliminará. Obras como as de pátios de estacionamento no Porto de Santos nem começaram.” (Editorial, Estadão, 13/1/2014.)

O golpe da Caixa

* Revista Istoé revela que a Caixa contabilizou como lucro dinheiro de cerca de 500 mil contas de poupança inativas

“O Banco Central (BC) determinou que a Caixa Econômica Federal retire R$ 420 milhões do lucro registrado em seu balanço financeiro de 2012 por operações consideradas ilegais com cadernetas de poupança de seus clientes. O banco deve expurgar o montante em seu balanço de 2013. O dinheiro voltará para o passivo da Caixa.

“O ajuste é necessário porque o banco teria encerrado ilegalmente cerca de 500 mil contas e contabilizado em seu balanço R$ 719 milhões de depositantes de poupança. Depois de descontar os impostos, o valor final, R$ 420 milhões, foi considerado lucro do banco naquele ano — o que o BC classificou como ilegal. O valor corresponde a 6,9% do lucro da Caixa em 2012, de R$ 6,1 bilhões.

“Reportagem publicada pela revista IstoÉ afirma, com base numa auditoria da Controladoria Geral da União (CGU), que, em 2012, a Caixa encerrou 525.527 contas que estavam sem movimentação por um período de até três anos e, sem respaldo legal, lançou os recursos como lucro no balanço.

“A Caixa afirma, em nota, que encerrou 496.776 cadernetas de poupança em 2012 em razão de problemas cadastrais e que tentou no período de 2005 a 2011, com uma série de iniciativas, identificar as contas com irregularidades relativas a CPF ou CNPJ. Com os esforços, o banco diz que foi possível normalizar a situação de 346 mil contas.

“No entanto, a revista afirma ter acesso a relatórios técnicos do Banco Central que atestam a ilegalidade da operação. A legislação brasileira prevê que contas com problemas cadastrais devem ser encerradas. Entretanto, isso deve ser feito uma a uma e não de uma única vez. Além disso, a instituição não poderia computar esse dinheiro como lucro.

“No comunicado da Caixa, o banco diz que processará a publicação por danos à imagem e afirma ainda que os relatórios citados são inconclusivos. ‘Nenhum depositante da caderneta de poupança da Caixa teve qualquer prejuízo com o procedimento adotado’, diz a Caixa. Segundo o banco, os clientes podem, em qualquer tempo, solicitar a retirada dos valores devidamente corrigidos. Até novembro, 6.483 titulares de contas encerradas por erro de cadastro procuraram o banco para ter acesso aos valores depositados. Segundo a Isto É, o montante chegaria neste caso a R$ 20,6 milhões.

“O BC já enviou à CGU a conclusão da inspeção nas contas da Caixa. Ele ainda determinou que o banco pare de contabilizar os recursos desta forma em seu balanço e devolva o dinheiro.

“De acordo com a revista, foram encerradas cadernetas de poupanças com saldos de até R$ 100 sem movimentação havia mais de um ano; de até R$ 1 mil e inativas por dois anos; e até R$ 5 mil paradas por três anos.” (Gabriela Valente, O Globo, 12/1/2014.)

* A Caixa escolheu o caminho errado: o de considerar seus os recursos das contas e inflar seu lucro

“A Caixa Econômica, ontem (13/1), corria atrás do prejuízo para explicar a confusão gerada pelo encerramento de contas. Informou que no próximo balanço a ser divulgado, no começo de fevereiro, haverá a anulação dessa apropriação do dinheiro das contas encerradas. Garantiu também que não prescreve o direito do portador da conta sobre o seu patrimônio, mesmo que ela tenha sido encerrada.

“Em outras palavras: a qualquer momento que o dono do dinheiro aparecer, o dinheiro poderá ser sacado. Conversei ontem com o vice-presidente de Finanças da Caixa, Márcio Percival, e ele esclareceu que as contas não foram encerradas por inatividade, mas porque os documentos eram irregulares.

“— Por inatividade, nenhuma conta pode ser encerrada. Se ela ficar 100 anos sem movimentação, terá que continuar lá. O que nos levou a encerrar essas 496 mil contas foi o fato de que elas tinham CPFs ou CNPJs irregulares, e isso está respaldado por resolução do Conselho Monetário Nacional e Circular do Banco Central — disse. A notícia da ‘IstoÉ’ falava em 525 mil contas, mas ele afirmou que o número final foi 496 mil.

“Segundo o vice-presidente, a auditoria externa dizia que aquele valor (R$ 719 milhões, segundo a revista) não poderia continuar no passivo da Caixa já que as contas teriam que ser encerradas de acordo com a regulamentação.

“Perguntei a Percival se em algum momento eles comunicaram ao Banco Central que o dinheiro das contas seria apropriado como ativo da Caixa. Ele admitiu que não comunicou ao Banco Central.

“O que é um CPF irregular? Segundo Percival, é CPF inexistente, que não bate com a base da Receita, de contribuinte que não faz declaração há muito tempo ou que teve documento roubado, tirou outro. Ou até — disse ele — números simplesmente inventados, como 99999.

“Na gigantesca base de clientes da Caixa, há milhões de brasileiros que não estão no mercado de trabalho formal, têm baixa instrução ou baixa renda e, por isso, não fazem declaração de renda. Esse tipo de falha cadastral era de se esperar.

“Segundo a direção da instituição, foi por isso que eles ficaram anos tentando corrigir os dados. Segundo ele, não foram três, mas mais de 10 anos tentando contatar esses poupadores. Tanto que no início do trabalho eram 853 mil e esse número foi reduzido para os atuais 496 mil contas.

“A Caixa tinha várias formas de se comunicar com os detentores das contas com CPFs irregulares. Poderia, por exemplo, convocar uma coletiva e explicar aos jornalistas que estava sem contato com esses milhares de poupadores. Os caminhos para fazer a coisa certa são muitos. Mas ela escolheu o errado: o de considerar seus os recursos das contas e inflar seu lucro.

“O jornalismo de economia sabe muito bem fazer reportagens de serviço. A tecnologia foi desenvolvida nos anos da hiperinflação e dos planos econômicos que alteravam as muitas regras e fórmulas que regem a vida econômica do devedor, poupador, contribuinte, consumidor. Isso, certamente, teria destaque nos jornais, nos telejornais, nas rádios. Os comentaristas tentariam entender para explicar.

“E o que a CEF fez? Sem comunicar sequer à autoridade monetária, considerou que, se o distinto poupador tem um número errado no seu cadastro e não aparece, o dinheiro é dela, Caixa. E lançou como lucro e pagou impostos.

“Quem agiu certo? A Controladoria-Geral da União, que descobriu, achou estranho, informou ao Banco Central. A ‘IstoÉ’ publicou a reportagem, e, mesmo com as correções que a Caixa tentava fazer, o banco não negava o fato de que, ao encerrar as contas, indevidamente transferira o dinheiro para o seu patrimônio. No próximo balanço, vai desfazer essa contabilidade.

“A grande dúvida é se o imposto de renda pago em cima desse lucro que não houve será devolvido pela Receita à Caixa. O melhor seria que tudo tivesse sido comunicado ao Banco Central e ao distinto público desde o começo. Teria evitado esse enorme confusão.” (Míriam Leitão, O Globo, 14/1/2014.)

Tenebrosas transações

* Empresas amigas do ex-ministro Alfredo Nascimentro ganham contratos para obras no porto de Manaus. Quem fiscaliza é um apadrinhado do próprio ex-ministro

“Quando assumiu a Presidência da República. Dilma Rousseff contava com o apoio de dezessete partidos e de 80% do Congresso Nacional, o que lhe garantia condição privilegiada para aprovar projetos e administrar o país. A base governista reunia ruralistas e ambientalistas. comunistas e evangélicos, sindicalistas e empresários, liberais e defensores da presença crescente do Estado na economia. Esse grupo heterogêneo não se mantinha unido por compartilhar boas ideias ou defender programas destinados a melhorar os serviços públicos e a desenvolver o país. Longe disso. Para mantê-lo na órbita do Planalto, Dilma seguiu a cartilha do antecessor, Lula: loteou os principais cargos da máquina federal entre os aliados. O rateio logo se mostrou danoso. Já no seu primeiro ano de mandato, a presidente foi obrigada a demitir seis ministros acusados de tráfico de influência, corrupção e desvio de verbas públicas para cofres partidários. Dilma parecia disposta a enfrentar o fisiologismo. Mas só parecia. Aos poucos, a ‘faxina ética’ — expressão propagandeada por assessores presidenciais — foi deixada de lado. Tudo para saciar as legendas governistas. Tudo para assegurar o apoio delas à reeleição da presidente.

“Esse processo de cooptação de aliados à custa de cargos foi retomado no ano passado, quando Dilma redimiu publicamente dois ministros exonerados em 2011, dando-lhes o direito de indicar os sucessores nas pastas das quais haviam sido expurgados. Nas próximas semanas, a presidente fará uma nova reforma ministerial. E. mais uma vez, recorrerá à distribuição de cargos como moeda. A ideia é usar os 39 ministérios e centenas de postos de comando em estatais e autarquias para contemplar o maior número possível de partidos. Em troca. Dilma espera receber o apoio das siglas na sucessão presidencial e formar a maior aliança eleitoral desde a redemocratização. A meta é conquistar o dobro do tempo de propaganda eleitoral na TV reservado a todos os demais concorrentes juntos. Nesse contexto, não importa quem será o ministro indicado pelo partido ou se ele será capaz de atender às demandas da população. A conveniência eleitoral, de novo, está acima das necessidades do contribuinte, que sustenta o Estado.

“A própria presidente já tinha avisado que, em ano de eleição, ‘podemos fazer o diabo’. E o diabo está justamente na velha estratégia de recorrer ao fisiologismo para garantir a permanência no poder. Já é certo que Dilma dará ao PMDB um ministério de ponta, provavelmente o da Integração Nacional. O PTB. do delator do mensalão Roberto Jefferson, também quer o comando de um ministério. O PT manterá o controle das principais pastas da Esplanada, mas, mesmo assim, está às voltas com brigas internas. Os ministros Fernando Pimentel e Alexandre Padilha, por exemplo, duelam para nomear o futuro ministro da Saúde. Todos os partidos alegam que precisam de condições melhores para ‘fazer política’ e colher bons resultados nas eleições. Mas o que significa ‘fazer política’? O caso do senador Alfredo Nascimento, presidente do PR, é bem ilustrativo. Egresso do governo Lula. Nascimento foi demitido por Dilma, em 2011, depois de VEJA revelar a existência de um azeitado esquema de corrupção no coração do Ministério dos Transportes. Cobrava-se propina em troca da execução de obras superfaturadas e contratos eram aditados sem respaldo técnico. Depois da queda de Nascimento e de quase trinta subordinados dele, a Controladoria-Geral da União (CGU) constatou um desvio de 760 milhões de reais no ministério, exatamente no período em que a turma estava no comando. As irregularidades foram comprovadas por outros órgãos de controle.

“A Polícia Federal chegou a prender antigos integrantes da cúpula dos Transportes por suspeita de corrupção, como José Francisco das Neves — ex-presidente da Valec, a estatal que cuida das ferrovias — e alguns ex-superintendentes estaduais do Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (Dnit). Apesar da ficha corrida. Dilma devolveu aos caciques do PR o comando do ministério no ano passado, quando temia a aproximação do partido com outros pré-candidatos à Presidência. Ela reabilitou Nascimento, negociando com ele a nomeação do ex-senador César Borges para o cargo de em marcha um plano milionário que já era locado por outros indicados do ex-ministro. Sob o argumento de que era preciso preparar o porto para a Copa, decidiu-se revitalizar o Porto de Manaus, não por acaso o único do país a fazer parte da estrutura do Dnit, numa graciosa gentileza do governo, feita sob medida para atender Nascimento. O primeiro passo foi contratar uma empresa para elaborar o projeto de reforma. A firma escolhida tinha em seus quadros, veja só. dois sobrinhos do ex-ministro. A medida seguinte foi contratar uma segunda empresa, agora para realizar as obras. Para agilizar o processo, foi usado o Regime Diferenciado de Contratações (RDC). que flexibiliza os mecanismos de controle nas concorrências. Só uma construtora apareceu. A J. Nasser Engenharia pediu 79 milhões de reais pelo serviço. A licitação chamou a atenção do Tribunal de Contas da União (TCU), que resolveu examinar o processo. Além de encontrarem preços superfaturados na casa de 9 milhões de reais, os auditores do tribunal constataram graves falhas no edital. Nascimento, então, seguiu ‘fazendo política’. Junto com o ministro César Borges, foi ao TCU pedir que a obra continuasse. Alertados sobre os problemas descobertos na licitação, o Dnit e a J. Nasser concordaram em reduzir o valor do projeto para 71 milhões. Ou seja: apenas cortaram a gordurinha do superfaturamento.

“A J. Nasser não é uma empresa qualquer. O seu dono, José Nasser, é um amigo de longa data de Alfredo Nascimento e vem a ser também seu vizinho de porta (veja só, outra coincidência!). O empresário é conhecido por sua capacidade de ajudar políticos amigos, embora o tamanho de sua generosidade seja posto em dúvida pela turma do próprio Nascimento, como mostra uma conversa gravada na qual um fiel aliado do ex-ministro diz, em tom de queixa, que ‘Nasser dá 5 como se desse 50’. Dá o quê, hein?! As obras de revitalização do Porto de Manaus começaram, mas foram paralisadas devido a liminares judiciais. Nada, entretanto. capaz de impedir Nascimento de aumentar a influência no processo. Em novembro. ele conseguiu nomear o mesmo Fábio Porto como o chefe da Autoridade Portuária no Porto de Manaus. Combinação perfeita: a empresa onde trabalham os sobrinhos do ex-ministro faz o projeto, um vizinho de porta toca a obra e um afilhado fiscaliza e cobra a execução do serviço. Talvez isso explique por que os partidos insistem tanto em ter seus nacos na administração.

“Procurado, Nascimento admitiu que indicou Fábio Porto e que é amigo de José Nasser. Disse ainda que, como senador pelo Amazonas, foi ao TCU defender uma obra que será importante para o estado durante a Copa do Mundo. Ele só se esqueceu de dizer que essa obra, mesmo contratada a toque de caixa, dificilmente ficará pronta a tempo. ‘O que eu tenho a ver com isso? Eu não sou governo.’ Nasser, o empresário amigo, não retomou as ligações. O loteamento da administração entre aliados, quando feito para atender a interesses privados, já custou caro ao país e aos políticos. Foi o rateio do butim nesses moldes que permitiu a atuação de figuras como Maurício Marinho, o funcionário dos Correios gravado embolsando propina em nome do PTB. no episódio que desaguou no mensalão. A lição está dada. Pena que os governantes resistam a aprendê-la.” (Robson Bonin e Daniel Pereira, Veja, 15/1/2014.)

Minha casa, minha favela

* Dois anos após inauguração do primeiro Minha Casa, Minha Vida, conjuntos do programa têm alto índice de indimplência,, gatos de luz, invasões e puxadinhos

“Uma vizinha desavisada estende as roupas num varal improvisado do lado de fora da janela do seu apartamento. Um gatuno observa de longe. Na calada da noite, usa vara de pescar, linha, anzol e, com habilidade cirúrgica, consegue desprender e levar a roupa da vítima. No dia seguinte, há discussão entre vizinhos para saber quem furtou a peça. A cena pitoresca é apenas um detalhe em meio aos desafios que bateram à porta do Programa Minha Casa Minha Vida, que completa cinco anos em março.

“Acostumados ao estilo de vida informal das comunidades onde viviam, os moradores dos conjuntos construídos pelo projeto passam agora pelos dilemas impostos pelas regras de convivência dos condomínios. Além das dificuldades na relação com os novos vizinhos e da adaptação dos seus antigos hábitos, há problemas graves, como o caso daqueles sem condições de arcar com as despesas de água, luz, gás e taxa de condomínio. O resultado tem sido altos índices de inadimplência, em alguns casos próximos de 90%. Muitos conjuntos estão atolados em dívidas. Há ainda práticas que começam a se disseminar, como o ‘gato’ de energia elétrica, o tráfico de drogas e a instalação de puxadinhos que funcionam como bares, cabeleireiros e vendas de alimentos, entre outros serviços.

“Desde que o programa foi lançado, em 2009 — entre a contratação e a construção foram quase três anos —, 50,9 mil imóveis do Minha Casa Minha Vida foram entregues no Estado do Rio. São cerca de 200 mil pessoas vivendo nesses imóveis. Do total de unidades concluídas, 17,6 mil (34%) estão ocupados por famílias com renda de zero a três salários, faixa que concentra até 65% do déficit habitacional do Rio. São famílias que foram sorteadas pelo programa ou ganharam os imóveis para deixarem áreas de risco onde viviam. Para essa faixa de renda, existem mais 98 mil imóveis contratados, ou seja, em fase de construção em todo o estado. Somente na capital, são 66 mil, entre contratados e entregues.

“O Condomínio Destri, com 421 unidades, em Senador Camará, foi o primeiro a ser inaugurado no Rio pelo Minha Casa e hoje, com apenas dois anos de uso, acumula dívida de R$ 60 mil de luz e R$ 40 mil de água. Arnaldo Rosa Bruzaco Filho, presidente da Associação de Moradores Beato João Paulo II, que reúne outros cinco condomínio do Minha Casa Minha Vida em Senador Camará, diz que o problema é comum nesses empreendimentos.

“— Muitos moradores não se sentem obrigados a pagar as contas. Fui síndico do Destri, e lá enfrentamos problemas. Temos muitos gastos de manutenção. Para você ter uma ideia, quando chegamos aqui, até as mangueiras de incêndio tinham sido furtadas — diz Bruzaco.

“o Condomínio Ayres (vizinho ao Destri), entregue também em 2012, a situação é mais grave. A síndica Iraci da Costa afirma que as contas já somam mais de R$ 100 mil. Como também não pagam pela luz, alguns moradores passaram a fazer ‘gato’ de energia. O Ayres enfrenta outros problemas. Os 421 imóveis foram entregues a famílias que vieram de diferentes comunidades do Rio, controladas por facções rivais. Quase 90 apartamentos foram abandonados por moradores que se sentiam intimidados pelos vizinhos. Outros deixaram os imóveis, hoje já invadidos, porque não aceitaram pagar as contas. Já existem também bares instalados dentro do condomínio, em puxadinhos feitos pelos moradores.

“— Os oradores não estavam preparados para morar num condomínio e estão transformando isso numa favela. A nossa inadimplência já chega a uns 90% — diz Iraci.

No município de Queimados, onde foi entregue em 2012 o condomínio Valdoriosa I, II e III, com quase 1,5 mil apartamentos, os problemas se repetem. Já há registro de venda de drogas. No Valdoriosa I, o síndico Jocely da Silva Gonçalves, de 42 anos, é quem faz a capina, pintura e manutenção das áreas de uso comum, porque falta dinheiro para contratar o serviço. É ele também quem tem de resolver as desavenças entre os moradores.

“— Acabei de mediar uma discussão em que um morador queria esfaquear o outro — conta.

“Especialistas ouvidos pelo Globo consideram que o Minha Casa Minha Vida precisa passar por ajustes. Diretor do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), o economista Manuel Thedim diz que a questão a ser pensada é como levar pessoas que viviam na informalidade a se adaptarem à vida formal, com todos os custos de morar num condomínio. A falta de renda leva os moradores a instalarem pequenos negócios, repetindo a lógica da favela.

“— Criar formas de ganhar dinheiro com um pequeno comércio é uma característica do empreendedorismo das comunidades do Rio. Não podemos condenar isso. Mas é evidente que existe um dilema dentro dos condomínios do Minha Casa Minha Vida. As pessoas foram levadas de uma hora para outra a viverem uma situação de formalidade a que não estavam acostumadas. Na favela, tudo era resolvido como cada um queria. É uma política de habitação que não foi conversada com os moradores — afirma Thedim.

“Ex-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Sérgio Magalhães é ainda mais crítico. Para ele, o Minha Casa não poderia sequer ser chamado de programa de habitação popular, porque não leva em consideração as expectativas dos moradores:

“— O programa não envolve os moradores na discussão do tipo de moradia. O crédito imobiliário teria que ser universalizado no Brasil, deixar de ser tão restrito. A sua restrição se traduz nesse programa, no qual são o governo e a empreiteira que decidem quem vai morar e onde.

“A secretária nacional de Habitação do Ministério das Cidades, Inês Magalhães, ressalta que o programa tem conseguido entregar moradias a moradores com renda de zero a três salários, justamente os que mais sofrem com o déficit habitacional no país. Ela reconhece, no entanto, que a adaptação à vida formal dos condomínios é um desafio. Inês acrescenta que o ministério repassa até 2% do valor dos empreendimentos para o trabalho de formação de gestores dos condomínios e para a área social. Ela diz que, no Rio, esse trabalho ainda não foi feito integralmente:

“— Esse é o maior desafio que temos. Como é que eu trago um conjunto de família para uma outra situação (vida formal)? Por isso, é imprescindível que o poder público local esteja envolvido nesse processo. No Rio, quase metade do poder público (prefeituras) ainda não conseguiu contratar esse trabalho.

“Em nota, a Secretaria municipal de Habitação informou que o trabalho de informação e preparo dos moradores é realizado nos três meses antes da entrega das chaves e durante um ano após a mudança, podendo ser prorrogado por mais um ano. Essa tarefa consiste, por exemplo, no esclarecimento de dúvidas e na prestação de informações (sobre pagamento de condomínio e contas individuais, sobre a vida nos conjuntos etc). A secretaria informou ainda que iniciou uma campanha para tentar reduzir a inadimplência, ‘mostrando a importância da taxa do condomínio para a preservação dos espaços comuns’.” (Fábio Vasconcellos, O Globo, 15/1/2014.)

Não é pela saúde

* Que Mais Médicos, que nada. O nome correto do programa é Mais Cubanos

“Os números são claros como as águas do Mar do Caribe: dos 13 mil profissionais que o programa Mais Médicos pretende mobilizar até março, mais de 10 mil serão cubanos. Com isso, não resta mais nenhuma dúvida de que a anunciada intenção de atrair médicos de outras nacionalidades ou mesmo brasileiros não passou de fachada para um projeto há muito tempo acalentado pelo governo petista: importar médicos cubanos em grande escala, ajudando a financiar a ditadura cubana.

“A terceira fase do Mais Médicos, recém-encerrada, ofertou 6,3 mil vagas, mas teve apenas 466 médicos estrangeiros e 422 brasileiros inscritos. Haverá uma nova etapa de inscrições, mas é improvável que a tendência de baixo interesse seja alterada até lá. Assim, para cumprir a meta, o governo terá de trazer outros 5 mil médicos de Cuba. Esse novo contingente vai se juntar aos 6,6 mil médicos que já atuam no programa – dos quais 5,4 mil são cubanos.

“Como se nota, o programa Mais Médicos deveria se chamar ‘Mais Cubanos’, pois é disso que se trata. As condições estabelecidas pela iniciativa foram desenhadas de tal modo que o resultado seria o desinteresse de brasileiros e estrangeiros, gerando a oportunidade para trazer os médicos de Cuba – os únicos que, soldados de uma ditadura, aceitariam trabalhar em meio à precariedade do sistema de saúde no interior do País e na periferia das capitais.

“Que as regiões mais pobres do Brasil necessitam de mais médicos não resta dúvida. Mas esses profissionais não resolverão o problema, nem mesmo o mitigarão, se não tiverem à sua disposição equipamentos e infra-estrutura ao menos razoáveis. É por esse motivo – e pelo fato de que não teriam direito a FGTS, 13.º salário e hora extra – que os médicos brasileiros não se interessaram em aderir. O Mais Médicos é apenas um remendo – que, no entanto, nada tem de improviso, pois a intenção sempre foi trazer os médicos cubanos.

“A primeira vez que o assunto veio à tona foi em maio do ano passado, quando o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou a intenção de importar 6 mil cubanos. Diante da reação negativa, Padilha disse que tentaria atrair médicos de Portugal e Espanha e que daria preferência a brasileiros, mas não conseguiu aplacar os críticos, pois estava claro que as normas da boa medicina estavam sendo atropeladas pelo populismo. Vieram então as manifestações de junho, e a presidente Dilma Rousseff viu nelas a oportunidade de lançar o Mais Médicos.

“Seis meses antes, porém, professores brasileiros com material didático do que viria a se tornar o Mais Médicos foram a Cuba e lá transmitiram aos médicos locais noções básicas sobre o sistema público de saúde no Brasil e também rudimentos de língua portuguesa. Profissionais do primeiro lote de cubanos que chegou ao País confirmaram que haviam passado por esse treinamento.

“É provável, porém, que a vinda dos cubanos estivesse sendo preparada há mais tempo ainda. Humberto Costa, ex-ministro da Saúde do governo Lula, chegou a dizer, em agosto, que ‘esse programa já vem sendo trabalhado há um ano e meio’ e que ‘boa parte desses cubanos já trabalhou em países de língua portuguesa, não tem dificuldade com a língua’.

“Assim, o Mais Médicos é apenas a formalização de um projeto antigo e com objetivo claro. Os profissionais de Cuba recebem pelo seu trabalho apenas uma fração do valor pago pelo governo brasileiro – o resto fica retido, junto com os passaportes desses médicos, pela ditadura cubana. A exportação de médicos rende US$ 6 bilhões anuais para o governo dos irmãos Castro. O Brasil vai contribuir com R$ 511 milhões graças ao Mais Médicos.

“O governo petista está apresentando essa iniciativa – principal ativo da campanha de Alexandre Padilha ao governo paulista – como a prova de que é sensível às necessidades dos mais pobres. No entanto, além de ser uma forma de consolidar os laços ideológicos com Cuba, o Mais Médicos é a confissão do retumbante fracasso do governo na área de saúde, cujo descalabro nos iguala a países pobres, principais clientes da indústria médica cubana.” (Editorial, Estadão, 11/1/2014.)

O PT mostra sua cara

* Ao xingar o ex-aliado, o PT mostra seu traço de nascença, o rancor

“A parcela do eleitorado que não vota apenas por obrigação, nem perdeu de todo o interesse pela política, está em dívida com o PT. O partido acaba de reavivar a sua memória, chamando a atenção para o que há de mais autêntico no seu modo de ser e tratar os desafetos – o rancor.

“Esse traço de nascença andava um tanto obscurecido desde que o então presidente Lula lançou mão de seu imenso talento de manipulador para não deixar que as suas diatribes contra a oposição e a ‘mídia golpista’ abalassem a imagem marqueteira do ‘Lulinha, paz e amor’, de 2002. É bem verdade que em momento algum a popularidade de Lula transbordou de sua figura para o partido do qual foi criador e ainda hoje é guia e mestre.

“Mas, ao longo de seus dois mandatos, a aversão ao PT nas faixas da sociedade brasileira mais bem informadas e menos dependentes dos cofres federais se nutriu sobretudo da naturalidade com que a sigla se entregou às delícias ‘disso tudo que está aí’ – do que o mensalão foi o apogeu. Quando veio à tona, o mergulho da legenda na corrupção como instrumento por excelência de perpetuação no poder se revelou profundo.

“A tal ponto que afastou das vistas de inumeráveis brasileiros a peçonha alojada no âmago de sua natureza, embora adormecida enquanto o partido empreendia o percurso rumo ao que os costumes políticos nacionais têm de pior. Agora, como que aplicando a si mesmo a transparência de que faz praça de ser paladino, o PT voltou a escancarar o que tem de mais entranhado e por isso imune até as críticas de seus membros mais civilizados.

“Na terça-feira (dia 7), apareceu na página da agremiação no Facebook um texto de 600 biliosas palavras, sob o título pseudoliterário A balada de Eduardo Campos, referindo-se ao governador de Pernambuco. Por não ter assinatura, a peça pode legitimamente ser lida como manifestação oficial do partido – excluída, por absurda, a hilária hipótese de ter sido plantada ali por um quinta-coluna ou um hacker a serviço das forças antagônicas ao projeto reeleitoral da presidente Dilma Rousseff.

“O arreganho acusa o pré-candidato do PSB ao Planalto de ter entrado em desespero quando ficou claro que não havia a menor chance de o PT adotar o seu nome. À parte qualquer outra coisa, trata-se de um disparate. A chance nunca existiu e Campos decerto sabia disso. Se Lula concluísse que Dilma correria o risco de não se reeleger, ele mesmo – e não o então aliado – a substituiria. Mas a falsa premissa serviu para estigmatizar o neto do velho líder esquerdista Miguel Arraes, citado no insultório.

“Campos, ‘estimulado pelos cães de guarda da mídia’, decidiu que era hora de se apresentar como candidato. Com isso – para reduzir a duas palavras neutras um chorrilho de agressões -, o governador ‘rifou não apenas a sua credibilidade política, mas se mostrou, antes de tudo, um tolo’. Poderia ser o fecho inglório de mais uma prova da propensão petista à baixeza contra os que tem por desafetos. Mas não.

“A propósito, ao adotar o xingatório mais crasso como arma política ou ideológica, o PT é apenas fiel a uma tradição inaugurada, na esquerda radical, por ninguém menos que Karl Marx. Na América Latina contemporânea quem mais bem a encarnou foi Hugo Chávez. De todo modo, o leitor que suportar a náusea, indo adiante no lamaçal, não tardará a perceber o que lhe deu origem.

“É o medo de que uma chapa Eduardo Campos-Marina Silva, como apontam as pesquisas, leve a disputa pelo Planalto ao segundo turno, criando uma configuração ameaçadora para Dilma. A ex-ministra é chamada de ‘ovo da serpente’, adesista e ‘pedra no sapato (…) da triste mídia reacionária’. Isso porque a ‘vaidosa’ estaria certa de que será cabeça de chapa. Outro disparate: Marina teria de ser tão obtusa como o autor do mal traçado post para achar ou que poderia persuadir o governador a ceder-lhe a vaga a que aspira ou que poderia, contra ele, levar o PSB a entregar-lhe a titularidade da candidatura.

“Mas isso é detalhe. O que não é, além do strip-tease da alma petista, é o erro primário de tratar Campos como inimigo. Se houver um segundo turno com Aécio Neves, com que roupa o PT poderá pedir ao ofendido que se abstenha de apoiar o tucano?” (Editorial, Estadão, 10/1/2014.)

17 de janeiro de 2014

Outras compilações de provas da incompetência de Dilma e do governo:

Volume 109: Notícias de 19 a 25/7.

Volume 110: Notícias de 26/7 a 1º/8.

Volume 111: Notícias de 2 a 8/8.

Volume 112: Notícias de 9 a 15/8.

Volume 113: Notícias de 16 a 22/8.

Volume 114: Notícias de 23 a 29/8.

Volume 115: Notícias de 30/8 a 5/9.

Volume 116: Notícias de 6 a 12/9.

Volume 117: Notícias de 13 a 19/9.

Volume 118: Notícias de 20 a 26/9. 

Volume 119: Notícias de 11 a 17/10.

Volume 120: Notícias de 18 a 24/10.

Volume 121: Notícias de 25 a 31/10.

Volume 122: Notícias de 8 a 14/11.

Volume 123: Notícias de 15 a 21/11.

Volume 124: Notícias de 22 a 28/11.

Volume 125: Notícias de 28/11 a 5/12.

Volume 126: Notícias de 6 a 12/12/2013.

6 Comentários para “Más notícias do país de Dilma (127)”

  1. Antônio David: ‘Rolezinhos’ expõem a chaga nunca fechada da escravidão”

    1) Como se sabe, o governo Lula iniciou um processo de ascensão social da classe trabalhadora, através do emprego com carteira assinada e do consumo de massas, para o qual o governo Dilma bem ou mal vem dando continuidade.

    Mais do que acesso a educação, bens etc., esse processo criou expectativas, sobretudo entre os mais jovens. Expectativa de fazer parte do mundo deles, do mundo de lá, ou seja, da classe média, com tudo o que ela tem direito: consumo, prestígio, lazer, perspectiva de futuro, trabalho digno. Os “rolezinhos” não são um mero passeio no Shopping, Representam muito mais do que isso. No fundo, são um recado: “nós também queremos participar!”. Evidenciam a existência de expectativas no seio da juventude proletarizada, alimentadas pelo lulismo;

    2) A reação aos “rolezinhos”, tendo encontrado amparo e eco na classe média tradicional, evidencia a restrição que essa classe social tem à integração dos pobres ao seu mundo.

    Falando em português claro: do ponto de vista da classe média tradicional e da burguesia (aquela que faz compras no Brasil, não em Paris), se os “rolezinhos” não forem coibidos, os abastados membros dessas classes pretéritas deixarão de frequentar os shoppings centers, por uma razão muito simples: porque eles odeiam pobre e negro. Os “playboys” e “madames” deixarão de ter seu espaço privè de lazer (leia-se, sem pobre e negro à vista), e, consequentemente, os lojistas não terão o lucro que auferem.

    Nesse sentido, a não aceitação aos “rolezinhos” tem paralelo com a não aceitação das cotas nas universidades públicas, ou com o desconforto sentido pelos indivíduos de classe média quando entram no saguão do aeroporto e dão de cara com pessoas de baixa renda viajando de avião;

    3) O curioso é não haver entre os porta-vozes da classe média quem tenha a coragem de vocalizar seu verdadeiro sentimento, que poderia ser dito nos seguintes termos: “não queremos compartilhar o mesmo espaço com pobres e negros”.

    A classe média é racista, mas sente pudor em expor seu racismo, pois se considera democrática. Ela aceita os de baixo, desde que eles saibam ocupar o “seu lugar”.

    O racismo, assim, permanece mascarado, no campo do não-dito. Daí porque, ao reagirem, vocalizam todo tipo de subterfúgios. O festival de idiotices que temos lido na imprensa, sobretudo na sessão “Painel dos Leitores”, evidencia a incapacidade que a classe média tem de expor seus mais profundos sentimentos, seus verdadeiros sentimentos. Esses sempre são substituídos por pretextos. Uma bobagem atrás da outra. A reação aos “rolezinhos” é o reino dos pretextos.

    Há pouco tempo, tivemos um ótimo exemplo desse curioso traço da nossa classe média. Ao ser questionada sobre a abertura de uma estação do metrô na região, uma senhora de classe média moradora do bairro de Higienópolis, em São Paulo, declarou que a estação atrairia “gente diferenciada”. Ora, será que ninguém se perguntou o motivo de tanto pudor? Por que, afinal, usar a expressão “gente diferenciada”? Sejamos francos: se essa senhora tivesse ido direto ao ponto, sem pretextos nem subterfúgios, o que ela teria dito? Ao invés de “gente diferenciada”, se tivesse sido sincera, ela teria dito: “pobres e negros”.

    Portanto, o surgimento dos “rolezinhos evidencia a existência, na sociedade brasileira, de um apartheid latente, e a de um traço característico das classes abastadas brasileiras, que vivem sob o mito da democracia racial.

    4) Por que tantos jovens de origem proletária, muitos dos quais trabalhadores precarizados, procuram os shoppings centers? O que exatamente nesses lugares os atrai? Mais do que o baluarte do consumo, o shopping center representa a possibilidade da diferenciação social, um lugar para poucos. Mas, afinal, de quem esses jovens querem diferenciar-se? Finalmente, quais são as alternativas que o poder público oferece para esses jovens, em termos de organização da cultura política — sobretudo os governos tendo à frente o PT?

    Uma das hipóteses que tenho ouvido sobre a nova classe trabalhadora é de que, formada no bojo de um processo desmobilizador, ela tende a adquirir a consciência da classe para onde ela pretende ir ou pensa estar indo. Aí parece estar a chave. Como recriminar esses jovens, se eles são chamados de “nova classe média” a torto e a direito? Nesse sentido, e paradoxalmente, os “rolezinhos” evidenciam um perigoso quadro de hegemonia cultural da burguesia e, talvez, da direita.

    5) Contraditório, o lulismo aparece como uma estratégia de acomodação e amortecimento dos conflitos. Ao viabilizar a ascensão social dos trabalhadores sem confronto com o capital, mas garantindo-lhes o ambiente favorável de negócios e o respeito aos contratos, o lulismo apresenta-se como conciliador.

    Contudo, trata-se aqui de um paradoxo: a realidade concreta engendrada pelo processo conduzido pelo lulismo é o exato oposto do que o lulismo aparenta ser. Na medida em que a ascensão social via emprego e consumo vai progredindo, ainda que lentamente, o lulismo vai empurrando a classe trabalhadora para o conflito com o capital — e com a classe média tradicional. É o que verificamos quando olhamos para os dados sobre greves no Brasil. Penso que, ao lado das greves e de um sem número de outros fenômenos — dos quais junho provavelmente faz parte — os “rolezinhos” evidenciam o norte para o qual caminhamos e do qual, graças ao lulismo, cada vez mais nos aproximamos: o conflito.

    6) Os “rolezinhos” surgiram espontaneamente. O que não significa inexistência de organização. Certamente foram organizados. Cabe pesquisar e entender esse novo tipo de organização. Não obstante, tem algo que já de antemão sabemos: trata-se de uma forma que escapa do modelo tradicional de organização, no qual o partido é o polo aglutinador e organizador.

    O partido não organiza, não organizou e provavelmente não organizará. É o fim dos partidos? Não. Mas talvez seja o fim, ou pelo menos o descenso do modelo tradicional de organização da classe. Cabe aos partidos e às organizações de esquerda entender as novas formas de organização da juventude pobre, em ascensão social, e procurar adaptar-se a elas.

    7) O fenômeno dos “rolezinhos” e a reação reacionária e sem mediações, através da violência policial, evidenciam a natureza do processo político em curso no país.

    Afinal, o que é no fundo o lulismo? O lulismo é uma estratégia de combate à pobreza e à desigualdade sem confronto com o capital. Essa explicação, contudo, esconde o essencial. Pois não se trata de um mero combate à pobreza e à desigualdade, como dados brutos, pois a pobreza e a desigualdade subsistem sobre uma estrutura econômica e social herdada de nosso passado; no fundo, o processo político em curso está enfrentando o peso e a persistência de nosso passado colonial, em particular a herança da escravidão.

    Não se trata aqui de retórica. O sentido da frase é literal. Mais de um século transcorreu, o Brasil é outro, as representações são outras, mas é ingenuidade achar que quatrocentos anos de escravidão não deixaram marcas profundas na estrutura econômica e social de nosso país. Marcas que insistem em perseverar e que, não obstante sejam camufladas por todo tipo de ideologia, não cessam de expor, como uma chaga nunca fechada. É isso o que está em jogo no processo político em curso atualmente no Brasil, e é isso o que está em jogo para qualquer estratégia coerente e viável que a esquerda venha a formular e implementar: como enfrentar o legado da escravidão?

    A estratégia do lulismo, com seus erros e acertos, méritos e deméritos, possibilidades e limites, é uma forma de enfrentar nada mais nada menos do que o legado da escravidão. Apenas isso. Simplesmente isso. Daí sua força. Penso que o fenômeno dos “rolezinhos” evidencia a natureza do legado com o qual o lulismo está tendo de lidar. Resta saber até onde ele é capaz de ir, tendo à frente um inimigo tão forte.

    NOSSO MEDO É COM O MEDO REACIONÁRIO DELES! O PIG TEM POLÍCIA, BALAS DE BORRACHA, GÁS LACRIMOGÊNIO, GÁS DE PIMENTA o ódio reacionário, conservador e preconceituoso, como alimento.

  2. Abusados – O líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes (SP), diz que shopping não é lugar de manifestação. “Esse negócio de rolezinho é um abuso. Precisamos ter civilidade nas relações, ou a vida fica insuportável”.

    Cavalões – “Levei meus netos ao Morumbi Shopping domingo”, conta o senador. “Imagine como eu e outros avós reagiríamos caso um bando de cavalões cismasse em dar um rolê’ por lá”.

    Bárbaros – O tucano se diz incomodado com o tom do debate sobre o fenômeno. “Ir ao shopping barbarizar não é um ato de esquerda. Tem gente saudosa de uma revolução que não fez e não fará”.

  3. Sérgio Vaz: o outro.

    Sérgio Vaz, o poeta da Cooperifa, cooperativa cultural da periferia de São Paulo que este ano completa 13 anos:

    “Às vezes as pessoas acham que a gente mora numa grande senzala. Parece que somos incapazes de falar sobre literatura, sobre política, sobre economia. Nós parecemos uma ilha de Lost! Eles [da elite brasileira] estão surpresos: Quanto pobre! Quanto preto! Não somos brasileiros, somos palestinos. Temos de criar aquela OLP, Organização para a Libertação da Periferia”.

    Rolezinho:

    “São os jovens que não tem educação, são os jovens que não tem saúde, somos nós os pretos — como diria Castro Alves, somos nós, os teus cães. A sociedade colocou embaixo do tapete, mas não cabe todo mundo. O Estado tem ódio do pobre e do negro. Eu não sei de onde vem tanto ódio!”

    Sobre a poesia, citando Ferreira Gullar:

    “Só é justo cantar quando seu canto arrasta consigo pessoas e coisas que não tem voz”.

    Sobre as mudanças vividas pela periferia de São Paulo nos últimos anos (já existem 40 saraus como o da Cooperifa):

    “Muitos coletivos culturais aconteceram na comunidade. Não só na nossa, como na periferia de São Paulo. Eu acho que hoje a gente vive a nossa primavera periférica, nossa Primavera de Praga. Eu acho que estamos vivendo nossa Tropicália, nossa Bossa Nova, nossa Nouvelle Vague. Todos os movimentos que viveu a classe média nos anos 60 e 70 estamos vivendo agora. Talvez menos midiáticos, talvez à sombra da grande mídia, do grande público, mas estamos vivendo”.

    Sobre consumo na periferia:

    “É lógico que sou contra o capitalismo compulsivo, essa coisa desenfreada. Mas nós ficamos muito tempo longe das coisas… Dizem: não compra carro que tem muito trânsito! Eu entendo, mas há de entender a gente! Pedir pra gente não comer para não acabar com a natureza é muita sacanagem!”.

    Sobre o funk ostentação:

    “O jovem tá pedindo socorro ali. Se você quiser entender o jovem, é aquilo ali. A educação é aquela ali, a cultura é aquela ali, a saúde é aquela ali. Com a falência do ensino público você não quer que o cara cante Construção [de Chico Buarque], né? É isso o que a molecada tá vivendo, sem instrução e com vontade de consumo”.

    Sobre as faixas de ônibus, que despertam rejeição dos donos de automóveis em São Paulo:

    “O automóvel carrega uma pessoa. O nosso, na M’Boi Mirim [avenida] carrega 200 [refere-se ao ônibus]. É a barbárie. Nossa sociedade não é generosa. Pessoas que tiveram tudo são contra quem não tem nada”.

    Sobre o papel da escola na Zona Sul:

    “A gente abandonou a escola, abandonou os professores, abandonou os alunos e ficamos presos em casa com o cu na mão tentando entender a violência! Aí o cara chega na sociedade e diz ‘eles fazem funk ostentação’. E você queria que ele tocasse Bach ou Beethoven? É muito milagre. É acreditar muito em Deus. E olha que os caras ainda querem cantar!”.

    Sobre o racismo, depois de ter visto o Museu do Holocausto em Berlim e não ter visto equivalente sobre a escravidão, no Brasil:

    “Não tem branco aqui nesse país. Somos todos negros. Ainda que o cara tenha simpatia pelo Hitler ou pela Ku Klux Klan, é negro e ainda da América do Sul! Assista o Datena e olhe como foi tratado o helicóptero com 400 kg de cocaína [apreendido em Minas Gerais] e compare com o [tratamento do] jovem que vende uma paranguinha na beira na favela”.

    Sobre o fato de usar a ironia e o humor em suas falas:

    “Sorrir enquanto luta é uma forma de confundir o inimigo”

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