Más notícias do país de Dilma (136 – Parte Um)

A ex-ministra da Casa Civil e senadora Gleisi Hoffman (PT-PR) merece entrar para a História do Brasil. Ela foi o estopim da mais séria crise do IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, uma instituição que, com 80 anos de existência, adquiriu imenso respeito por sua idoneidade, seriedade, capacidade de não se contaminar pelos humores dos governos de plantão.

A senadora petista, juntamente com Armando Monteiro (PTB-PR), mandou um requerimento à direção do IBGE questionando a Pnad Contínua, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, que apresenta a situação do mercado de trabalho no País de maneira muito mais abrangente do que a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), esta última restrita a apenas seis regiões metropolitanas.

A presidente do IBGE, Wasmália Bivar, informou então que a divulgação da Pnad contínua será interrompida até janeiro do ano que vem – ou seja, para depois das eleições de outubro.

Abriu-se uma crise sem precedentes no instituto. A diretora de pesquisa Marcia Quintslr, técnica respeitada, competente, pediu demissão do cargo. Dezoito coordenadores ameaçaram uma entrega de cargos coletiva; logo em seguida, 45 técnicos envolvidos na confecção do levantamento divulgaram carta aberta à população em que negam a necessidade de revisar a sua metodologia.

“O IBGE tem 80 anos de bons serviços prestados ao país. Enfrentou com coragem a tentativa de interferência dos governo Sarney e Collor”, escreveu Míriam Leitão em O Globo. “A presidente Wasmália Bivar é uma funcionária de carreira que manteve a tradição de independência, mas o adiamento do cronograma e a saída de Márcia Quintslr deixaram um temor no ar. O Brasil já sabe os estragos que este governo pode fazer em uma instituição pública. O problema do Ipea não é o de um percentual errado. (…) A direção do instituto tem se dedicado mais a agradar ao governo do que em ser a voz crítica interna que sempre foi. (…) Na gestão do ex-presidente Márcio Pochmann, virou um centro de auto-louvação petista.”

A crise do IBGE não terminou. Ainda na quarta-feira, dia 16 de abril, cerca de 200 funcionários do instituto fizeram uma manifestação no Centro do Rio para protestar contra a decisão de interromper a divulgação da Pnad Contínua.

Na Argentina, Cristina Kirchner conseguiu destruir a credibilidade do Indec (Instituto Nacional de Estatística e Censos), o IBGE deles. Hoje, ninguém mais acredita nos índices de inflação calculados pelo Indec. E, como disse O Globo em editorial, “como Casa Rosada e Planalto têm preocupantes afinidades, é preciso manter-se vigilante”.

Transformar o IBGE no Indec seria um crime inominável. Como escreveu Míriam Leitão ao fim de seu artigo: “Distorcer a função de um Ipea prejudica o país, mas interferir no instituto oficial de estatísticas é trágico. Torço para que tudo se esclareça e que a senadora Hoffmann guarde distância do órgão. Ele é um patrimônio do Brasil. Não pode ser visto como governamental. O IBGE é do Estado brasileiro.”

Aí vai a primeira parte da 136ª compilação semanal de notícias e análises que comprovam os malefícios e a incompetência do lulo-petismo como um todo e do governo Dilma Rousseff em especial. Foram publicadas nos jornais entre os dias 11 e 17 de abril de 2014. A segunda parte desta compilação trata especificamente das tragédias na Petrobrás e da escabrosa história das ligações do deputado André Vargas (PT-PR) com o doleiro Alberto Youssef, preso pela Polícia Federal.

A crise no IBGE

* O IBGE anuncia que só volta a divulgar a Pnad contínua no ano que vem

“A presidente do IBGE, Wasmália Bivar, informou que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua será interrompida até janeiro do ano que vem por readequação de metodologia requerida por lei. O IBGE recebeu requerimento dos senadores Gleisi Hoffman (PT-PR) e Armando Monteiro (PTB-PE) mostrando ‘preocupação com os dados que estão sendo coletados e que estão sendo divulgados possam gerar avaliação equivocada por parte dos Estados’ no rateio do Fundo de Participação dos Estados e Municípios. Atualmente a repartição utiliza como base o PIB per capita, mas a Lei complementar número 143/2013 prevê que seja substituída pela renda domiciliar per capita.

“Essa substituição implica a existência de intervalos de confiança (margens de erro) que antes não ocorriam e que variam de acordo com a unidade da federação. Por exemplo, pela Pnad tradicional de 2012, o rendimento domiciliar per capita médio de São Paulo tinha uma margem de erro de 6%, no Acre era de 16,7%. Um dos critérios para o estado ou município receber recursos do FPE é a renda e a capacidade de gestão dos recursos. Os senadores querem equalizar esses intervalos para evitar contestações judiciais.

“Wasmália explicou que a utilização do PIB per capita era defendida pelo instituto porque não apresentava intervalos de confiança e era produzida em conjunto com técnicos estaduais, aumentando a transparência dos dados. Ela explicou que inicialmente foi interpretado que o prazo seria dezembro de 2015, mas, na realidade, a lei prevê a mudança até dezembro de 2014. Segundo ela, faltam recursos humanos para dar conta do aumento de amostras e testes requeridos com a alteração.

“— Nosso objetivo é fazer uma parada técnica. Teremos que estudar como fazer a mudança do intervalo de confiança entre as UFs. Eles querem que seja equalizado para evitar contestações judiciais — afirma Wasmália. — Com certeza a pesquisa é um avanço e isso não macula a excelência da Pnad Contínua.

“A presidente do IBGE disse que os pesquisadores continuarão em campo para a Pnad Contínua e que será necessário aumentar as amostras e testes. Estão mantidas para este ano a Pnad nos moldes tradicionais. A Pesquisa de Orçamentos Familiares está prevista para janeiro, assim como a retomada da pesquisa contínua, com divulgação mensal de alguns dados a respeito do mercado de trabalho brasileiro. (Clarice Spitz, O Globo, 11/4/2014.)

* Diretora de pesquisa do IBGE pede para deixar o cargo após decisão de só voltar a divulgar Pnad contínua só em 2015

“A diretora de pesquisa do IBGE Marcia Quintslr pediu para sair do cargo após o instituto de pesquisa informar que a Pnad Contínua será interrompida até janeiro. Segundo a presidente do IBGE, Wasmália Bivar, essa diretora não concordou com a decisão do colegiado de parar com a pesquisa em virtude da exigência da legislação do Fundo de Participação dos Estados (FPE) de reformular a metodologia e o requerimento de senadores de equalizar margens de erro entre os 27 unidades da federação.

“— Ela ficou dividida e achou o remédio duro demais. O colegiado se reuniu diversas vezes e decidiu que não correríamos o risco de errar com as pesquisas e também perder a credibilidade da pesquisa. Não são decisões que se tomem facilmente — afirmou Wasmália.

“Segundo o IBGE, há carência de pessoal para cuidar das mudanças. A Associação dos Servidores do instituto criticou a suspensão da pesquisa na sua página na internet: ‘Trata-se de um desrespeito aos trabalhadores do IBGE, na medida em que as decisões anunciadas pela Direção representam o remodelamento de uma pesquisa que está em andamento, sem qualquer consulta aos que planejam e executam.’

“A presidente do IBGE disse que o instituto convive com uma carga pesada de pesquisas e com quadros reduzidos, com muitas aposentadorias. Ela lembra que a equipe da Pnad Contínua conta hoje com apenas sete pessoas na coordenação da pesquisa.

“— Era uma questão. Tinha gente que achava que o remédio era duro demais. O mundo não é feito de melhores e de piores escolhas, às vezes é de menos piores escolhas.

“Ao ser indagada se há ingerência política no adiamento da pesquisa, a presidente do IBGE afirmou:

“— O IBGE de ontem é o mesmo que o de hoje. Ontem (9/4) divulgamos que a inflação foi a maior em 11 anos. A falta de cumprimento da lei da FPE tem consequências graves. O cumprimento dessa lei da FPE é fundamental e temos que lidar com a lei com o devido rigor.” (Clarice Spitz, O Globo, 11/4/2014.)

* 18 coordenadores do IBGE condenam adiamento da divulgação da Pnad

“Os coordenadores e gerentes estratégicos de pesquisa do IBGE enviaram carta ao Conselho Diretor do instituto condenando a decisão de adiar a nova Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad) trimestral. O documento foi publicado esta manhã no site do ASSIBGE(Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Fundações Públicas Federais de Geografia e Estatística).

“A carta classifica como ‘inaceitável’ o comunicado do IBGE e o anúncio de reprogramar o calendário da pesquisa e denuncia que tal decisão foi tomada sem consulta ao corpo técnico. O grupo pede que o corpo técnico seja ouvido, caso contrário não será sustentável sua permanência nos cargos.

“Na quinta-feira (10/4), a presidente do IBGE, Wasmália Bivar, anunciou que a Pnad contínua só voltará a ser divulgada em janeiro. A decisão foi tomada depois que os senadores Gleisi Hoffman (PT-PR) e Armando Monteiro (PTB-PE) levantaram dúvidas sobre as margens de erro nas estatísticas sobre rendimento domiciliar per capita. Isso levou a diretora de Pesquisas do IBGE, Marcia Quintslr, a pedir demissão. ‘Tal decisão torna-se ainda mais grave por ter sido tomada sem consulta à equipe técnica, e apesar de a Diretora de Pesquisas ter se manifestado contrariamente à suspensão da divulgação, em 2014, dos resultados da Pnad Contínua’, diz o texto.

“Os coordenadores e gerentes pedem a rediscussão e a revisão da decisão e que a equipe técnica responsável pela diretoria de Pesquisas seja ouvida, ‘sem o quê o corpo gerencial entende ser insustentável a permanência no exercício dos seus cargos’.

“O documento é assinado por 18 coordenadores e gerentes do IBGE: Andréa Diniz da Silva, Bruno Erbisti Garcia, Carlos Sobral, Cimar Azeredo Pereira, Cláudia Crespo, Eulina Nunes dos Santos, Flavio Pinto Bolliger, Flávio Renato Keim Magheli, Francisco de Assis Corrêa Alchorne, Gustavo Junger da Silva, Jacqueline dos Santos Manhães, Luís Carlos de Souza Oliveira, Luiz Fernando Pereira Rodrigues, Maria Leticia Duarte Warner, Pedro Luiz de Sousa Quintslr, Priscila Koeller Rodrigues Vieira, Sonia Albieri e Taurino de Vasconcelos Millen.” (Lucianne Carneiro e Cássia Almeida, O Globo, 11/4/2014.)

* Mudança na divulgação da PNAD prejudica o IBGE, dizem ex-presidentes

“Alterações de cronograma de divulgações sempre atrapalham a imagem de órgãos de estatística. A avaliação foi feita por dois ex-presidentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ouvidos pelo Estado ontem (11/4), um dia após o órgão responsável pelos principais dados oficiais do País anunciar a suspensão da divulgação da Pnad Contínua, pesquisa que mede, com visitas a domicílio, dados socioeconômicos, como emprego e renda.

‘Quando essas alterações são feitas em contexto de campanha eleitoral, as consequências podem ser ainda piores, disseram os ex-presidentes.

“O sociólogo Simon Schwartzman, presidente do IBGE de 1994 a 1998, destacou a tradição de independência do IBGE em relação ao governo, mas ponderou que alterações no cronograma levantam suspeitas sobre a falta de autonomia do órgão. ‘Tradicionalmente, o IBGE sempre foi independente. Mas, quando a suspensão de uma divulgação ocorre em momento político de campanha eleitoral, levanta suspeitas’, disse Schwartzman ao Estado, destacando que falava em tese, sem entrar no mérito específico do caso da Pnad Contínua.

“O economista Sérgio Besserman Vianna, presidente do IBGE de 1999 a 2003, também lamentou a alteração no cronograma de divulgação de pesquisas. ‘Não considero a hipótese de interferência política sobre o IBGE, mas lamento a alteração no cronograma.’

“Segundo o economista, a divulgação de um cronograma prévio, preferencialmente no ano anterior, e seu cumprimento à risca, é fundamental para garantir a independência dos institutos oficiais de estatística, em todos os países. ‘O IBGE tem que cumprir a lei, mas cumprir o cronograma é uma regra muito importante’, disse Besserman, referindo-se à justificativa dada pelo IBGE para suspender a divulgação da Pnad Contínua.

“Besserman disse não duvidar da independência do IBGE porque conhece e já trabalhou com muitos profissionais envolvidos nas mobilizações dos últimos dois dias. Segundo ele, os profissionais são capazes de colocar a estatística e suas pesquisas ‘acima de tudo’.

“A decisão de alguns de colocar os cargos à disposição, nesse caso, na visão de Besserman, poderia ter a ver com a avaliação individual sobre custos e benefícios de fazer uma alteração no cronograma.

“Já Schwartzman chamou atenção para o fato de a suspensão da divulgação ter gerado discordância entre diretores e a presidente do órgão, Wasmália Bivar, o que poderia sugerir ingerência política.

“A situação causa preocupação maior, na avaliação do sociólogo, por causa da reputação da diretora de Pesquisas, Marcia Quintslr. Ela pediu exoneração ainda anteontem, por discordar da suspensão. Schwartzman classificou a pesquisadora como dedicada, competente e respeitada no meio. ‘A vida dela é o IBGE. É mais uma razão para ficar preocupado. É uma pessoa comprometida com a autonomia do instituto.’” (Vinicius Neder, Estadão, 12/4/2014.)

* A suspensão da divulgação não foi por motivos técnicos. Portanto, foi por questão política mesmo

“A suspensão, pela diretoria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da divulgação dos resultados trimestrais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) – que apresenta a situação do mercado de trabalho no País – deixa claro que, se for necessário para evitar que informações eventualmente negativas sobre o desempenho da economia causem danos à candidatura da presidente Dilma Rousseff à reeleição, o governo do PT não hesitará um segundo para intervir em qualquer órgão público. Nem mesmo instituições como o IBGE, que construíram ao longo dos anos uma reputação reconhecida internacionalmente pela qualidade e isenção de seu trabalho e produzem informações essenciais para a formulação de políticas públicas e para decisões das empresas privadas e das famílias, escapam da volúpia petista pela permanência no poder.

“A revolta do corpo técnico da Diretoria de Pesquisas da instituição, responsável pela produção dos principais indicadores por ela divulgados regulamente, não deixa dúvidas quanto ao caráter político da decisão. A diretora Marcia Quintslr, que se opunha à interrupção da divulgação dos resultados, demitiu-se do cargo que ocupava desde 2011 tão logo a suspensão foi anunciada. Em nota, coordenadores e gerentes estratégicos da Diretoria de Pesquisas disseram ser ‘insustentável’ sua permanência nos cargos caso a suspensão seja mantida.

“A constatação, pela Pnad Contínua, de que o desemprego médio no País em 2013 foi de 7,1% deve ter provocado grande irritação entre os membros do governo que acumulam a função de organizadores da campanha eleitoral de Dilma. Eles estavam acostumados a outro indicador, a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) também aferida pelo IBGE, que tem apontado para um desemprego em torno de 5% – número que certamente tem impacto eleitoral muito mais favorável para a candidatura oficial do que o da Pnad Contínua.

“São, porém, pesquisas diferentes, baseadas em metodologias e critérios diferentes e com abrangências igualmente diferentes (a PME limita-se a seis regiões metropolitanas; a Pnad Contínua tem alcance nacional), daí a discrepância de seus resultados num determinado momento.

“Ao anunciar a suspensão da divulgação dos resultados trimestrais da Pnad em 2014 – a próxima estava marcada para o dia 27 de maio – e o reinício dos anúncios em janeiro de 2015, quando o vencedor da eleição presidencial já tiver tomado posse, a diretoria do IBGE tentou justificá-la com argumentos técnicos. Entre outros, a direção do instituto alegou, em comunicado, que a suspensão é necessária para eliminar da pesquisa dúvidas e questionamentos, entre os quais a respeito de renda domiciliar per capita, que será utilizada para definir as quotas de Estados e municípios nos respectivos fundos de participação em tributos federais.

“Os técnicos da Diretoria de Pesquisas consideraram ‘inaceitável’ essa alegação e também a decisão de refazer o calendário de divulgação dos resultados da Pnad Contínua. Documentos técnicos publicados pelo IBGE e declarações da presidente da instituição, Wasmália Bivar, à imprensa mostraram que há tempos a metodologia da pesquisa não precisa mais ser revista ou testada.

“A metodologia é utilizada desde 2006 e a Pnad Contínua começou a ser realizada em caráter excepcional em outubro de 2011, em pelo menos 20 regiões metropolitanas, além de cinco capitais estaduais e no Distrito Federal. Em janeiro de 2012, foi estendida para todo o território nacional e, de acordo com as Notas Metodológicas publicadas pelo IBGE no início deste ano, desde então faz parte do conjunto de pesquisas do instituto.

“Em setembro do ano passado, em entrevista ao jornal Brasil Econômico, a presidente do IBGE afirmou que, ‘quando começarmos a produzir, teremos que divulgar um cronograma e não poderemos parar’. O cronograma foi amplamente anunciado no início deste ano (os dois primeiros resultados foram divulgados na data prevista), mas, por alguma razão, Wasmália e outros diretores do IBGE decidiram suspender a divulgação. Não foi por razões técnicas.” (Editorial, Estadão, 13/4/2014.)

* O IBGE tem 80 anos de bons serviços prestados ao Brasil. Mas aí chegou o PT. E o Brasil já sabe os estragos que esse governo pode fazer em uma instituição pública

“As crises do IBGE e Ipea são diferentes, mas assustam igualmente. O IBGE tem feito, com independência, pesquisas que trazem números incômodos para o governo. O Ipea, desde Lula, tem sofrido desvio de função. O adiamento do cronograma da Pnad Contínua, que levou à demissão de Marcia Quintslr, foi estranho pelo momento e pela maneira como foi feito. O instituto se rebelou.

“A Pnad Contínua vem sendo preparada há anos. Houve um esforço de explicação, treinamento, prévias, porque a transição é muito complexa. Esse trabalho começou há três anos e todo o cronograma foi decidido com antecedência e vinha sendo cumprido. Afinal, o objetivo é ter uma grande base de dados pesquisados em 211 mil domicílios de 3.500 municípios.

“No desemprego, nas primeiras divulgações, ela trouxe uma informação valiosa para as políticas públicas e das empresas: o de que olhando-se o Brasil além das seis regiões metropolitanas, o desemprego é dois pontos percentuais maior. Não são índices comparáveis. Não se pode dizer que o desemprego subiu de 5% para 7%. Mas se pode dizer que, com um novo e mais amplo termômetro, o quadro do mercado de trabalho é diferente do que se imaginava.

“Os economistas vêm dizendo que a baixa taxa de desemprego reduziu o crescimento potencial do Brasil. O que o novo número indica é que talvez haja mais espaço para crescer — e empregar — do que se imagina e que no interior há mais mão de obra desocupada. Entre os jovens, o número é muito maior do que já é na PME. No Nordeste, chegam a quase 20% os jovens que procuram e não encontram emprego.

“O quadro do mercado de trabalho brasileiro é mais complexo do que supõe a visão apenas economicista. Dados mais nacionais melhoram o debate. Um mercado de trabalho estrangulado — sem oferta de trabalhadores — não se dá ao luxo de discriminar. O nosso permanece pagando 70% menos para mulheres no mesmo nível de escolaridade. Cria mais barreiras à entrada de negros e não quer investir na qualificação de jovens, apesar de eles entrarem no mercado com mais escolaridade que seus pais.

“Tudo isso estava começando a ter dados mais nacionais e mais exatos. O problema é que o novo índice reduziu o brilho de um dos números a se mostrar na campanha: o da taxa de desemprego de 5%. Uma bobagem esse temor, até porque a nova taxa também mostra tendência de queda do desemprego.

“Mas aí entrou em ação a chefe da tropa de choque do governo, senadora e ex-ministra chefe da Casa Civil e candidata ao governo do Paraná, Glesi Hoffmann. Ela e seu conhecido colega Armando Monteiro levantaram dúvidas sobre as margens de erro nos dados de renda. O instituto decidiu suspender a pesquisa e só voltar com ela em janeiro de 2015.

“O IBGE tem 80 anos de bons serviços prestados ao país. Enfrentou com coragem a tentativa de interferência dos governo Sarney e Collor. A presidente Wasmália Bivar é uma funcionária de carreira que manteve a tradição de independência, mas o adiamento do cronograma e a saída de Márcia Quintslr deixaram um temor no ar.

“O Brasil já sabe os estragos que este governo pode fazer em uma instituição pública. O problema do Ipea não é o de um percentual errado. Há muita gente séria e competente, até entre os atingidos por esse erro, trabalhando no órgão. Mas a direção do instituto tem se dedicado mais a agradar ao governo do que em ser a voz crítica interna que sempre foi.

“O Ipea tradicionalmente usa a vasta e rica base de dados do IBGE, e outros bancos de dados, para fazer estudos reveladores. Ainda há quem trabalhe assim no órgão. Na gestão do ex-presidente Márcio Pochmann, virou um centro de auto-louvação petista. Pochmann afastou-se para ser candidato à prefeitura de Campinas, pelo PT, mas perdeu a eleição.

“Foi horrível o erro da pesquisa sobre violência contra a mulher, mas o pior é o Ipea estar se dedicando à pesquisa de opinião, que nunca foi sua função. Também não faz sentido ter uma sucursal na Venezuela.

“Distorcer a função de um Ipea prejudica o país, mas interferir no instituto oficial de estatísticas é trágico. Torço para que tudo se esclareça e que a senadora Hoffmann guarde distância do órgão. Ele é um patrimônio do Brasil. Não pode ser visto como governamental. O IBGE é do Estado brasileiro.” (Míriam Leitão, O Globo, 13/4/2014.)

* 45 técnicos do IBGE desmentem necessidade de suspensão de divulgação da PNAD e ampliam crise

“Enquanto os coordenadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que ameaçavam uma entrega de cargos coletiva baixaram o tom após as críticas recebidas pelo instituto a reboque da suspensão das próximas divulgações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), técnicos envolvidos na confecção do levantamento divulgaram ontem (14/4) uma carta aberta à população em que negam a necessidade de revisar a sua metodologia.

“Segundo a carta, que joga um pouco mais de lenha na fogueira que envolveu o IBGE desde a semana passada, os dados fornecidos pela Pnad Contínua são precisos e atendem às exigências previstas na Lei Complementar n.º 143/2013, que determina o indicador como base para o rateio do Fundo de Participação dos Estados (FPE). O atendimento à lei foi a justificativa dada pelo Conselho Diretor do IBGE para suspender a divulgação da Pnad Contínua.

“A carta desta segunda é assinada por 45 servidores das coordenações diretamente envolvidas na Pnad Contínua. Segundo os técnicos, mesmo se houvesse necessidade de estudos adicionais sobre a metodologia, seria possível conciliar a revisão da pesquisa com as próximas divulgações, ‘apesar das restrições de recursos orçamentários e humanos que afetam o instituto’.

“Na quinta-feira (10/4), a presidente do IBGE, Wasmália Bivar, anunciou que a próxima divulgação da Pnad Contínua, prevista para junho, estava suspensa até o ano que vem, para que pudessem ser feitas mudanças na metodologia da pesquisa. A mudança havia sido solicitada pelos senadores Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Armando Monteiro Neto (PTB-PE), com o argumento de que havia uma diferença no cálculo da renda per capita entre os Estados que poderia suscitar questionamentos jurídicos na hora da divisão do FPE.

“A mudança no cronograma da pesquisa motivou o pedido de exoneração de dois dos oito integrantes do conselho diretor do órgão: Marcia Quintslr, diretora de Pesquisas, e Denise Britz do Nascimento Silva, coordenadora-geral da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence). O episódio gerou uma das piores crises institucionais da história do IBGE. Em carta enviada ao conselho, 18 coordenadores e gerentes ameaçaram também pedir exoneração, numa entrega de cargos coletiva.

“Ontem (14/4), porém, os coordenadores, em nota, tentaram despolitizar a questão, afirmando que os trabalhos técnicos do órgão não estão sob nenhum domínio ou ingerência política e que não há suspeição sobre a integridade do conselho diretor. ‘Foi uma tentativa de abrir um diálogo com a direção’, afirmou Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimento do instituto e responsável pela Pnad Contínua.

“Diante da revolta dos servidores, a direção do IBGE concordou que fosse formado um grupo técnico encarregado de encontrar uma solução para manter as divulgações. Constituído ontem por técnicos que já lidam diretamente com a Pnad, o grupo começa a trabalhar já na manhã desta terça-feira (15/4). O objetivo é assegurar que a divulgação marcada para 3 de junho seja mantida.

“A intenção dos coordenadores é fazer com que a decisão sobre os rumos da Pnad Contínua venha do corpo técnico do órgão, e não da direção. Quanto à irredutibilidade manifestada pela presidência do instituto em voltar atrás na decisão de suspender as próximas divulgações da Pnad Contínua, Azeredo disse que não foi o combinado com os coordenadores rebelados, na sexta-feira. ‘Ficou acordada a formação desse grupo técnico, e, com base no que ele avaliasse, será definido se será necessário mexer em algo ou não (na pesquisa).’

“Segundo Azeredo, a debandada dos chefes de pesquisas não está em pauta no momento. ‘Isso foi num primeiro momento, para podermos abrir um diálogo sobre os rumos da pesquisa, cuja decisão pela suspensão foi tomada sem que o corpo técnico fosse consultado’, lembrou.

“Sobre a possibilidade de novos pedidos de exoneração caso a avaliação técnica não seja aceita pela direção e a suspensão seja mantida, Azeredo é cauteloso. ‘Um passo de cada vez. Já conseguimos abrir diálogo, agora é trabalhar para mostrar à direção que é possível realizar as próximas divulgações e fazer o aperfeiçoamento nas análises sobre rendimentos que for necessário.’” (Daniela Amorim, Estadão, 15/4/2014.)

* IBGE admite possibilidade de rever decisão de só voltar a divulgar a Pnad depois da eleição

“O IBGE pode rever sua posição de adiar a divulgação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. A presidente do IBGE, Wasmália Bivar, enviou boletim interno aos funcionários nesta terça-feira, explicando os motivos da suspensão da pesquisa e admitindo que a direção pode reavaliar a decisão:

“‘O Conselho Diretor se comprometeu a analisar essa proposta (dos técnicos para manter o cronograma de divulgação da Pnad) para, com base nela, então reavaliar as decisões envolvendo a Pnad Contínua e suas divulgações’, diz o informe assinado pela direção.

“A medida provocou a demissão da diretora de Pesquisa, Márcia Quinstlr, e ameaça de demissão de coordenadores e até carta aberta dos pesquisadores do instituto que se insurgiram contra a interrupção da Pnad Contínua e críticas de políticos da oposição.

“Sobre a crise no instituto, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, disse que cabe ao IBGE, órgão subordinado à pasta, definir se a suspensão deve ser mantida e garantiu que o IBGE tem plena autonomia para tomar decisões sobre as pesquisas que realiza:

“— O que eu quero é que o IBGE me diga o que tem que fazer e quando — afirmou.

“A informação de que se abriu um caminho para se negociar a retomada do levantamento não foi suficiente para apaziguar os ânimos no instituto. Cerca de 20 técnicos se reuniram com a direção do IBGE e, segundo uma técnica que esteve no encontro e não quis se identificar, o grupo não alterou sua posição de que a pesquisa é sólida e que não há necessidade de se rever as margens de erro da Pnad, conforme questionou a senadora Gleisi Hoffmann em requerimento enviado ao Ministério do Planejamento, afirmando que até os governadores que forem eleitos devem ser ouvidos.

“— Reforçamos que as variáveis têm qualidade estatística e que não é preciso revisão da metodologia — diz a técnica.

“Miriam rechaçou insinuações de que a suspensão da Pnad Contínua teria ocorrido porque a pesquisa mostrou uma taxa de desemprego maior que a Pesquisa Mensal de Emprego (7,1% contra 5,4%):

“— Se tem uma coisa com a qual esse governo não se preocupa são dados de emprego. (…) Qual seria o interesse do governo de evitar uma discussão sobre emprego? A população desse país sabe quem criou emprego.

“Ela admitiu que o governo reduziu o orçamento do instituto — de R$ 2,1 bilhões para R$ 1,8 bilhão — em 2014 por causa de restrições fiscais.

“Por sua vez, o Sindicato de Servidores do IBGE (Assibge) divulgou nota com duras críticas à direção e convocou manifestações pela autonomia técnica do IBGE, concursos e melhores salários em vários estados. No Rio, os funcionários farão manifestação a partir 10h em frente ao prédio do IBGE na Avenida Chile, onde fica o Departamento de Pesquisas. A expectativa dos sindicalistas é que os cerca de 1.200 funcionários paralisem as atividades durante o ato.

“‘Não é mais possível conviver com a incompetência da atual direção do IBGE e com sua subserviência às políticas de governo, nem com a hierarquização em estruturas de comando rígidas e autoritárias’, disse o sindicato na nota.” (Cássia Almeida, Clarice Spitz, Martha Beck e Eliane Oliveira, O Globo, 16/4/2014.)

* Como as ocupantes da Casa Rosada e do Planalto têm preocupantes afinidades, é preciso manter-se vigilante com o que acontece no IBGE

“A experiência desaconselha misturar interesses político-partidários com instituições públicas de pesquisa, entre outras. Como prova, aí está o problema criado pela senadora petista Gleisi Hoffmann (PR) — aguerrida defensora do governo Dilma, de quem foi ministra-chefe da Casa Civil — com o corpo técnico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entidade respeitável do Estado brasileiro. A polêmica trata de parte da nova pesquisa por amostra de domicílios, a ‘Pnad Contínua’, importante aperfeiçoamento na apuração de indicadores sócio-econômicos no Brasil, por ser aplicada num universo bem mais amplo que a conhecida Pnad. Ao abranger 3.500 dos 5.700 municípios, ela garante informações mais precisas.

“A questão é que sairão da nova Pnad os dados regionais de renda para efeito de cálculo dos novos parâmetros aos quais se subordinará a distribuição dos recursos do fundo de participação de estados e municípios — um assunto crucial para governadores e prefeitos.

“O problema começou quando a senadora colocou sob suspeita a capacidade de o IBGE fornecer informações de qualidade para a recalibragem do fundo de participações, e nos prazos legais. O conselho diretor do IBGE suspendeu a Pnad Contínua, jogando sua retomada para 2015 — depois das eleições. De maneira compreensível, a diretora do IBGE Marcia Quintslr se exonerou, sendo acompanhada por técnicos. Entende-se o gesto como pertinente ação cautelar diante de precedentes de interferência político-partidária. O exemplo mais conhecido é a ingerência de frações petistas no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), também estatal, durante um certo período, quando chegou a haver uma caça ideológica às bruxas. Seu presidente à época, o economista Márcio Pochmann, depois candidatou-se pelo partido, sem êxito, à prefeitura de Campinas.

“Foi lógico relacionar a ação da senadora ao fato de a Pnad Contínua, por características técnicas, mostrar um índice de desemprego diferente daquele que é divulgado mensalmente. Mesmo que os números não possam ser comparados, os 7% de desemprego da nova pesquisa desagradam os marqueteiros da campanha de Dilma, já certamente com peças de propaganda nas gavetas para exaltar o índice de 5% apurado pelo indicador velho, em apenas seis regiões metropolitanas.

“O clima ontem à tarde (15/4) era de desanuviamento. Os técnicos tratam de reformular o esquema de trabalho, para a Pnad Contínua fornecer os dados de renda regionais nos prazos legais, enquanto a ministra do Planejamento, Míriam Belchior, considera tudo um mal-entendido e reafirma que o instituto tem total autonomia operacional.

“Melhor assim. Seria inaceitável o IBGE seguir o destino do congênere argentino Indec, subjugado aos interesses do governo de Cristina K, a ponto de falsificar as taxas oficiais de inflação. Como Casa Rosada e Planalto têm preocupantes afinidades, é preciso manter-se vigilante.” (Editorial, O Globo, 16/4/2014.)

Tudo errado na condução da economia

* O País está colhendo o que Lula e Dilma plantaram nos últimos oito anos

“O ministro Guido Mantega completou oito anos de permanência na pasta da Fazenda. O fato enseja reflexões sobre o que ocorreu desde 2006, quando o ministro Antonio Palocci teve de ser substituído.

“Como foi possível que as oportunidades extraordinariamente promissoras, abertas no mandato inicial do presidente Lula, acabassem redundando em desempenho econômico tão lamentável como o que vem marcando o governo da presidente Dilma Rousseff?

“Na resposta a essa indagação, é importante focar no que interessa. Não faz sentido perder tempo com atribuição de culpa ao ministro Guido Mantega. É preciso ir mais fundo. E entender como o Planalto passou a se pautar por objetivos e critérios que permitiram que Mantega fosse mantido à frente do Ministério da Fazenda ao longo de três mandatos presidenciais.

“No fim de março de 2006, quando Lula teve de nomear um substituto para Antonio Palocci, seu governo atravessava um momento peculiar. A economia vinha tendo excelente desempenho. Mas o Planalto ainda estava às voltas com a crise do mensalão, que havia descabeçado o PT e deixado o governo vulnerável e extremamente fragilizado.

“O objetivo central do presidente passara a ser conter o desgaste da crise e, com sorte, conseguir ser reeleito. Nesse quadro, seria certamente importante tirar o melhor proveito possível do bom desempenho que vinha tendo a política econômica. Mas sem esticar a corda mais do que o necessário. Em meio à adversidade, passara a ser fundamental manter o PT coeso e o Executivo pouco dependente do Congresso.

“Foi nessas circunstâncias que o presidente Lula se permitiu uma extravagância. Tendo passado mais de três anos sob os rigores que lhe impunha o doutor Palocci, o presidente decidiu que já era tempo de nomear um ministro da Fazenda que jamais lhe dissesse não e lhe deixasse as mãos livres para cuidar da reeleição.

“O capricho não lhe parecia arriscado. O círculo virtuoso que lhe legara a boa gestão da política econômica parecia cada vez mais consolidado. Tudo que seria exigido do novo ministro era cuidar do piloto automático.

“Na verdade, essa era a história que, na época, se contavam os mais otimistas, para tentar se convencer de que tal extravagância não passaria do fim do primeiro mandato. Ledo engano. Para grande apreensão de quem quer que havia acompanhado sua trajetória, Mantega foi mantido no cargo no segundo mandato.

“Um Ministério da Fazenda fraco, tripulado por um ministro dócil e afinado com a ministra Dilma Rousseff, havia se tornado um arranjo extremamente conveniente para a consolidação de uma inédita preponderância da Casa Civil na formulação e na condução da política econômica.

“Na esteira do desmantelamento da equipe montada por Palocci, as idéias que haviam norteado a política econômica entre 2003 e 2005 passaram a ser frontalmente contestadas pela Casa Civil, coadjuvada pela Fazenda e pelo BNDES. O agravamento da crise econômica mundial, em 2008, foi o ensejo que faltava para que o governo desse outra orientação à política econômica, sob a bandeira de uma ‘nova matriz’ desenvolvimentista.

“Abertas as comportas do expansionismo fiscal, com a criação de um gigantesco orçamento paralelo no BNDES, o baque da economia em 2009 foi logo superado. O PIB cresceu nada menos que 7,5% em 2010, ainda que às custas de forte aceleração da inflação. E Dilma Rousseff acabou eleita presidente.

“A confirmação de Mantega como ministro da Fazenda do novo governo não chegou a surpreender. A mudança relevante deu-se em nível mais alto. A responsabilidade pela formulação e pela condução da política econômica, que antes cabia à ministra-chefe da Casa Civil, foi assumida pela própria presidente da República.

“O desfecho dessa longa história é bem conhecido. Crescimento pífio, inflação estourando o teto da meta, contas públicas desacreditadas e grave desequilíbrio nas contas externas. Lula reclama que ‘poderíamos estar melhor’. Claro que sim. Poderíamos. Mas agora é tarde. O País está colhendo o que Lula e Dilma plantaram nos últimos oito anos.” (Rogério Furquim Werneck, economista, Estadão e O Globo, 11/4/2014.)

* O governo age como se o FMI, o Fed, a Standard & Poor’s, a OCDE estivessem conspirando contra ele

“O governo vai precisar de uma tropa muito esforçada, se quiser rebater ponto por ponto as más notícias embutidas nos relatórios semestrais apresentados nesta semana pelos departamentos especializados do FMI. O primeiro combatente a se apresentar em Washington, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, ficou na conversa de sempre da austeridade fiscal. Chegou a mencionar o fim das desonerações, como se isso alterasse profundamente a situação das contas públicas. Num arroubo de bravura, fez um comentário otimista sobre a inflação de março e citou uma pressão menor do custo dos alimentos. Foi desmentido em menos de 24 horas. O IPCA aumentou 0,92% em março e 6,15% em 12 meses e os preços dos alimentos subiram 1,92% no varejo, no mês.

“O governo brasileiro tem-se mantido na defensiva, há mais de um ano, como se houvesse uma ação internacional organizada para manchar a imagem do País. O FMI tem sido alvo frequente da irritação governamental, assim como o Banco Mundial. Mas a conspiração imaginária é muito ampla. Envolve, por exemplo, o Fórum Econômico Mundial, com seus estudos sobre competitividade. O Brasil sempre aparece em má posição, normalmente por problemas associados a entraves criados pelo setor público. Tributação excessiva e errada, contas públicas em mau estado, insegurança jurídica e instabilidade de regras são mencionadas habitualmente.

“O grupo dos inimigos incluiu também, nos últimos meses, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), por causa da inclusão do Brasil entre os países mais vulneráveis a mudanças nas finanças internacionais e nas condições de câmbio. Deve ser tudo combinado, porque são sempre os mesmos países que aparecem nos informes dos organismos multilaterais e nas avaliações de risco financeiro e vulnerabilidade fiscal. Também conspiram participantes de mercado, como a agência de classificação de risco Standard & Poor’s.

“A lista dos conspiradores foi ampliada, nos últimos anos, com a presença da OCDE, responsável pelos testes Pisa, um sistema de avaliação de estudantes. Os brasileiros têm aparecido entre os últimos colocados, evidenciando para todo o mundo as deficiências da educação nacional. Cada publicação é normalmente seguida, em Brasília, de alguma declaração sobre as notáveis realizações da política educacional.

“O FMI é um dos mais persistentes no esforço para irritar as autoridades brasileiras. No Relatório sobre Estabilidade Financeira Global, o País aparece num grupo de países com ‘alguma vulnerabilidade macroeconômica ou de financiamento externo, como Brasil, Indonésia, África do Sul e Turquia’. Empresas em países nessas condições podem ser perigosamente afetadas no caso de um choque financeiro externo.

“O primeiro capítulo do relatório trata da possibilidade de um choque desse tipo, resultante do aperto da política monetária nos países desenvolvidos – por enquanto, só nos EUA. Uma prévia ocorreu no ano passado, quando o Fed anunciou, com mais de seis meses de antecedência, a redução dos incentivos monetários. O Brasil foi bastante afetado pela instabilidade cambial. Os efeitos foram atenuados pela intervenção do Banco Central. No caso de um choque violento, tal como descrito no relatório, o Brasil estaria em quarto lugar na lista de países com maior porcentagem de empresas fragilizadas, atrás de Argentina, Turquia e Índia. Esse desastre pode parecer pouco provável, mas seria uma tolice desprezar a hipótese, se o País aparece tão mal.

“Mais graves são as advertências contidas no Monitor Fiscal, um relatório sobre as contas de governo. Numa lista de 24 emergentes, o Brasil aparece em quinto lugar entre os países com maior necessidade de financiamento para fechar as contas públicas neste ano. Será necessário o equivalente a quase um quinto da produção de bens e serviços (19,2%) para rolar a dívida (15,9%) e cobrir o déficit orçamentário (3,3%). Os quatro primeiros da fila são Egito, Paquistão, Jordânia e Hungria. A necessidade média dos 24 países é de 9,1% do PIB, menos de metade da brasileira.” (Editorial, Estadão, 10/4/2014.)

* Este e o próximo devem ser melhores para a economia mundial. Mas o Brasil está perdendo o bonde

“Os anos de 2014 e 2015 têm tudo para serem os melhores para o mundo desde 2011. Haverá mais comércio entre as nações e mais crescimento do que em 2012 e 2013. O Brasil está perdendo o bonde e indo na direção contrária. A maior parte dos países acelera, mas o Brasil cresce menos. Os países ricos terão a maior alta desde 2010. A Europa voltará ao azul, e a recuperação dos EUA será mais forte.

“O FMI fez essas previsões, mas ele pode estar errado. O problema é que todos estão reajustando para baixo o crescimento do Brasil este ano: organismos internacionais, consultorias e institutos brasileiros e órgãos governamentais. As economias que passaram por crise grave estão saindo dela. Os Estados Unidos vão crescer um ponto percentual a mais do que o Brasil este ano.

“O crescimento mais forte dos países de economia madura implica em aumento das taxas de juros e maior aversão ao risco no mundo. O dinheiro ficará mais caro e seletivo. Os defeitos das economias ficarão mais evidentes sob os olhos dos investidores. Depois de um longo período de inundação de dólares no combate à crise, o enxugamento de moeda pegará muitos países desprevenidos.

“O Brasil já tem crescido menos que a média mundial desde 2011. Isso deve acontecer novamente este ano e no próximo. O país adiou reformas e empurrou para o ano que vem ajustes que precisam ser feitos agora, como a correção dos preços da energia elétrica e da gasolina. Há inflação reprimida e a sensação de que ela terá que ser corrigida em algum momento deteriora o ambiente de expectativas.

“O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, em entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues, da Folha de S.Paulo, admitiu a inflação represada e disse que o ideal é que esses aumentos sejam diluídos ao longo de dois ou três anos para não se concentrar em 2015. “É um processo que precisa ser feito com a devida organização”, disse ele, curiosamente indo com suas opiniões muito além do BNDES e entrando em área de ministro da Fazenda. “Temos desafios de curto prazo de inflação. Temos um desafio de reequilibrar nossas contas,” disse Coutinho.

“Sua idéia protelatória no campo da inflação e das contas públicas não é a melhor estratégia. Politicamente, ela esconde do eleitor certas verdades; e na economia ela alimenta a expectativa de que o pior está por vir e isso enfraquece o investimento.

“O próprio Banco Central alertou, no último Relatório de Inflação, sobre o efeito do represamento dos preços nas expectativas futuras de inflação. O nosso índice destoa. Inflação não é uma preocupação mundial. Pelo contrário. A zona do euro tem outro perigo, o de deflação. Nos EUA, o índice está abaixo da meta. Na maioria dos emergentes, a inflação não preocupa. No México, por exemplo, está em 3,8%.

“A China continua liderando o crescimento, mas há um temor das próprias autoridades chinesas de que o país este ano não cumpra a meta de 7,5% de crescimento. Com a enorme dependência que o Brasil está da China, qualquer oscilação no ritmo aumenta o risco de piora da balança comercial brasileira.

“O grande problema é que quando olhamos todo o panorama, nesses relatórios globais, por mais que haja atraso em algumas estatísticas ou análises, o fato é que a década avança e o Brasil vai ficando para trás. Cresce menos do que o mundo, menos do que os vizinhos, e só ganha de países cuja economia descarrilhou, como a Argentina e a Venezuela.

“Na inflação, de novo as autoridades econômicas apostam no “vai passar”. Claro que alta de alimentos tem efeitos sazonais, mas eles ainda não deram demonstração de entender que a volatilidade dos preços de alimentos só assusta tanto porque o país tem aceitado inflação alta demais. Os choques elevam o índice acima do teto permitido.”  (Míriam Leitão, O Globo, 11/4/2014.)

* “Nada mais natural que a presença do Brasil nas listas de países mais vulneráveis a choques e mais necessitados de ajustes e de reformas”

“A maior crise mundial em 80 anos vai ficando para trás, mas o Brasil está fora das boas notícias. Há sinais de firmeza no crescimento americano, a Europa sai da recessão e o retorno da Grécia aos mercados financeiros, nessa semana, reforça as apostas mais otimistas, sem ocultar, no entanto, os perigos e os desafios à frente. O desemprego europeu continua elevado, o cenário geopolítico é preocupante e o financiamento para os países emergentes e em desenvolvimento pode ficar mais difícil, com a redução progressiva dos estímulos monetários no mundo rico – por enquanto, só nos Estados Unidos.

“A recuperação mundial será mais um teste para os países desse grupo, em geral bem-sucedidos, entre 2008 e 2010, na absorção dos impactos iniciais do estouro financeiro. Quase todos estão menos blindados hoje do que há seis anos e o Brasil está na lista dos mais expostos. O governo tem contestado, naturalmente, as avaliações desfavoráveis, como contestou o rebaixamento da nota de crédito soberano pela Standard & Poor’s. Mas essas avaliações são baseadas em números oficiais e nas tendências indicadas pelas decisões das autoridades.

“A maior parte dos emergentes está hoje menos preparada para choques do que em 2008. Em muitos deles, incluídos vários latino-americanos, as contas públicas estavam em condições boas ou no mínimo razoáveis. Havia espaço na área fiscal para políticas compensatórias, destinadas a amortecer o impacto. As contas externas se haviam fortalecido nos anos anteriores e as reservas acumuladas permitiam enfrentar tempos mais difíceis no comércio internacional.

“O desgaste das condições iniciais foi muito menos acentuado em boa parte desses países do que no Brasil. Além disso, a piora dos indicadores foi quase sempre parcial. Muitos continuaram combinando crescimento firme, na faixa de 4% a 6% ao ano, com inflação baixa. A experiência brasileira foi parecida com essa apenas no começo. Depois desandou.

“As contas públicas entraram em deterioração e o governo passou a maquiar o balanço fiscal. A inflação subiu e se alojou quase no limite da margem de tolerância. O setor industrial emperrou e perdeu espaço para os competidores estrangeiros até no mercado interno. O PIB passou a avançar muito lentamente, com média anual de apenas 2% nos três anos do atual governo. O resultado deste ano dificilmente será melhor que o de 2013. A maior parte das projeções conhecidas aponta números até inferiores a 2%.

“Os sinais de maior expansão das importações e de emperramento das exportações já foram bem visíveis em 2007. Essa tendência foi contida por algum tempo na pior fase da crise, quando caiu a demanda de produtos estrangeiros. Mas o descompasso reapareceu nos anos seguintes e o superávit comercial encolheu rapidamente. Neste ano, o primeiro trimestre foi fechado com déficit superior a US$ 6 bilhões. O superávit contábil do ano passado só foi possível com a exportação fictícia de várias plataformas de exploração de petróleo e de gás. Sem isso, teria havido um déficit superior a US$ 5 bilhões. Apesar disso, o País ainda dispõe de bom volume de reservas, acima de US$ 370 bilhões.

“Os problemas de competitividade são velhos, aumentaram nos últimos dez anos e tornaram-se perfeitamente visíveis no último triênio. Podem ter sido agravados, durante algum tempo, pela valorização cambial, mas a experiência confirmou seu caráter estrutural. O novo programa de concessões de infra-estrutura, por sua vez, não oferece mais que soluções muito parciais para o problema da competitividade. E não se remove o entulho tributário apenas com desonerações seletivas e temporárias adotadas pelo governo federal. O conserto do sistema, um dos piores do mundo, só será possível com mudanças complexas e politicamente difíceis.

“Nada mais natural que a presença do Brasil nas listas de países mais vulneráveis a choques e mais necessitados de ajustes e de reformas. Os sinais de alerta divulgados pelo FMI, nos últimos dias, resultam de uma avaliação baseada em fatos bem conhecidos. Agir para mudar os fatos seria bem mais eficaz que protestar contra as avaliações.” (Editorial, Estadão, 14/4/2014.)

* O exagerado intervencionismo do governo é um obstáculo ao crescimento

“A tentativa de impor tarifas artificialmente baixas e o excesso de interferência estatal vêm provocando um preocupante desequilíbrio entre oferta e demanda no mercado de energia elétrica. Daí até o pibinho é apenas um passo, agravando a difícil situação em que nos encontramos há quase três anos e meio. Breve disponibilizarei em minha página eletrônica (raulvelloso.com.br) livro sobre a crise, que vou apresentar no dia 12 de maio, no Fórum Nacional, abordando uma das principais facetas do modelo intervencionista em vigor no Brasil.

“Há cerca de um ano e meio, seduzido pela possibilidade de pôr em prática uma redução média de 20% na tarifa paga pelo consumidor final no mercado regulado, o governo ofereceu às usinas hidrelétricas a renovação antecipada de suas concessões, em troca de uma redução média de 70% em seus preços. A presunção era que, tratando-se de usinas mais antigas, as despesas de capital já estariam praticamente amortizadas, mas da teoria à prática há uma grande distância.

“Diante de condições consideradas inaceitáveis, três concessionárias de peso decidiram recusar a proposta. Além disso, alguns empreendimentos que deveriam estar gerando energia desde 2012 nunca saíram do papel. Some-se também a falta de chuvas em 2013, que levou à necessidade de acionar geradoras de origem térmica, provocando significativo aumento de custos. Para cobrir o buraco resultante, o governo teria emprestado, em 2013, cerca de R$ 10 bilhões às distribuidoras, segundo a consultoria PSR, a serem pagos pelo consumidor em cinco anos, a partir de 2014. Só que o início do pagamento dessa fatura foi adiado para 2015, provavelmente pelo temor de desgaste político num ano de eleições.

“Para completar o quadro, ao fim de 2013, as distribuidoras teriam de recontratar energia em função do vencimento de contratos firmados em 2004. Tratava-se, pois, de um problema com data certa para ser resolvido. No entanto, o governo não conseguiu viabilizar leilões em quantidade suficiente para garantir a recontratação da energia vincenda. A consequência foi a expressiva descontratação de 3.700 MW de energia, que as distribuidoras tiveram (e ainda têm) de ir buscar no mercado spot diariamente, a um custo que, atualmente, é de R$ 822/MWh, muito acima dos cerca de R$ 100 que vigiam nos contratos.

“É óbvio que as distribuidoras não têm condições de suportar essa dupla adversidade — falta de contratos de energia para suprir seu mercado e preço spot nas alturas. Ou seja, o governo deixou de atacar o cerne do problema, permitindo um reajuste realista de tarifas, para buscar soluções heterodoxas, que não só não resolvem o problema (exceto no curtíssimo prazo) como o amplificam.

“A idéia ‘criativa’ divulgada mais recentemente consiste na formação de um pool de bancos públicos e privados para financiar o rombo das distribuidoras, hoje previsto em R$ 10,8 bilhões, mas que pode chegar, segundo consta, a R$ 25 bilhões. Na essência, essa proposta obriga os consumidores de energia a se endividarem, pagando juros que, mais cedo ou mais tarde, serão incorporados à conta de energia, a fim de evitar um desgaste inconveniente a um governo que busca freneticamente sua reeleição. Em adição, com a negativa do reajuste de tarifas de acordo com o aumento de custos, deixam de ser gerados os incentivos corretos para a indispensável redução da demanda no montante necessário para o reequilíbrio com a oferta, aumentando a probabilidade de um cenário com racionamento.

“O fato é que as autoridades não parecem acreditar nas sinalizações que o sistema de preços proporciona, contrariando séculos de experiência e a consolidação do mercado como a melhor solução para reger as relações econômicas de qualquer país. Por isso, ou pela mera busca de ganhos eleitorais, as recentes intervenções no domínio econômico podem conduzir o Brasil a uma situação de permanente baixo crescimento. A verdade é que a política econômica praticada nos últimos tempos perdeu funcionalidade, fixando-se em tentar resolver problemas por ela mesma criados.

“A lista não é exaustiva, mas, em vez de usar os tradicionais instrumentos da política monetária, o governo optou por controlar a inflação via preços administrados, como os da gasolina e da própria energia elétrica, deixando que a bomba estoure depois. Daí a brutal redução na capacidade de investimento da Petrobrás, da Eletrobrás e das demais empresas do setor elétrico, além da piora das expectativas dos agentes econômicos em relação à atuação da política monetária.

“Em vez de reduzir o excesso de demanda doméstica para impedir a apreciação do câmbio real, o governo tenta garantir a competitividade de nossa indústria. Elege alguns setores para se beneficiarem de desonerações tributárias e de crédito subsidiado do BNDES, e assim contribui para deteriorar a situação fiscal e gerar incertezas na condução da política macroeconômica. Em vez de estabelecer uma política que estimule a formação de poupança doméstica, amplifica os programas de transferência de renda e estimula o crédito ao consumidor.” (Raul Velloso, economista, O Globo, 14/4/2014.)

* Um governo que acha que basta ele querer alguma coisa – e a economia vai obedecer direitinho

“As imagens de pátios lotados nas montadoras e as informações adicionais de que mais ramos da indústria estão mergulhados em estoques expõem outro equívoco do governo Dilma: o de que se pode sempre colocar em marcha políticas anticíclicas, basta querer.

“Política anticíclica é aquela que se dispõe a criar condições para que a economia produza efeitos compensatórios diante de desequilíbrios macroeconômicos. Se estiver crescendo demais, acionam-se mecanismos para reduzir a atividade, como retração do crédito, aumento de impostos e dos juros. Se ocorrer o oposto, como agora, é só dar um cavalo de pau: emissões de moeda, redução de impostos, expansão do crédito, desvalorização cambial para empurrar exportações…

“Nada de errado no uso de políticas anticíclicas. Não valem apenas para políticas econômicas keynesianas típicas. (Foi Keynes que recomendou políticas pró ou anticíclicas). Elas também são adotadas em países de orientação neoliberal. Para combater os efeitos da atual crise, os Estados Unidos aumentaram fortemente as despesas públicas e o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) instituiu a política de afrouxamento quantitativo, de emissões de moeda para a compra de títulos.

“Elas são, portanto, necessárias e esperadas. O equívoco do governo Dilma está em entender que basta vontade política para que aconteçam.

“As políticas anticíclicas exigem precondições. Acionar as exportações, por exemplo, quando o resto do mundo está prostrado pela recessão, tende a ser providência de baixa eficácia. Incentivar a tomada de crédito externo sem que haja abundância de recursos em moeda estrangeira, também não funciona.

“No período de 2012 a 2013, por exemplo, o governo Dilma entendeu que a atividade econômica deveria ser ativada com forte derrubada dos juros, desvalorização cambial (alta do dólar), redução de impostos e expansão das despesas públicas. Foi um fracasso, porque a disparada do consumo não teve como contrapartida a expansão do investimento e da produção, o crescimento do PIB foi medíocre, a inflação disparou, a economia ficou desarrumada. Agora, quando mais precisa de incentivar a atividade econômica, está de mãos atadas. Não há folga fiscal para a redução de impostos, os juros tiveram de subir para conter a inflação, a alta do dólar deve ser contida também para evitar o repasse aos preços e, quando pretende puxar pelos investimentos, o governo esbarra no baixíssimo índice de poupança. Na área do euro, também, não há como relançar a atividade econômica, porque a maioria dos países está excessivamente endividada.

“Os desenvolvimentistas a qualquer preço não pensam exatamente assim. Preferem falar que o desempenho da política econômica precisa respeitar os limites nem sempre na mesma direção impostos pelos objetivos (trade-offs). Em geral, quem só pensa nisso não tem visão integrada da economia. Acha que o câmbio só deve ser usado para acionar a indústria, não acredita em eficácia da política de metas e insiste em que a administração da economia é, mais que tudo, exercício de vontade política.

“Enfim, política anticíclica não é para quem quer; é para quem pode. Hoje, quase não há espaço para reduzir os estoques da indústria brasileira, porque o governo queimou seus recursos de política econômica nos anos anteriores.” (Celso Ming, Estadão, 15/4/2014.)

* Sobram razões para o pessimismo das projeções dos economistas e consultorias

“O Brasil estará em péssimas condições no fim do ano, se os fatos confirmarem metade das projeções negativas coletadas pelo Banco Central (BC) entre economistas do mercado financeiro e de consultorias na última pesquisa Focus. Pioraram as previsões de inflação, crescimento industrial, balança comercial e saldo da conta corrente do balanço de pagamentos. Mas houve pelo menos uma rara melhora: o crescimento estimado para o Produto Interno Bruto (PIB) subiu de 1,63% na semana anterior para 1,65% no levantamento realizado sexta-feira passada e divulgado nessa segunda-feira. Só uma pessoa desesperada festejaria esse minúsculo, quase inexistente, detalhe positivo. Além disso, quatro semanas antes a projeção indicava um crescimento econômico maior: 1,70%. Mas também esse resultado seria bem mais pífio que o do ano passado, de 2,3% segundo a primeira estimativa. As projeções divulgadas no boletim são medianas dos valores apontados por cerca de uma centena de especialistas consultados. Serão todos mal-humorados?

“A inflação agora estimada para o ano, de 6,47%, quase bate no limite da margem de tolerância de 6,5%. Ou bate, com arredondamento. O governo e o BC haviam prometido para este ano preços mais comportados que os de 2013, quando a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou a 5,91% e superou a de 2012, de 5,84%. Continua perfeitamente justificável a pergunta formulada muitas vezes por analistas conhecidos e respeitados: qual a meta real?

“Será mesmo 4,5%, como registram os documentos oficiais e repetem os dirigentes do BC, ou será algo na faixa de 5,5% a 6%? Mesmo se levada a sério pelas autoridades, a meta de 4,5%, é bom lembrar, já seria muito maior que a de países mais dinâmicos que o Brasil.

“O aparente pessimismo dos economistas do mercado e das consultorias é bem fundamentado pelos números divulgados até agora por instituições públicas e privadas. Publicado nessa segunda-feira, o Índice Geral de Preços – 10 (IGP-10) de abril bateu em 1,19%. Pouco menor que o de março, ainda foi o pior para os meses de abril desde 2004 (1,20%). Seu principal componente, o Índice de Preços por Atacado (IPA), subiu 1,42%. Foi um resultado melhor que o do mês anterior, de 1,65%, mas ainda muito alto. Além disso, a alta dos preços ao consumidor passou de 0,70% no mês anterior para 0,88%.

“A alta das cotações agrícolas também tem atingido outros países, mas com efeitos inflacionários muito menores. Na semana passada, economistas e dirigentes do Fundo Monetário Internacional recomendaram novos aumentos da Selic, a taxa básica de juros, para conter a inflação. A política do BC está na direção correta desde o ano passado, segundo esses economistas, mas os resultados ainda são insuficientes.

“Enquanto a inflação avança, o setor produtivo patina. O aumento de 1,65% projetado para o PIB nem chega a ser medíocre. Mas o cenário da indústria é desastroso. O crescimento previsto foi reduzido de 1,50% na semana anterior para 0,70%. A estagnação industrial, sensível há vários anos, prejudica a criação de empregos decentes e as demissões no setor cresceram nos últimos dois anos. O governo ignora a qualidade dos postos de trabalho criados, quando exibe o baixo nível geral de desemprego como uma de suas vitórias. Uma economia como a brasileira, ainda longe de ser uma economia de serviços modernos, depende do setor industrial para a criação de ocupações de qualidade no mínimo razoável.

“A estagnação industrial, por falta de investimentos e de condições favoráveis a iniciativas mais ousadas, tem reflexos no comércio exterior. O saldo previsto para o ano diminuiu de US$ 5 bilhões para US$ 3 bilhões em quatro semanas. Mesmo o resultado de US$ 5 bilhões seria muito baixo para as necessidades brasileiras. Com o comércio emperrado, o saldo das transações correntes está agora estimado em US$ 77 bilhões. O investimento direto estrangeiro, projetado em US$ 60 bilhões, será de novo insuficiente para cobrir o buraco. O País dependerá, de novo, de capitais menos confiáveis.” (Editorial, Estadão, 16/4/2014.)

* Índice do Banco Central mostra forte desaceleração da atividade em fevereiro

“A economia brasileira registrou crescimento de 0,24% em fevereiro em relação a janeiro, segundo o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), considerado uma prévia do Produto Interno Bruto (PIB). O resultado representa uma desaceleração do crescimento quando comparado à variação registrada em janeiro. No primeiro mês do ano, o indicador havia subido 1,26% na série com ajuste sazonal, número agora revisado para 2,35%.

“Segundo dados divulgados pelo BC, o número passou de 146,37 pontos no primeiro mês deste ano para 146,72 pontos no segundo, na série dessazonalizada.

“O resultado de janeiro ficou abaixo da mediana estimada pelos analistas ouvidos pela Agência Estado, de 0,30%. As estimativas iam de estabilidade a alta de 0,70%. Ainda em base mensal, o IBC-Br sem ajuste caiu 0,14%.

“Na comparação entres os meses de fevereiro de 2014 e 2013, houve alta de 4,04% na série sem ajuste sazonal. O resultado do indicador de fevereiro de 2014 ante fevereiro de 2013 ficou acima da mediana das expectativas. Elas iam de 1% a 4,70% e a mediana era positiva, de 3,80%. Nos 12 meses encerrados em janeiro de 2014, o crescimento foi 2,57%, na série sem ajuste. Com ajusta, houve crescimento de 2,41%.

“O IBC-Br serve como parâmetro para avaliar o ritmo da economia brasileira ao longo dos meses e tem grande influência sobre as estimativas do mercado financeiro para o Produto Interno Bruto (PIB), divulgado a cada três meses pelo IBGE. O resultado do PIB do primeiro trimestre de 2014 será conhecido em 30 de maio. O indicador também é conhecido popularmente como ‘PIB do BC’, embora não possa ser considerado como uma prévia do dado do IBGE.” (Victor Martins e Luiz Guilherme Gerbelli, Estadão, 17/4/2014.)

A inflação

* A inflação alta é um entre vários dados que mostram a situação ruim da economia brasileira

“A preocupante alta dos preços de 0,92% em março, a maior variação mensal desde abril de 2003 captada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – a medida oficial da inflação brasileira, calculada pelo IBGE -, é mais um dado entre os muitos aferidos nos últimos tempos que vão demolindo o cenário otimista montado pelo governo do PT para tentar convencer parte da população de que tudo vai bem na economia.

“Embora não tenha citado números, o economista-chefe do Banco Mundial para a América Latina e Caribe, Augusto de la Torre, resumiu com precisão os problemas do País. O Brasil, disse ele, enfrenta uma ‘combinação difícil’ de inflação alta e baixo crescimento. Para rompê-la, o governo deveria adotar uma política fiscal mais austera que abrisse espaço para o Banco Central reduzir a taxa de juros. Como não existem sinais críveis de que, nos próximos meses, o governo Dilma controlará com maior rigor seus gastos – especialmente sendo este um ano de eleição presidencial -, o melhor que os brasileiros podem esperar é que o quadro não piore até o fim do ano.

“Não há, porém, nenhuma garantia de que, mesmo sendo essa uma expectativa medíocre, isso venha a ocorrer. Ao contrário, enquanto instituições internacionais e economistas não vinculados ao governo vão revendo para baixo a projeção já modesta (de no máximo 2%) para o crescimento da economia brasileira, a alta dos preços se acelera e se espalha para um grande número de produtos.

“Em março, a seca em importantes regiões produtoras pressionou os preços de alimentos essenciais, como o tomate (alta de 32,85%), a batata-inglesa (35,05%), o feijão-carioca (11,81%) e as hortaliças e verduras (9,36%). É possível que a pressão se mantenha por algum tempo, com maior ou menor intensidade.

“Mas o fato mais preocupante na variação dos preços no período de 12 meses até março é que a alta não se limita aos alimentos. Ela é generalizada. Dos nove grupos de itens que compõem o IPCA, pelo menos seis (alimentação e bebidas, habitação, artigos de residência, saúde e cuidados pessoais, despesas pessoais e educação) acumulam em 12 meses variação superior a 6,5%, que é o teto do generoso limite de tolerância da política de meta inflacionária.

“O IPCA acumulado de 12 meses até março alcançou 6,15%, ainda dentro do limite de tolerância. Mas a persistência das pressões sobre diferentes grupos que compõem o IPCA e a eventual mudança de tendência de outros que até agora impediram alta mais acelerada do índice oficial sugerem dificuldades crescentes para manter a inflação dentro desse limite.

“No mês passado, por exemplo, os serviços e bens cujos preços e tarifas são monitorados pelo governo, entre os quais o da energia elétrica, registraram deflação de 0,02%, um resultado notável se comparado à inflação mensal. Essa redução foi fortemente influenciada pela queda de 0,87% na conta de luz, resultante da redução de tributos como PIS/Pasep e Cofins. Mas, com o fracasso da política do governo Dilma de reduzir as tarifas à força e com o uso contínuo e prolongado das usinas termoelétricas – que produzem energia a um custo bem mais alto do que as hidrelétricas -, haverá necessidade de aumentos nos próximos meses.

“Serão pressões adicionais sobre um índice já alto demais. Mesmo que, nos próximos meses, a alta mensal do IPCA se desacelere, é muito provável que a variação seja maior do que a registrada em igual período de 2013, o que deve resultar na aceleração do índice acumulado de 12 meses. Esse quadro pode mudar em novembro e, como a inflação de dezembro passado foi tão alta quando a de março, não é impossível que o índice de todo o ano fique dentro do limite de tolerância de 6,5%.

“Será mais um resultado muito ruim, que se somará aos que o governo Dilma vem acumulando desde seu início (6,5% em 2011, 5,84% em 2012 e 5,91% em 2013). A manutenção de uma política fiscal frouxa pelo governo petista alimenta a inflação e exige uma política monetária mais dura, mas de limitada eficácia no combate à inflação no curto prazo, como mostram os dados do IBGE. É ruim para todos.” (Editorial, Estadão, 11/4/2014.)

* O governo não ajuda no combate à inflação

“O Banco Central (BC) bem que gostaria de interromper o ciclo de alta dos juros, como transpareceu do texto da Ata do Copom, ontem divulgado (10/4). Mas terá de lidar com uma inflação ainda mais braba do que com aquela com que contava.

‘Também em dezembro, entendia que dava os trâmites por findos, mas vieram a estocada de janeiro e as seguintes. Por isso, prosseguiu com a alta dos juros básicos, ainda que a doses mais baixas, de 0,25 ponto porcentual por vez.

“O BC foi surpreendido pela inflação de março. Tanto foi que seu presidente, Alexandre Tombini, se sentiu obrigado a dar entrevista ao Jornal Nacional mesmo antes da divulgação da Ata, coisa que nenhum diretor do BC faz regularmente. A Ata do Copom está ultrapassada pelos fatos.

“À parte a virulência inesperada, o BC lida com três problemas. O primeiro é que desde abril de 2013 puxou os juros básicos em 3,75 pontos porcentuais ao ano e, no entanto, a inflação está nos mesmos níveis existentes no início do processo, o que espalha dúvidas sobre a eficácia da política monetária.

“O segundo problema é que o governo não ajuda. Cerca de 25% dos preços dependem de aprovação prévia do governo – caso dos combustíveis, da energia elétrica e dos transportes urbanos – e, portanto, não são alcançados pela política de juros. Pior, quanto mais alta a inflação, mais o represamento dos preços administrados tende a provocar distorções e expectativas de remarcações no resto da economia. Como foi apontado na Coluna de quarta-feira, em 12 meses os preços livres (os outros 75% dos preços) rodam a quase 7,0% enquanto os preços administrados estão a 3,4%.

“O terceiro problema é que o BC não conta com outros instrumentos que poderiam ser acionados. Da política fiscal (controle das despesas públicas), que poderia ser um antídoto poderoso, não espera grande coisa porque, em fase eleitoral, o governo quer mais é gastar.

“À falta de melhor discurso, Tombini fez coro nesta quinta com as declarações do ministro da Fazenda, Guido Mantega: o de que as atuais estocadas são temporárias, porque provêm do choque de alimentos provocados pela seca. Isso não explica por que, dos nove grupos de preços que compõem a cesta de consumo, seis estouraram o teto da meta em 12 meses.

“É verdade, o choque dos alimentos tem impacto temporário. O problema é que a economia brasileira está excessivamente exposta a choques, num ambiente global de inflação baixíssima. Há o choque da energia elétrica e, para junho, quando o impacto da alta de preços dos alimentos em consequência da seca poderá ter-se esgotado, já se prevê o impacto de alta devido ao aumento de demanda acionado pela Copa do Mundo. Em Copacabana, o Cornetto da Kibon já está sendo cobrado por R$ 15 e as passagens aéreas subiram 26,5% apenas em março.

“E, fato curioso, no principal parágrafo da Ata (o de número 32) está dito que ‘na presença de níveis de confiança relativamente modestos, os efeitos das ações de política monetária tendem a ser potencializados’. O BC parece festejar o baixo nível de confiança, na medida em que derruba a demanda, o investimento e a atividade econômica, o que ajuda a combater a inflação. Por essa lógica, se você quer derrubar a inflação, destrua o nível de confiança na economia.” (Celso Ming, Estadão, 11/4/2014.)

* Como esperar juros mais baixos e mais compatíveis com o padrão internacional, quando o governo não faz sua parte contra a inflação?

“Derrubar a inflação vai dar mais trabalho do que se imaginava até há pouco tempo e o governo poderia ajudar cuidando melhor de seus gastos. Esta é a mensagem principal da ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), um texto nada surpreendente diante da alta de 0,92% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Nesta altura, é perfeitamente razoável esperar mais um aumento da taxa básica de juros na reunião de maio do comitê. Seria arriscado apostar no fim da política de juros iniciada há um ano. Os principais fatores de pressão inflacionária permanecem, não serão revertidos por iniciativa oficial num ano de eleições e os preços ainda poderão ser afetados nos próximos meses pela alta do dólar.

“O aumento da inflação projetada para 2014 foi um dos elementos considerados para o aumento de juros de 10,75% para 11%, na reunião do Copom, no começo do mês. Pioraram tanto as projeções do Banco Central (BC) como as do mercado, em contraste com o otimismo da equipe do Ministério da Fazenda.

“Apesar de oito aumentos da Selic desde abril do ano passado, os preços de bens e serviços continuaram subindo. A inflação foi mais persistente do que se previa, um fato assinalado várias vezes nos documentos do Copom e mencionado mais uma vez na ata publicada nessa quinta-feira. Pela nona vez foi preciso elevar a taxa básica. O texto lembra a defasagem entre as medidas de política monetária e seus efeitos. Mas os dirigentes do BC parecem ter julgado muito fraca a medicação, daí a decisão de reforçar a terapia.

“O texto repete os principais fatores inflacionários mencionados em outras atas. O descompasso entre a demanda e a oferta interna de bens e serviços permanece. Segundo a ata, a diferença tende a estreitar-se, mas isso dependerá, também de acordo com o documento, da confiança de consumidores e empresários e do sucesso do programa de investimentos em infra-estrutura. Não se discute, na ata, por que os agentes econômicos deveriam tornar-se mais confiantes.

“Como fatores positivos, a ata menciona a moderação dos reajustes salariais e a menor expansão do crédito. Mas o aumento salarial acima dos ganhos de produtividade continua pressionando os custos, admitem os membros do Copom. Os efeitos dos ganhos salariais sobre a demanda de consumo também parecem evidentes. Além disso, atas anteriores também mencionaram a moderação do crédito, mas os efeitos dessa mudança, se tiverem ocorrido, foram até agora limitados. Além disso, o salário real parece ter sido mais afetado nos últimos meses pela própria inflação do que pela resistência patronal nas negociações.

“Com diplomático otimismo, os membros do Copom mais uma vez indicaram uma tendência das contas públicas à ‘neutralidade’. Não se esperam – esta é a tradução – novos impactos inflacionários derivados de uma piora da situação fiscal. Mas a aparente expectativa otimista logo se converte numa quase solicitação de ajuda, com verbos no modo condicional: ‘A geração de superávits primários compatíveis com as hipóteses de trabalho contempladas na projeção de inflação, de um lado, contribuiria para arrefecer o descompasso entre as taxas de crescimento da demanda e da oferta; de outro, contribuiria para criar uma percepção positiva sobre o ambiente macroeconômico no médio e no longo prazo’. Além disso, superávits primários ‘próximos da média dos gerados em anos recentes contribuiriam para diminuir o custo do financiamento da dívida pública, com repercussões favoráveis sobre o custo do capital de modo geral’. Isso estimularia o investimento privado no médio e no longo prazos.

“Esta é uma excelente mensagem para os empresários acostumados a atribuir ao BC todos os males decorrentes dos juros altos. Deveriam olhar um pouco mais, e mais criticamente, para a gastança governamental. Como esperar juros mais baixos e mais compatíveis com o padrão internacional, quando a indisciplina do governo eleva o custo de financiamento de suas contas, impõe ao setor privado uma competição desleal pelos fundos disponíveis e ainda alimenta a inflação, forçando novas altas da taxa básica?” (Editorial, Estadão, 12/4/2014.)

* “Inflação sob controle depende do governo”

“A perspectiva de baixo crescimento da economia brasileira, agora agravada pelo recrudescimento da inflação, gerou um clima de pessimismo que vai além do empresariado. Pesquisas recentes mostram que os brasileiros estão prevendo alta da inflação (e quando esse tipo de expectativa passa a ser reinante, aumenta a possibilidade de que a profecia se torne realidade). Os mesmos dois terços dos consultados que se mostram pessimistas quanto à trajetória dos preços clamam por mudanças. Em proporção menor, metade dos consultados acredita que haverá mais desemprego, e um terço prevê queda de poder aquisitivo dos assalariados.

“Um esforço mais contundente contra a inflação exige uma austeridade nas finanças públicas que não combina muito com ano de eleições gerais. No entanto, no ritmo em que se encontra, a inflação poderá ter mais influência no cenário político do que a repercussão de medidas de austeridade.

“A presidente Dilma, candidata à reeleição, reafirmou nos últimos meses seu compromisso com uma inflação sob controle, e dentro das metas estipuladas pelo governo. A partir desses pronunciamentos, a equipe econômica anunciou como objetivo um efetivo superávit primário nas finanças públicas de pelo menos 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB), sem recorrer à contabilidade ‘criativa’, que caracterizou o fechamento das contas em 2013.

“A promessa permanece ainda literalmente como uma dívida, porque os resultados não apareceram nas estatísticas econômicas dos primeiros meses do ano.

“A falta de uma resposta adequada na política fiscal, com gastos governamentais de fato contidos, obriga o Banco Central a um forte aperto monetário, com elevação das taxas básicas de juros para um patamar que pode inibir a realização de investimentos privados no futuro. Desse modo, o combate à inflação não pode se restringir à ação da política monetária.

“As críticas à política econômica se concentram, assim, no lado fiscal. O país tem uma carga tributária excessiva e, por outro lado, há novas pressões de gastos que partem, por exemplo, de subsídios às tarifas de energia elétrica. O clima adverso do início do ano teve impacto sobre os alimentos in natura. Diante dessa difícil situação, era de se esperar que o governo desse mais demonstração de austeridade nos demais gastos, mas o que se viu foi uma elevação de mais de 15% nas despesas de pessoal no primeiro bimestre, se comparado a mesmo período do ano passado.

“Se números como esses continuarem a se repetir, o ambiente de pessimismo já percebido nas ruas não será revertido, prejudicando a economia do país e causando estragos na candidatura à reeleição, pois a presidente pouco terá a exibir a uma sociedade que há muito tempo optou pelo controle rígido da inflação.” (Editorial, O Globo, 13/4/2014.)

* Inflação medida pelo IGP-10 é a mais alta para abril desde 2004

“A inflação medida pelo Índice Geral de Preços-10 (IGP-10) ficou em 1,19% em abril, a maior taxa para o mês desde 2004, quando a elevação foi de 1,2%. Apesar disso, o resultado, divulgado ontem (14/4) pela Fundação Getúlio Vargas, ficou abaixo do registrado em março (1,29%), por causa de altas menores em algumas matérias-primas brutas agrícolas, como a soja.” (Idiana Tomazelli, Estadão, 15/4/2014.)

Os erros na área da energia

* A crise foi em grande parte causada por erros cometidos pelo governo no gerenciamento do setor elétrico

“O governo convocou ontem uma reunião de todas as autoridades do setor elétrico para discutir a crise. Eles avaliaram o cenário de ter que iniciar ao final de abril uma campanha de restrição voluntária de consumo de energia, com foco no setor industrial. O ONS orientou formalmente as empresas hidrelétricas para desligarem as turbinas à noite para poupar água nos reservatórios.

“Apesar de o governo continuar negando que haja crise de abastecimento, ela tem se agravado. O ONS havia dito em fevereiro que o nível dos reservatórios do Sudeste tinha que estar, ao final de abril, em 43% para evitar o risco de racionamento. Agora, informou que chegará ao final do mês em 36,5%. Ou seja, ficará abaixo do que ele mesmo havia dito que era o limite de segurança. Foi por causa desse número que a reunião foi convocada e foram contatadas empresas eletrointensivas.

“Algumas hidrelétricas do sistema Eletrobrás estão seguindo a determinação de desligar as turbinas à noite e ligá-las de manhã. Ainda que este seja um procedimento que ocorre de vez em quando, não deve ser feito com essa periodicidade diária. Por isso, a Cemig negociou com o ONS para não ter que cumprir essa determinação. O risco de queima de turbina é muito grande. Outro problema que pode decorrer desse liga-desliga é ambiental: em época de muita produção de peixe, eles acabam se aproximando de área na qual não chegariam se a turbina estivesse ligada. Quando as máquinas são religadas aumenta muito a morte de peixes.

“O nível de água na hidrelétrica de Três Marias ficará, segundo as projeções, bem abaixo do ponto a que chegou no pior momento do racionamento de 2001. A projeção é que em setembro pode chegar a 3,5% do volume útil, o que levaria a empresa a ter que desligar as máquinas. Em 2001, chegou a 8,5%.

“Há quem diga no setor que Três Marias terá mesmo que parar, desmontar as máquinas, para aumentar a vazão do rio para alimentar o reservatório de Sobradinho.

“O governo tem tentado evitar qualquer campanha de redução de consumo para não dar o braço a torcer neste momento pré-eleitoral. O problema é que o nível dos reservatórios torna a cada dia mais difícil adiar alguma racionalização do consumo. A tendência é tentar esse caminho: redução voluntária e com foco no setor industrial, e, principalmente, das que mais consomem energia. Isso pouparia o consumidor e derrubaria ainda mais a indústria.

“Se evitar o racionamento este ano com medidas como essa, o país ainda assim chegará ao fim do ano com um nível tão baixo de água nos reservatórios que complicará o início do próximo governo. O grave problema financeiro das distribuidoras causado pelo custo da compra de energia no mercado livre e mais o custo das térmicas não se resolve com o empréstimo de R$ 11,2 bilhões que será tomado de um pool de bancos pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. Para se ter um idéia, o Ebitda (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) somado de todas as distribuidoras é de R$ 10 bilhões. Toda a capacidade de geração de caixa das empresas não cobre sequer o preço da energia no mercado de curto prazo. E elas só estão comprando nesse mercado porque o governo geriu mal os leilões de venda e compra de energia, deixando parte das empresas ‘descontratadas’, como se diz no jargão do setor.

“Um dia, todo esse custo será repassado para o consumidor, mas elas têm que carregar esse prejuízo até o repasse. Por isso o governo inventou essa fórmula tortuosa de repassar o dinheiro para elas via empréstimo tomado pela CCEE.

“Tudo seria muito mais fácil se o governo tivesse admitido o problema em tempo, iniciado medidas de racionalização de consumo, campanhas de economia de energia. Em vez disso, o governo, para manter a quimera da energia barata como arma de campanha eleitoral, tem elevado os riscos de desabastecimento, e, principalmente, o custo da energia. O governo tenta esconder o fato de que é o consumidor quem vai pagar a conta quando passar o período eleitoral, mas esse já é um segredo de polichinelo.

“A falta de chuva foi apenas um dos componentes dessa crise. Ela foi em grande parte causada por erros cometidos pelo governo no gerenciamento do setor elétrico.” (Míriam Leitão, O Globo, 11/4/2014.)

* É necessário fazer mudanças estruturais no setor elétrico

“A crise do sistema de geração de energia vai além dos atuais baixos níveis dos reservatórios das hidrelétricas. Na verdade, afloram falhas do atual modelo mercantil do setor, que se mostra vulnerável a manobras de empresas que obtêm altíssimos lucros com a crise.

“Segundo relatório divulgado na imprensa pelo JP Morgan, três geradoras lucrarão alto com o aumento dos preços no mercado de curto prazo. Nos cálculos do banco, um grupo de três geradoras – Companhia Energética de São Paulo (Cesp), Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e Companhia Paranaense de Energia (Copel) – pode ter receitas adicionais de R$ 7 bilhões ao ano, caso seja mantido o preço de R$ 822,83 para o megawatt-hora (MWh) dentro do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD).

“Vale lembrar que a Lei n.º 11.783/2013 (MP 579), que trata das renovações das concessões de geração, transmissão e distribuição do setor elétrico, impôs uma redução tarifária às geradoras com concessões vencidas ou a vencer até 2015. Como contrapartida, as empresas receberiam um novo contrato de concessão por mais 30 anos. Com regras injustas de indenização de ativos não amortizados, a medida arrefeceu o ambiente até então cooperativo que, de certa forma, ainda vigorava no setor elétrico.

“As geradoras vinham recebendo cerca de R$ 80 a R$ 90 por megawatt-hora produzido. Na época, dizia-se que as hidrelétricas ‘velhas’ já haviam sido pagas pela sociedade e uma redução tarifária foi imposta aos novos contratos de concessão. Os preços de venda foram reduzidos para menos de 25% do que vinham recebendo.

“As geradoras federais do Grupo Eletrobrás, Furnas, Chesf e Eletronorte, tiveram de aceitar as novas regras. Entretanto, outras empresas estatais, como Cesp, Celesc, Cemig e Copel, não aceitaram a prorrogação. Com o fim da vigência dos contratos de venda e compra de energia ‘existente’ no final de 2012, não quiseram ofertar energia nos leilões ocorridos em 2013 pelo preço-teto de R$ 192 por MWh. Uma ironia, pois até então se pagava metade desse valor, o que já era excessivo.

“A contradição é que todas as distribuidoras se encontram subcontratadas. Dentre elas, a Celesc, a Cemig e a Copel são obrigadas a adquirir no mercado de curto prazo a energia faltante pagando R$ 822,83 o MWh. O lucro das empresas geradoras vai para seus acionistas e os prejuízos das empresas distribuidoras são repassados aos seus consumidores, o que, em parte, está sendo absorvido pelo governo federal.

“Vale esclarecer que os concessionários das hidrelétricas – em grande parte já amortizadas – se aproveitaram da crise para ‘esconder’ sua energia nos leilões promovidos pelo governo e, assim, receber valores escorchantes pelo produto. Nesse cenário, o aporte de R$ 13 bilhões do Tesouro Nacional às distribuidoras de energia, somado à captação de R$ 11 bilhões do setor privado, se mostra equivocado, pois não se trata de diferença, e, sim, sobra deliberada de energia. O prejuízo será o acúmulo de uma conta que se tornará impagável até 2015.

“Uma medida simples, emergencial e de maior eficácia seria mudar a forma de cálculo do PLD, ao limitá-lo a um valor inferior ao atual, por exemplo, R$ 300 o MWh. Não se estará desrespeitando contratos, mas incentivando que eles se realizem.

“Os agentes do setor elétrico sempre pleitearam que as regras setoriais deveriam ser estáveis e os contratos deveriam ser cumpridos e respeitados. Mas estamos diante de uma situação clara de conduta anticoncorrencial, na qual o concessionário não assina contrato e não vende sua energia.

“O modelo setorial mostra fragilidades que vêm sendo aceitas como naturais por técnicos do setor elétrico, mas sujeitas a questionamentos pela sociedade. Modificações estruturais no setor elétrico se fazem necessárias para que o interesse público volte a prevalecer sobre interesses mercantis.” (Carlos Kirchner, do Instituto Estratético de Desenvolvimento do Setor Elétrico, Iluminina, Estadão, 12/4/2014.)

* Uma bomba armada nas contas de luz, pronta para explodir depois da eleição

“Há uma bomba armada nas contas de luz, mas, para não irritar os consumidores em ano de eleição, ela só deverá explodir em 2015. Trata-se da consequência financeira inevitável do pacote do setor elétrico com que a presidente Dilma Rousseff pretendeu reduzir (apenas temporariamente, ressalve-se) o custo da energia elétrica para os consumidores. A estiagem nas regiões das maiores hidrelétricas forçou o acionamento por longo período das usinas termoelétricas, que operam a custos bem mais elevados, e acrescentou valores bilionários à bomba inicial.

“Por causa das mudanças feitas no plano de ajuda às empresas do setor, não se sabe com precisão qual será o custo para os consumidores – e para os contribuintes, pois a redução forçada das tarifas implicou subsídios com recursos do Tesouro. Cálculos iniciais, alguns de iniciativa oficial, outros de analistas do setor privado, indicam que o aumento da tarifa no próximo ano não deverá ficar abaixo de 8% e poderá alcançar até 19%. Haverá novos aumentos nos anos seguintes, pois será inevitável que os efeitos dessa bomba tarifária se estendam para além de 2015.

“Acabará saindo muito caro para o País o que ficou relativamente barato em 2013, por conta do plano energético de Dilma Rousseff, eleita com a fama de grande gerente de programas públicos, sobretudo de energia, depois de ter ocupado o cargo de ministra de Minas e Energia no governo Lula.

“Os números já conhecidos e sua oscilação em razão de necessidades não previstas pelo governo revelam a precariedade do programa de redução tarifária. Mostram também os problemas de gestão do plano de expansão do parque energético, pois o atraso no cronograma de construção e operação de hidrelétricas programadas há muitos anos obrigou o País a consumir mais energia das termoelétricas.

“Em março, quando anunciou o socorro às empresas distribuidoras – cuja saúde financeira foi abalada por causa da necessidade de comprar energia das termoelétricas, pela qual pagavam mais caro mas eram forçadas a vender para o consumidor por preços controlados -, o governo estimou em R$ 8 bilhões a necessidade de financiamento para elas, valor ao qual adicionaria R$ 4 bilhões de recursos do Tesouro. Com a confirmação pelo governo, na quarta-feira (16/4), de que o empréstimo alcançará R$ 11,2 bilhões, a serem concedidos por um pool de bancos (inclusive estatais), viu-se que a conta estava subestimada.

“O dinheiro que viria do Tesouro foi reduzido para R$ 1,2 bilhão, pois, dos R$ 4 bilhões inicialmente anunciados, o governo desviou R$ 2,8 bilhões para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), utilizada para indenizar as empresas que aderiram ao programa energético do governo e para compensar os descontos de tarifas, entre outras finalidades. O reforço do caixa da CDE, como outras medidas do governo, tem a finalidade de reduzir o aumento das tarifas em 2014.

“Como mostrou o jornalista Ribamar Oliveira, no jornal Valor (10/4), em fevereiro, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) havia calculado que, para fechar as contas de 2014, as empresas do setor elétrico necessitariam de R$ 5,6 bilhões adicionais, oriundos da CDE. Obtê-los implicaria elevar as tarifas em 4,6% já neste ano. Para não ter de impor aumento dessas dimensões em ano eleitoral – e num momento em que são fortes as pressões inflacionárias -, o governo desviou recursos inicialmente programados para as distribuidoras e, com outras transferências para a CDE, reduziu sua necessidade adicional para R$ 1,6 bilhão. Com isso, o impacto sobre as tarifas foi igualmente reduzido, limitando o aumento para 1%.

“Se se levar em conta que, em 2013, o governo já tinha colocado R$ 9 bilhões para ajudar o setor por conta da redução tarifária e outros R$ 9,8 bilhões para compensar as distribuidoras (parte desse valor será reposta com os financiamentos agora acertados), tem-se idéia do custo do programa energético do governo Dilma. A persistência da estiagem deverá torná-lo ainda maior para os consumidores e contribuintes.” (Editorial, Estadão, 13/4/2014.)

* Falhas no planejamento dos projetos levam a atrasos em obras de usinas e deixam país sem 3 mil MW que poderiam estar sendo gerados

“Os relatórios do Ministério de Minas e Energia de julho de 2013 indicavam que a primeira turbina da termoelétrica Parnaíba II (antiga Maranhão III) entraria em operação em outubro daquele ano. De lá pra cá, o cronograma da térmica – de propriedade da Eneva, ex-MPX – mudou cinco vezes. Na última alteração, ocorrida às vésperas do início de funcionamento, a data foi adiada por nove meses. Casos como o de Parnaíba II recheiam os relatórios do Departamento de Monitoramento do Sistema Elétrico da Secretaria de Energia Elétrica (DMSE).

“O Estado analisou todos os documentos divulgados mensalmente, após a reunião do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), desde janeiro do ano passado até agora. Os dados foram cruzados com o último relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), referente a março. No período, quase 3 mil megawatts (MW), de cerca de 70 usinas, previstos para entrar em operação no primeiro trimestre deste ano – após inúmeras revisões – tiveram as datas adiadas para os próximos meses. Isso representa quase 90% do que era previsto.

“Num período de estresse no armazenamento de água nos reservatórios como agora, esse volume poderia fazer diferença para o País: seria suficiente para abastecer uma cidade de cerca de 8 milhões de habitantes – ou todo o Estado do Ceará.

“Mas, além desse prejuízo, especialistas afirmam que as constantes revisões dos prazos podem prejudicar a operação do sistema. ‘Tudo que é projetado para o futuro afeta preço e operação. Com mais energia para entrar, o cenário fica mais otimista’, diz o diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), Roberto Pereira D’Araujo.

“O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) afirma que as informações são usadas na elaboração dos Programas Mensais de Operação, tanto no cálculo da disponibilidade de energia no curto prazo como no cálculo de custo futuro, que considera um horizonte de cinco anos à frente. ‘O ONS considera na programação mensal as informações oficiais mais atualizadas disponíveis.’

“A tarefa, no entanto, não é fácil. Há casos de usinas que, entre janeiro do ano passado e fevereiro deste ano, tiveram 11 alterações consecutivas no cronograma de entrada em operação, como os parques eólicos Icaraí I e Cerro Chato V.

“A primeira previsão de Icaraí I era maio do ano passado, mas ela só começou a gerar energia em março deste ano. Já o cronograma de Cerro Chato V estabelecia o início de funcionamento em março de 2013. Pelo último relatório da Aneel, a nova data está marcada para 15 de maio deste ano.

“A Eletrosul, responsável pelo empreendimento, explicou que havia a intenção de antecipar as datas previstas nos relatórios, mas por problemas na entrega de equipamentos não conseguiu manter o cronograma pretendido. Mesmo problema afetou o andamento da conclusão das unidades Anta 1 e 2, da hidrelétrica de Simplício, em construção pela estatal Furnas. Em janeiro do ano passado, as unidades estavam previstas para começar a operar em julho de 2013. Agora a expectativa é julho de 2014 e janeiro de 2015.

“A Hidrelétrica Batalha também teve remarcações mensais desde janeiro do ano passado. Foram nove revisões, que prorrogaram a entrada em operação de julho de 2013 para abril deste ano.

Segundo Furnas, que também é responsável pela construção da usina, o projeto foi impactado pela demora de três anos na concessão da licença de instalação e pela necessidade de adequações do projeto às condições geológicas do local.

“As Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, em construção no Rio Madeira, também seguem o mesmo ritmo de revisões no cronograma e atrasos. Na avaliação do presidente da CMU Comercializadora, Walter Froes, não há gestão em cima dos projetos. Ele destaca, por exemplo, as térmicas do Grupo Bertin que não foram construídas como o previsto. ‘Se essas usinas, com capacidade de cerca de 5 mil MW, tivessem entrado em operação, hoje o nível dos reservatórios estaria 25 pontos porcentuais acima do atual.’

“As constantes revisões nos cronogramas mês a mês revelam falhas no planejamento e fiscalização das usinas. Segundo o executivo de uma consultoria que prefere não se identificar, se uma unidade está prevista para entrar em operação no mês seguinte ou dois meses à frente é porque praticamente tudo está pronto. O adiamento de nove meses, por exemplo, indica que o planejamento não tem uma visão real da situação ou as datas são muito otimistas.

“Por outro lado, se o governo fosse retirar do cronograma todas as usinas com problema, o sistema elétrico já teria acendido o sinal alerta há muito mais tempo, destaca um outro executivo, que já fez parte da equipe do governo, na administração de Luiz Inácio Lula da Silva. ‘É preciso ver a realidade feia ou bonita. Não adianta ver a situação com lentes cor de rosa.’

“Em nota, o Ministério de Minas e Energia afirma que as alterações sucessivas de datas de entrada em operação não ocorrem com todos os empreendimentos de geração. ‘Hoje são monitorados cerca de 520 empreendimentos de geração. Destes, mais da metade estão com o cronograma em dia.’ De qualquer forma, diz o Ministério, as constantes mudanças são ponto de atenção e de ações permanentes por parte do Ministério.  ‘Esta dinâmica de atrasos levou o CMSE, na última reunião, a criar um grupo de trabalho com o objetivo de melhorar o diagnóstico dos atrasos e, consequentemente, das alterações sucessivas do cronograma.’” (Renée Pereira, Estadão, 14/4/2014.)

* Quatro anos de barbeiragens governamentais na condução da política energética

“A condução da política energética brasileira nos últimos quatro anos tem sido caracterizada por uma série de barbeiragens governamentais. A causa principal é que o governo insiste em desafiar as leis de mercado, através de resoluções das agências reguladoras, de decretos presidenciais e de leis aprovadas no Congresso. No fundo, o governo acha que tem o poder de revogar a lei da oferta e da procura e não entende que essa lei representa para a economia o mesmo que a lei da gravidade para a física. Ou seja, ambas são irrevogáveis. Como os acidentes têm sido graves a maioria das vitimas está no CTI, mas, dependendo do tratamento e da medicação, todas têm chance de sobreviver.

“A principal vitima das barbeiragens é a Petrobrás. A estatal não está conseguindo resistir à política do governo de utilizá-la como instrumento de política econômica e de política industrial. Para conter a inflação, o governo não reajusta os preços da gasolina e do diesel, isso reduz drasticamente o caixa da empresa, que é obrigada a se endividar de uma forma assustadora. Hoje, a dívida da Petrobrás, de R$ 230 bilhões, é a maior do mundo quando comparada a qualquer outra empresa não só do setor de petróleo, como de outros setores da economia. O remédio usado pelo governo para aliviar o caixa da empresa tem sido desonerar a gasolina e o diesel. De 2004 até janeiro de 2014, a desoneração com o fim da Cide, mais a redução da alíquota de PIS/Cofins, fez com que o governo deixasse de arrecadar R$ 80 bilhões. O remédio não faz efeito e, o pior, a enfermidade da Petrobrás contaminou o etanol.

“Toda essa desoneração da gasolina, combustível sujo e importado em detrimento do etanol limpo, nacional e renovável, tem levado ao fechamento e à quebra de inúmeras usinas, causando desemprego e um enorme retrocesso na produção desse combustível, em que um dia o Brasil foi líder.

“A última a entrar no CTI foi a Eletrobrás. A data exata foi 11 de setembro de 2012, quando o governo anunciou a MP 579. Essa MP derrubou a Eletrobrás e deixou todo o setor elétrico atordoado, gerando uma dor de cabeça que parece não ter fim. Ao aderir a essa MP, a Eletrobrás deixou de ter uma receita de R$ 19 bilhões para apresentar um prejuízo de R$ 6,8 bilhões em 2013. Ao baixar as tarifas num momento em que o custo de energia estava subindo, o governo incentivou o consumo de energia e agora estamos diante de um cenário de racionamento.

“Qual o tratamento? Deixar de utilizar as empresas estatais como instrumento de politica econômica e industrial e como meio de ganhar as eleições através de um deliberado populismo. Acabar com a política de desoneração da gasolina e do diesel e de subsídios do Tesouro à energia elétrica. Recompor a gestão das estatais através de um plano estratégico de redução de custos e venda de ativos. O remédio existe e é fácil de encontrar no mercado.” (Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura, O Globo, 16/4/2014.)

* Lembra do conto de fadas da conta de luz mais barata? A conta de luz sobe de 11% a 29% para 24 milhões de clientes

“A conta de luz de cerca de 24 milhões de unidades consumidoras de nove distribuidoras do Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste ficará mais cara a partir deste mês. Os aumentos variam de 11,16% a 28,99% para residências e foram fortemente influenciados pelo alto custo da compra de energia, devido ao uso das térmicas e aos preços do mercado de curto prazo.

“Para as indústrias, a conta sairá ainda mais salgada. A gaúcha Uhenpal (Usina Hidrelétrica Nova Palma Ltda.), por exemplo, foi autorizada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a elevar a tarifa da indústria em 35,7% a partir de 19 de abril. A conta dos consumidores residenciais ficará 22% maior. A empresa fornece energia para 15 mil unidades consumidoras de sete cidades do estado.

“O custo da energia comprada pelas distribuidoras aumentou substancialmente em razão de três fatores: o uso das usinas térmicas (mais caras), que começou no ano passado, para compensar a escassez de água nos reservatórios das hidrelétricas, a falta de contratos de longo prazo — que forçou as empresas a buscar energia no mercado livre — e assinatura de novos contratos de longo prazo já com preços mais altos.

“No Nordeste, os aumentos das quatro distribuidoras — Coelba (BA), Coelce (CE), Energisa (SE) e Cosern (RN) — começam a vigorar no próximo dia 22. Elas fornecem energia para cerca de 10 milhões de consumidores. A tarifa de energia cobrada pela Coelba (BA) subirá 15% para as residências, enquanto para a indústria a alta será de 16,04%. A Coelba, que tem um faturamento anual de R$ 4,2 bilhões, solicitou um aumento a agência de 18,12%.

“Com a escalada dos preços da energia, a indústria passou a pagar a 10ª tarifa mais cara, num ranking de 28 países elaborado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). O custo do MWh no país já chega a R$ 301,66. A Índia tem a energia mais cara da lista, a R$ 630,92. Mas o custo no Brasil supera em larga escala o da China (R$ 201,48) e da Rússia (R$ 150,35).

“Os reajustes em série de distribuidoras — anunciados a partir do dia 8 de abril — recaem principalmente sobre indústrias eletrointensivas, como siderúrgicas e de alumínio, mas terão impacto também no comportamento dos preços. O economista Eduardo Velho, da INVX Global Partners, estima que os reajustes devem representar ao menos 0,28 ponto percentual na inflação deste ano.

“Segundo Velho, ainda há incerteza quanto à intensidade do uso de energia térmica, mais cara, o que pode repercutir nas tarifas. O impacto a mais sobre os índices de preços ocorre no momento em que as projeções do mercado estão muito próximas do teto da meta de inflação do ano, de 6,5%.

“— Na indústria de alumínio, a energia representa 42% do custo de produção. Mas o impacto desse aumento de tarifa vai depender do segmento em que cada indústria atua. Se a empresa está num mercado muito competitivo, terá que segurar o repasse de custos. Para fazer isso, pode precisar realizar cortes em outras áreas — destaca Tatiana Lauria, especialista em competitividade de indústria e investimentos do Sistema Firjan.

“Embora seja difícil mensurar o reflexo do aumento do custo médio da tarifa elétrica para a indústria, o insumo está entre os gastos mais relevantes para o setor, diz Marco Polo de Mello Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil.

“— O custo da energia já é um fator restritivo à competitividade. É evidente que, com o aumento, o efeito será de piora. A redução da tarifa, anunciada ano passado, não beneficiou a indústria do aço. As usinas atuam no mercado livre, onde a queda foi pequena —diz Lopes.

“O problema, segundo a especialista da Firjan é estrutural, refletindo a política energética do país, a despeito dos investimentos em projetos de usinas hidrelétricas.

“— Mudar o foco de hidrelétricas com reservatórios para as usinas a fio d’água, por exemplo, exige maior uso de térmicas. É uma escolha para reduzir impacto ambiental. Mas tudo tem um preço. E o governo precisa deixar isso claro, explicitando como vamos usar a energia gerada e a que preço — diz.

“Para Cláudio Frischtak, presidente da Inter. B Consultoria Internacional de Negócios, a indústria e o consumidor residencial foram levados a investir num padrão de consumo de quando o país vivia outra situação.

“Segundo ele, o cenário de energia abundante baseado no modelo hídrico não condiz mais com a realidade porque o custo da distribuição é elevado. Além disso, exigências ambientais e sociais em áreas próximas a novas hidrelétricas, substituição de reservatórios por usinas a fio d’água e aumento nos prazos das obras encareceram a expansão do sistema.

“Além da mudança de cenário, Frischtak ressalta que a entrada de milhões de brasileiros no mercado consumidor nos últimos anos foi acompanhada da compra de um grande número de eletrodomésticos, como televisores, geladeiras, aparelhos de ar-condicionado que fizeram o consumo crescer sem um avanço equivalente no crescimento da energia.

“— O governo errou feio e essa barbeiragem está custando bilhões de reais. Só estão autorizando os reajustes agora, porque as contas públicas chegaram ao limite. Um grande equívoco foi a presidente ir para a televisão dizer: vamos baixar o custo da energia para todo mundo. Foi o mesmo que falar ‘consumam’. As pessoas responderam e passaram a gastar energia a rodo. E para piorar, foi um ano de verão muito quente, o que aumenta o consumo de energia e acelera a evaporação da água — diz o economista.

“Estimativas da Inter. B mostram que se, em janeiro, quando o governo percebeu que haveria problemas com os reservatórios, tivesse sido feito uma campanha para a população reduzir consumo de energia em 10%, a crise atual teria proporções bem menores.

‘Afonso Henriques Moreira Santos, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), também chama atenção para o fato de o governo federal não ter investido em campanha pelo uso racional de energia no país. Para ele, a redução da tarifa de energia como estratégia para elevar a competitividade da indústria resultou em crise no setor elétrico.

“— Foi um grande erro em política energética. Só há avanço em competitividade com expansão da produtividade industrial. Vantagens competitivas artificiais não garantem aumento de produção. Teria sido preciso pedir ganho de eficiência, investimento em automação. Países altamente produtivos, como Japão e Chile, importam gás natural liquefeito, que é muito caro. E são muito competitivos — argumenta ele.

“O custo de energia no Rio de Janeiro e em São Paulo, segundo a Firjan, também fez os dois polos industriais avançarem no ranking dos estados onde a energia é mais cara. A lista tem Mato Grosso em primeiro lugar, com preço do MWh em R$ 424,27. O Rio passou da 6ª para a 4ª colocação, após reajuste da Ampla, totalizando R$ 368,94/MWh. Já São Paulo, avançou três posições, ficando em 15º lugar, com tarifa de R$ 285,34/MWh.” (Mônica Tavares, Glauce Cavalcanti e Nice de Paula, O Globo, 17/4/2014.)

A infra-estrutura em frangalhos – e a Copa está chegando

* Fala o presidente da Infraero: “Podemos ‘tapear’ as obras de modo que melhore a operacionalidade sem terminar ela como um todo”

“Pode ter sido apenas um ato falho, mas a gafe do presidente da Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária (Infraero), Gustavo do Vale, ao dizer que é possível ‘tapear’ as atrasadíssimas obras nos aeroportos, para que não atrapalhem os turistas durante a Copa do Mundo, definiu com precisão vernacular a gestão petista na área aeroportuária. ‘Tapear’, conforme o Aurélio, significa ‘enganar, iludir, lograr, burlar, embaçar’.

“Vale referiu-se especificamente às obras do Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, região metropolitana de Belo Horizonte. Pelo que se depreende de suas explicações, ‘tapear’ significa isolar os setores ainda inacabados daquele terminal para que o aeroporto possa funcionar, mesmo de modo precário.

“‘Reconheço que as obras não ficarão com aquilo que prevíamos para a Copa’, disse Vale. ‘Podemos ‘tapear’ (sic) as obras de modo que melhore a operacionalidade sem terminar ela como um todo. Em determinada área que está em obra, você isola aquela área, mas libera outras áreas onde as obras já terminaram.’ Isso significa que os turistas serão recebidos em Confins – e em outros terminais – conforme o famoso ‘jeitinho brasileiro’.

“Em janeiro passado, o ministro da Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República, Moreira Franco, já admitia, ante as evidências, que seria necessário ‘construir alternativas’ para driblar os problemas nos aeroportos. Até ‘puxadinhos’ de lona e com estrutura pré-fabricada estão nos planos do governo para dar aos terminais condições mínimas.

“A declaração do presidente da Infraero, portanto, não é uma aberração. Faz parte do discurso oficial, adotado desde que ficou claro, mesmo para os patrioteiros mais otimistas, que as obras nos aeroportos sofreriam atrasos – apesar dos sete anos que o País teve para se organizar para a Copa. Mas os problemas relativos ao Mundial mascaram questões de fundo, muito mais relevantes, a começar pelo modelo de concessão dos aeroportos.

“O caso de Confins é exemplar. O terminal foi arrematado em novembro pelo consórcio BH Airport, formado pelos operadores Flughafen München e Flughafen Zürich em sociedade com a construtora CCR. Assim como aconteceu em outros contratos de aeroportos celebrados pelo governo Dilma, o BH Airport ficará com 51%, enquanto a Infraero deterá 49%.

“O problema desse modelo é que ele impõe à Infraero significativa perda de receita – como aconteceu quando foi reduzida sua participação nos lucrativos aeroportos de Guarulhos, de Viracopos e de Brasília, dos quais detinha 100%. Como a empresa administra dezenas de aeroportos deficitários e ainda terá de injetar recursos para pagar sua parte nos investimentos projetados nos aeroportos dos quais será sócia, é presumível que a situação de suas contas, já dramática, torne-se crítica.

“Assim, conforme já se admite na Infraero, serão necessários cortes de gastos que vão afetar desde a manutenção de ar-condicionado até o sistema elétrico que alimenta sistemas de auxílios visuais e de navegação aérea, com riscos à segurança. Ademais, conforme constatou o Tribunal de Contas da União, a Infraero ainda não tem estrutura de gestão para administrar sua participação nesses negócios.

“Um vexame na Copa do Mundo é, como se vê, o menor dos problemas. Serão apenas 30 dias, nos quais o País será testado em diversas frentes e provavelmente se sairá bem em algumas – talvez seja até campeão – e não tão bem em outras. Pouco importa. O que interessa é que os atuais problemas nos aeroportos são apenas parte de um erro muito mais amplo: o modelo de concessão transformou a lucrativa Infraero – que nunca foi eficiente – numa empresa em crise.

“Na solenidade em que assinou o contrato de Confins, Dilma disse que o objetivo desse modelo danoso é ‘providenciar a modernização’ do setor. Eis, portanto, o que é ‘tapeação’: empreender uma ‘privatização’ que, para não parecer privatização, onera os cofres públicos, prejudica estatais e não resulta necessariamente em melhoria dos serviços.” (Editorial, Estadão, 14/4/2014.)

* O Comitê Olímpico faz intervenção. Teme-se que o Brasil vá pagar o maior mico da História ao se mostrar incapaz de organizar uma Olimpíada

“O Comitê Olímpico Internacional (COI) acompanhará passo a passo as obras necessárias para que se dispute a Olimpíada de 2016 no Rio, tentando evitar a confirmação dos temores de federações esportivas do mundo inteiro, preocupadas com a perspectiva do fiasco total na organização do evento. O presidente do COI, Thomas Bach, tomou todas as precauções possíveis para não melindrar os organizadores e as autoridades cariocas, evitando a palavra ‘intervenção’. Mas, depois de uma reunião do comitê executivo na Turquia, deixou claro que a entidade tomará as rédeas da organização dos Jogos Olímpicos, ao anunciar um pacote de medidas para acelerar as obras na cidade. Nas próximas semanas, será conhecida a composição de forças-tarefa para fazer o que deixou de ser feito em quase cinco anos, desde o anúncio da escolha. Para o Rio será enviado pelo COI um administrador de projetos ‘com experiência em construções, para monitorar, no dia a dia, os progressos das obras de infra-estrutura’. Segundo Bach, ‘o COI vai assumir o papel principal na coordenação dos esforços de todos’.

“O anúncio foi feito porque a cúpula da entidade está alarmada com os atrasos dos preparativos para os Jogos. Um dos principais atrativos da candidatura da segunda maior cidade brasileira seria a vantagem de realizar as disputas de todas as modalidades num território com 25 quilômetros de raio. Isso evitaria que algumas competições tivessem de ser sediadas longe do local onde se instalarão a Vila Olímpica e os locais da maioria dos torneios. Em 2012, canoagem, ciclismo, remo e iatismo foram disputados fora de Londres. Em 2008, Pequim não sediou as provas de hipismo e iatismo. Apenas a final do torneio de futebol costuma ser jogada na sede, mas com as partidas anteriores marcadas para fora dela.

“Entusiasmadas com as características especiais que permitiam ao Rio concentrar os Jogos Olímpicos, as federações internacionais agora se veem confrontadas com atrasos no cronograma das obras e de instalação dos equipamentos. A dois anos do evento no Rio, o panorama assustou os membros do COI, alertados pelos aflitos avisos das federações e pelas más notícias das quais o mundo tem tomado conhecimento sobre a Copa do Mundo no Brasil. Em vez de ameaçar organizadores e autoridades cariocas com tapas no traseiro pelos atrasos das obras para a Copa, como fez o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, os dirigentes olímpicos resolveram assumir o controle sobre as construções olímpicas para poupar o Brasil do vexame internacional de pedir ajuda a outros países na hipótese de não dispor de instalações prontas para a disputa no prazo previsto.

“Em 2009, em Copenhague, na Dinamarca, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva capitalizou politicamente a escolha do Rio para sediar a Olimpíada, um feito similar à indicação da Fifa para o Brasil sediar a Copa em 2014. Uma grande festa popular na Praia de Copacabana comemorou a vitória sobre Madri, Chicago e Tóquio. Mais de quatro anos e meio depois, o prefeito Eduardo Paes, aliado dos petistas no poder federal, preferiu contemporizar e aceitar a indicação do diretor executivo de Jogos Olímpicos do COI, Gilbert Felli, para tentar evitar o malogro temido.

“Há três anos, a presidente Dilma Rousseff nomeou o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles para presidir a tal Autoridade Pública Olímpica (APO). Desde a nomeação, não ficou claro para que serve tal órgão e Meirelles discretamente abandonou o cargo. Outra executiva de renome, Maria Sílvia Bastos Marques, que assumiu a Empresa Olímpica Municipal (EOM) também em 2011, pediu demissão tão discretamente quanto Meirelles. Os Parques Olímpicos de Deodoro e da Barra, principais instalações dos Jogos, ainda não saíram do papel. Licitação para obras viárias do entorno do primeiro só foi aberta este mês e as arenas esportivas em si nem sequer foram licitadas. É óbvio que isso reforça os temores de o Brasil vir a pagar o maior mico da História, ao se mostrar incapaz de organizar uma Olimpíada.” (Editorial, Estadão, 14/4/2014.)

* New York Times fala sobre atraso e elevado custo das obras no Brasil e sugere que país não tem habilidade para concluir grandes projetos

“Em uma ampla reportagem publicada em sua edição de ontem (13/4), o jornal The New York Times falou sobre o atraso e o elevado custo dos estádios que estão sendo construídos para a Copa do Mundo deste ano e indicou que eles são apenas parte de um problema maior no Brasil: a inabilidade para concluir grandes projetos de infra-estrutura. No texto intitulado ‘Do boom à ferrugem’, que em sua versão on-line está acompanhado de uma galeria de fotos feitas por Daniel Berehulak e de um vídeo de três minutos e meio de duração, o jornal lista obras que foram abandonadas ou que estão estagnadas país afora. São elas a ferrovia Transnordestina, que é parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); o Museu do ET de Varginha (MG), construído com recursos federais; as usinas de energia eólica de um parque que foi abandonado em Natal (RN) por não ter conexão com as linhas de transmissão de energia; e o Hotel Glória, no Rio, que recebeu financiamento do BNDES.

“A reportagem, que, durante todo o dia de ontem (13/4), teve grande destaque no site do jornal americano, aponta a desaceleração do crescimento econômico como o pano de fundo do esquecimento ou da demora de todas estas obras. Ele ainda informa que muitos críticos brasileiros acreditam que esta incapacidade de concluir projetos de grande porte deixa entrever aquilo que consideram ser um fraqueza do modelo de capitalismo de Estado no Brasil. Entre os entrevistados da reportagem está o diretor da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco. Para ele, ‘os fiascos estão se multiplicando, revelando uma desordem que é infelizmente sistêmica’. Segundo Castello Branco, ‘estamos despertando para a realidade em que imensos recursos foram desperdiçados em projetos extravagantes, enquanto nossas escolas públicas ainda são uma bagunça’.

“O professor Sérgio Lazzarini, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), também falou ao jornal. Para ele, ‘muitas das obras nunca mereceram receber dinheiro público’. Uma delas seria o Hotel Glória, que recentemente foi vendido pelo empresário Eike Batista ao fundo suíço Acron. Sobre a Transnordestina, o ‘New York Times’ faz ainda um histórico. Diz que a ferrovia estava prevista para ser concluída em 2010 por um total de US$ 1,8 bilhão, mas que ainda está longe de ficar pronta. Segundo o jornal, sua previsão de gasto pulou para US$ 3,2 bilhões. Em seu balanço, o New York Times lembra ainda que, em março deste ano, a agência Standard & Poor’s rebaixou a nota do Brasil de ‘BBB’ para ‘BBB-’ e citou o fato de que o governo da presidente Dilma Rousseff vem registrando queda de apoio nas últimas pesquisas. O jornal procurou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma vez que muitas das obras citadas foram iniciadas em seu governo, e Lula respondeu: ‘Nós passamos 20 anos sem fazer ou desenvolver nenhum projeto de infra-estrutura pública. Não tínhamos nada na gaveta’. O ministro César Borges (Transportes) também foi procurado e, em seu depoimento, lembrou que ‘projetos sofrem atrasos no mundo inteiro, não só no Brasil’.” (O Globo, 14/4/2014.)

A lorota dos PACs

* Até o final de 2013, mais da metade do PAC 2 não tinha saído do papel. Mas a presidente-candidata já anunciou que vai anunciar o PAC 3

“Há dez dias, quando a presidente-candidata anunciou que lançará em agosto — dois meses antes das próximas eleições — a terceira versão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 3), lembrei-me dos filmes da série ‘Rambo’, que agradavam aos cinéfilos menos exigentes, especialmente pela pirotecnia. Na verdade, Lula e Dilma não inovaram ao ‘batizar’ e associar um conjunto de ações aos seus mandatos. Assim foi em governos anteriores com o ‘Avança Brasil’, o ‘Brasil em Ação’, o ‘Programa de Metas’, o ‘Plano Salte’, entre outros. Estrategicamente, são ‘títulos fantasia’ para Planos Plurianuais (PPAs), previstos na Constituição federal, que os governantes têm por obrigação realizar.

“Às vésperas da divulgação do PAC 3, a Associação Contas Abertas reuniu dados oficiais sobre a execução do PAC 2, que abrange o período de 2011 a 2014. Essa etapa do programa foi anunciada com pompa e cerimônia em 29 de março de 2010, na presença de 30 ministros do governo Lula, prefeitos de várias capitais, empresários e líderes de movimentos sociais.

“Em síntese, até dezembro de 2013 mais da metade do PAC 2 sequer saiu do papel. Decorridos três anos, dentre os 49.095 empreendimentos, 26.154 (53%) estão nos estágios de ‘ação preparatória’, ‘em contratação’, ‘em licitação de obra’ e ‘em licitação de projeto’. De cada dez iniciativas, menos de quatro estão ‘em obra’ ou ‘em execução’. Apenas 12% dos empreendimentos estão ‘concluídos’.

“Na Saúde, das 24.006 obras tocadas pelo ministério e pela Funasa, só 2.547 (11%) foram colocadas à disposição da sociedade. As Unidades Básicas de Saúde (UBS) ilustram essa realidade: das 15.652 previstas, irrisórias 1.404 (9%) foram concluídas. Quanto às Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), 503 estavam previstas, mas somente 14 ficaram prontas. Nas ações de saneamento e recursos hídricos, das 7.911 iniciativas, apenas 1.129 (14%) foram finalizadas. Pelo visto, para reduzir os problemas da saúde no Brasil, serão necessárias, além dos médicos cubanos, mais infra-estrutura e melhor gestão.

“Em outras áreas, várias propostas ainda são promessas. No começo do ano passado, durante o programa ‘Café com a presidenta’, Dilma prometeu entregar até o fim do seu mandato seis mil creches, número que poderia chegar a nove mil. Para a profecia não virar ‘mico’, as obras terão que ser aceleradas. Das 5.257 creches e pré-escolas constantes do PAC 2 apenas 223 estavam em funcionamento até o fim do ano passado. No esporte, os estádios padrão Fifa estão quase prontos; no entanto, das 9.158 quadras esportivas que seriam construídas em escolas, apenas 481 (5%) foram inauguradas. Nenhum dos 285 centros de iniciação ao esporte ficou pronto.

“Os resultados também são pífios nos Transportes. Dos 106 empreendimentos em aeroportos, quase 70% ainda estão em fases burocráticas. De cada três obras em rodovias, apenas uma foi concluída. Das 48 intervenções em ferrovias, apenas 12 chegaram ao fim. Nos chamados PACs do ‘turismo’, das ‘cidades históricas’ e das ‘cidades digitais’ nenhum dos 733 empreendimentos foi finalizado.

“Como quantitativamente os projetos evoluem lentamente, o governo prefere enfatizar que as ‘ações concluídas’ somam R$ 583 bilhões. Deste valor, 44%, isto é, R$ 253,8 bilhões são ‘empréstimos habitacionais à pessoa física’. Assim, caro leitor, se você for à Caixa Econômica Federal e solicitar empréstimo para a compra de imóvel novo, usado ou para reformas, o financiamento, tão logo liberado, será incluído como ‘ação concluída’ do PAC. Por incrível que possa parecer, o dinheiro que a CEF lhe emprestou — em parte vindo do FGTS, que já era seu e sobre o qual você irá pagar juros — é a principal realização do PAC 2, tal como já acontecera no PAC 1. A soma dos ‘empréstimos habitacionais à pessoa física’ é tão relevante que supera o montante de todas as obras concluídas dos eixos de transporte e energia.

“Em agosto, após as comemorações ou a ressaca da Copa, estaremos a dois meses das eleições e os marqueteiros entrarão em campo. O governo associará o PAC 3 à ‘mãe do programa’, destacando a importância da sua reeleição para a continuidade da saga. A oposição, certamente, irá procurar demonstrar a extensão do canteiro de obras inacabadas. Diante desse panorama, antes de anunciar o PAC 3, seria conveniente o governo acelerar o PAC 2. Afinal, a estratégia política de fazer promessas mirabolantes às vésperas das eleições é mais velha do que os filmes de Sylvester Stallone, o heroico personagem da série Rambo.” (Gil Castello Branco, economista, O Globo, 15/4/2014.)

Imagina na Copa

* Relatório do Tribunal de Contas do Rio aponta superfaturamento em obras no Maracanã

“O Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) aponta superfaturamento de R$ 67,3 milhões nas obras do Maracanã e pede que os valores não sejam pagos ao Consórcio Maracanã (Odebrecht e Andrade Gutierrez). A informação foi divulgada pela coluna Radar, da revista Veja. O relatório técnico, que ainda vai ser analisado e julgado pelo plenário do TCE, indica que houve superfaturamento e irregularidades, como ordens de serviço sem amparo do projeto executivo, como a instalação de estruturas metálicas das arquibancadas e o reforço das estruturas das arquibancadas Norte e Sul.

“Segundo o relatório, houve também pagamentos indevidos na parte de acabamentos, limpezas e no reforço estrutural das plataformas 2, 4 e 6 das rampas 1 e 4. Se o relatório for aprovado, o secretário de Obras do Estado do Rio, Hudson Braga, e o presidente da Empresa Municipal de Obras Públicas (Emop), Ícaro Moreno, serão notificados e terão de cancelar o pagamento, além de fazer as devidas correções.

“Em 25 de março, o governo publicou no Diário Oficial o reconhecimento de uma dívida de R$ 8,4 milhões com a Odebrecht, refente a obras do entorno do Complexo Maracanã, cujo custo total ficará em torno de R$ 18 milhões.

“Em março de 2012, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou irregularidade de projeto, que superfaturava o valor em R$ 100 milhões. A pedido do TCU, o governo estadual refez o projeto, e R$ 97 milhões foram economizados. O Maracanã custou R$ 1,266 bilhão. A Secretaria Estadual de Obras não informou, em março, o quanto deve ao consórcio.” (Carolina de Oliveira Castro, O Globo, 16/4/2014.)

* O ministro Gilberto de Carvalho diz que a mídia mente muito, que o Mané Garrincha não custou mais que Stade de France. A mídia está certa, e quem mente é o ministro

“O ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, disse que ‘é mentira que o Stade de France ficou mais barato que o Mané Garricha. Não caiam nessa, a mídia mente muito’. É difícil comprovar a afirmação do ministro já que, dependendo da fonte que se consulte, as obras no Brasil nunca têm o mesmo preço. Tem sempre um aditivo que pode alterar o número final. O certo é que o Mané Garrincha, o estádio de Brasília que ficou famoso por ter sido o mais caro de todos os estádios construídos ou reformados para a Copa do Brasil e cuja previsão inicial era a de que custasse R$ 700 milhões, deve sair, até o começo da Copa, por R$ 1,607 bilhão, de acordo com os últimos cálculos do Tribunal de Contas do Distrito Federal. O Stade de France, construído para a Copa de 1998, custou R$ 1,24 bilhão. Quem mente muito não é a mídia, ministro.

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Além disso, o Mané Garrincha tem 71 mil lugares, e o Stade de France é capaz de abrigar 79.959 torcedores. O estádio francês é maior.

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Disposto a acabar com o que considera mentiras da mídia na cobertura que antecede a Copa, o ministro Gilberto Carvalho vai fazer o que o governo gosta quando quer impor uma idéia à população: uma campanha publicitária. E ele justifica os anúncios que vêm por aí: ‘Permitimos que se criasse uma visão parcial e distorcida de uma invasão da Fifa, de gastos malucos com estádios, de eventos que ficaram atrasados. A Copa não é só isso’. Deixa eu ver se eu entendi, ministro. Se a Copa não é só isso, o senhor admite que a Copa também é isso. Agora, então, é o governo que admite que está havendo uma invasão da Fifa, que há gastos malucos com estádios, que os eventos estão atrasados. Entendi.” (Artur Zexéo, O Globo, 16/4/2014.)

Os erros na educação

* Mais um fracasso desse governo que tem na incompetência administrativa a sua principal marca

“A inépcia administrativa está comprometendo o programa Ciência sem Fronteiras, que é a mais importante iniciativa do governo federal no campo da educação. Lançado em 2011, ele foi planejado para conceder 101 mil bolsas a estudantes brasileiros interessados em fazer iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado em universidades conceituadas de países desenvolvidos.

“Até agora, já foram concedidas 61 mil bolsas. Contudo, por erros elementares no processo seletivo, muitos bolsistas foram para o exterior sem ter proficiência no idioma em que as atividades didáticas seriam realizadas e as provas seriam aplicadas. O problema é mais grave entre os alunos escolhidos para estudar na Europa, nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália. Por não falar inglês, um contingente expressivo não conseguiu acompanhar os cursos nos quais se matriculou. Também há bolsistas que, tendo demorado muito tempo para aprender inglês, não se prepararam suficientemente e não foram aprovados nos exames seletivos das universidades e centros de pesquisa que escolheram.

“Para evitar que esse problema afete a imagem do governo num ano eleitoral, os responsáveis pelo Ciência sem Fronteiras já determinaram o retorno de pelo menos 110 bolsistas do Canadá e da Austrália. Apesar de terem chegado a esses países em setembro de 2013, até agora – sete meses depois – não conseguiram proficiência em inglês. Além de terem recebido passagens aéreas e seguro de saúde, cada um desses bolsistas recebeu cerca de US$ 12 mil para alojamento e alimentação.

“Esse investimento não retornará ao País em forma de capacitação profissional e qualificação acadêmica com padrão de excelência, que são os principais objetivos do Ciência sem Fronteiras, cujas contas já estão desequilibradas. Por causa da sucessão de erros administrativos do governo, os gastos com esses estudantes – que voltam para o Brasil sem terem participado de qualquer curso acadêmico – serão contabilizados como prejuízo para os cofres públicos.

“Originariamente, os 110 estudantes que receberam aviso para voltar para o Brasil tinham sido aprovados para estudar em universidades portuguesas. No entanto, como o programa Ciência sem Fronteiras foi concebido para propiciar um intercâmbio acadêmico e cultural com países mais desenvolvidos do que Portugal, o governo – mesmo consciente de que não falavam inglês – os remanejou para instituições de ensino no Canadá e na Austrália.

“Embora os cálculos ainda não tenham sido concluídos, pois incluem taxas bancárias, variações cambiais e aumento do IOF, o prejuízo do governo será vultoso, uma vez que 3.445 estudantes matriculados em universidades portuguesas viajaram para o Canadá e a Austrália sem saber inglês. Encarregada de atuar como braço executivo do Ciência sem Fronteiras, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), vinculada ao Ministério da Educação (MEC), ainda não sabe quantos bolsistas terão de voltar. O órgão estabeleceu um prazo para que aprendessem inglês, antes de ingressar em alguma universidade canadense ou australiana.

“Os estudantes que estão sendo obrigados a voltar alegam que a Capes não respeitou esse prazo. Acusam o órgão de ter alterado o calendário dos testes de proficiência. Afirmam que várias provas de certificação marcadas para o fim de março e início de abril foram antecipadas para fevereiro. Reclamam dos problemas pessoais que terão de enfrentar, pois não aproveitaram a experiência no exterior e ainda terão de fazer mais um ano de graduação no Brasil, para compensar o período em que ficaram fora. E, por fim, reivindicam financiamento adicional de pelo menos seis meses, para que possam fazer algum curso acadêmico. Em nota, a Capes afirmou que os prazos foram respeitados e que os bolsistas foram informados das datas dos testes em setembro do ano passado.

“Esse é mais um fracasso de um governo que tem na incompetência administrativa a sua principal marca.” (Editorial, Estadão, 12/4/2014.)

O fenomenal Dias Toffoli

* A baixaria do ministro do Supremo que foi reprovado em dois exames para ser juiz da primeira instância

“Quando uma autoridade de primeiro escalão considera uma indecência ser perguntado por um jornalista sobre um assunto que o incomoda; quando acusa o profissional de atitude preconceituosa e desrespeitosa porque faz perguntas cujas respostas interessam à opinião pública, mas não a ele; quando, depois de responder de bom grado a todas as perguntas que lhe interessavam, proclama que o representante de um órgão da imprensa não tem legitimidade para questioná-lo – uma evidência se impõe: a autoridade está completamente despreparada para o cumprimento de seu ofício.

“O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), assumirá a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), condição em que estará no comando da fiscalização e do julgamento dos litígios legais do pleito de outubro. Natural, portanto, que os cidadãos estejam interessados em saber o que ele pensa sobre o papel da Justiça Eleitoral num momento certamente decisivo para o País, quando estarão em jogo os mais importantes mandatos executivos e legislativos, inclusive a Presidência da República. Com a intenção de prestar esse serviço jornalístico, o repórter Roldão Arruda entrevistou Dias Toffoli.

“O resultado foi totalmente frustrante em termos de conteúdo, diante das platitudes proclamadas, mas ao final o caçula da Suprema Corte confirmou que se filia a uma conhecida corrente do pensamento – digamos assim – político que tem ojeriza pelo dissenso e, quando se sente confrontado, apela para o revide agressivo.

“O ministro Toffoli já deveria saber, a esta altura da vida, que numa sociedade democrática a imprensa verdadeiramente livre, descompromissada com os interesses dos donos do poder ou de quem quer que seja, tem não apenas o direito, mas o dever de fazer perguntas que eventualmente os poderosos se sintam embaraçados para responder.

“Esse direito e esse dever é que conferem à imprensa livre, a este jornal, a seus repórteres, plena legitimidade para fazer perguntas que o ministro tem medo de responder.

“O final do diálogo entre o repórter e o ministro é estarrecedor.

“Repórter: ‘Ministro, o senhor já foi advogado do PT e agora vai presidir o TSE. Há alguma incompatibilidade?’. Toffoli: ‘Você tem que perguntar isso para o Aécio Neves, o Eduardo Campos e a Marina Silva. Não para mim’. Repórter: ‘Por quê?’. Toffoli: ‘Ora, o que está no substrato de sua pergunta é uma indecência. É preconceituosa e desrespeitosa. Você não tem legitimidade para me impugnar, nem a mídia. Vá fazer a pergunta para o Aécio, o Eduardo e a Marina, porque eles têm’.

“É difícil entender o que Aécio Neves, Eduardo Campos e Marina Silva têm a ver com o fato de Toffoli ter sido advogado do PT, estar na iminência de assumir a presidência do TSE e a possibilidade de isso resultar em conflito de interesses.

“Mas a evocação dos líderes políticos que no momento são os principais adversários do PT certamente pode dizer muito sobre os reflexos condicionados do ministro.

“De qualquer modo, pelo menos quando se trata de fugir de incompatibilidades, Toffoli traz consigo alguma experiência, como a que viveu na fase de prejulgamento do mensalão. Incessantemente acossado por jornalistas indecentes, preconceituosos e desrespeitosos que queriam a todo custo saber se ele, por suas notórias ligações com o PT, não se sentia eticamente impedido de participar do julgamento, simplesmente deu as costas a todos e foi fazer o que sua convicção mandava.

“Por uma questão de justiça, porém, não se pode deixar de levar em consideração que o ministro Toffoli tenha lá suas razões para se sentir inseguro – e melindrado – com a curiosidade malsã dos jornalistas. Afinal, o dele é um caso raro, de pessoa que foi nomeada para compor a mais alta Corte de Justiça do País depois de ter sido reprovado em concurso para ingresso na Magistratura de primeira instância. Ou seja, deve seu sucesso às notórias amizades.” (Editorial, Estadão, 13/4/2014.)

18 de abril de 2014

Outras compilações de provas da incompetência de Dilma e do governo:

Volume 115: Notícias de 30/8 a 5/9/2013.

Volume 116: Notícias de 6 a 12/9.

Volume 117: Notícias de 13 a 19/9.

Volume 118: Notícias de 20 a 26/9. 

Volume 119: Notícias de 11 a 17/10.

Volume 120: Notícias de 18 a 24/10.

Volume 121: Notícias de 25 a 31/10.

Volume 122: Notícias de 8 a 14/11.

Volume 123: Notícias de 15 a 21/11.

Volume 124: Notícias de 22 a 28/11.

Volume 125: Notícias de 28/11 a 5/12.

Volume 126: Notícias de 6 a 12/12/2013.

Volume 127: Notícias de 10 a 16/1/2014.

Volume 128: Notícias de 17 a 23/1/2014.

Volume 129: Notícias de 24 a 30/1/2014.

Volume 130: Notícias de 31\1 a 6\2\2014,

Volume 131: Notícias de 7 a 13/2/2014. 

Volume 132: Notícias de 14 a 20/3/2014.

Volume 133 (Parte Um): Notícias de 21 a 27/3/2014. 

Volume 133 (Parte Dois): Notícias de 21 a 27/3/2014.

Volume 134: Notícias de 28/3 a 3/4/2014.

Volume 135 (Parte Um): Notícias de 4 a 10/4/2014. 

Volume 135 (Parte Dois): Notícias de 4 a 10/4/2014.

 Volume 136 (Parte Dois): Notícias de 11 a 17/4/2014.

7 Comentários para “Más notícias do país de Dilma (136 – Parte Um)”

  1. O mais recente governo do PT foi decepcionante?

    Os governos Lula e Dilma não foram governos do PT, nem da classe trabalhadora. Foram governos de composição de classe, que gerou um programa de governo do neodesenvolvimentismo, que se propunha a fazer a economia crescer, distribuir renda e retomar o papel do estado suplantando o mercado (dos tempos do neoliberalismo).

    Nesse sentido eles cumpriram o programa, e nesse programa todas as classes ganharam um pouco, sendo que, como diz o próprio Lula, os banqueiros foram os que mais ganharam.
 
Mas esse programa e essa composição de classes, na opinião dos movimentos sociais, bateram no teto.

    E agora já não conseguem mais resolver os problemas fundamentais do povo que ainda padece com falta de moradia digna, emprego qualificado, acesso à universidade, e transporte público civilizado.

    As manifestações do ano passado foram o sinal de que o modelo do neodesenvolvimentismo chegou ao seu limite.
 
E como disse antes, espero que os setores organizados da classe trabalhadora construam um programa unitário de mudanças, e retomem a iniciativa das mobilizações de massa.

    Isso permitiria termos, no futuro, governos também populares, que possam fazer as mudanças estruturais de que precisamos. Por ora, os movimentos sociais de todo país construíram uma unidade em torno da necessidade de uma reforma política que devolva ao povo a soberania para escolher seus representantes.

    Já que, no regime atual, as empresas sequestraram as eleições. Veja: segundo o TSE, em torno de 2262 empresas gastaram mais de 4,6 bilhões de reais, nas últimas duas eleições sendo que 80% desses recursos foram de apenas 117 empresas. Ou seja, o novo colégio eleitoral que decide quem deve ser eleito, são essas 117 empresas que usam o dinheiro para elegê-los.

    Isso precisa mudar, para salvar uma democracia frágil e capenga. Então, a necessidade urgente de uma reforma política. Para tanto, será necessário convocar uma assembléia constituinte soberana (na forma de ser eleita) exclusiva para essas mudanças.

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