Más notícias do país de Dilma (149)

Na absoluta falta de realizações concretas para apresentar ao distinto público, a marquetagem lulo-petista sopra no ouvido de Dilma Rousseff que ela deve atacar. E então ela ataca – a oposição (o velho joguinho do nós x eles), a imprensa, os pessimistas, qualquer um que não rezar pela cartilha dos que estão no poder.

Embalada pelas primeiras vitórias da Seleção Brasileira, falou montanhas de abobrinhas. Parecia que jogava de chuteiras e camisa amarela ao lado de Neymar, de quem até, canhestramente, imitou um gesto brincalhão. “O povo brasileiro confia em Felipão, Parreira e nos jogadores da #Seleção Brasileira”, postou em nome dela nas redes sociais a equipe de João Santana.

Depois do primeiro e do segundo vexames da Seleção, foi uma corrida para tentar descolar a figura de Dilma do time ao qual tinham feito tudo para colá-la. Já na segunda-feira, 15 de julho, um dia após ter aparecido com uma cara amuada, amarrada, pavorosa, na final da Copa, incapaz sequer de parabenizar a chanceler alemã Angela Merkel a seu lado, juntou 16 de seus 39 ministros para divulgar um balanço róseo da realização da competição no Brasil.

Os movimentos da marquetagem lulo-petista andam um tanto erráticos. Ainda na quinta-feira, dia 10, Dilma apareceu na CNN no “que provavelmente foi o mais tosco chutão da chefe do governo nestes três anos e meio no Planalto”, segundo editorial do Estadão. “Numa entrevista gravada no dia seguinte à catástrofe do Mineirão, ao defender uma ‘renovação’ do futebol brasileiro, Dilma disse que ‘o Brasil não pode mais continuar exportando jogador’. (…) Em um surto provocado por uma mistura tóxica de oportunismo – para que o pó da derrota em campo não se deposite sobre o projeto da reeleição – e conhecido vezo autoritário, Dilma falou como quem quer cassar o direito constitucional dos brasileiros de ir e vir, dentro ou para além das fronteiras nacionais, como se o Brasil fosse uma Cuba ou Coreia do Norte.”

Os chutões de Dilma contra o bom-senso parecem ter provocado em vários jornalistas um especial apreço por frases belamente construídas. José Nêumanne, um ourives que gosta de pincelar o texto com esmero, bordou  este no Estadão:

“Antes de o ‘padrão Felipão’ ser submetido a outro vexame na disputa pelo terceiro lugar contra a Holanda na arena Mané Garrincha, com o nome de um gênio do tempo em que nosso futebol tinha cara e vergonha, os bombeiros do Planalto correram para salvar a chefe do incêndio. Descalçaram-lhe as chuteiras e ela pôs de novo o capacete de chefe de obras, para jogar espuma sobre a tentativa canhestra de barganhar o sucesso da seleção por votos na eleição. Apelaram até para o óbvio: ‘Futebol e política não se misturam’. Fez-se isso com desleixo idêntico ao de estropiarem a frase de Nelson Rodrigues ‘a pátria em chuteiras’ por outra, que só adquiriu nexo após o vexame: ‘a pátria de chuteiras’. Dilma e seu professor (assim os pupilos chamam seus técnicos) usaram pátria, hino e bandeira para chutar a realidade para escanteio.”

Dora Kramer, outra ourives do texto, foi igualmente incisiva e brilhante em artigo no Estadão: “Houve improvisos, houve atrasos, houve superfaturamento e isso está demonstrado nos números, seja pela quantidade de obras que ficaram pelo caminho ou que ainda não foram entregues, seja pelos custos muito superiores aos previstos. Tudo isso foi apontado e o conjunto da ópera não autorizava ninguém a fazer uma previsão otimista. Saiu tudo muitíssimo melhor que a encomenda? Ótimo. A ninguém satisfaria hoje contabilizar desastres e lamentar episódios que pudessem nos transformar em objeto de vergonha mundial. O sentimento de regozijo é compartilhado como se pode constatar em todos os veículos de comunicação. Não há, portanto, razão para a presidente da República dizer, como se fosse marechal de espada em punho diante do batalhão, que derrotou os ‘pessimistas’. Não houve derrotados porque ninguém estava disputando coisa alguma; nem havia pessimistas, mas uma imprensa, no Brasil e no mundo, acompanhando os preparativos com olhos realistas e espírito crítico aguçado. Como deve ser.”

Rolf Kuntz, um dos mais bem preparados, mais sérios e respeitados nomes do jornalismo econômico do País, cravou, também no Estadão:

“Estamos salvos. O México superou o Brasil como maior produtor latino-americano de veículos, no primeiro semestre, a maior parte da indústria continua em crise – e demitindo – e a corrente de comércio encolhe, mas o governo promete consertar o futebol. A idéia é intervir na atividade, impor novos padrões de gestão aos clubes e até impedir a exportação de jovens craques, segundo anunciou na quinta-feira o ministro do Esporte, Aldo Rebelo. ‘Não podemos continuar exportando jogadores que são a maior atração do futebol brasileiro’, disse no mesmo dia a presidente Dilma Rousseff. Para a presidente e sua trupe, a derrota por 7 a 1 deve ser um desastre muito maior que a devastação econômica dos últimos anos – uma mistura de estagnação industrial, inflação elevada, contas públicas em deterioração e contas externas esburacadas.”

***

Diante de uma economia devastada por uma mistura tóxica, mortal, de autoritarismo, centralismo, intervencionismo, empáfia, crença em que o Estado tudo pode e o mercado é o retrato do mal em si, realmente a marquetagem lulo-petista não tem feitos a apresentar ao distinto público que daqui a dois meses e meio comparecerá às urnas. Então, dá-lhe mentira, burla, embuste.

Como observou o Estadão em editorial: “O programa de governo Dilma Rousseff 2014 é uma peça publicitária, com forte dose de ficção. Um dos tópicos, intitulado Os 12 anos que transformaram o Brasil, é constrangedor. Ali, a mentira parece adquirir status de verdade histórica. (…) Em relação ao seu calcanhar de aquiles – a inflação -, não tendo o que apresentar, usa bravatas pouco convincentes. (…) Há passagens que são a mais deslavada mentira. ‘Os governos do PT assumiram a histórica tarefa de investir na infra-estrutura logística brasileira. (…) O Brasil dos governos do PT e de seus aliados ficará marcado como o período da história recente com mais entregas de grandes obras de infra-estrutura.’ Será uma piada de mau gosto? Se há um setor onde existe uma distância abissal entre o que o País necessita – e o governo prometeu – e a administração petista entregou, este é o da infra-estrutura. É dessa forma que a Mãe do PAC vê os resultados pífios do seu mandato?”

***

Nos sete últimos dias, os jornais informaram que os gastos com seguro-desemprego subiram 383% em dez anos. Que o emprego na indústria teve maior queda anual desde novembro de 2009, de 2,6%. Que o índice de intenção de consumo em São Paulo caiu 2,5% em junho e chegou ao menor nível em cinco anos. Que o PIB teve retração de 0,1% no trimestre encerrado em maio, segundo a FGV. Que cresceu de 9% para 11,4% o número de famílias endividadas, segundo sondagem também da FGV.

Não são a oposição, a “mídia”, “os PIGs”, “a zelite” que são pessimistas. Os números é que parecem andar pessimistas.

Aí vai a 149ª compilação semanal de notícias e análises que comprovam os malefícios e a incompetência do lulo-petismo como um todo e do governo Dilma Rousseff em especial. Foram publicadas entre os dias 11 e 17 de julho.

Excepcionalmente, a compilação de número 150 não estará no ar na noite da próxima quinta-feira, dia 24. Exausto, o compilador vai tirar algumas semanas de férias.

Bom descanso para você também, Miltinho!

Dilma e a Copa

* “Em um surto provocado por uma mistura tóxica de oportunismo e conhecido vezo autoritário, Dilma falou como quem quer cassar o direito constitucional dos brasileiros de ir e vir”

“Ficaria melhor na Dilma Bolada – a falsa página da presidente nas redes sociais – do que na CNN, onde apareceu na quinta-feira, o que provavelmente foi o mais tosco chutão da chefe do governo nestes três anos e meio no Planalto. Numa entrevista gravada no dia seguinte à catástrofe do Mineirão, ao defender uma ‘renovação’ do futebol brasileiro, Dilma disse que ‘o Brasil não pode mais continuar exportando jogador’. E, para deixar claro que o ‘não pode’ seria uma proibição pura e simples, ela emendou de bico: ‘Um país, com essa paixão pelo futebol, tem todo o direito de ter seus jogadores aqui e não tê-los exportados’.

“Em um surto provocado por uma mistura tóxica de oportunismo – para que o pó da derrota em campo não se deposite sobre o projeto da reeleição – e conhecido vezo autoritário, Dilma falou como quem quer cassar o direito constitucional dos brasileiros de ir e vir, dentro ou para além das fronteiras nacionais, como se o Brasil fosse uma Cuba ou Coreia do Norte. Para justificar a enormidade, deu uma pisada na bola de envergonhar um perna de pau. ‘Exportar jogador’, caraminholou, ‘significa não ter a maior atração para os estádios ficarem cheios.’ Revelou involuntariamente, portanto, saber muito bem que boa parte ou o grosso dos US$ 4 bilhões despejados na construção e reforma das arenas da Copa serviu apenas para legar ao País uma manada de elefantes brancos.

“Aprisionar os nossos jovens mais promissores – como se isso fosse possível – absolveria, nos descontos, a megalomania dos governos petistas de mostrar ao mundo o que o Brasil, sob a sua iluminada condução, é capaz de fazer. Pura má-fé. O fato singelo é que, no mundo globalizado, assim como profissionais de outras áreas, jogadores migram para países onde o seu trabalho se inscreve em um negócio extraordinariamente bem-sucedido. Ali podem ganhar em um mês o que aqui levariam anos. Isso porque a estrutura do futebol brasileiro é sabidamente arcaica, corrupta e falida. O povo não esperou a seleção ser goleada para desprezar os cartolas que enfeudam clubes, associações e, claro, a CBF.

“Faz uma eternidade que essa estrutura precisa ser ‘renovada’, como Dilma parece ter descoberto. Mas não a submetendo à tutela estatal, como prega o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, do PC do B. Invocando nada menos do que o interesse da Pátria, ele defende uma ‘intervenção indireta’ (sic) numa atividade da qual a própria lei (no caso, a Lei Pelé, promulgada em 1998) aparta o poder público. Para começar, como ele deveria saber, a Fifa proíbe a intromissão de governos nas federações nacionais. Agora mesmo a Nigéria foi suspensa por ter o governo removido dirigentes de sua entidade futebolística. De resto, a promiscuidade entre autoridades e cartolas multiplicaria os focos de corrupção, sem modernizar o esporte.

“O Estado pode, sim, impor aos clubes uma série de condições para rolar as suas intermináveis dívidas com o erário, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) faz com os governos que lhe pedem socorro. O projeto da Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, pronto para ser votado na Câmara, condiciona o acesso dos clubes ao crédito oficial à arrumação de suas finanças, reforma administrativa e pagamento em dia dos salários de seus contratados. O Estado também pode – e deve – controlar a migração de menores de 18 anos. Embora a Fifa proíba que sejam importados por clubes estrangeiros, estes driblam a barreira contratando formalmente um de seus parentes. Como no gramado, bastam regras e juízes que punam os transgressores.

“No mais, que o Brasil aprenda com o que os dirigentes e jogadores alemães fizeram para renovar o futebol nacional depois da sua vexatória eliminação da Eurocopa em 2004. Como relatou o repórter Jamil Chade no Estado de quinta-feira, eles traçaram e foram fiéis a um plano de renovação de quadros, no qual investiriam ao longo do tempo US$ 1 bilhão. Minguaram as contratações de estrangeiros em benefício do talento local. Os ingressos foram congelados. Ainda assim, o campeonato alemão é o mais rentável da Europa. Os clubes são prósperos. O Bayern de Munique tem 11 times completos – fora a equipe principal. E o Estado não teve nada com isso.” (Editorial, Estadão, 12/7/2014.)

* Com sua proverbial incapacidade administrativa, o poder público teve de improvisar para compensar várias deficiência com a decretação de feriado e outros jeitinhos”

“Hoje (13/7) chega ao fim uma jornada de sete anos, iniciada quando o Brasil venceu a disputa para sediar a Copa de 2014. Foi uma viagem cheia de percalços, com altos e baixos, e um desfecho muito ruim para o futebol brasileiro. A seleção não chegou ao hexa, e assim não pôde exorcizar 1950 no mesmo Maracanã da derrota histórica de há 64 anos. E os sete gols sofridos na semifinal com a Alemanha ficarão como dolorosa marca nos cem anos de seleção brasileira. O estádio, renovado, coloca, porém, no currículo a honra de passar a ser o segundo do mundo, ao lado do mexicano Asteca, a servir de palco por duas vezes a uma final de Copa. Adicione-se, ainda, a qualquer balanço de saldos do evento a enorme exposição que teve o Brasil nos meios de comunicação globais, ajuda incalculável na atração de viajantes. Vai caber à indústria do turismo cativá-los.

“No muito que se disse sobre a catastrófica derrota da seleção no Mineirão, identificaram-se entre as raízes da humilhação imposta pelo time alemão algumas facetas observadas na comissão técnica, mas que também fazem parte da vida pública brasileira: a arrogância, a empáfia, o ufanismo, a autossuficiência. O projeto da Copa começou com alguma contaminação desses ingredientes. O então presidente Lula, lembre-se, desejava um número de cidades-sede superior às 12 do projeto final. E ficou provado que se a Copa de 2014 tivesse se limitado a menos estados, com melhores condições de infra-estrutura, o custo final para o contribuinte teria ficado menor, sem que o evento perdesse o brilho que teve. Além de haver uma quantidade menor de obras, um flanco vulnerável da Copa, como se confirmou.

“Animal político, Lula pode ter percebido as oportunidades que o torneio daria, em ano eleitoral, para que ele desfilasse ao lado da candidata à reeleição Dilma Rousseff em estádios novos ou reformados. Mas, antes, precisava eleger a ministra em 2010. Conseguiu. Trapaças da vida real não o deixaram dar o fecho neste plano de rara antevisão política. A inflação, a impopularidade em alta, as vaias impediram-no. E, no fim, a própria derrota da seleção, e da maneira como ocorreu, foi tremendo gol contra os planos de marquetagem político-eleitoral.

“Mas a Copa foi um sucesso. Naquilo que dependeu do futebol e do povo brasileiro. Houve ótimos jogos, com alta média de gols — infelizmente, com a colaboração da defesa brasileira no jogo com a Alemanha — e, para injetar mais emoção, seleções sem maior tradição brilharam, como Costa Rica, duro adversário da forte Holanda nas quartas de final. Foi derrotada apenas nos pênaltis. A Colômbia, com folha corrida no esporte, terminou sendo difícil adversário do Brasil na disputa por uma vaga na semifinal. O Chile, com tradição, outro obstáculo à seleção brasileira, veio com a melhor seleção das últimas Copas. Perdeu nos pênaltis, mas quase eliminou o Brasil, também nas quartas, no último minuto da prorrogação. Ficou a percepção de que a emigração de atletas de todos os continentes para a Europa, o mais forte centro mundial do futebol, tende a nivelar a qualidade dos jogadores do ponto de vista do condicionamento físico, conhecimento de táticas, etc — africanos, asiáticos, de onde sejam.

“O sucesso da Copa também foi devido à simpatia e hospitalidade dos brasileiros. O estrangeiro é recebido com alegria por uma cultura que gosta da diversidade — ela própria fermentada na miscigenação. As Fan Fests espalhadas pelas cidades-sede viraram caldeirões de confraternização.

“Foi assim desde o começo. E os grupos minoritários radicais, donos da palavra de ordem ‘não vai ter Copa’, logo perceberam que o melhor seria recolher as faixas e guardar capuzes e máscaras.

“A imprensa estrangeira, antes cética, passou a registrar a boa qualidade do evento. Simon Kuper, da revista do jornal inglês Financial Times, escreveu um artigo sob o título ‘Porque o Brasil já ganhou’. Veterano em Copas, Simon lembrou que antes de sair para a viagem recebeu o conselho da mulher: ‘Não vá ser morto’. Registrou saber das altas taxas de homicídio no país, mas saudou a segurança nas áreas em que transitavam os visitantes. ‘Esta é uma Copa sem medo’. Kuper gostou do que viu, de Manaus a Copacabana. Na Copa de 2002, recorda que, no Japão, todos eram bem educados. E no Brasil, mesmo o policial ‘afaga amigavelmente suas costas quando você passa’, se você for ‘um estrangeiro branco, de classe média’. Para ele, esta foi a melhor das sete Copas em que trabalhou, desde 1990. Deu certo, portanto, o plano de contingência montado pelos governos para criar seguras zonas de exclusão em estádios, adjacências e áreas de circulação de visitantes, Fan Fests, vizinhanças e bairros turísticos. Decisão correta.

“Porém, a outra face de medidas como esta é que o Brasil, diante das deficiências que tem, as quais não consegue resolver — mesmo, no caso da Copa, com sete anos para equacioná-las — precisa se valer de grandes planos de emergência. Eles sempre são necessários em qualquer país do mundo, mesmo o desenvolvido, mas a diferença está na dimensão. A segurança continua precária? Exército nas ruas durante o evento. Virou registro histórico o carro de combate Urutu estacionado à frente da subida da Rocinha na Rio-92. Passado o evento, o tanque foi embora e os traficantes voltaram à rotina de violência.

“Os aeroportos também foram uma surpresa positiva. O índice de atrasos chegou a 7,3%, contra 8,3%, em todo 2013, nos países da União Europeia. Também aqui, funcionou a improvisação, porque, diante de tamanha demora na passagem da administração de grandes aeroportos à iniciativa privada, por obtusidade ideológica, a saída, em vários casos, foi também o jeitinho — terminais improvisados, etc.

“Já tinha sido previsto que não haveria maiores dificuldades nos estádios, apesar dos atrasos. Elas estariam fora deles. Dados do próprio Ministério do Planejamento: apenas 24 das 70 obras de mobilidade urbana financiadas com recursos federais ficaram prontas. Ou seja, só 30%. Grande parte do legado para a população ainda está pelo caminho.

“Mais soluções ‘meia boca’ para contornar o obstáculo: decretar feriado nas cidades-sede em dia de jogo. Com menos veículos e pessoas nas ruas, a falta de estrutura de transporte público condizente faz menos estragos. O Brasil mostrou a sua cara: festeiro, alegre e hospitaleiro, mas incompetente em planejamento, administração de custos — sem falar em superfaturamentos, outro esporte nacional — e em gerenciamento de obras. Resta uma tênue esperança de que alguma lição tenha sido aprendida com vistas às Olimpíadas do Rio, daqui a dois anos. Mas o tempo é curto.

“Criou-se, durante um mês, uma espécie de Brasil da fantasia: segurança extrema, feriados, menos dias de trabalho. A Copa, indiscutivelmente, foi um sucesso. Mas, a partir de amanhã, volta a dura realidade do cotidiano.” (Editorial, O Globo, 13/7/2014.)

* Um balanço sem palanque mostra que não foi a Copa das Copas. E é bom lembrar: os alertas feitos pela imprensa não eram torcida contra. A imprensa fez seu dever

“A população recebeu bem. Os prazos das obras não foram cumpridos. O país encantou os turistas. Os serviços estavam muito caros, como hotéis, passagens aéreas e restaurantes. Não houve caos aéreo, mas nem todos os aeroportos ficaram prontos e as viagens de negócios foram praticamente suspensas. Ferrovias novas não há. O trânsito foi ajudado por feriados que prejudicaram a economia.

“O balanço que a presidente Dilma fez tinha endereço eleitoral. Uma avaliação mais realista permite aprender com o que não funcionou para que o Brasil se prepare para receber grandes eventos internacionais. Temos as Olimpíadas pela frente e, de novo, as obras estão muito atrasadas e de algumas conquistas já desistimos, como a limpeza da Baía de Guanabara.

“A infra-estrutura de tecnologia de comunicação continua deficiente. Precisamos melhorar muito nessa área e não pelos eventos, é por nós mesmos. A simpatia natural do povo brasileiro — reconhecido por todos como o ponto alto da Copa — pode ser aperfeiçoada com melhor ensino das línguas inglesa e espanhola para quem vai lidar diretamente com o público.

“Não foi a Copa das copas. Isso é refrão de marqueteiro. É melhor avaliar o que deu certo, o que deu errado. Os alertas feitos pela imprensa não eram torcida contra. Toda imprensa livre tem o dever de fazer os alertas. Quem não gosta de imprensa livre pode ver como funciona na China, em Cuba, na Coreia do Norte. É o paraíso do governante, e a morte da notícia. Tudo filtrado, controlado, vigiado. O Brasil não quer isso, por mais que o governo passe o tempo todo culpando a imprensa por qualquer fato que o desagrade.

“Houve acidentes no Itaquerão durante a construção. Com mortes. O estádio que abriu o evento ficou pronto no último minuto, mas a imagem externa da abertura era deprimente porque não houve tempo para o trabalho do lado de fora. Um viaduto caiu em Belo Horizonte e também houve morte. Ainda não se sabe o que será feito com certos estádios em locais onde não há tradição de futebol. Há um trabalho para fazer nesse pós-Copa para dar utilidade a essas obras caríssimas.

“Houve dias de trânsito muito pesado, mas a mobilidade urbana foi ajudada por excessivos feriados. A suspensão de aulas e atividades produtivas não é apenas um prejuízo econômico, mostra que só se evita o pior se o país parar. Um grande evento tem que caber no país. A conta dos feriados está batendo nos números já fracos da economia brasileira.

“Os preços extorsivos cobrados por muitos hotéis e restaurantes, além de passagens aéreas, foram um tiro no pé. Ganha-se num mês, mas o risco é apequenar o principal legado da Copa, que é incentivar o turismo estrangeiro. Se o país fica com fama de caro, isso afasta o turismo potencial que nasce desse contato. Foi um erro dos empresários e falta de visão de negócios de longo prazo. Claro que se sabia que haveria maior demanda por esses serviços durante um mês, mas cobrar preços excessivos reduz atratividade no turismo. (…)” (Míriam Leitão, O Globo, 16/7/2014.)

* “Não havia pessimistas, mas uma imprensa, no Brasil e no mundo, acompanhando os preparativos com olhos realistas e espírito crítico aguçado. Como deve ser”

“Graças à existência de um fator chamado massa crítica a presidente Dilma Rousseff pode comemorar a realização de uma Copa do Mundo muito bem-sucedida, mesmo tendo o Brasil levado uma lavada histórica dentro de campo e fora dele o governo deixado de cumprir boa parte dos compromissos assumidos em relação ao ‘legado’ de infra-estrutura.

“Expectativa lá embaixo, resultado lá no alto.

“Houve improvisos, houve atrasos, houve superfaturamento e isso está demonstrado nos números, seja pela quantidade de obras que ficaram pelo caminho ou que ainda não foram entregues, seja pelos custos muito superiores aos previstos. Tudo isso foi apontado e o conjunto da ópera não autorizava ninguém a fazer uma previsão otimista.

“Saiu tudo muitíssimo melhor que a encomenda? Ótimo. A ninguém satisfaria hoje contabilizar desastres e lamentar episódios que pudessem nos transformar em objeto de vergonha mundial. O sentimento de regozijo é compartilhado como se pode constatar em todos os veículos de comunicação.

“Não há, portanto, razão para a presidente da República dizer, como se fosse marechal de espada em punho diante do batalhão, que derrotou os ‘pessimistas’.

“Não houve derrotados porque ninguém estava disputando coisa alguma; nem havia pessimistas, mas uma imprensa, no Brasil e no mundo, acompanhando os preparativos com olhos realistas e espírito crítico aguçado. Como deve ser. Diferente ocorreu na área da imprensa esportiva onde, salvo as exceções de praxe, imperou o otimismo. Cronistas mais experientes mantiveram-se com o regulamentar pé atrás. Mas, no geral, o tom foi de submissão aos ditames do ‘comando’.

“A convocação do time aceita sem contestações e o mantra ‘já estamos com a taça na mão’, agora analisado como sinal de prepotência, abraçado com naturalidade. De que adiantou mesmo tanto otimismo? Não se construiu nada com ele. Só uma expectativa lá no alto para um resultado lá embaixo.

“Nem por isso é cabível dizer que houve ‘derrota dos otimistas’. Não disputavam. Talvez tenham apenas se intimidado de ir contra corrente e, assim, passarem a integrar o índex dos ‘pessimistas’ aos quais parecia haver certa obrigação de fazer um contraponto.

“Tudo normal se a gente entender que a benevolência do elogio não garante êxito nem tampouco o exercício da crítica contundente significa aposta no fracasso.” (Dora Kramer, Estadão, 16/7/2014.)

* Parece que Dilma aprendeu gestão com o professor Felipão: técnico e presidente usaram pátria, hino e bandeira para chutar a vida real para escanteio

“Dilma Rousseff disse, em 1.º de julho de 2013, que seu governo tinha o ‘padrão Felipão’, em resposta a uma pergunta sobre se seus ministros tinham ‘padrão Fifa’. Referia-se ao ex-técnico da seleção brasileira Luiz Felipe Scolari após reunião ministerial depois da vitória sobre a Espanha por 3 a 0 no Maracanã, onde ela seria vaiada várias vezes domingo, na final da Copa, antes e ao entregar a taça ao capitão alemão, Philipp Lahm. A comparação havia sido feita na temporada de protestos nas ruas em que o povo exigiu ‘padrão Fifa’ para a gestão pública federal, nada exemplar. Apesar de ter escolhido o treinador como modelo, ela não foi entregar a Copa das Confederações ao time que ele treinou. Um ano e 13 dias depois, tendo o mesmo time sofrido hecatombes inéditas nos jogos finais da ‘Copa das Copas’, ela o relegou ao ostracismo para se refugiar no verso de um samba de Paulo Vanzolini (‘levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima’) e na criatividade (‘a derrota é a mãe de todas as vitórias’).

“Dilma não atuou na seleção nem a treinou. Não é também dirigente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Mas não resiste a recorrer ao dito esporte bretão para parecer simpática. Nascida em Minas, comemorou a conquista da Libertadores da América pelo Atlético Mineiro em 2013 em redes sociais. ‘Congratulo (sic) com toda a torcida do Atlético pela conquista do título. Eu sou torcedora do Atlético e, quando criança, ia com meu pai a muitos jogos do Galo no Mineirão’, postou. Não faltou quem nos mesmos veículos lembrasse que 1) como nasceu em 1947, tinha 18 anos e, portanto, não era criança quando o estádio foi inaugurado; e 2) que o pai morrera em 1962, três anos antes de sua inauguração.

“Consta que Clio, a deusa da história, é irônica. Pelo visto, os deuses do futebol também. Em 8 de julho o estádio foi palco da derrota mais humilhante que o Brasil sofreu na história, ao perder de 7 a 1 na semifinal da Copa. Dela o técnico saiu como padrão de incompetência, e não de excelência.

“Nenhum torcedor dotado do mínimo de bom senso teria apostado pesado no time de Scolari na Copa: ganhou da Croácia com a ajuda do juiz, empatou com o México contando com muita sorte e ao vencer Camarões passou para as oitavas de final contra o Chile, e não contra a Holanda, por absurdos erros do árbitro, que anulou dois gols legítimos dos mexicanos no jogo de estreia contra os africanos. A trave nos últimos segundos da prorrogação e no último pênalti carimbou o passaporte para as quartas de final contra a Colômbia, que nunca foi páreo para a canarinha nos melhores momentos dela e nos piores desta. O Brasil ficou entre os quatro melhores com a ajuda da sorte e de apito amigo.

“Mas na véspera da semifinal contra a temida Alemanha a presidente resolveu apostar todas as fichas de chefe de governo e de Estado e de candidata à reeleição no ‘padrão Felipão’ de excelente gestão. A página oficial da Presidência da República na internet, usada na campanha eleitoral com uma sem-cerimônia só comparável à do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ao desconhecer o fato, divulgou sua ‘conversa’ com internautas sobre a Copa. Chamou os adversários de ‘urubus’, condenou o ‘pessimismo indevido’ de um sujeito oculto chamado imprensa, vulgo ‘mídia golpista’, e adotou como mascote de palanque o craque Neymar, cuja dor, ao ser atingido por um jogador do time que fora menos violento do que o Brasil no jogo, segundo ela, ‘feriu o coração de todos os brasileiros’. Para completar, sem se dignar a explicar o significado do gesto nem da expressão, copiou do astro do Barcelona o ‘é tóis’, paródia criada por ele para o ‘é nóis’ dos corintianos, com a letra T formada pelos braços e pelo cotovelo. E enquanto a torcida lhe fazia eco gritando o nome do ídolo ferido, os alemães impingiram à seleção mais campeã das Copas a pior goleada em semifinais do torneio.

“Felipão, fiel a seu padrão de embromation, mal consumado o desastre elogiou o próprio trabalho, lembrando que seu ‘grupo’ – sua ‘família’, ou seja, as vítimas de suas doses patéticas de autoajuda – foi o primeiro a chegar a uma semifinal desde a Copa em que ele mesmo treinou o time campeão, em 2002, há 12 anos. O auxiliar técnico Carlos Alberto Parreira comprometeu o respeitável currículo de campeão mundial de 1994 lendo na entrevista a carta de uma fã que elogiou a preparação do time de um esporte cujos fundamentos ela própria dizia desconhecer.

“Antes de o ‘padrão Felipão’ ser submetido a outro vexame na disputa pelo terceiro lugar contra a Holanda na arena Mané Garrincha, com o nome de um gênio do tempo em que nosso futebol tinha cara e vergonha, os bombeiros do Planalto correram para salvar a chefe do incêndio. Descalçaram-lhe as chuteiras e ela pôs de novo o capacete de chefe de obras, para jogar espuma sobre a tentativa canhestra de barganhar o sucesso da seleção por votos na eleição. Apelaram até para o óbvio: ‘Futebol e política não se misturam’. Fez-se isso com desleixo idêntico ao de estropiarem a frase de Nelson Rodrigues ‘a pátria em chuteiras’ por outra, que só adquiriu nexo após o vexame: ‘a pátria de chuteiras’. Dilma e seu professor (assim os pupilos chamam seus técnicos) usaram pátria, hino e bandeira para chutar a realidade para escanteio.

“Dilma ainda contribuiu para o besteirol de político ignorante em esporte ao atribuir o chamado mineiratsen à exportação dos melhores jogadores nacionais para o exterior. O uso da palavra exportação, cabível para médicos cubanos, mas não para nossos craques, omite as evidências de que a seleção atuou em nível similar ao dos campeonatos locais por absoluta incapacidade de dirigentes que se recusam a aprender como se joga nos mercados que hoje vencem. E de governantes que perdoam as dívidas monstruosas acumuladas por estes bancando papagaios de pirata para ganhar votos, perdendo o pudor e as Copas.” (José Nêumanne, Estadão, 16/7/2014.)

O descaramento como política

* No programa de governo de Dilma, a mentira parece adquirir status de verdade história

“O programa de governo Dilma Rousseff 2014 é uma peça publicitária, com forte dose de ficção. Um dos tópicos, intitulado Os 12 anos que transformaram o Brasil, é constrangedor. Ali, a mentira parece adquirir status de verdade histórica.

“O que primeiro choca é a incongruência entre o título do programa (Mais mudanças, mais futuro) e o conteúdo proposto. Era de esperar que, com resultados tão pífios – reconhecidos não apenas por analistas econômicos, mas, como as pesquisas têm indicado, pela população em geral, que já percebeu qual é a qualidade do atual governo -, o leitor do programa se deparasse com algo diferente do que viu nos últimos anos. Mas o que lá está é mais do mesmo, com a reedição de ‘programas’ pontuais e desconexos, sem uma visão ampla do que o Brasil precisa. Vê-se logo que é um programa feito pró-forma, em que o País é um simples acessório.

“Furtando-se de analisar os seus anos de governo – o que seria mais honesto -, sempre que pode Dilma inclui os oito anos de Lula nas suas comparações. Disso resultam afirmações que se chocam com a verdade. Por exemplo, ‘ao final de três mandatos, todos os indicadores do período são positivos e sempre muito melhores do que os vigentes em 2002’. Haja criatividade nos números para tamanha miopia!

“Em relação ao seu calcanhar de aquiles – a inflação -, não tendo o que apresentar, usa bravatas pouco convincentes. ‘Entendemos o poder devastador da inflação (…) e por isso jamais transigiríamos ou transigiremos com um elemento da política econômica com esse potencial desorganizador da vida das pessoas e da economia’. Se de fato Dilma entendeu o poder devastador da inflação, seus anos de governo são um exercício explícito de má-fé. O que ela de fato compreendeu foi o efeito político da inflação, daí a manipulação de números e os preços e tarifas administrados.

“Há passagens que são a mais deslavada mentira. ‘Os governos do PT assumiram a histórica tarefa de investir na infra-estrutura logística brasileira. (…) O Brasil dos governos do PT e de seus aliados ficará marcado como o período da história recente com mais entregas de grandes obras de infra-estrutura.’ Será uma piada de mau gosto? Se há um setor onde existe uma distância abissal entre o que o País necessita – e o governo prometeu – e a administração petista entregou, este é o da infra-estrutura. É dessa forma que a Mãe do PAC vê os resultados pífios do seu mandato?

“No programa, renova-se a ‘profissão de fé do PT’ no seu modelo de desenvolvimento. Informa que ele está assentado em dois pilares – a solidez econômica e a amplitude das políticas sociais – e que ganhará no próximo governo um terceiro sustentáculo: a competitividade produtiva. Infelizmente, não houve, como afirma o documento, ‘defesa intransigente da solidez macroeconômica’. É fato de domínio público. Sobre as políticas sociais, também é conhecido como o PT entende o seu maior trunfo: repasse de verba, sem acompanhamento de resultados efetivos. ‘Social’, para o governo atual, é sinônimo de voto. Na sua lógica, se deu voto, houve transformação social. E o terceiro pilar é algo de que o PT pouco entende, como já se viu. No máximo, sabe dar incentivos pontuais, de alcance duvidoso, sem uma política de governo séria e responsável, que garanta a confiança no ambiente dos negócios.

“Para aparecer bem na foto, o PT não tem escrúpulos de editar a imagem real. No programa, afirma-se que ‘a tarefa de combater a extrema pobreza (…) foi superada’. Confundem o título de programa social, ‘Brasil sem Miséria’, com a realidade vivida. Afronta a sensibilidade humana fazer campanha eleitoral ignorando a realidade de tantos brasileiros e brasileiras que ainda vivem em condições sub-humanas.

“Não foi o PT quem inventou certa ‘flexibilidade’ nos programas de governo. Já existia antes dele. Mas o atual governo pôs em outro patamar o nível de descaramento. Eleições merecem respeito, porque o cidadão merece respeito. Há limites até mesmo para o que se põe no papel, ainda que na ética petista tudo aquilo que o mantenha no poder seja visto como legítimo. O Brasil merece outra ética, outra política.” (Editorial, Estadão, 13/7/2014.)

* Dilma transforma o Palácio do Planalto em Palácio do Palanque

“O instituto da reeleição impõe um desafio legal (e moral) difícil de ser cumprido. Nem por isso deve deixar de ser perseguido por candidatos a um segundo mandato consecutivo: a separação dos atos de campanha dos compromissos de governo.

“O limite da distinção entre uma agenda e outra é sutil, mas com boa-fé, com respeito ao jogo limpo, com um mínimo de discernimento sobre o momento em que se ultrapassam essas fronteiras e, sobretudo, com consciência sobre o significado da representação do cargo público, principalmente quando se refere ao conjunto da Nação, é possível o governante administrar a vantagem natural sem perder a estribeiras.

“Pois a presidente Dilma Rousseff, que já tinha ficado perigosamente próxima de perdê-las na semana passada naquela megassolenidade via teleconferência de entrega de casas populares e promessas de construção de outras tantas unidades, em ato financiado com dinheiro público para ser usado no horário eleitoral, agora vai deixando desandar a carruagem.

“Deu uma entrevista à TV Al Jazeera, do Qatar, simplesmente pedindo votos. ‘Eu acredito que o povo brasileiro deve me dar a oportunidade de um novo período de governo pelo fato de que nós fazemos parte de um projeto que transformou o País’, disse.

“Na condição de presidente de uma república em entrevista a uma emissora internacional, falando como representante de todo o Brasil, no exercício de seu posto, Dilma Rousseff apresenta-se como integrante de um grupo. A referência ao já notório ‘nós’ pressupõe a existência do igualmente afamado ‘eles’, um ente apartado do País.

“Definitivamente, não são maneiras de um mandatário. Nem de candidato à reeleição na posse ética para o jogo. E o pior é que não foi um lapso. A presidente prosseguiu ao falar sobre os índices de pobres e miseráveis que passaram a integrar a classe média: ‘Nós transformamos a vida dessas pessoas’.

“Faltou completar, mas deixou implícito: e, por isso, devem por gratidão votar em ‘nós’. A senhora Dilma Rousseff, talvez empolgada com a campanha eleitoral que agora se inicia, parece ter perdido a noção de que até o dia 1.º de janeiro de 2015 ainda é presidente do Brasil e pode vir a ser por mais quatro anos.

“Enquanto estiver no exercício da Presidência representa todos os brasileiros. Ou entende isso, e assim se comporta, ou se enfraquecem os apelos ao respeito à instituição presidencial quando a chefe de governo é desrespeitada, por exemplo, em estádios.

“No discurso de palanque ao microfone da Al Jazeera Dilma recitou o versinho marqueteiro: ‘Nós oferecemos o seguinte: quem fez, sabe continuar fazendo, enquanto quem quando pode não fez, não sabe fazer. É simples a opção’.

“Paralelo a isso, o Palácio do Planalto faz toda uma cenografia de neutralidade dizendo que há um esquema especial de comando de governo para evitar a ultrapassagem de limites.

“Ocorre que os ministros escalados para ficar em Brasília, oficialmente com funções exclusivamente relacionadas com o governo, informalmente participam de decisões de campanha. Funcionarão como ‘consultores’, alega-se.

“Sabem o senhor e a senhora como é? Quando vários ministros no auge da campanha estiverem em pleno horário de expediente se movimentando para cima e para baixo, recebendo prefeitos, dirigentes partidários, reunindo-se para discutir como responder a esse ou àquele ataque da oposição, serão apenas atos de ‘consulta’.

“Não importa que todos eles façam isso a partir da estrutura de governo. Do Palácio do Planalto (do Palanque?), dos ministérios, a qualquer hora, de qualquer local. Na prática, está tudo liberado.

“Como a partir de agora a presidente não pode inaugurar obras nem anunciar novas realizações de governo, faz uma agenda de entrevistas. No exercício do cargo de presidente. E nelas pede votos na condição de candidata.” (Dora Kramer, Estadão, 15/7/2014.)

Os escândalos na Petrobrás

* Os desvios na refinaria Abreu e Lima parecem inesgotáveis

“A no mínimo estranha compra da refinaria de Pasadena, no Texas, já transitava pelo noticiário quando a presidente Dilma, ao responder a perguntas sobre o assunto a O Estado de S.Paulo, promoveu o caso de vez à categoria de escândalo. Responsável pelo Conselho de Administração da Petrobrás à época do fechamento do negócio, a presidente declarou, por escrito, que, se soubesse da existência de certas cláusulas no contrato de compra, não teria aprovado o negócio.

“Estas cláusulas haviam sido omitidas do resumo do contrato levado pela diretoria executiva ao conselho. O assunto é sério e em torno dele há muitas dúvidas, apesar de todos os depoimentos dados por atuais e ex-funcionários da Petrobrás no Congresso, em que existem duas CPIs sobre a estatal, porém impedidas pela bancada do Planalto de ir fundo nas investigações.

“Não se poderia prever que outra questão, também esquisita, ligada à empresa, a cada vez mais custosa construção da refinaria Abreu e Lima — fruto de acerto pessoal entre o então presidente Lula e o caudilho venezuelano Hugo Chávez — rivalizaria em gravidade com Pasadena. O Tribunal de Contas da União (TCU) já detectara evidências de superfaturamento na compra de bens e serviços para a execução de uma obra orçada, no início, em US$ 2,3 bilhões, mas que custará quase dez vezes mais, US$ 20 bilhões — sem que os venezuelanos hajam entregue um centavo de dólar sequer à estatal.

“Abreu e Lima não para de gerar notícias escandalosas. O Globo de ontem (10/7), com base em relatórios de auditorias da própria Petrobrás, revelou sinais estridentes de favorecimento a fornecedores contratados para a obra.

“O Consórcio Alusa-CBM, por exemplo, recebeu contrato de R$ 651,7 milhões para uma obra na qual a Petrobrás permitiu-lhe um lucro de 12%, embora a margem média de lucratividade no ramo, segundo os auditores, fosse de 7%. A mesma Alusa, firma de engenharia, recebeu um contrato de R$ 921 milhões para a realização de um projeto, sem que atendesse aos requisitos estabelecidos no edital da licitação.

“Há de tudo. Um contrato bilionário, com o Consórcio Ipojuca (Queiroz Galvão com Iesa Óleo e Gás), ganhou aditivo de preço antes do previsto. Enquanto a Jaraguá Empreendimentos venceu uma peculiar concorrência de R$ 13,3 milhões: não houve concorrentes.

“A cada história dessas sobre Abreu e Lima fica mais entendido por que o diretor da Petrobrás que presidiu o conselho de administração da obra, Paulo Roberto Costa, está preso, em regime preventivo, pilhado no enorme esquema de lavagem de dinheiro do doleiro Alberto Youseff pela Operação Lava-Jato, da Polícia Federal.

“Não deve ser coincidência que um desses fornecedores de Abreu e Lima, a Jaraguá, também conste do inquérito da Lava-Jato. A impressão é que tudo isso ainda é a superfície deste escândalo.” (Editorial, O Globo, 11/7/2014.)

* Empresas suspeitas de pagar propina a Youssef ganharam R$ 1,3 bilhão em aditivos na construção da refinaria de Pernambuco

“Os dois consórcios e a empreiteira que aparecem numa planilha de repasses a empresas do doleiro Alberto Youssef conseguiram a aprovação de 84 aditivos em contratos firmados com a Petrobrás para as obras da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Os aditivos elevaram em R$ 1,36 bilhão o valor dessas parcerias. A cada R$ 100 contratados por meio de licitação, mais R$ 16,30 foram acrescidos sem a necessidade de uma nova concorrência, apenas por meio de decisões dos gestores da refinaria.

O Globo teve acesso às cópias dos aditivos assinados para as obras de Abreu e Lima, empreendimento que teve um aumento de gastos de US$ 2,3 bilhões (R$ 5 bilhões) para mais de US$ 20 bilhões (R$ 44,2 bilhões). Um levantamento inédito mostra o aumento de 16,3% nos contratos com a Jaraguá Equipamentos e com os consórcios CNCC, formado pela Construtora Camargo Corrêa e pela Cnec, e Conest, constituído pelas empreiteiras Odebrecht e OAS.

“Os três grupos aparecem numa planilha apreendida pela Polícia Federal que registrou, segundo as investigações, repasses de R$ 31 milhões a empresas, algumas de fachada, de Youssef. Suspeita-se que o dinheiro foi destinado a pagamento de propina, em troca de contratos para a refinaria.

“Os aditivos contratuais, num primeiro momento, ampliaram os prazos para a execução das obras. Depois, permitiram a inclusão de serviços e fornecimentos que não estavam previstos nos contratos originais, o que elevou o valor a ser pago às empreiteiras. Esses instrumentos foram assinados entre 2009 e 2014 pela presidência da refinaria.

“Até abril de 2012, quando exercia o cargo de diretor de Abastecimento da Petrobrás, Paulo Roberto Costa era o principal responsável pelas obras. Ele presidiu o Conselho de Administração da refinaria, inclusive após abril de 2012, como consta na denúncia do Ministério Público Federal (MPF) referente à Operação Lava-Jato. Contratos e aditivos passavam por deliberação do conselho.

“No cargo de conselheiro, Costa ‘contava com o direcionamento’ das licitações, conforme a denúncia do MPF. Após deixar a Petrobrás, continuou exercendo influência nas decisões sobre a Abreu e Lima, segundo a denúncia. Outros servidores públicos são investigados. A suspeita é que tenham agido a mando do ex-diretor. Costa está preso no Paraná, sob suspeita de, com com Youssef, ter desviado e lavado dinheiro destinado a Abreu e Lima. O doleiro também cumpre prisão preventiva.

“A Jaraguá aparece na planilha apreendida no escritório de Youssef com a indicação de quatro ‘repasses’ e uma ‘comissão’ à GFD Investimentos, pertencente ao doleiro. Em entrevista ao Globo, em 11 de abril, o executivo Paulo Roberto Dalmazzo, ex-CEO da Jaraguá, admitiu o pagamento de R$ 1,9 milhão a empresas de Youssef a título de ‘intermediação’ para obtenção de quatro contratos com a Petrobrás.

“Os documentos obtidos pelo Globo mostram que quatro contratos da Jaraguá em Abreu e Lima foram aditivados 30 vezes pela gestão da refinaria, a partir de pedidos do presidente da empreiteira. Quatro desses aditivos ampliaram serviços e preços nos contratos, a partir de julho e agosto de 2013 — um aumento de R$ 50,8 milhões.

“O aditivo número 6, por exemplo, elevou os custos com mão de obra em R$ 422,2 mil por conta de ‘interferências ocasionadas pelas interrupções nas vias de acesso’. As extensões nos prazos, segundo o mesmo aditivo, encareceram em mais de R$ 11 milhões os gastos com ‘equipamentos, mão de obra indireta e canteiro’.

“Os maiores repasses às empresas de Youssef, segundo a planilha apreendida pela PF, foram feitos pelo consórcio CNCC. O documento registra 20 ‘repasses’ e 15 ‘comissões’ à GFD Investimentos e à MO Consultoria, empresa de fachada usada para lavar dinheiro, segundo a PF. Um único contrato do CNCC para obras de Abreu e Lima teve seus valores elevados de R$ 3,4 bilhões para R$ 3,8 bilhões, por meio de oito dos 15 aditivos assinados.

“Em 15 de março de 2013, um aditivo incluiu no contrato serviços como o fornecimento de válvulas motorizadas, painéis elétricos e bombas centrífugas, entre outros, o que ampliou em R$ 22 milhões os valores a serem pagos ao CNCC. No mesmo dia, segundo a planilha, houve o pagamento de uma ‘comissão’ de R$ 373 mil à GFD Investimentos. Os aditivos foram assinados entre setembro de 2012 e setembro de 2013. O maior, de R$ 212,7 milhões, ampliou serviços de montagem, canteiro de obras e mão de obra indireta.

“Formado pelas construtoras Odebrecht e OAS, o consórcio Conest aumentou em 19,4% o valor de dois contratos para as obras da refinaria. Foram R$ 894,5 milhões a mais por meio de 39 aditivos, entre 2009 e 2014 e que elevaram o valor global de R$ 4,607 bilhões para R$ 5,501 bilhões. Na planilha, a empresa aparece como tendo repassado R$ 184 mil em julho de 2012 para a GFD a título de ‘comissão’. O maior destes contratos,tinha valor inicial de R$ 3,1 bilhões e recebeu 15 aditivos, passando a R$ 3,7 bilhões.” (Vinicius Sassine e Eduardo Bresciani, O Globo, 12/7/2014.)

* Petrobrás vendeu parte de ativos de subsidiária na África por valor baixo, segundo analistas; Tribunal de Contas analisa o negócio

“A venda de 50% dos ativos da Petrobrás na África para o banco de investimentos BTG Pactual, fechada em meados do ano passado por US$ 1,5 bilhão, está sendo analisada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Isso se deve a uma suspeita de que o negócio tenha sido efetuado por um preço bem inferior ao valor efetivo dos ativos. O líder do PSDB na Câmara, deputado federal Antônio Imbassahy (BA), enviou requerimento em 29 de maio ao Ministério de Minas e Energia (MME) pedindo esclarecimentos sobre a venda dos ativos da Petrobrás na África. Atendendo também a pedido do deputado, o TCU abriu processo para analisar a operação no dia 8 de maio.

“Esses ativos são participações acionárias em blocos em seis países: Nigéria, Tanzânia, Angola, Benin, Gabão e Namíbia. Na Nigéria, já há dois poços produtores e um em desenvolvimento. A produção total da Petrobrás na África em abril foi de 29 mil barris diários, a maior parte na Nigéria e um pouco em Angola.

“A operação com o BTG Pactual, fechada em julho do ano passado, está envolvida em polêmica desde o início. Segundo fontes do mercado, antes da posse de Maria das Graças Foster na presidência da Petrobrás, que ocorreu em fevereiro de 2012, os técnicos que estudavam a venda de parte dos ativos da Petrobrás Oil & Gas BV (POG) — subsidiária com os ativos da África — teriam estimado que o negócio poderia gerar um ganho de US$ 7 bilhões.

“Mas, com a chegada de Graça ao comando da estatal, saiu o diretor da área internacional José Zelada (PMDB), e os executivos que tratavam da operação também mudaram. Segundo fontes, então, a estatal contratou o banco inglês Standard Chartered para realizar um leilão internacional dos ativos. Teriam sido convidados 14 potenciais compradores, mas apenas nove participaram efetivamente.

“Nessa nova avaliação, o valor total dos ativos teria sido calculado em US$ 4,5 bilhões, que depois foram reduzidos para US$ 3,05 bilhões, devido aos riscos da operação na Nigéria. Assim, a venda dos 50% dos ativos da Petrobrás África acabou sendo fechada por US$ 1,5 bilhão.

“Segundo revelou uma fonte próxima às empresas, a piora na avaliação do valor dos ativos levou em conta fatores como os riscos de mudança da tributação na Nigéria, os inerentes à atividade de exploração de petróleo e os políticos e jurídicos nos países da África onde estão os ativos. Também foram levadas em conta as despesas gerais e administrativas do negócio, que foram estimadas em US$ 40 milhões por ano.

“Mas, apesar de ter sofrido uma redução de quase 50% na sua avaliação antes da venda, o negócio está se revelando promissor para o comprador. Os riscos regulatórios na Nigéria não se concretizaram. E, em março, a subsidiária da Petrobrás na África pagou dividendos pela primeira vez a seus acionistas, no valor de US$ 300 milhões. Fontes próximas ao banco confirmaram que o BTG Pactual recebeu US$ 150 milhões de dividendos.

“O faturamento na África é de US$ 1,2 bilhão por ano e, segundo fontes, a Petrobrás corre o risco de o sócio não querer investir mais.

“— Daqui a três anos, depois de ganhar US$ 1,8 bilhão em (ou seja, a parcela de 50% que o banco terá no faturamento anual da subsidiária na África), nada impede o BTG de pedir para sair do negócio — disse a fonte, lembrando o caso da refinaria de Pasadena.

“A operação foi fechada em 28 de junho de 2013. O consórcio de investidores é liderado pelo BTG Pactual e inclui vários outros investidores.

“Ainda segundo as fontes, desde a entrada do BTG, a Petrobrás Oil & Gas perfurou três poços, sendo dois no Gabão e um em Benin, a um custo de US$ 207 milhões. Mas eles não resultaram em descobertas.

“O deputado Antônio Imbassahy disse que decidiu pedir explicações sobre a operação depois de ter recebido várias informações de ex-funcionários da Petrobrás e empresas de consultoria que apontaram a possibilidade de a venda ter representando um prejuízo para a estatal.

“— Recebi informações de técnicos da Petrobrás e de gente que já não trabalha mais na companhia, de empresas de consultoria e de acionistas minoritários que acham que há algum equívoco nessa operação. Eu não tenho dúvidas de que tem algo estranho. E dizem que o BTG já recuperou esses investimentos. Esse caso da África é muito parecido com o de Pasadena — comparou Imbassahy.

“O deputado informou que o Ministério de Minas e Energia solicitou, no último dia 29, prorrogação por 30 dias para entregar as informações por ele solicitadas sobre a operação com o BTG. Por sua vez, o ministro José Jorge de Vasconcelos, que cuida do processo no TCU, não quis se manifestar porque as investigações estão correndo sob sigilo.

“A Petrobrás informou que ‘vem cooperando com os órgãos de controle e fiscalização competentes’ a respeito das indagações sobre a associação com o BTG Pactual. A companhia afirmou que já forneceu as informações solicitadas nos requerimentos feitos pela Câmara dos Deputados. A Petrobrás disse ainda não ter sido informada, até o momento, sobre a abertura de processo relativa à operação no TCU.

“Já o BTG Pactual não quis comentar a compra dos ativos da Petrobrás África.” (Ramona Ordoñez, O Globo, 13/7/2014.)

* Na mesma reunião do conselho que aprovou a compra da refinaria de Pasadena, um conselheiro pediu mecanismos para “coibir ato lesivos  ao patrimônio” da Petrobrás

“No dia 3 de fevereiro de 2006, os conselheiros e diretores da Petrobrás — entre eles, Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil e presidente do Conselho de Administração da estatal — ouviram um alerta. Eram 14h20m, e o grupo estava na sede da empresa, no Rio de Janeiro, quando o conselheiro Fábio Barbosa pediu a palavra e ressaltou a necessidade de aperfeiçoar os mecanismos para coibir ‘atos lesivos ao patrimônio da companhia’.

“O assunto havia sido discutido nove dias antes, numa reunião do Comitê de Auditoria, presidido pelo conselheiro, e, na ocasião, ficara acertado que a Petrobrás daria atenção prioritária a órgãos de controle, como a Controladoria Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU). No encontro dos conselheiros, eles ouviram o diagnóstico de que a Petrobrás tinha ‘baixo índice de respostas das diversas áreas para as deficiências nos controles internos e respectivos planos de remediação’.

“No mesmo dia, na mesma reunião e com os mesmos presentes, o Conselho de Administração aprovou a compra de 50% da refinaria de Pasadena, no Texas, uma das mais rumorosas transações da Petrobrás em gestões petistas. O empreendimento consumiu mais de US$ 1,25 bilhão somente na aquisição, US$ 685 milhões em investimentos básicos para funcionar e US$ 1,4 bilhão em empréstimos.

“O negócio passou a ser investigado por CGU e TCU, ironicamente citados na reunião, e também por Polícia Federal (PF), Ministério Público Federal (MPF) e duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) no Congresso. Mais de oito anos depois daquela reunião e em início de campanha pela reeleição, a presidente Dilma terá dor de cabeça sobretudo com o processo que está em curso no TCU.

“Os primeiros relatórios técnicos citam a necessidade de responsabilizar a presidente por supostas irregularidades no negócio. Os últimos eximem Dilma. Caberá a um ministro de oposição no tribunal, José Jorge, ex-senador pelo PFL (hoje DEM), dar o encaminhamento que achar válido ao plenário. As auditorias mais recentes apontam um prejuízo de US$ 620,1 milhões e pedem que os ex-diretores-executivos restituam este valor aos cofres da estatal, caso as explicações não sejam convincentes.

“As cinco páginas da ata da reunião de número 1.268 do Conselho de Administração, obtidas pelo Globo, permitem entender como transcorreram as três horas e 25 minutos do encontro do colegiado da Petrobrás naquele 3 de fevereiro de 2006. A empresa vinha fornecendo aos órgãos de controle apenas o trecho referente à compra de Pasadena, com tarjas no conteúdo restante. O ministro-chefe da CGU, Jorge Hage, não concordou com a omissão. Pediu em ofício e e-mail enviados diretamente à presidente da companhia, Graça Foster, a retirada das tarjas. E foi atendido.

“Dilma presidiu a reunião de 3 de fevereiro de 2006 na presença de mais cinco conselheiros: Antonio Palocci Filho, Cláudio Haddad, Fábio Barbosa, Gleuber Vieira e José Sergio Gabrielli, então presidente da Petrobrás. Três conselheiros, ‘por motivo justificado’, não participaram do encontro: Arthur Sendas, Jaques Wagner e Jorge Gerdau. Os integrantes da Diretoria Executiva estavam no encontro, entre eles Nestor Cerveró — responsável pelo ‘parecer falho’ citado por Dilma como justificativa para a compra de Pasadena — e Paulo Roberto Costa, preso no Paraná por suspeitas de desviar recursos públicos empregados na construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Ao todo, 13 pessoas estavam na reunião.

“Na primeira parte do encontro, houve a apresentação sobre a necessidade de desenvolver mecanismos para ‘coibir atos lesivos ao patrimônio da companhia’. Na segunda parte, foram feitas diferentes apresentações técnicas: sobre aquisições de novos negócios, estratégias para a Bacia de Santos e investimentos em gás natural, por exemplo. Coube a um gerente detalhar, naquele momento, a intenção de comprar uma refinaria de petróleo do Texas. Em seguida, os conselheiros debateram as apresentações.

“A pauta propriamente dita veio em seguida. Tinha seis itens, dos quais quatro foram apresentados a pedido de Dilma e dois por solicitação de Gabrielli. O primeiro informou o tamanho das reservas de petróleo da estatal. O segundo, ‘por solicitação da presidente Dilma Vana Rousseff’, tratou da venda dos direitos minerários de potássio no Amazonas. O Conselho de Administração autorizou a venda, por meio de uma licitação internacional.

“Logo em seguida, também a pedido de Dilma, Gabrielli relatou ao colegiado a iniciativa de a Petrobrás renunciar aos direitos minerários de barita na Bahia e de areias especiais no Maranhão, o que também foi aprovado. O quarto item da pauta foi o plano de atividades de auditoria interna para aquele ano, introduzido na reunião a pedido de Dilma e validado pelos conselheiros.

“O quinto e penúltimo ponto foi a compra de 50% da refinaria de Pasadena. Gabrielli pediu que Cerveró apresentasse a proposta — ele já havia falado sobre as reservas de petróleo. E os conselheiros aprovaram por unanimidade o negócio.

“Por último, Dilma pediu que Gabrielli relatasse a intenção de compra de duas empresas: a El Paso Rio Claro Ltda. (Macaé Merchant) e a El Paso Rio Grande Ltda. Dilma encerrou a reunião às 17h45m.” (Vinicius Sassine, O Globo, 14/7/2014.)

* Petrobrás fez adiantamento de US$ 30 milhões pela refinaria de Pasadena, sem previsão de reembolso

“A Petrobrás adiantou US$ 30 milhões à empresa belga Astra Oil antes de concluir as negociações da compra da primeira metade da refinaria de Pasadena, no Texas. Foram pagos US$ 10 milhões em maio de 2006 e US$ 20 milhões no primeiro dia do mês seguinte. Autorizado em fevereiro de 2006 pelo Conselho de Administração da Petrobrás, presidido então por Dilma Rousseff, o negócio só foi oficializado em setembro daquele ano. Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) questiona a antecipação de recursos e destaca que eles eram ‘não-reembolsáveis’, caso o acordo fracassasse. No ano anterior, a Astra tinha adquirido a refinaria toda por US$ 42,5 milhões.

“Os adiantamentos constam de documentos internos da Petrobrás obtidos pelo Globo e de relatórios do TCU sobre a compra da refinaria. A justificativa é de que a negociação inicial previa a aquisição de 70% de Pasadena, mas o acordo acabou sendo fechado com a compra de 50%. Com isso, houve demora na preparação da documentação contratual, e a Petrobrás estava obrigada pelo acordo anterior a antecipar os recursos para a futura sócia.

“Segundo os documentos da Petrobrás, o adiantamento de US$ 30 milhões foi descontado dos U$$ 360 milhões pagos pela compra da primeira metade da refinaria. A estatal, no entanto, pagou mais do que o valor anunciado porque ‘ajustes contratuais’ consumiram US$ 71 milhões. A parceria com a Astra foi de curta duração e, após uma briga judicial iniciada em 2008, na qual a Petrobrás sofreu seguidas derrotas, foi fechado um acordo para o pagamento de outros US$ 820 milhões. Com isso, o valor total pago por Pasadena foi de US$ 1,251 bilhão.

“Relatório do auditor do TCU Alberto Henriques de Araújo Pereira, de 4 de junho deste ano, questiona o adiantamento. Ele levanta dúvidas inclusive sobre se os US$ 30 milhões foram mesmo descontados no fechamento do negócio porque uma das memórias de cálculo enviadas pela estatal ao tribunal não trazia essa informação. Ele observou que mesmo o desconto deveria ter levado em conta a correção monetária, uma vez que os adiantamentos ocorreram até quatro meses antes da conclusão. Pereira ressaltou ainda que, como a Astra era a dona da companhia de forma solitária até setembro de 2006, a empresa belga pode ter incluído os recursos na contabilidade da refinaria e ter cobrado o valor da Petrobrás nos ajustes finais do negócio.

“‘Há, igualmente, o risco de o montante dos adiantamentos ter sido indevidamente considerado pela Astra como sua parcela de despesas não-amortizadas de capital, uma vez que, em maio de 2006, a Astra ainda era a única proprietária e geria sozinha a refinaria’, ressaltou o auditor.

“Procurada pelo Globo, a Petrobrás disse que não se manifestaria sobre o adiamento. ‘A Petrobrás informa que vem colaborando com todos os órgãos públicos (CGU, TCU, Ministério Público, entre outros), fornecendo informações sobre o processo de compra da refinaria, a fim de contribuir com as respectivas apurações. De modo a preservar o desenvolvimento dos trabalhos externos de apuração, a Petrobrás não comentará o assunto’, registrou a assessoria da estatal.

“A compra da refinaria de Pasadena já provocou um prejuízo contábil admitido pela Petrobrás de US$ 530 milhões. Investigações em curso do TCU, porém, sugerem que os responsáveis pelos negócios devem ressarcir um valor ainda maior. O auditor Pereira sugeriu em seu relatório final que devem ser devolvidos US$ 873,1 milhões. Relatório mais recente, assinado pelo diretor Bruno Lima Caldeira, estima o montante em US$ 620,1 milhões.

“Os dois técnicos têm visão divergente também sobre a responsabilidade pelo prejuízo. Pereira defende que os integrantes do conselho de administração, entre eles a presidente Dilma Rousseff, devem ser chamados a uma audiência pública para dar explicações sobre o caso. Caldeira, por sua vez, entende não haver como responsabilizar os conselheiros. Na sua visão, devem ser citados para explicar os prejuízos o ex-presidente da Petrobrás José Sergio Gabrielli, o ex-diretor da Área Internacional Nestor Cerveró, o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa, preso desde julho, além de outros diretores e gerentes da estatal.” (Eduardo Bresciani e Vinicius Sassine, O Globo, 15/7/2014.)

* Ex-diretor da Petrobrás é denunciado por violar processo de licitação em favor da Odebrecht

“O Ministério Público do Rio de Janeiro ofereceu denúncia à Justiça nesta quarta-feira contra o ex-diretor internacional da Petrobrás Jorge Luiz Zelada, por alterar processo de licitação da empresa com relação a um projeto na área de SMS – segurança, meio-ambiente e saúde -, com objetivos claros de favorecer a Construtora Norberto Odebrecht. A denúncia, à qual O Globo teve acesso, se baseia em auditoria interna da própria estatal, instaurada no ano passado, para apurar as supostas irregularidades.

“Além de Zelada, que renunciou em 2012 após suceder Nestor Cerveró na diretoria internacional, também foram denunciados outros seis funcionários da companhia. Além deles, um ex-funcionário da empresa e um diretor Odebrecht completam a lista de acusados.

“Com exceção do funcionário da Odebrecht, todos são acusados pela violação da lei de licitações. A pena é de dois a quatro anos de detenção, além de multa especificada pela promotoria em 2% do valor do contrato. Caso a Justiça aceite a denúncia, o funcionário da empreiteira deverá ser julgado em separado, uma vez que a promotoria considerou não ter ocorrido crime por parte do acusado, mas somente tentativa. A pena prevista pode variar de dois a quatro anos de reclusão, com possível redução de um a dois terços do tempo.

“Os indícios do esquema foram revelados no ano passado pela revista Época, que, na ocasião, entrevistou o lobista João Augusto Rezende Henriques. A auditoria interna da estatal veio em seguida.

“De acordo com a promotoria, no começo de 2009, o setor técnico da área internacional da Petrobrás levou à diretoria internacional a necessidade de se fazer uma adequação na área de SMS da empresa. Durante a fase interna do processo de licitação, foi sugerida pelo setor uma contratação descentralizada, com duas empresas, ao custo estimado em R$ 6 milhões. O parecer com a recomendação técnica foi apresentado à diretoria internacional, mas foi ignorado por Zelada, que determinou que a contratação dos serviços se desse de forma centralizada, por intermédio de apenas uma empresa.

“Oito empresas foram convidadas para processo licitatório. Apenas três apresentaram propostas. A escolhida, sem surpresa, foi a Odebrecht. Os promotores Alexandre Themistocles de Vasconcelos e Cláudia Condack, da I Central de Inquéritos do Rio de Janeiro, chamam de ‘substancialmente viciada’ a comissão de licitação, que optou pela contratação da Odebrecht pelo valor aproximado de US$ 826 milhões. A auditoria constatou que membros do colegiado, apesar de assinarem ata e relatório da comissão, não participaram efetivamente das reuniões. De acordo com a denúncia, isso viria ‘de forma a conferir vantagens financeiras à Odebrecht’.

“A comissão de contratação foi coordenada por Aluísio Teles Ferreira Filho, por indicação de Zelada, e só se reuniu uma vez, em fevereiro de 2010. A denúncia descreve que Ferreira Filho já dispunha da minuta contratual com a Odebrecht antes mesmo da instauração da comissão de licitação e que, ainda nesse mesmo período, já havia recebido a visita de um representante da construtora seis vezes. Quem apresentou o projeto da Odebrecht à diretoria executiva foi Ulisses Sobral Calile. Ele havia sido transferido da Transpetro para a Petrobrás, a pedido de Zelada, exclusivamente para tomar parte na licitação.

“Por meio de sua assessoria de imprensa, a Odebrecht afirmou desconhecer não só a denúncia apresentada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, mas também o relatório da auditoria interna realizada pela Petrobrás. A construtora informou que ‘o contrato (com a Petrobrás) foi resultado de licitação pública conquistado de forma legítima por menor preço, em total respeito à Lei’. A Odebrecht concluiu negando as alegações feitas à empresa e também a seu diretor.” (Verônica Raner, O Globo, 17/7/2014.)

O governo está arrasando a Petrobrás

* “É preciso tirar a Petrobrás do palanque político, respeitar o acionista e os verdadeiros interesses do povo brasileiro”

“O governo comemorou com grande intensidade o recorde de produção de 500 mil barris por dia (b/d) no pré-sal. Sem dúvida, essa é uma marca importante e mostra a excelência e a capacidade técnica dos funcionários da Petrobrás. Entretanto, nota-se nas comemorações todo um viés político que, mais uma vez, tenta dividir os brasileiros entre os que defendem os interesses da Nação e do povo e aqueles que querem entregar o petróleo do pré-sal aos alienígenas. Esse discurso ‘nacionalisteiro’, na verdade, tem prejudicado muito a Petrobrás, seus acionistas e os verdadeiros interesses do povo brasileiro.

“Vamos aos fatos. É bom lembrar que esse volume de produção foi alcançado por meio da constituição de consórcios entre a Petrobrás e empresas privadas, sob o regime de concessão, em áreas licitadas ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. Essas parcerias são benéficas na medida em que trazem para o negócio recursos financeiros, intercâmbio tecnológico e governança. Sem parcerias, a empresa fica mais suscetível a interferências e, não por outro motivo, é nas refinarias, onde a Petrobrás opera sozinha, que a empresa é sacrificada pela política imposta pelo seu acionista majoritário.

“A marca dos 500 mil b/d do petróleo do pré-sal já poderia ter sido alcançada e até mesmo superada caso se tivesse dado continuidade aos leilões de áreas exploratórias e caso fossem garantidas a segurança jurídica e a estabilidade regulatória, com a manutenção do modelo de concessão. Imaginem se o Campo de Libra tivesse sido leiloado em 2009, em vez de 2013. Uma comparação pode ser feita com o que ocorreu com o desenvolvimento do petróleo não convencional nos Estados Unidos, o chamado tight oil. Enquanto a produção brasileira esteve estagnada e o pré-sal se desenvolvia até alcançar os 500 mil b/d, a produção do tight oil cresceu de menos de 1 milhão de b/d, em 2010, para mais de 4 milhões de b/d, em 2014, um ritmo muito mais acelerado.

“Espera-se que a produção do tight oil cresça um adicional de 4 milhões de b/d até o final da década, atraindo fortes investimentos, dando fôlego ao setor de petróleo norte-americano, tornando-o um competidor do nosso pré-sal.

“É importante chamar a atenção para um fato: mesmo com o crescimento da produção no pré-sal, a Petrobrás não tem cumprido suas metas de produção nos últimos dez anos, principalmente por causa da inesperada e acentuada queda de produção nos poços da Bacia de Campos. No início de 2011, a produção na Bacia de Campos representava 84% do total e, em 2014, 75%.

“Dando prosseguimento às comemorações dos 500 mil barris por dia, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) anunciou que o governo irá contratar a Petrobrás, sem licitação, para a produção do volume excedente ao contratado, sob o regime de cessão onerosa, em quatro áreas do pré-sal: Búzios, Entorno de Iara, Florim e Nordeste de Tupi. As reservas somam entre 9,8 bilhões e 15,2 bilhões de barris de petróleo. Para a Petrobrás, esse anúncio seria ótimo, se a estatal fosse uma empresa ‘normal’.

“No entanto, no caso da Petrobrás, a novidade se refletiu em queda das ações da empresa, com a perda de cerca de R$ 13 bilhões em valor de mercado em dois dias. O movimento, aparentemente contraditório, ocorreu porque o drive de valorização da empresa não está, atualmente, ligado às suas reservas, e, sim, ao caixa da empresa.

“A relação reservas/produção em 2013 foi de 19,2 anos. Portanto, o item preocupante é a limitação da geração de caixa da empresa, por causa do controle dos preços da gasolina e do diesel e do alto nível de endividamento da companhia, que põem em risco o grau de investimento.

“A política de preços defasados dos combustíveis, como gasolina, diesel e gás liquefeito de petróleo (GLP), trouxe prejuízos para a empresa de R$ 62 bilhões entre 2011 e 2013, em valor presente de 2013. No mesmo período, o endividamento da empresa cresceu de R$ 62 bilhões para R$ 221 bilhões. O Plano de Negócios 2014-2018 prevê mais de R$ 330 bilhões em investimentos em exploração de produção, até 2018, mas a situação financeira da empresa é preocupante, porque o endividamento líquido agora é de R$ 229,7 bilhões e as relações dívida líquida/Ebitda e dívida líquida/capital líquido estão em níveis muito altos: em 4x e 39%, respectivamente.

“A escolha de não licitar as quatro áreas do pré-sal também foi ruim para a indústria e para o Brasil, que conseguiria melhor contrapartida se houvesse competição, em moldes parecidos ao que ocorreu no leilão do Campo de Libra. Cabe lembrar que, pela Lei da Partilha, a Petrobrás obrigatoriamente faria parte do consórcio, além de ser operadora.

“A opção por contratar diretamente a Petrobrás reforça a tese de que estamos caminhando para um modelo em que a exploração do pré-sal será exclusividade da Petrobrás e de que o leilão de Libra só foi realizado por questões fiscais, dada a necessidade de caixa do Tesouro Nacional.

“O modelo de partilha tem um ponto preocupante adicional, que é a apuração do custo em óleo, capaz de privilegiar a empresa contratada se esses custos não forem bem apurados. Na contratação direta da Petrobrás para explorar os volumes de 9,8 bilhões a 15,2 bilhões de barris, preocupa a forma como será fiscalizado e controlado o custo do óleo, até porque se vai estabelecer uma relação ‘Zé com Zé’ – e, neste caso, a tradição brasileira mostra que, quando o Estado toma conta de uma empresa estatal, os resultados não têm sido satisfatórios.

“Cabe lembrar que o governo já se utilizou de expedientes similares ao conduzir licitações de rodovias e de geradoras de eletricidade com tarifas baixas, garantindo a remuneração da empresa com empréstimos baratos via BNDES.

“É preciso tirar a Petrobrás do palanque político, respeitar o acionista e os verdadeiros interesses do povo brasileiro. Caso contrário, vai parecer que o projeto do governo é transformar a nossa Petrobrás numa PDVSA, o que é ruim para todos.” (Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-estrutura, Estadão, 14/7/2014.)

A inflação

* São várias as razões para prever que a alta geral do preços vai ter nova intensificação

“As bolas de cristal do mercado financeiro continuam errando para menos nas projeções de inflação. Se há algum jogo especulativo nessas previsões, deve estar funcionando ao contrário – e isso já ocorre há um bom tempo. Com 6,52% até junho, a alta de preços acumulada em 12 meses furou com um mês de antecedência o limite da margem de tolerância, de 6,5%. Pelas contas oficiais, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 0,4% no mês passado, pouco acima da mediana das projeções do mercado, de 0,33%. Por essas estimativas, ainda haverá um recuo neste mês, para 0,25%, e em seguida uma nova aceleração – de 0,30%, em agosto, até 0,64%, em dezembro. Esses números integram a série coletada na sexta-feira 27 de junho, antes de conhecido, portanto, o último dado. O resultado final do ano será de 6,48%, de acordo com a mesma série, atualizada semanalmente pelo Banco Central (BC). Na avaliação do governo, complacente com a alta de preços e com a própria política, a inflação ainda estará dentro da meta – embora a meta oficial, em sentido próprio, seja de 4,5%.

“De acordo com aquelas projeções, a inflação acumulada em 12 meses ficará sempre acima do limite até novembro. O pico, de 6,80%, está previsto para setembro. Apesar do recuo dos preços por atacado e, especialmente, da acomodação dos preços dos alimentos, economistas do mercado têm mantido a expectativa de recrudescimento da inflação a partir de agosto. Pode parecer estranho, até porque uma parte dos aumentos de junho foi classificada como ‘inflação da Copa’. Esse é o caso das tarifas aéreas e das diárias de hotéis. Esses aumentos serão provavelmente anulados nos próximos meses, ou, como se diz no jargão obviamente impreciso dos especialistas, ‘devolvidos’.

“Para o pessoal das instituições financeiras e das consultorias, o recuo das taxas mensais, iniciado há algumas semanas, é, portanto, apenas uma trégua. Essa trégua talvez seja explicável, em parte, pelas nove altas de juros a partir de abril do ano passado. Mas nem o BC aposta com muita firmeza em efeitos a curto prazo. Por isso, mantém projeções de inflação acima de 5% ao ano até junho de 2016. Suas projeções conhecidas publicamente acabam aí.

“Há mais de uma razão para projetar uma nova intensificação da alta geral de preços nos próximos meses. Uma delas é o reajuste previsto de vários preços administrados ou meramente controlados pelo governo, como o da energia elétrica. Também tarifas de transporte coletivo e preços de combustíveis poderão subir. As contas de eletricidade já começaram a subir, mas as companhias do setor continuam à espera de mais aumentos. A presidente da Petrobrás, Graça Foster, insiste em cobrar reajustes, até porque a empresa precisará de caixa para pagar pelos novos campos de petróleo recebidos do governo sem licitação. A estatal precisará, de fato, de muito mais dinheiro para enfrentar os investimentos previstos – ou prometidos – para os próximos anos.

“Mas há razões bem mais importantes para a expectativa de muito desarranjo nos preços, tanto no segundo semestre quanto no próximo ano. A mais importante é o mau estado das contas públicas. O governo poderá maquiar seu balanço e tentar disfarçar o fracasso em relação à meta fiscal definida para o ano, mas isso de nenhum modo reduzirá as pressões inflacionárias. A gastança continuará, reforçada pelos interesses eleitorais, e incentivos setoriais financiados pelo Tesouro serão mantidos – sem efeito duradouro sobre a economia. Algumas indústrias poderão elevar ou manter suas vendas. Será muito otimismo, no entanto, esperar maiores investimentos como consequência dessa política.

“Além disso, nada indica, pelo menos até o fim do ano, novas altas de juros, mesmo com o recrudescimento da inflação. Alguns analistas já duvidam até de um aperto fiscal e monetário mais sério no próximo ano. Um ajuste mais forte na fase inicial poderá facilitar nos anos seguintes o trabalho do governo eleito, mas falta saber, em primeiro lugar, se haverá disposição – ou condições políticas – para uma política severa em 2015. Tudo parece reforçar, portanto, a expectativa de inflação elevada ainda por muito tempo.” (Editorial, Estadão, 11/7/2014.)

* O BC usa o câmbio na tentativa de conter a inflação, e este é um jogo arriscado

“Controlar a inflação tem sido o principal objetivo da política de câmbio – um jogo arriscado, segundo economistas das mais importantes consultorias. Há cerca de um ano o Banco Central (BC) tem procurado impedir a valorização do dólar no mercado brasileiro e a consequente contaminação dos preços internos. Políticas desse tipo, quando mantidas por muito tempo, barateiam as importações, encarecem as exportações, estimulam os gastos no exterior e prejudicam as contas externas – no caso do Brasil, já em condições bem precárias pelo menos desde o ano passado. Com suas intervenções o BC conseguiu mais que frear a valorização da moeda americana. Do começo de janeiro até a última sexta-feira a cotação do dólar caiu 5,98%, tornando mais complicada a situação do industrial brasileiro, já pressionado pela alta dos salários e de outros custos de produção.

“A decisão de agir para conter o câmbio foi tomada há cerca de um ano, quando o dólar disparou em todo o mundo. O Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) havia anunciado, para breve, uma diminuição gradual dos estímulos à recuperação da economia americana. A emissão de moeda seria reduzida e, portanto, a oferta de dólares cresceria mais lentamente. Os mercados anteciparam a valorização e o Brasil foi um dos emergentes mais afetados pela nova onda. O consequente aumento dos preços de importação logo foi incluído pela autoridade monetária na lista dos desafios urgentes.

“Para enfrentar esse problema, o BC tem atuado no mercado cambial por meio de operações de swap, equivalentes à venda de dólares no mercado futuro. A autoridade monetária intervém no câmbio, normalmente, para impedir grandes oscilações em prazo muito curto, em geral perturbadoras. Mas a ação iniciada há cerca de um ano, como resposta à mudança na política americana, teve claramente um objetivo mais estrito – impedir ou, no mínimo, limitar o efeito inflacionário da valorização da moeda americana.

“Ao manter essa estratégia por longo tempo, o BC assumiu o risco de prejudicar as contas externas. O câmbio é só um dos fatores de competitividade. Nos países mais eficientes, nem é o mais importante. Pesam muito mais a produtividade da mão de obra, a capacidade de inovação, a qualidade da produção, a tributação bem calibrada e a eficiência da infra-estrutura. O Brasil perde em todos esses quesitos. Por isso, o câmbio tem uma importância excepcional para os empresários brasileiros. Os mais afetados são em geral os da indústria de transformação.

“A excessiva dependência do câmbio para competir internacionalmente é com certeza uma distorção, mas outras igualmente importantes afetam a política econômica. Afinal, por que o BC tem de dar tanta importância ao dólar em sua política anti-inflacionária? Em outros países, a estabilidade de preços é garantida por outros fatores, em geral mais importantes que o câmbio.

“O manejo responsável das finanças públicas é um desses fatores. Em países com melhor tradição no campo fiscal as contas públicas têm menor impacto inflacionário que no Brasil. As autoridades brasileiras têm sido incapazes de controlar a própria gastança e de usar com sabedoria os incentivos fiscais e as políticas de rendas. Têm pouca credibilidade e suas intervenções na formação dos preços em geral são desastrosas.

“Sem contar de fato com a contribuição do governo, o BC tem de cuidar sozinho da inflação. Seu principal instrumento, a política de juros, parece estar congelado. Será uma surpresa se houver nova alta neste ano ou, pelo menos, antes das eleições. Isso aumenta a importância da intervenção no câmbio, embora o resultado seja modesto, em termos de contenção dos preços, e o custo para as contas externas possa ser elevado.

“Um dos pressupostos para a manutenção dos juros em 11%, segundo o BC, é uma taxa de R$ 2,25 por dólar no fim do ano. Há cinco semanas o mercado sustenta a projeção de R$ 2,40, indicando claramente a percepção de um grave desajuste. O desajuste maior, obviamente, está na política econômica, mas este muito dificilmente será eliminado neste ano ou no próximo.” (Edirorial, Estadão, 12/7/2014.)

Os números ruins da semana

* Gastos com seguro-desemprego sobem 383% em dez anos

“A política de valorização do salário mínimo, com reajustes acima da inflação, é apontada em estudos recentes do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) e do Ministério do Trabalho e Emprego como a principal causa do déficit crescente do FAT. A maior despesa do Fundo é com o pagamento do seguro-desemprego, que acompanha o piso salarial. Entre 2003 e 2013, o valor do salário mínimo subiu 339%, enquanto a inflação no período foi de 187%. Segundo levantamento do ministério, para cada R$ 1 de aumento no salário mínimo, o impacto é de R$ 48 milhões no Fundo.

“De acordo com dados do Ministério do Trabalho, as despesas com o seguro-desemprego saíram de R$ 6,6 bilhões em 2003 para R$ 31,9 bilhões em 2013, aumento de 383,3 % no período. O universo de beneficiários subiu 74,5%, de 5,1 milhões para 8,9 milhões de trabalhadores.

“O economista Fabio Giambiagi chama a atenção para o crescimento da despesas com o seguro-desemprego, apesar na queda na taxa de desemprego: entre 2003 e 2013, as despesas com seguro passaram de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) para 0,9%, embora a taxa de desemprego tenha caído de 12% para 5% no período.

“Segundo o Ministério do Trabalho, há ainda outros fatores que pressionam os gastos com o seguro-desemprego, como o aumento da formalização, diante da alta rotatividade do mercado formal de trabalho brasileiro. O estoque de trabalhadores assalariados subiu de 23 milhões para quase 40 milhões no ano passado.

“E o índice de rotatividade chegou a 40%. Isso significa que, para cada grupo de 100 empregados, 40 são demitidos por ano. Em 2013, foram contratados 22 milhões de trabalhadores com carteira assinada, mas 20,9 milhões foram demitidos.

“Na avaliação do Ministério do Trabalho, faltam investimentos no sistema público de emprego. As agências do Sistema Nacional de Emprego (Sine) são pouco eficientes para recolocar trabalhadores no mercado e se transformaram em meros postos receptores dos pedidos de seguro-desemprego.

“Os funcionários das agências não estão devidamente preparados para evitar aumento dos gastos com o benefício, o que pode ser feito com uma recolocação mais rápida no mercado ou mesmo com o cancelamento do benefício, em caso de recusa de vaga adequada ao perfil do trabalhador ou de curso quando o pedido ocorre pela segunda vez. Essa foi uma exigência do governo, na tentativa de reduzir os gastos com o seguro-desemprego.

“Segundo estudo da pasta, as agências conseguem preencher apenas 4% das vagas oferecidas e perdem de longe para as empresas que fazem seus próprios processos de recrutamento. Das 3,4 milhões de vagas ofertadas pelas empresas por meio do Sine, apenas 800 mil foram ocupadas em 2013.

“A conclusão é que o sistema precisa ser reestruturado para padronizar o atendimento e fazer uma conexão mais direta entre a política de concessão do benefício e a qualificação dos trabalhadores desempregados (cursos oferecidos pelo Pronatec via Sistema ‘S’).

“Recentemente, o governo concedeu mais um incentivo e desonerou alguns medicamentos do PIS, o que vai reduzir ainda mais a arrecadação do FAT. Neste ano, o impacto nas desonerações nas contas do Fundo está estimado em R$ 11,5 bilhões e não há perspectiva de compensação por parte do Tesouro Nacional.

“O aumento real do salário mínimo também impacta o abono salarial (PIS), bancado pelo FAT e que corresponde a um salário pago anualmente aos trabalhadores da baixa renda (até dois salário mínimos). A despesa com o benefício subiu de R$ 1,8 bilhão em 2003 para R$ 14,7 bilhões em 2013, e o número de beneficiários pulou de 7,9 milhões para 21,3 milhões no período.

“O Ministério da Fazenda tem feito tentativas para restringir o acesso ao abono, mas encontra resistência das centrais e do próprio Ministério do Trabalho.

“Preocupados com a situação financeira do FAT, que caminha para um rombo de R$ 20 bilhões em 2015, participantes do Codefat recorreram no início desta semana ao ministro da Secretaria Geral da República, Gilberto Carvalho.

“Os conselheiros querem que o ministro leve o problema até a presidente Dilma Rousseff. Eles temem que o patrimônio do FAT – na casa dos R$ 200 bilhões, aplicados em quase sua totalidade pelo BNDES em projetos de infra-estrutura – vire pó.

“— O ministro ficou bastante preocupado. Ele não tinha a dimensão do problema — disse o presidente do Codefat, Quintino Severo.

“Segundo Severo, ficou decidido que será criado um grupo de trabalho, sob a coordenação do ministro, com representantes do MTE, da Fazenda e do Planejamento para tentar encontrar uma solução.

“Os sindicalistas defendem a regulamentação do artigo 239 da Constituição, que cria uma contribuição adicional para as empresas nos casos em que o índice de rotatividade superar a média do setor. O objetivo da medida é inibir a rotatividade, mas há divergências no governo sobre a criação dessa contribuição, que representaria aumento de custo para os empregadores.” (Geralda Doca, O Globo, 12/7/2014.)

* Emprego na indústria tem maior queda anual desde novembro de 2009: 2,6%

“O emprego na indústria brasileira recuou 0,7% em maio, frente a abril, segundo dados divulgados pelo IBGE ontem (11/7). Em abril, o indicador havia registrado queda mensal de 0,4%. Em relação ao mesmo período do ano passado, a queda foi de 2,6%, a 32º consecutiva neste tipo de comparação e a maior desde novembro de 2009, quando a contração foi de 3,7%.

“Segundo o IBGE, o maior impacto para o resultado negativo, na comparação anual, foi registrado em São Paulo, maior parque industrial do país, onde a queda foi de 3,7%. Das 14 regiões pesquisadas, 13 tiveram números negativos. Apenas Pernambuco, com leve alta de 0,3% frente a maio de 2013, teve resultado positivo.

“A queda foi influenciada por uma piora no nível de emprego em 15 dos 18 ramos pesquisados pelo IBGE. Os destaques negativos foram produtos de metal (-7,4%), calçados e couro (-7,9%) e meios de transporte (-4,3%). As exceções vieram dos segmentos de minerais não-metálicos (1,9%) e de produtos químicos (1,6%).

“Os dados refletem o mau momento pelo qual o setor passa. Dados divulgados na semana passada mostraram que a produção industrial recuou 0,6% em abril, a terceira queda consecutiva de desempenho. Segundo o IBGE, sete das 14 regiões pesquisadas apresentaram resultados negativos.

“O cenário negativo tem influenciado as projeções de analistas. Desde meados de junho, economistas ouvidos para o boletim Focus, do Banco Central, já esperam contração da indústria em 2014. No relatório mais recente, a mediana das previsões indicava queda de 0,67% no fim do ano.” (O Globo, 12/7/2014.)

* Índice de intenção de consumo caiu 2,5% em junho e chega ao menor nível em cinco nos

“Os moradores de São Paulo estão menos confiantes quanto ao emprego e à renda e, com isso, menos interessados em consumir, em especial bens duráveis, aponta nesta segunda-feira (14) a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).

“O índice Intenção de Consumo das Famílias (ICF) caiu 2,5%, para 110,8 pontos em junho, na comparação com maio, e recuou 15,1% no confronto com o mesmo período do ano passado. Com isso, o indicador registrou o menor patamar da série histórica da pesquisa, iniciada em agosto de 2009.

“O subíndice em que os consumidores avaliam o momento para compra de bens duráveis foi o que mais caiu, 8,3%, se situando 87,5 pontos em junho, seguido pelo recuo de 3,8% em perspectiva de consumo, com 103,8 pontos. O subindicador de nível de consumo atual diminui 0,5% no período, ficando em 86 pontos – pior pontuação entre as variáveis do ICF. De todas as categorias que fazem parte do indicador, apenas acesso ao crédito avançou de maio para junho (0,9%), atingindo os 133,7 pontos.

“O desaquecimento do mercado de trabalho, identificado nas últimas pesquisas sobre o tema, é apontado como motivo para as baixas nos quesitos emprego atual (-1,5%, aos 125,9 pontos), renda atual (-2,3%, para 126,9 pontos) e perspectiva profissional (-2,9%, a 112 pontos).

“De acordo com a FecomercioSP, a falta de água em alguns bairros e a ocorrência recente de paralisações no transporte público (ônibus e metrô) também foram fatores que reduziram a confiança dos moradores da capital paulista.

“Em nota, a entidade diz que o indicador de intenção de consumo deve continuar a cair. ‘As altas taxas de inflação têm pressionado insistentemente o orçamento doméstico. Além disso, o temor em relação ao futuro – provocado pelo crescimento mais modesto da renda – e a geração de empregos contribuem para segurar o consumo dos paulistanos’, diz a entidade.” (Feccomercio.com., 15/7/2014.)

* PIB tem retração de 0,1% no trimestre encerrado em maio, mostra FGV

“As indústrias de transformação e da construção continuam exibindo perdas em relação ao ano passado, enquanto o comércio desacelera. A combinação, segundo estimativa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), levou o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro a registrar o primeiro resultado negativo este ano. De acordo com o Monitor do PIB, acompanhamento feito pela instituição, no trimestre encerrado em maio, a soma da renda gerada no País recuou 0,1% na comparação com igual período de 2013.

“Caso continue no negativo, o PIB terá o pior resultado desde o terceiro trimestre de 2009, quando a queda foi de 1,5% sobre igual período do ano anterior, de acordo com os dados oficiais do IBGE. Os resultados do segundo trimestre serão divulgados em 29 de agosto.

“Até abril, a taxa trimestral interanual era calculada em 0,9%, segundo o relatório do Monitor do PIB, que busca antecipar mês a mês os rumos da economia usando as mesmas metodologia e fontes de informação empregadas no cálculo oficial do IBGE. Entre janeiro e março, a economia havia avançado 1,9% na comparação com igual período de 2013, segundo o IBGE.

“A indústria teve recuo de 2,9% de março a maio em relação a igual período de 2013. Pesaram para este desempenho a queda de 5,4% na indústria de transformação e a de 6,6% na indústria da construção, na mesma base de comparação. Com a intensidade das perdas, nem o avanço de 8,1% do segmento extrativo estancou a piora do setor produtivo.

“O setor de serviços, que responde por dois terços da economia, perdeu força e subiu 0,6% no trimestre até maio, influenciado pelo desempenho mais fraco de comércio, transportes e outros serviços. Na agropecuária, houve melhora entre abril e maio, para 1,3%, mas a taxa ainda é menor do que no primeiro trimestre.

‘A economia desacelerou forte demais em abril. Em maio, continuou nesse processo, embora menos do que no mês anterior. Mas o bimestre mostra deterioração’, avalia o pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) Claudio Considera, coordenador do projeto. O economista já esteve à frente da Coordenação de Contas Nacionais do IBGE, responsável pelo cálculo oficial do PIB, e atuou como Secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.

“‘No caso da agropecuária, o desempenho mostra que o crescimento este ano não vai ser estrondoso como nos outros anos. Nos serviços, não tem muito jeito. O setor depende da indústria e da agropecuária’, acrescenta. Em 12 meses, o PIB mostrou crescimento de 1,7% até maio, bem menor do que o acumulado em quatro trimestres até março, quando o avanço era de 2,5%, conforme divulgou o IBGE em 30 de maio.

“Ontem (14/7), o Boletim Focus mostrou que os analistas estão cada vez menos otimistas e esperam, em média, alta de 1,05% no PIB este ano (ver ao lado). Na sexta-feira (18/7), as atenções se voltam ao Indicador de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), outro termômetro da atividade no País.” (Idiana Tomazelli, Estadão, 15/7/2014.)

* Cresce de 9% para 11,4% o número de famílias endividadas, mostra sondagem da FGV

“As famílias estão cada vez mais endividadas, e pagar essa conta tem ficado mais difícil. É o que mostra um recorte especial da Sondagem do Consumidor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) apurado no mês passado. De acordo com os dados, 11,4% das famílias tinham contas com atraso superior a 30 dias em junho deste ano, ante 9% em igual mês de 2012 e 2013. Na baixa renda, a dificuldade em equilibrar as contas no orçamento é ainda maior: 20% dos consumidores com renda familiar mensal de até R$ 2,1 mil estão inadimplentes.

“A pesquisa, realizada em sete capitais brasileiras e obtida com exclusividade pelo Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, engrossa as estatísticas de diferentes instituições que apontam na direção de um endividamento mais elevado entre os brasileiros. Por trás disso estão inflação alta, menor avanço da renda, desaceleração no mercado de trabalho e aumento dos juros.

“O horizonte de 30 dias é menor que o usado na inadimplência apurada pelo Banco Central (90 dias), mas a economista Viviane Seda, coordenadora da Sondagem, afirma que o resultado pode sinalizar continuidade do aumento de inadimplentes. Em maio, o indicador do BC subiu a 6,7%, após três meses em 6,5%.

“Na pesquisa da FGV, o porcentual de famílias endividadas cresceu de 59,2% em junho do ano passado para 60,7% em igual mês deste ano. Houve avanço relevante entre os que têm mais de 10% da renda comprometida com compras parceladas, de 27,4% para 29,8%. Cerca de um terço das famílias disse não ter dívidas, e 3,8% não souberam informar.

“Na baixa renda, a fatia de endividados é menor, mas eles são os que mais atrasam os vencimentos. ‘É uma questão de orçamento. Boa parte já é comprometida com compras que não podem ser parceladas. Eles não têm muita capacidade de compra, e ainda tem consumidor extrapolando’, diz Viviane. Segundo ela, 1,1% dessas famílias tem dívidas cujas parcelas somadas superam a renda mensal. As dívidas de curto prazo também ganharam espaço. Compras parceladas em até seis meses retratam a situação de 82,3% dos consumidores de todas as faixas de renda

“Com o cenário menos favorável, a saída tem sido acionar o freio. No primeiro trimestre, o consumo das famílias medido no Produto Interno Bruto (PIB) recuou 0,1% em relação aos últimos três meses do ano passado – menor resultado desde o terceiro trimestre de 2011. Além disso, o varejo teve retração nas vendas em três dos cinco primeiros meses deste ano.

“‘No curto prazo, é difícil organizar o orçamento. Não existe no ambiente econômico nenhuma sinalização favorável. Mas como os consumidores estão mais cautelosos diante da inflação elevada e do crédito mais caro, pode ser que o ajuste seja feito’, disse Viviane. Os duráveis devem ser os mais afetados, mas o varejo como um todo sentirá os efeitos.

“‘As vendas no varejo devem seguir em desaceleração à medida que a política monetária ainda está por se fazer sentir plenamente. O mercado de trabalho e as expectativas também seguem mostrando sinais de arrefecimento’, avaliam os economistas José Francisco de Lima Gonçalves e Júlia Araújo, do Banco Fator.

“Diante do quadro, a Confederação Nacional do Comércio de Bens e Serviços (CNC) revisou para baixo sua previsão de crescimento para as vendas no varejo, agora em 4,5% para este ano.” (Idiana Tomazelli, Estadão, 17/7/2014.)

Tudo errado na condução da economia

* É difícil dizer se o governo insiste nas mesmas medidas por teimosia, firmeza de princípio ou incapacidade total de perceber os fatos, mesmo retratados em números oficiais

“Estamos salvos. O México superou o Brasil como maior produtor latino-americano de veículos, no primeiro semestre, a maior parte da indústria continua em crise – e demitindo – e a corrente de comércio encolhe, mas o governo promete consertar o futebol. A idéia é intervir na atividade, impor novos padrões de gestão aos clubes e até impedir a exportação de jovens craques, segundo anunciou na quinta-feira o ministro do Esporte, Aldo Rebelo. ‘Não podemos continuar exportando jogadores que são a maior atração do futebol brasileiro’, disse no mesmo dia a presidente Dilma Rousseff. Para a presidente e sua trupe, a derrota por 7 a 1 deve ser um desastre muito maior que a devastação econômica dos últimos anos – uma mistura de estagnação industrial, inflação elevada, contas públicas em deterioração e contas externas esburacadas. Nos 12 meses até maio, o déficit em conta corrente chegou a US$ 81,85 bilhões, 3,61% do produto interno bruto (PIB) estimado, e as condições de financiamento têm piorado. Podem ficar mais desfavoráveis com o fim dos estímulos monetários americanos, previsto para outubro, mas nada parece tão grave, para o governo, quanto o fracasso no futebol.

“Ah, dirão os otimistas, esse comentário é injusto, até porque um novo pacote econômico e financeiro foi lançado na mesma quinta-feira, com a publicação da Medida Provisória (MP) 651. Mas a novidade é pouca, na parte econômica, e as principais medidas já foram testadas nos últimos anos, com escasso resultado.

“A desoneração da folha de pessoal, concedida a 56 setores e contrabalançada por outra forma de tributação, pouco afetou os custos. A maior parte das empresas continua com problemas na gestão de pessoal. Sem disposição para reformar de fato o sistema previdenciário, o governo continua adotando remendos. Temporária até agora, a mudança deve tornar-se permanente, mas nem por isso o remendo deixa de ser remendo. Não se resolve o problema das empresas nem se arruma a Previdência.

“O Reintegra, agora com alíquotas variáveis de 0,1% a 3%, definíveis a cada ano, permite a recuperação parcial dos impostos pagos na cadeia produtiva. Neste ano, o benefício será de 0,3%. A variação anual prejudicará o planejamento dos exportadores e, no balanço geral, os brasileiros continuarão em desvantagem diante dos estrangeiros. Além disso, a política federal é inócua em relação a um dos principais problemas – a dificuldade de acesso aos créditos do ICMS, o tributo estadual sobre circulação de mercadorias e serviços. Aceito pelos empresários na falta de algo mais sério, o Reintegra também é um remendo.

“Em quase 12 anos, a administração petista foi incapaz de formular e de negociar uma revisão ambiciosa e eficaz do sistema tributário. Em vez disso, têm tramitado no Congresso propostas voltadas para o atraso, favoráveis à perpetuação da guerra fiscal e à desmoralização definitiva do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Aprovado o fim da unanimidade para aprovação de incentivos, estará preparado o campo para uma guerra mais intensa entre regiões e entre Estados – e para mais distorções, é claro, das decisões sobre investimentos privados.

“A mudança do Refis, o programa de parcelamento de débitos fiscais, é mais um mimo aos sonegadores e mais um esforço para juntar migalhas e chegar mais perto da meta de superávit primário. Os pagamentos iniciais de quem entrar no programa serão reduzidos. Por exemplo: para os devedores de até R$ 1 milhão, a prestação inicial cairá de 10% para 5%. Haverá facilidades decrescentes para débitos até R$ 20 milhões. Acima desse valor, a entrada será de 20%. Além disso, empresas já inscritas no parcelamento poderão ter descontos se anteciparem a quitação de 30% da dívida restante. Com os novos estímulos, a previsão de receita do Refis para 2014 sobe de R$ 12,5 bilhões para R$ 15 bilhões. Outros R$ 2 bilhões, primeira parcela de um total de R$ 15 bilhões, já estão garantidos: serão pagos pela Petrobrás pela transferência, sem licitação, de quatro áreas do pré-sal. Todo esse dinheiro, somado aos bônus de concessões de infra-estrutura e aos dividendos mais gordos extraídos das estatais, tornará mais fácil fechar as contas. Nem pensar em austeridade, especialmente em ano de eleições. Além do mais, é preciso levar em conta o peso de outros mimos tributários, como a prorrogação do desconto do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para o setor automobilístico. Também para compensar essa bondade seletiva será preciso juntar trocados aqui e ali.

“É difícil dizer se o governo insiste nessas medidas por teimosia, firmeza de princípio ou incapacidade total de perceber os fatos, mesmo retratados em números oficiais – como a estagnação dos três anos anteriores e a perspectiva de crescimento abaixo de 2% em 2014 e de novo fiasco em 2015. Com a indústria incapaz de competir, o Brasil só continuou salvo de um desastre cambial, neste ano, graças ao superávit comercial de US$ 49,11 bilhões acumulado pelo agronegócio entre janeiro e junho – mesmo com preços em queda. Reservas cambiais acima de US$ 370 bilhões dão segurança temporária contra choques externos. Mas segurança de fato no balanço de pagamentos só se alcança por meio de competição nos mercados de bens e serviços. Nesse jogo, só o chamado setor primário tem obtido resultados. Se protecionismo e favores seletivos substituíssem poder de competição, a Argentina jamais teria chegado a um passo de um segundo calote. Afinal, teve 13 anos, desde o fim de 2001, para investir e ganhar eficiência. Mas o governo desperdiçou o tempo com besteiras intermináveis, como barreiras à exportação de alimentos para maquiar a inflação. No Brasil já se cometeu bobagem parecida com o couro, para favorecer a indústria de sapatos. A próxima asneira poderá ser o entrave à exportação de jogadores. Haverá quem aplauda.” (Rolf Kuntz, Estadão, 12/7/2014.)

Os erros na área de energia

* O governo criou uma fórmula em que todos perdem. Nem mesmo os críticos da MP 579 imaginavam um cenário tão catastrófico

“Quando a Aneel decidiu dar mais tempo para as distribuidoras de energia pagarem a conta do que compraram no mercado à vista, estava criando mais um desequilíbrio. O regulador, ao permitir um atraso no pagamento, impôs um custo a quem tem a receber. É uma intervenção arbitrária.

“Como as empresas podem estar tão quebradas? O Tesouro fez dois aportes em janeiro e fevereiro na Conta de Desenvolvimento Energético. Depois, negociou através da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica o empréstimo de R$ 11,2 bilhões. Achou que o assunto estava resolvido. E o valor bilionário só deu para até abril. O que venceu em julho é referente a maio. O pagamento foi adiado para o final do mês, mas ainda não se sabe como será pago. Para isso, está sendo providenciado um novo socorro ou novo empréstimo.

“É buraco sem fundo. O primeiro empréstimo será coberto com um reajuste extra nas nossas contas de luz de 2015, conforme o documento dado pela Aneel aos bancos, como garantia. O novo empréstimo comprometerá a conta de luz de 2016. Nem os maiores críticos da mudança feita no setor de energia pela MP 579 chegaram a imaginar um cenário tão catastrófico.

“Frequentemente o governo tem sido chamado a intervir, socorrer, ou mudar regras para ajudar um dos vários segmentos em problemas nesse setor politraumatizado. A piada entre as empresas é que o governo pelo menos foi isonômico: conseguiu uma fórmula em que todos perdem.

“As geradoras hidráulicas não terão como gerar a energia que venderam em contrato, por causa do baixo nível de água nos reservatórios. Para entregar a energia que são contratualmente obrigadas a fornecer, terão que comprar no mercado livre e arcar com o prejuízo. Os reservatórios estão com nível muito abaixo de anos anteriores, como se pode ver no gráfico.

“As térmicas estão funcionando muito acima da capacidade técnica e, quando têm que parar para as revisões, precisam comprar energia no mercado porque estão ‘despachadas’ pelo ONS. Ser ‘despachado’ é receber ordem para gerar. Elas têm que continuar fornecendo mesmo em parada técnica.

“O atraso nas linhas de transmissão chega a quase 50% das obras. As grandes hidrelétricas da Amazônia estão atrasadas e os fundos de pensão de estatais e empresas estatais que são parte integrante dos consórcios estão tendo prejuízo. As distribuidoras têm que comprar energia no mercado livre para cobrir a que não está sendo fornecida em função do atraso. E isso aumenta mais o buraco em que as empresas estão.

“O custo total do desequilíbrio no sistema está ficando impagável. Pelas contas da consultoria PSR, a fatura pode chegar a R$ 56 bilhões se forem somados custos de 2013 e 2014. A maior parte da conta será paga em 2015. Os gastos se referem a subsídios oferecidos para garantir a redução da energia em 20% no ano passado e ao que o setor chama de ‘descontratação involuntária das distribuidoras’, ou seja, empresas não fecharam contratos porque o governo não conseguiu organizar toda a oferta e demanda através dos leilões. A conta será dividida: a maior parte será paga pelos consumidores e o resto pelo Tesouro, ou seja, os contribuintes.” (Míriam Leitão, O Globo, 11/7/2014.)

* Estamos todos pagando muito caro pela bravata do governo de baixar a conta de luz no berro

“Os consumidores brasileiros estão pagando um preço muito alto pela redução de 20% nas tarifas de energia elétrica feita pelo governo federal no ano passado. O desequilíbrio financeiro no setor provocado pelas medidas impostas para forçar a queda nas tarifas, somado à operação a plena carga das termelétricas em decorrência da forte estiagem, está batendo nas contas de luz, cujos reajustes já chegam a dois dígitos. De acordo com cálculos feitos pelas consultorias especializadas em energia Safira e Thymos, os aumentos médios nas contas de energia dos consumidores residenciais neste ano devem ficar entre 16% e 17%, o que praticamente anula a redução do ano passado. E em 2015 será pior: o reajuste ficará entre 21% e 25%.

“Alguns analistas consideram que esses reajustes podem servir para pôr mais combustível na inflação e fazer com que ela feche 2014 acima do teto da meta perseguida pelo Banco Central (BC), ou seja, superior a 6,5%. Segundo a MB Associados, as contas residenciais de luz devem acumular avanço de 17,4% neste ano, o que faria o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado pelo BC, fechar 2014 com alta de 6,7%. Até junho, as contas de luz acumulam aumento de 4,98% e, nos últimos 12 meses, de 8,01%.

“Segundo o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, a energia se tornou o grande vilão dos preços no ano. Ele também endossa a avaliação das consultorias do setor e diz esperar aumentos ainda mais significativos ao longo de 2015.

“— Nós estamos com IPCA de 6,7% este ano porque os alimentos devem ajudar um pouco no segundo semestre, o que tem sido a grande sorte do governo depois do choque da seca no começo do ano. Contamos ainda com uma piora no câmbio caso a presidente Dilma Rousseff seja reeleita, o que deve pressionar no último trimestre de 2014. Para o ano que vem, mantemos nossa projeção de IPCA de 6,8% — explica Vale.

“Já para o banco ABC Brasil, o IPCA deve terminar este ano em 6,4%, abaixo da meta. Porém, são esperados mais reajustes nas tarifas em 2015, o que deverá elevar o impacto da energia residencial no índice de preços. Pelos cálculos do banco, se a alta ficar em torno de 21% no ano que vem, as contas de luz devem pesar 0,6 ponto percentual no índice de preços. Este ano, a contribuição das tarifas deve ficar em 0,4 ponto.

“E o consumidor já sente no bolso o custo da energia mais cara. De acordo com levantamento feito pelo Globo na base de dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), das 34 concessionárias que já tiveram os seus reajustes autorizados entre janeiro e 4 de julho deste ano, 31 aumentaram seus preços. Desse total, 27 distribuidoras tiveram altas acima de dois dígitos, com percentuais que variam de 11% a 36,54%. Isso significa que, até agora, cerca de 43,2 milhões de residências já pagam mais caro pela conta de luz. Até dezembro, ainda haverá reajuste em outras 30 distribuidoras de energia. A Light só deve divulgar seu reajuste em novembro.

“Segundo a Aneel, os aumentos concedidos às distribuidoras estão atrelados aos ‘custos com compra de energia’. Por causa do baixo nível dos reservatórios, as usinas térmicas — que têm um megawatt/hora (MWh) mais caro em relação às hidrelétricas — vêm sendo acionadas desde o ano passado. Além disso, como algumas empresas de geração (Celesc, Cesp, Copel e Cemig) não aderiram ao processo de renovação das concessões, previsto na medida provisória 579, as distribuidoras ficaram com parte de sua energia descontratada, sendo obrigadas a recorrer ao mercado à vista, no qual os preços chegaram R$ 822 o MWh.

“— A desaceleração, tanto da economia como do setor de serviços, pode minimizar esse choque tarifário que vamos ter — afirma Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do ABC Brasil.

“Fábio Cuberos, gerente de Regulação da Safira, destacou que, apesar dos elevados aumentos que estão sendo concedidos pela Aneel neste ano — o reajuste médio entre as 31 distribuidoras está em 15,43% até julho —, as tarifas ainda estão represadas. O executivo explicou que os custos adicionais com as usinas térmicas em 2013, que seriam repassados ao consumidor neste ano, foram diluídos em quatro anos a partir de 2015. Além disso, o impacto nas tarifas do empréstimo de R$ 11,2 bilhões, feito por meio da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), via consórcio de bancos, para as distribuidoras em abril, só será repassado às tarifas em 2015 e 2016.

“— Os reajustes que vêm por aí a partir do próximo ano serão bem mais salgados, porque já vão partir de uma base muito elevada, fora o reajuste normal que seria dado — ressalta Cuberos.

“O executivo da Safira considera, no entanto, que o mais preocupante é o fato de que os problemas do setor continuam. As distribuidoras ainda têm dificuldades no fluxo de caixa e já usaram todos os R$ 11,2 bilhões disponibilizados pelo consórcio de bancos. Para arcar com os contratos de maio, as empresas não tiveram recursos suficientes, o que levou o governo a postergar para o fim deste mês o pagamento de R$ 1,3 bilhão. E já se pensa em um novo financiamento, no valor de R$ 2 bilhões. Cuberos ressalta que, apesar de as distribuidoras terem reduzido sua exposição ao mercado livre, ainda estão sendo obrigadas a comprar no mercado à vista cerca de 700 megawatts (MW) médios.

“— Um dos motivos das dificuldades financeiras das distribuidoras é o fato de comprarem essa energia no mercado à vista por um preço muito elevado, por causa dos reservatórios baixos. O custo da energia tem ficado alto no mercado livre — afirma Cuberos.

“Apesar de o preço no mercado livre ter caído para R$ 674 o MWh atualmente, os preços tendem a se manter em patamares elevados devido à falta de chuvas. Essa é a avaliação de Ricardo Savoia, diretor da Thymos, que lembra que haverá reajustes até 2018, já que o pagamento dos empréstimos foi escalonado para os próximos anos. Para 2015, Savoia diz que o aumento nas tarifas pode chegar a 25%.

“— A evolução das tarifas é crescente. Só entre 2019 e 2020 voltaremos para o patamar de preços de 2014. Nos próximos cinco anos estimamos um aumento de R$ 80 bilhões no custo de energia, com a falta de chuvas, os atrasos das obras e o processo de renovação das concessões. Mas os custos podem ser ainda mais significativos se as condições climáticas continuarem adversas, e as térmicas permanecerem operando a pleno vapor a partir de 2015 — afirma Savoia.” (Ramona Ordoñez e Bruno Rosa, O Globo, 14/7/2014.)

* Custo da crise causada pela interferência do governo no setor elétrico chega a R$ 53,8 bilhões

“Os custos de toda a desorganização no setor elétrico – depois da edição da medida provisória (MP) 579, de 2012, que tratou da renovação dos contratos de concessão de geração de energia, aliado à operação das térmicas – chegam a R$ 53,8 bilhões desde 2013. Desse total, R$ 35,3 bilhões serão pagos pelos consumidores de energia elétrica, nas suas contas de luz. Os outros R$ 18,5 bilhões serão pagos em impostos. Ou seja, por todos os contribuintes. Esses dados constam do documento ‘Setor elétrico: Uma agenda para garantir o suprimento e reduzir o custo de energia’ elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que faz parte de uma série de propostas do setor que foram entregues aos candidatos à Presidência da República.

“O documento, ao qual O Globo teve acesso com exclusividade, destaca que os ganhos da indústria com a redução das tarifas em 2013 já foram quase que totalmente perdidos com os reajustes que as distribuidoras estão fazendo nas tarifas neste ano e em 2015. Segundo o estudo, as tarifas do ano que vem deverão voltar ao nível de dezembro de 2012, ou seja, ao patamar prévio à redução promovida pela MP 579. A CNI ainda destaca que os serviços de transmissão de energia têm se deteriorado e que os recentes blecautes que têm ocorrido no país foram causados por falhas nas subestações e não por atrasos nas obras de reforço na transmissão, apesar de sua importância.

“Segundo Roberto Wagner, especialista em políticas e Indústria da CNI, o objetivo do estudo é propor aos presidenciáveis medidas de aperfeiçoamento do modelo do setor elétrico, essenciais para a redução das tarifas de energia industriais que beneficiará toda cadeia de fornecedores chegando também a todos os consumidores finais. – Todas as propostas, na realidade, são para tarifas mais módicas para as indústrias, com vistas a aumentar a sua competitividade, tanto no mercado interno como no externo. E esses benefícios serão estendidos a toda a cadeia produtiva – disse Wagner.

“São propostas como permitir a participação dos compradores do chamado mercado livre nos leilões de energia, hoje restritos ao mercado cativo; analisar a possibilidade de construir hidrelétricas com reservatórios em algumas regiões; e adotar medidas que estimulem a geração distribuída (pequenas usinas, cogeração, energia solar e eólica etc.), por meio de um retorno mais rápido do que for investido nesses projetos. Para a economista e especialista em energia Paula Barbosa, a situação do setor elétrico é grave, pois a conta de R$ 53,8 bilhões se refere aos custos de descontratação da energia (incluindo térmicas) e subsídios de 2013. Apesar de considerar boas as propostas da CNI, Paula as classifica de amenas e diz que o modelo do setor elétrico precisa de uma profunda reformulação:

“- As propostas da CNI para o setor elétrico são boas e necessárias, mas não são suficientes. Se esse modelo de precificação de energia elétrica ao consumidor final não for repensado, haverá uma conta alta para todos nós pagarmos em 2015 (a conta de 2013) e também em 2016 (a de 2014), e assim por diante disse Paula. – Se nada for feito para mudar essa situação, teremos uma conta pesada e contínua para pagar.” (Ramona Ordoñez, O Globo, 14/7/2014.)

As contas públicas de mal a pior

* Conta paralela reforça caixa do Tesouro em R$ 4 bilhões em maio

“As contas do Tesouro Nacional tiveram uma ajuda inusual de uma operação de registro contábil que reduziu o rombo do mês de maio. Um volume de R$ 4 bilhões mantido por um banco privado em uma conta que estava fora do radar do Banco Central foi encontrado pela autoridade monetária às vésperas do anúncio oficial, pelo Tesouro, do resultado fiscal da União.

O Ministério da Fazenda não explicou a origem desses recursos. Ao Estado, o BC informou que o dinheiro representava um crédito a favor da União registrado em uma conta paralela. Os R$ 4 bilhões estavam registrados em uma conta fora do rol daquelas verificadas pelo Banco Central para calcular o resultado fiscal.

“A operação, confirmada pelo BC após a descoberta do fato pelo Estado, ajudou o Tesouro a reduzir o déficit primário, das contas públicas, de maio. O governo divulgaria um rombo de R$ 15 bilhões, mas acabou por anunciar um buraco de R$ 11,07 bilhões. Ainda assim, esse desempenho foi o pior da história para meses de maio.

“O banco privado migrou, de forma não explicada, esse crédito de uma conta para outra. O BC informou que o banco fez uma mudança em seu registro contábil sem avisar a autoridade monetária.

“O Estado apurou que os R$ 4 bilhões envolvem a movimentação financeira da Previdência Social. Mas o Tesouro e o BC se recusaram a informar a origem desse crédito.

“O Tesouro é alvo de críticas de investidores e do mercado financeiro por causa do seu histórico recente de uso de “contabilidade criativa”, com manobras contábeis para aumentar o superávit primário de forma artificial e cumprir a meta fiscal.

“O BC assegura que o dinheiro nunca deixou o balanço de ativos e passivos da instituição privada. Mas, ao ficar em uma conta distinta, não apareceu no sistema da autoridade monetária de checagem fiscal.

“A área técnica do BC, na véspera do anúncio, percebeu que havia uma diferença entre o resultado do governo federal relativo ao mês de maio apurado pelo Tesouro e o registrado pelo Departamento Econômico do BC (Depec). Os dois usam metodologias distintas de cálculo. O resultado do BC é usado como referência para o cumprimento da meta fiscal.

“‘O BC percebeu essa discrepância e foi investigar a razão’, admitiu um porta-voz do BC em entrevista, na sede da autoridade monetária em Brasília. Segundo o BC, não havia necessidade de autorização prévia para o banco privado criar essa conta em separado, mas informou que a área de fiscalização iria verificar o que ocorreu.

“A conta foi achada, explicou o BC, porque o sistema registrou na conta antiga uma queda abrupta e expressiva no ‘padrão’ histórico verificado até abril de contabilização dos ativos do governo federal. O BC não revelou, no entanto, de que natureza era o crédito encontrado no banco privado. Também não explicou por que a instituição financeira privada alterou seu registro contábil em maio.

“O BC nega que os seus sistemas de controle tenham falhado ou que tenha havido uma manobra contábil do governo para ajudar a melhorar o resultado fiscal divulgado pelo secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin.

“O banco diz que a qualidade das suas estatísticas é reconhecida no mundo todo. ‘Aquilo que efetivamente circular no sistema financeiro estamos pegando’, disse o porta-voz.

“Especialistas em contas públicas, no entanto, vêm alertando para a dinâmica incomum das despesas do INSS em 2014, que estão menores neste ano do que seria esperado, já que não houve mudanças substanciais no valor dos benefícios e tampouco no número de aposentados e pensionistas.

“O Ministério da Fazenda informou que a descoberta dos R$ 4 bilhões ‘é assunto do BC’ e evitou comentar o crédito encontrado na conta do banco privado. Procurada, a Febraban informou que não se pronunciaria sobre o caso.’ (Adriana Fernandes e João Villaverde, Estadão, 11/7/2014.)

* É preciso que o Tesouro explique por que a conta não estava contabilizada e agora está. Finanças públicas exigem transparência

“Em época de conta de padeiro nas estatais – conforme denunciou o ex-diretor de abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto da Costa, ao indicar como o orçamento para a construção da Refinaria Abreu e Lima havia sido feito -, o governo está conseguindo um patamar de qualidade ainda mais baixo nas suas contas. A diferença no cálculo do déficit primário de maio foi de R$ 4 bi, conforme revelou o Estado (11/7). O governo iria anunciar um rombo de R$ 15 bi, mas acabou informando ‘meros’ R$ 11 bi. Com essa performance, bateu outro recorde, além do erro de cálculo. O déficit primário mensal de R$ 11 bi foi o pior resultado fiscal para os meses de maio em toda a história. É o governo do PT cumprindo o seu estribilho: ‘Nunca antes na história deste país’. E, como o governo não deu explicações convincentes sobre o ocorrido, naturalmente aumentou a desconfiança em relação aos números que apresenta. Será mais uma manobra?

“Todos os meses, o Ministério da Fazenda divulga o resultado do esforço fiscal do governo central (Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social). É a diferença entre o que o governo arrecada com impostos e o que gasta. O Banco Central (BC), por sua vez, divulga os números do setor público consolidado. Ao calcular o resultado do setor público do mês de maio, o BC encontrou uma discrepância entre os seus números e os apresentados pelo Tesouro Nacional. Na busca pela origem dessa diferença, o BC descobriu R$ 4 bi depositados numa conta de um banco privado, conta esta que não constava do sistema de rastreamento da autoridade monetária. Segundo o BC, esse dinheiro representava um crédito em favor da União e foi incorporado às contas nas vésperas do anúncio do resultado fiscal do mês de maio pelo Tesouro.

“O BC parece tratar o tema como assunto resolvido. Para o porta-voz da instituição, ‘a situação foi verificada e, depois, normalizada junto ao banco’. Já o Ministério da Fazenda diz que é ‘assunto do BC’, e nada explica. Entretanto, fontes da área técnica do governo disseram – segundo reportagem do Estado – que ‘quando o BC procurou o banco privado para averiguar a diferença encontrada a resposta ouvida pela instituição financeira foi a de que era preciso ouvir o Tesouro’.

“A credibilidade fiscal do governo está abalada desde o início de 2013, quando foram divulgadas manobras do Tesouro Nacional para fechar as contas fiscais de 2012. A ‘criatividade’ consistiu na triangulação de R$ 12,5 bi, entre o Fundo Soberano do Brasil, o BNDES e o Tesouro Nacional, fazendo com que o valor fosse computado no cálculo do esforço fiscal do governo. Ficou evidente que a operação era uma manobra contábil, provocando apreensão no mercado financeiro e investidores internacionais sobre a política fiscal do governo Dilma e sua transparência.

“A ação do BC e a omissão do Ministério da Fazenda indicam uma tentativa de blindar o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, dos danos causados pela descoberta de R$ 4 bi. Apontado como principal articulador de manobras contábeis, a diminuição do rombo só aumentou a desconfiança em torno da política fiscal brasileira. A estratégia é a de que o BC dê ‘explicações técnicas’ sobre o crédito encontrado, como se o Tesouro Nacional não tivesse relação com o assunto.

“Sem uma séria explicação sobre os R$ 4 bi, reforça-se a impressão de que é mais uma manobra contábil. Neste caso, a chamada ‘pedalada’ nos gastos: atraso por parte do Tesouro do repasse aos bancos privados dos pagamentos dos benefícios do INSS a aposentados e pensionistas. Os R$ 4 bi seriam referentes à movimentação mensal do INSS.

“É conhecida nos aeroportos a mensagem de mudança do portão de embarque ‘devido ao reposicionamento de aeronave’. Não é honesta, já que coloca a culpa na aeronave, quando o problema é outro. É o que o governo está fazendo agora. O problema não está no registro contábil: antes não contabilizava e agora contabiliza. Mera explicação técnica que autoevidencia a sua insuficiência. É preciso que o Tesouro explique por que a conta não estava contabilizada e agora está. Finanças públicas exigem transparência, e um governo sério sabe disso.” (Editorial, Estadão, 15/7/2014.)

O fracasso da supertele que o PT inventou de criar

* O BNDES emprestou R$ 22 bilhões ao grupo Oi. O BNDESpar aportou mais R$ 6 bilhões. E a idéia da supertele nacional não deu certo

“A idéia de criar uma supertele brasileira não cansa de fracassar. Foi um projeto desenvolvido no governo Lula, que envolveu mudança de regulação e empréstimos do BNDES, que é um dos acionistas. Não deu certo, e a empresa acabou tendo uma grande fatia comprada por uma companhia portuguesa. Agora, a ex-supertele brasileira é atingida pelos estilhaços do que acontece em além-mar.

“O último lance dessa complicação fez o valor da Oi despencar e depois se recuperar em parte. O que detonou a crise de confiança em relação à empresa não foi resolvido. Hoje, o Banco Espírito Santo terá que pagar títulos comprados pela Portugal Telecom e que, se não forem pagos, enfraquecem financeiramente a maior acionista da Oi. O pior é que o investimento temerário feito pela PT não foi comunicado à tele brasileira.

“O governo Lula achava que era preciso um esforço para haver uma empresa de telecomunicações forte de capital nacional. Por isso, em 2008, removeu um importante obstáculo regulatório e permitiu que ela comprasse a Brasil Telecom. Isso expandiu de forma significativa a área de atuação da empresa.

“Para a compra em 2008, a empresa recebeu injeção de recursos do BNDES. O banco nos informou ontem que ao todo emprestou R$ 22 bilhões à empresa desde a privatização. Além disso, de 1999 até agora, o BNDESPar aplicou em compra de debêntures e ações um total de R$ 6 bilhões na empresa.

“A fusão com a Portugal Telecom não conseguiu cumprir a promessa de simplificar sua confusa estrutura societária. Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco, especializada em telecomunicações, explicou por que a compra da Brasil Telecom não atingiu os objetivos:

“— Desde que a Oi comprou a Brasil Telecom é como se ela tivesse engolido uma caça maior do que ela. A empresa entrou em estado de paralisia, num longo processo de reestruturação interna e de recomposição acionária. O processo consumiu muita energia e tempo na empresa, enquanto as concorrentes continuaram buscando crescer no mercado.

“No ano passado, veio outra novidade: a Portugal Telecom comprou uma grande fatia da empresa e virou a maior acionista do que passou a ser a ex-supertele nacional. A operação foi anunciada como ‘fusão’. Desde o início do processo, as ações da Oi, segundo o Valor, caíram 62%. Agora, quando a empresa se preparava para uma oferta de ações para fortalecer-se financeiramente, a maior acionista, exatamente a Portugal Telecom, aparece encrencada por ter feito aplicações em papéis de um banco português em dificuldades.

“A Oi, desde a privatização, enfrentou vários momentos de muita desconfiança do mercado por falta de transparência nas decisões da empresa, falta de governança. A expectativa era que a companhia conseguisse agora passar mais segurança sobre sua gestão.

“A Portugal Telecom se comprometeu a aportar R$ 5,7 bilhões em ativos dela na empresa. No total, contando os que iriam acompanhar a capitalização, a empresa receberia R$ 14 bilhões. O processo estava em andamento quando saiu a notícia de que a PT comprou debêntures do Grupo Espírito Santo, sem comunicar aos seus sócios, e agora está sob risco de levar um calote. Então o problema que seria resolvido com a entrada do sócio estrangeiro acabou ficando pior exatamente por causa desse sócio.

“A confusão nunca é pequena quando se trata dessa empresa. Descobriu-se que a Previ vendeu ações no período que não poderia, porque estava se preparando uma nova oferta bilionária de ações. O fundo de previdência dos funcionários do Banco do Brasil tem participação no capital da Oi tanto diretamente quanto indiretamente, através da Telemar Participações.

As confusões além-mar são piores. Aqui, o que se trata é mais um nó na empresa escolhida para ser campeã nacional, que virou portuguesa, e agora está a bater com os burros n’água na sua relação com o novo dono. Lá, o risco é de insolvência do Banco Espírito Santo, que pode chacoalhar a economia de Portugal e ter reflexos fora do país. Portugal, recentemente, pagou o que devia ao Fundo Monetário Internacional e dispensou nova ajuda do Fundo, dizendo ser capaz de lidar sozinho com seus problemas. Mas agora seu principal grupo financeiro está em apuros.” (Míriam Leitão, O Globo, 15/7/2014.)

O decreto que muda o sistema de governo

* É clara a intenção do PT de usar os “conselhos populares” para ampliar o controle sobre a burocracia estatal

“O necessário debate sobre o Decreto-Lei 8.243, o da criação de comissões, fóruns, ‘mesas’ — jargão bolivariano — junto a ministérios, órgãos em geral da administração direta e até estatais, não pode ser travado fora do contexto político em que se encontra o país.

“O discurso oficial da defesa do decreto costuma destacar, entre outros pontos, a necessidade de se abrir novos canais de participação política. O assunto é mesmo pertinente, pois tem a ver com a revitalização da democracia representativa.

“Os Estados Unidos, por exemplo, uma das mais sólidas democracias do mundo, há tempos se valem de plebiscitos para, em estados e municípios (counties), decidir questões locais. A liberalização da maconha tem sido feita por meio dessas consultas.

“O desenvolvimento e o aperfeiçoamento de ferramentas digitais facilitam o futuro uso da internet para consultas objetivas sobre temas de interesse direto da população.

“O decreto-lei assinado na surdina pela presidente Dilma Rousseff formalmente trata de ampliar a rede de comissões e similares já existente, para aproximar os centros de decisão do governo da vida real da população. Bom propósito.

“Mas a real finalidade política é bem outra — daí a edição silenciosa do decreto. É translúcida a intenção do PT de, por meio de novas comissões, fóruns, etc. ampliar o aparelhamento do Estado, característica conhecida da atuação do partido. O momento do Decreto 8.243 é estratégico: caso a presidente Dilma se reeleja, o processo de aparelhamento da máquina pública, em curso desde 2003, quanto começou o primeiro mandato de Lula, se aprofundará. Na hipótese de derrota, o partido, mesmo com um presidente de oposição no Planalto, continuará com as rédeas de áreas da estrutura burocrática. Afinal, comissões e similares — está demonstrado — serão ocupadas por militantes dos ditos movimentos sociais e simpatizantes. Como já são os organismos semelhantes e mesmo ministérios.

“As raízes ideológicas do decreto são chavistas, derivam da obsessão nacional-populista com a democracia direta, em que o caudilho, o líder das massas, manipula de forma direta o povo e, assim, se legitima por meio de constantes consultas populares. A Venezuela foi ao ponto que chegou, de debacle, por esta via.

“A reação do Congresso ao 8.243 tem sido acertada, mesmo entre partidos da base do governo, PMDB à frente. Os presidentes da Câmara e Senado, Henrique Alves (RN) e Renan Calheiros (AL), da legenda, discordam, com razão, por ser inconstitucional, do uso do instrumento do decreto-lei para se criar estruturas paralelas de poder, à moda da democracia direta. Se o Planalto tem este objetivo, que envie projeto de lei ao Legislativo, onde assunto tão grave precisa ser discutido com o devido cuidado.

“Não há mesmo outra alternativa a não ser aprovar o decreto legislativo que revoga o ato de Dilma e PT.” (Editorial, O Globo, 14/7/2014.)

* Deputados de mais de dez partidos querem urgência para tentar derrubar o decreto de Dilma

“A aprovação na Câmara dos Deputados terça-feira (15/7) do pedido de urgência para votar um decreto legislativo que anula o decreto da presidente Dilma Rousseff que cria conselhos populares em órgãos da administração pública está sendo considerada ‘uma goleada maior que os 7 a 1 da Alemanha na seleção brasileira’, na definição de um deputado que conhece bem a Casa

“Isso porque o pedido de urgência recebeu 294 votos a favor, apesar de todo o trabalho do Palácio do Planalto sobre sua base aliada e das ameaças veladas que os líderes do PT fizeram ao microfone, tratando como uma traição dos aliados a posição contrária e, mais do que isso, jogando contra os deputados opositores a pecha de serem contra o povo, que ganharia mais espaço nas decisões do governo, pois estaria representado nesses conselhos

“O deputado Miro Teixeira irritou-se com a posição dos petistas e anunciou no microfone que votaria contra o decreto da presidente Dilma por considerá-lo simplesmente eleitoreiro, editado às vésperas da eleição presidencial para ganhar a simpatia dos chamados movimentos sociais, que seriam os beneficiados pela medida.

“Há diversas vertentes na oposição ao decreto, desde os que, como Miro, o consideram inócuo, mas eleitoreiro, quanto os que temem que esse seja um passo a mais na direção de um governo no estilo bolivariano, como os da Venezuela e de outros países da América Latina.

“Há muitos deputados que votarão contra o decreto para preservar a função do Congresso Nacional no nosso sistema presidencialista, como um dos poderes da República, um contraponto ao Executivo e ao Judiciário.

“O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), foi pressionado por mais de uma dezena de partidos para colocar a proposta de urgência em votação antes do recesso, o que retirou do decreto legislativo organizado pela oposição o caráter de atitude isolada, já que boa parte da base aliada do governo também está contra o decreto presidencial.

“O máximo que admitem é que o Palácio do Planalto envie um projeto de lei para ser discutido por deputados e senadores. Mesmo quem não considera que o decreto seja inconstitucional, embora haja quem o considere assim, teme a manipulação que ele permite ao definir, por exemplo, sociedade civil como ‘o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações’.

“Além de ser uma definição muito ampla que abarca qualquer tipo de movimento social, até mesmo os ‘não institucionalizados’, os parlamentares temem que o Palácio do Planalto se aproveite dessa amplitude conceitual para organizar, através da Secretaria Geral da Presidência da República, chefiada pelo ministro Gilberto Carvalho, os próprios conselhos, manipulando suas decisões.

“Uma das tarefas de Gilberto Carvalho é, pelo decreto que define seu ministério, atuar ‘no relacionamento e articulação com as entidades da sociedade civil e na criação e implementação de instrumentos de consulta e participação popular de interesse do Poder Executivo’.

“A reação contra o decreto da presidente Dilma é uma demonstração clara de que, apesar de ter uma maioria teórica que beira os 70% do Congresso, na prática, o Palácio do Planalto tem que negociar caso a caso para fazer valer sua vontade. E sempre que uma decisão palaciana vai de encontro à Constituição, há uma maioria parlamentar na defesa da democracia representativa.

“Mesmo os partidos mais fisiológicos da base aliada reagem a tentativas de enfraquecer as bases democráticas porque sabem que, num governo autoritário, será menor sua influência e maior a força política do PT. O principal responsável por barrar essas tentativas é o próprio PMDB, o maior aliado do PT no Congresso, que tem em seu DNA a defesa da democracia e impede que o PT ultrapasse os limites democráticos.” (Merval Pereira, O Globo, 17/7/2014.)

* A criação dos conselhos vem recebendo diversas críticas; a Câmara deve votar decreto revogando a medida. E, mesmo assim, o governo fala em criar novo fundo para bancar os tais conselhos

“O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, afirmou ontem (16/7) que o governo discute a publicação de um novo decreto presidencial para criar um fundo que vai custear o funcionamento dos conselhos populares. A medida está sendo analisada após o polêmico decreto da presidente Dilma Rousseff que estabelece a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social.

“‘Estamos trabalhando na idéia de um Fundo Financeiro da Participação Social. Vamos fazer também por decreto, a presidente Dilma pode fazer isso’, disse Carvalho, que se reuniu com representantes do Conselho Nacional de Saúde (CNS), instância máxima de deliberação do Sistema Único de Saúde.

“Editado em 23 de maio, o decreto 8.243, de 22 artigos, orienta a instituição no governo de um complexo sistema de consulta à sociedade civil na elaboração de políticas públicas. O texto diz que a meta é ‘consolidar a participação social como método de governo’.

“A determinação gerou críticas entre juristas, na oposição e até entre representantes da base aliada ao governo federal. Houve reação no Congresso. A Câmara aprovou anteontem, com 294 votos a favor e 54 votos contra, o regime de urgência para o decreto legislativo que susta o decreto presidencial.

“Na reunião com representantes do CNS, o ministro também defendeu a elaboração de um projeto de lei, a ser enviado para discussão no Congresso, no qual seriam inseridos tópicos que não puderam inicialmente ser tratados por meio do decreto presidencial.

“‘Esse projeto de lei deverá abordar questões que o decreto não tem como abordar. Por exemplo, o papel deliberativo ou consultivo dos conselhos… bela discussão para se fazer em um projeto de lei porque num decreto não podia mudar isso’, afirmou Carvalho. Outro tema que pode entrar na proposta é a definição dos critérios de escolha dos conselheiros.

“Após o encontro, o ministro, porém, não deu detalhes sobre o projeto de lei nem como o fundo seria financiado. Segundo ele, ainda não há data definida para as propostas saírem do papel. A divulgação estaria dependendo da votação no Congresso do decreto legislativo.

“‘Isso vai depender, naturalmente, do destino do decreto no parlamento. Temos agora que esperar um pouco. Fundamentalmente, (o fundo) custearia passagens e infra-estrutura mínima’, disse o ministro.

“O Estado pediu mais esclarecimentos à Secretaria-Geral da Presidência sobre as propostas, mas não obteve resposta ao pedido de entrevista.

“Na reunião com representantes do CNS, Carvalho aproveitou para pedir uma ‘mobilização’ dos integrantes do conselho contra o decreto legislativo que tramita no Congresso. A aprovação do regime de urgência contou com o apoio da maioria dos partidos da base aliada, com exceção do PT e do PC do B.

“Integrantes da bancada do PT, no entanto, recorreram a artifícios regimentais e impediram o avanço da discussão.

“‘É provável que no dia 5 de agosto volte à pauta o debate do decreto no Congresso Nacional. Se fosse votado ontem (anteontem) teríamos uma fragorosa derrota, portanto, queria deixar para vocês o desafio de uma ação porque o governo sozinho não vai conseguir segurar isso, ficou provado ontem. Fica esse desafio para que vocês pensem em forma de mobilização’, afirmou o ministro.

“Presente na reunião, o ministro da Saúde, Arthur Chioro, não comentou a criação de um Fundo da Participação Social, mas também cobrou um posicionamento público a favor do decreto por parte do CNS e defendeu o decreto da Política Nacional de Participação Social. ‘Talvez para nós da Saúde não fosse tão decisivo, mas será fundamental na medida que terá o comitê governamental que vai permitir para a gente articular políticas intersetoriais’, disse.

“A discussão da iniciativa do Palácio do Planalto de institucionalizar a consulta popular à sociedade civil também traz à baila o debate sobre estruturas semelhantes já existentes.

“Atualmente, o governo federal conta com 35 conselhos que, muita vezes, enfrentam uma realidade de falta de transparência, reuniões pouco produtivas e critérios questionáveis na escolha de seus representantes. Esses 35 conselhos são bancados pelos ministérios aos quais estão vinculados.

“Do total de conselhos em atividade, quase a metade (14) foi criado durante os dois mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Outros sete foram criados na gestão Fernando Henrique Cardoso e nenhum no governo Dilma.” (Erich Decat e Rafael Moraes Moura, Estadão, 17/7/2014.)

18 de junho de 2014

Outras compilações de provas da incompetência de Dilma e do governo:

Volume 130: Notícias de 31\1 a 6\2\2014,

Volume 131: Notícias de 7 a 13/2/2014. 

Volume 132: Notícias de 14 a 20/3/2014.

Volume 133 (Parte Um): Notícias de 21 a 27/3/2014. 

Volume 133 (Parte Dois): Notícias de 21 a 27/3/2014.

Volume 134: Notícias de 28/3 a 3/4/2014.

Volume 135 (Parte Um): Notícias de 4 a 10/4/2014. 

Volume 135 (Parte Dois): Notícias de 4 a 10/4/2014.

Volume 136 (Parte Um): Notícias de 11 a 17/4/2014. 

Volume 136 (Parte Dois): Notícias de 11 a 17/4/2014.

Volume 137: Notícias de 18 a 24/4/2014. 

Volume 138: Notícias de 25/4 a 1º/5/2014.

Volume 139: Notícias de 2 a 8/5/2014.

Volume 140: Notícias de 9 a 15/5/2014.

Volume 141: Notícias de 16 a 22/5/2014.

Volume 142: Notícias de 23 e 29/5/2014.

Volume 143: Notícias de 30/5 a 5/6/2014. 

Volume 144: Notícias de 6 a 12/6/2014. 

Volume 145: Notícias de 13 a 19/6/2014.

Volume 146: Notícias de 20 a 26/6/2014.

Volume 147: Notícias de 27/6 a 3/7/2014.

Volume 148:  Notícias de 4 a 10/7/2013.

 

7 Comentários para “Más notícias do país de Dilma (149)”

  1. Bom descanso compilador. Não descansarei, continuarei lendo as más notícias nos originais do PIG, Estadão, Folha de SP, O Globo e Veja onde se reunem os merdais.

    Passaram-se mais de 20 anos, mas a grande imprensa brasileira não desaprendeu o seu papel como braço da ditadura. Os personagens são outros, mas aqueles velhos instrumentos que ajudam a explicar por que se fere a democracia em nome da própria democracia estiveram sempre guardados e continuam afiados, exatamente como em 1964. Não há maior evidência disso do que a cobertura que os grandes jornais fizeram das prisões de manifestantes efetuadas no último dia 12/7, véspera da final da Copa do Mundo no Brasil.

    Numa ação orquestrada entre executivo e judiciário, foram expedidos 26 mandados de prisão temporária preventiva contra cidadãos que não cometeram nenhum crime, além de, em algum momento, uns mais, outros menos, terem participado de manifestações nas ruas. Sustentando a acusação de formação de quadrilha, a polícia civil não teve nenhuma vergonha em declarar que o motivo das prisões foi evitar que eles cometessem crimes que se supunha que cometeriam. Mas o que é pior: veículos de comunicação e profissionais que julgam fazer jornalismo também não tiveram a mínima vergonha de repetir, de forma naturalizada, não só esse argumento como coisa muito pior.

    O principal artifício ressuscitado dos tempos da ditadura escancarada foi a criação de um inimigo público, aquele cujo perigo justifica toda e qualquer violência e arbitrariedade. Houve muitos durante o regime empresarial-militar. Mas o mais novo inimigo público inventado pelo regime empresarial-falsamente democrático chama-se Elisa Quadros e atende pelo apelido de Sininho. Não por acaso, a chamada de quase todos os grandes jornais não informava a prisão de dezenas de manifestantes, destacando apenas a situação dessa personagem renascida dos porões da ditadura. “Sininho é presa por formação de quadrilha”, diz a capa do Globo de domingo, 13/7. O “resto” aparece embaixo, em letras menores, como uma rápida referência a “outras 18 pessoas”.

    E isso basta, principalmente porque, também como na ditadura explícita, a imagem do inimigo público está sempre acompanhada da vítima a ele atribuída, direta ou indiretamente. Nesse caso, a vítima (real, mas de outros algozes, e não me refiro aos que foram presos por este crime), instrumentalizada como carniça de urubu, é Santiago Andrade, o cinegrafista da Rede Bandeirantes que foi morto por um morteiro em uma manifestação.

    Aos fatos

    Não importa que nem a inimiga pública de agora nem nenhum dos outros presos tenha relação com a morte: no imaginário cuidadosamente construído, os estereótipos dão conta das relações que a realidade insiste em negar. Foi por isso que o Globo, além do nome e da foto da inimiga pública da vez, tratou de providenciar uma coluna de “memória” intitulada “Onda de violência acabou em morte”, que lembra exatamente o caso do cinegrafista.

    Com isso, todo o resto – toda a falta de informação, todas as falsas evidências, todos os argumentos absurdos, toda a vergonha alheia que a entrevista coletiva da cúpula da polícia civil no Rio provocou – pode ser jogado para debaixo do tapete. Trata-se de uma postura consciente por parte do jornal, passiva e conivente por parte dos jornalistas que aceitam ser seus cúmplices, e muito eficaz no papel ideológico que desempenha junto à massa de leitores ou telespectadores. Junto com o inimigo público, vão-se outras dezenas de vidas, vai-se o respeito às leis, vai-se a máscara do Estado de direito. Se estivesse vivo, talvez Roberto Marinho repetisse os termos do seu editorial de 1984, deixando “clara a sua crença de que a intervenção fora imprescindível para a manutenção da democracia e, depois, para conter a irrupção da guerrilha urbana”, nome genérico usado, naquele tempo e ainda hoje, para designar o estranho fenômeno do povo ocupando as ruas.

    Sejamos claros: um jornalista que não só aceita como passa adiante a informação de que a polícia encontrou provas “robustas e consistentes” de que os prisioneiros cometeriam ações violentas na final da Copa, sem confrontar os adjetivos com as evidências materiais, não vale o diploma nem o crachá que exibe, seja ele qual for. Seria cômico, se não se estivesse falando de vidas privadas de liberdade, ver um jornal como O Diareproduzir, no melhor estilo de narrativa policial, que “os investigadores apreenderam máscaras de proteção contra gás, joelheiras, um pouco de gasolina dentro de uma garrafa plástica, maconha, jornais e uma bandeira do Movimento Estudantil Popular Revolucionário (MEPR)”. Seria incompetência, se não fosse desonestidade, ver um jornal como o Globo escolher, dessa lista no mínimo constrangedora, os itens que, por exporem um pouco menos o ridículo da situação, mereceriam destaque nas suas páginas.

    Assim, sobraram as “máscaras de gás e explosivos, além de computadores e celulares”. Computadores e celulares, como todo mundo sabe, são armas perigosíssimas. Máscaras que protegem os olhos dos efeitos do gás lacrimogêneo para uso em manifestações acompanhadas por uma polícia como a do Rio de Janeiro também são uma descoberta típica das séries de detetives norte-americanas. Sobre o explosivo, esse foi o nome genérico oportunamente encontrado para descrever uma garrafa com gasolina, encontrada não numa mochila no meio da rua ou de uma manifestação, mas dentro de uma residência. Nenhum jornal esqueceu de mencionar que as prisões em flagrante foram por “arma” (ou revólver, dependendo do gosto do jornalista) e “drogas”.

    Pois bem: como foi amplamente divulgado por veículos que se disseminam nas redes sociais – aqueles que os jornalistas da grande imprensa costumam tratar como não-jornalísticos –, a arma foi encontrada em uma das casas e era do pai do menor em nome de quem estava expedido um dos mandados. Sua licença – porte de arma – estava vencida, o que pode gerar outro processo e outra matéria, mas não tem nenhuma relação com a prisão que os policiais foram fazer naquela casa. Por fim, as “drogas” encontradas foram um cigarro de maconha que, como se sabe, pelas propriedades cientificamente conhecidas, deve tornar os manifestantes ainda muito mais violentos. Curiosamente, os jornais esqueceram essa parte da história.

    A imprensa alternativa que ocupa as redes sociais denunciou desde muito cedo, advogados e políticos se pronunciaram, instituições importantes e reconhecidas da tão aclamada democracia, como a OAB, emitiram notas que ganharam espaço no pé das matérias, apresentadas como manifestação de “repúdio” às prisões, num mero registro protocolar do “outro lado” jornalístico. A referência ao objetivo evidente de desmobilizar os protestos do dia seguinte – cujo grau insano de repressão e violência só chegou às páginas da grande imprensa porque alguns de seus jornalistas foram atingidos – foi citada de escanteio, como a “opinião” de alguns, nunca como insumo para se questionarem as fontes oficiais.

    Nenhum jornalista ousou fazer (ou nenhum jornal ousou publicar) o mínimo que se espera de um profissional da informação, que é usar os conhecimentos jurídicos dessas instituições e seus atores para questionar a legalidade e o fundamento da operação policial e os mandados de prisão. Ninguém investigou e explicou a real funcionalidade e pertinência jurídica de uma prisão temporária de caráter preventivo; ninguém comparou a precaução da polícia e da justiça nessa situação com a oposta complacência mostrada, dias antes, quando um alvará de soltura expedido no meio da madrugada fez do executivo da empresa ligada à Fifa – cidadão inglês, sem domicílio fixo no país e preso com provas muito mais “robustas e consistentes” de formação de uma quadrilha de cambistas – um foragido.

    Um consenso em torno da coerção necessária

    É cada vez mais concreto o quanto essa noção abstrata de democracia e o seu correspondente Estado de direito são dois elementos circulares de uma farsa produzida para manter ou estabilizar as relações de dominação. Em nome da democracia e do Estado de direito, vale tudo, até ferir a democracia e o Estado de direito, desde que se faça isso através de instituições como a polícia, o judiciário e a imprensa, que compõem o Estado de direito garantidor da democracia. Há muito que a tradição marxista sabe que a forma assumida pelo Estado – democracia, ditadura, monarquia… – representa variações coerentes com a correlação de forças e o grau de hegemonia vigente em cada local, em cada contexto histórico, mas que, em todas essas situações, a função do Estado é garantir, com as armas que estiverem disponíveis, os interesses da classe dominante. Por isso, no capitalismo, a combinação de mecanismos de cooptação e consenso nos regimes ditatoriais com mecanismos de violência e coerção nos contextos democráticos é e sempre será parte do jogo.

    Isso se expressa de forma muito direta na grande imprensa que é, também, instrumento da democracia burguesa. Por isso, ela pode pluralizar seus públicos, diversificar os colunistas, usar de vez em quando uma imagem produzida por midiativistas, denunciar um senhor aqui, ajudar a prender um policial violento acolá. Pode até escrever e ler em voz alta um belo editorial de mea culpa, lamentando seu apoio à ditadura encerrada. Mas sempre que for preciso, ela vai afiar as ferramentas, espalhar a poeira, tirar a ferrugem e usar todas as armas de que dispuser para, em nome da democracia, legitimar um consenso em torno da coerção necessária. Está no seu DNA.

    ***

    Cátia Guimarães é jornalista

  2. A CONTAGEM REGRESSIVA
    FALTAM APENAS 167 DIAS PARA O FIM DAS MÁS NOTÍCIAS.

  3. SOMOS NÓS

    Vocês dizem que não entendem
    Que barulho é esse que vem das ruas
    Que não sabem que voz é essa
    que caminha com pedras nas mãos
    em busca de justiça, porque não dizer, vingança.

    Dentro do castelo às custas da miséria humana
    Alega não entender a fúria que nasce dos sem causas,
    dos sem comidas e dos sem casas.
    O capitão do mato dispara com seu chicote
    A pólvora indigna dos tiranos
    Que se escondem por trás da cortina do lacrimogêneo,
    O CHICOTE ESTRALA, MAS ESSE POVO NÃO SE CALA..

    Quem grita somos nós,
    Os sem educação, os sem hospitais e sem segurança.
    Somos nós, órfãos de pátria
    Os filhos bastardos da nação.

    Somos nós, os pretos, os pobres,
    Os brancos indignados e os índios
    Cansados do cachimbo da paz.
    Essa voz que brada que atordoa seu sono
    Vem dos calos da mãos, que vão cerrando os punhos
    Até que a noite venha
    E as canções de ninar vão se tornando hinos
    Na boca suja dos revoltados.

    Tenham medo sim,
    Somos nós, os famintos,
    Os que dormem na calçadas frias,
    Os escravos dos ônibus negreiros,
    Os assalariados esmagados no trem,
    Os que na tua opinião,
    Não deviam ter nascido.

    Teu medo faz sentido,
    Em tua direção
    Vai as mães dos filhos mortos
    O pai dos filhos tortos
    Te devolverem todos os crimes
    Causados pelo descaso da sua consciência.

    Quem marcha em tua direção?

    Somos nós,
    os brasileiros
    Que nunca dormiram
    E os que estão acordando agora.

    Antes tarde do que nunca.

    E para aqueles que acharam que era nunca,
    agora é tarde.

    Sérgio Vaz

  4. Lá se vão 50 anos de textos.
    Perdeu a literatura, perdeu-se idéias, perdeu-se EM imaginação e criatividade.
    Perdeu-se a crítica inteligente ao Brasil, mas sem o complexo de vira latas.
    VIVA O POVO BRASILEIRO!

  5. Crônica
    Filé à Cubana.

    Como a roupa, o automóvel e os móveis, a comida também costuma sair de moda
    por Alberto Villas

    Pratos somem da mesa, desaparecem do mapa com o andar da carruagem. Há três décadas não como um arroz de forno, daqueles tradicionais, com um franguinho desfiado por cima e cheio de petit pois. Na era do arroz de forno, chamávamos ervilha de petit pois.

    Não sei quanto tempo faz que não como um olho de sogra numa festinha infantil. Lembra daquele docinho de coco amarelo com uma ameixa preta? Ele sumiu da mesa onde ainda resistem firmemente os brigadeiros.

    Quem não se lembra daquele pavê feito com camadas de biscoito champagne? Quem não se lembra do manjar de coco com ameixas por cima. E do lombo de porco rodeado de abacaxi e pêssego em calda? Vai me dizer que não se recorda daquela gelatina cheia de cubinhos coloridos?

    Pratos também saem da moda. Já foi moda – e chique – servir melão com presunto num jantar requintado para amigos Vips. Como já foi moda o estrogonofe, o arroz à grega, o coquetel de camarão e o canudinho de doce de leite.

    Alguns pratos ficam na nossa memória, lá da infância. Não sei se vocês se lembram, mas eu me recordo como se fosse hoje de um pudim feito com pão velho, com uva passa e que, na minha casa, era servido com um fio de mel por cima. Naquele tempo não se falava “fio de mel” mas hoje é bacana. Como bacana é uma palavra antiga mas que voltou à moda.

    Mas tem alguns pratos que a gente nem se lembra mais. Semana passada, andando pelo bairro de Pinheiros, aqui em São Paulo, bati os olhos num restaurante desses bem antigões que tinha um aviso na porta: “Hoje: Filé à cubana”. Confesso que a última vez que ouvi falar em filé à cubana, Fidel Castro ainda não tinha feito a sua revolução. É uma lembrança muito remota, de criança mesmo.

    O filé à cubana era um prato muito comum em todos os restaurantes do centro da cidade. Era uma época em que não havia pratos individuais, a não ser o PF, que resistiu também bravamente esse tempo todo.

    A família ia ao restaurante e pedia um prato só e ele dava pra todos e ainda sobrava. Lembro do meu pai perguntando ao garçom se aquele filé à cubana dava para os sete da família e o garçom, sempre com um bloquinho e uma toalhinha branca nas mãos, respondia.

    – Sim, esse prato serve bem sete pessoas.

    Claro que cheguei em casa e fui direto ao Google para saber o que é mesmo esse tal de filé à cubana. E encontrei várias receitas. Quando cliquei em imagens, lembrei imediatamente do tal prato. O filé à cubana que nunca mais tinha passado pela minha cabeça é aquele prato que vai um bife à milanesa, arroz, banana também à milanesa, batata palha, uma rodela de abacaxi e umas folhas de alface pra enfeitar.

    Lembrei direitinho do prato que comíamos no centro de Belo Horizonte, geralmente aos domingos. Mas confesso a vocês que já fui a Cuba duas vezes, comi camarões deliciosos nos Paladares, tomei até Coca-Cola mexicana, mas não vi em restaurante nenhum uma placa escrito: “Hoy: Filé à cubana”. Acho que a moda passou.

    NOSSO MEDO,
    a crônica recebeu os seguintes comentários em CartaCapital.

    Stannys •
    Cuba é uma vergonha para a humanidade, o fato deste país estar ganhando aliados internacionais mostra como a humanidade pode regredir, um país construído em cima de centenas de mortos amordaçados fuzilados sem direito de defesa, onde o estado controla a vida das pessoas em todos os
    sentidos, não existe liberdade democrática, a população é condenada a uma
    miséria ideológica e material, não existe entretenimento, é literalmente uma prisão
    continua. Eu prefiro a comida Alemã, Canadense, Australiana, Japonesa se é que
    me entendem. Para a esquerda certos genocídios são justificados? Eu me pergunto
    como que a população permite esse tipo de gente no poder, sinceramente
    talvez o autoritarismo e a cegueira do fanatismo é algo genético, e viva a
    ditadura “boa”.

    caminho certo e comprovado
    Na verdade, em cuba mesmo eh proibido para os moradores comerem carne de boi. Eh exclusivo para turistas e governantes.

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *