Más notícias do país de Dilma (130)

Nos últimos sete dias, os jornais noticiaram que a balança comercial brasileira registrou, em janeiro, déficit de US$ 4,057 bilhões, o pior saldo mensal já contabilizado desde o início da série histórica, em 1994.

Que, mesmo com os incentivos do governo, indústria teve o pior resultado em cinco anos: a produção caiu 3,5%.

Que a produção da Petrobrás caiu pelo segundo ano consecutivo e voltou ao nível de cinco anos atrás; em 60 anos, houve apenas 4 quedas na produção – 2 sob a presidência de Dilma Roussef.

Ainda sobre a Petrobrás, os jornais também noticiaram que as ações da estatal chegaram ao menor valor desde 2008.

Também se soube que o superávit primário (a economia feita pelo governo para pagar os juros de sua dívida) foi a menor em 12 anos.

Como se isso aí já não fosse suficiente, houve também, nos últimos sete dias, o 10º grande apagão de energia elétrica do governo Dilma. Em onze Estados, afetando a vida de mais de dez milhões de pessoas.

O governo reagiu – como Carlos Alberto Sardenberg escreveu, com fina ironia, em O Globo – dando a entender que os apagões no governo petista são muito melhores que os apagões do governo tucano. Aqueles apagões do tempo de Fernando Henrique Cardoso, sim, é que eram apagões ruins.

É bom lembrar, como fez o Estadão, em editorial, que Dilma Rousseff foi ministra de Energia no primeiro governo Lula. O próprio ex-presidente a vendeu para o país como a grande gerente do programa do PT para o setor de energia.

Aí é que está: após 11 anos com Dilma Rousseff como grande gerente do programa do PT para o setor de energia, temos um apagão, o décimo.

Ah, bom, mas os apagões tucanos foram piores, eles dizem.

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Na semana do 10º apagão do governo Dilma Rousseff, houve um gesto de apagão moral que, infelizmente, ficará para a História: o vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR), ofendeu o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa em cerimônia pública.

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É como diz o Estadão, em editorial: “O que se pode esperar de um partido político cujas principais lideranças e, em consequência, sua militância são incapazes de distinguir o público do privado? Os petistas têm extrapolado todos os limites do comportamento democrático e republicano nas manifestações de repúdio à condenação dos mensaleiros pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O desacato ostensivamente praticado pelo petista André Vargas, vice-presidente da Câmara dos Deputados, ao presidente da Suprema Corte, Joaquim Barbosa, sentado a seu lado durante a solenidade de abertura do ano legislativo, mostra mais uma vez que o lulo-petismo se considera acima das instituições da República: Joaquim Barbosa representava naquele ato o Poder Judiciário. Não podia ser tratado como um ‘inimigo’ do PT e provocado pelo parlamentar paranaense com a reiterada exibição de um gesto, o punho cerrado, que se tornou o debochado símbolo de protesto dos mensaleiros encarcerados.” (A foto é de  Laycer Tomaz / Câmara dos Deputados.)

Aí vai a 130ª compilação de notícias e análises que comprovam os malefícios e a incompetência do lulo-petismo como um todo e do governo Dilma Rousseff em especial. Foram publicadas entre os dias 31 de janeiro e 6 de fevereiro de 2014.

O 10º apagão do governo Dilma

* Apagão atinge 11 Estados e analistas alertam para fragilidade do sistema

“Pelo menos 11 Estados nas Regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Norte ficaram sem energia elétrica na tarde de ontem (4/2) por causa de falhas na linha de transmissão entre Colinas (TO) e Serra da Mesa (GO). Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o restabelecimento da interligação entre o Norte e o Sudeste ocorreu 38 minutos após a queda da energia. Mas algumas localidades chegaram a ficar quase duas horas sem luz. O apagão afetou cerca de 6 milhões de pessoas, segundo o ONS.

“O operador explicou que, para evitar que o apagão atingisse uma fatia maior da população, as distribuidoras tiveram de fazer cortes selecionados, de cargas menos essenciais. Mesmo assim, a queda interrompeu o fluxo de 5 mil megawatts (MW) de energia vinda da Hidrelétrica de Tucuruí, o que representa cerca de 8% da carga do País. Até o início da noite de ontem, o presidente do ONS, Hermes Chipp, ainda não sabia informar os motivos do apagão.

“Chipp, que vai se reunir amanhã com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e Ministério de Minas e Energia, descartou a possibilidade de o desligamento ter sido provocado por sobrecarga na transmissão. Segundo ele, a linha transportava 4,8 mil MW enquanto o limite era de 5,1 mil MW. Mas a explicação não convenceu especialistas e executivos do setor, que viram o apagão como sinal de alerta no sistema. Não bastasse o baixo nível dos reservatórios, provocado pelo pior janeiro dos últimos 60 anos, a demanda de energia, especialmente no Sudeste, tem batido recordes consecutivos desde o mês passado.

“Nos últimos dias, coincidentemente, os horários de maior demanda ocorreram entre 14h30 e 15h30. Antes o pico de consumo ocorria por volta de 18 horas. Mas, com as altas temperaturas, o horário foi deslocado para o início da tarde. Ontem, a temperatura no Rio de Janeiro, por exemplo, alcançou 40,8 ºC. Junta-se a isso o aquecimento das linhas de transmissão – algumas antigas e frágeis – com o calor excessivo. Tudo isso ajudaria a derrubar o sistema numa interligação grande como a Colinas -Serra da Mesa, afirma um executivo.

“Outra possibilidade levantada por especialistas é que, com os reservatórios em baixa, o ONS passa a otimizar mais a operação do sistema e eleva o volume de intercâmbio entre regiões. A operação pode sobrecarregar a subestação.

“Para o diretor da Thymos Energia, Ricardo Savoya, a situação do sistema é delicada – o sistema Sudeste-Centro-Oeste está com 39,58% da capacidade de armazenamento. Além do problema pontual de calor acima da média, o consumo de energia vem crescendo consistentemente por causa do aumento da renda e do crédito. Ao mesmo tempo, usinas e linhas de transmissão que deveriam entrar em operação estão atrasadas. ‘Se alguma obra prevista para este ano não entrar em operação, a situação pode piorar.’” (Renée Pereira e Wellington Balmermann, Estadão, 5/2/2014.)

* Contribuiu para a essa situação a intervenção autoritária do governo Dilma a fim de forçar o corte de 20% nas tarifas

“O Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas; considerando-se apenas o setor elétrico, a participação de fontes renováveis ultrapassa o patamar de 80%. A geração de eletricidade no país provem basicamente de usinas hidráulicas. Como o Brasil tem extenso território, que vai da zona equatorial no Hemisfério Norte até regiões temperadas no Sul, o regime de chuvas é muito variado durante o ano. Em determinados meses, uma região ‘exporta’ energia para outra, por meio de longas linhas de transmissão. Com exceção de Boa Vista, em Roraima, todas as demais capitais brasileiras fazem parte de um sistema interligado (Macapá, no Amapá, recentemente foi conectada e, em breve, também poderá ‘importar’ eletricidade por essas linhas de transmissão).

“Quando o regime de chuvas é favorável, despacha-se a energia mais barata, de hidrelétricas próximas aos centros de consumo, e poupa-se na operação as usinas térmicas, mais caras.

“No entanto, para a própria segurança e qualidade da energia oferecida, algum percentual de energia térmica é necessário para que a geração fica próxima dos principais locais de consumo, e esse é o caso das centrais nucleares de Angra dos Reis e das usinas a gás natural do Estado do Rio de Janeiro.

“O sistema opera sem ‘gorduras’ em momentos como o que as regiões, Sul e Sudeste passam: poucas chuvas e calor sufocante. Qualquer falha ou defeito em um equipamento importante, seja na geração, transmissão ou distribuição da eletricidade, pode causar um grande ou um mini apagão. O de anteontem atingiu 11 estados e o Distrito Federal. E não é o primeiro, como se sabe.

“Investimentos teriam de ser feitos para reduzir esse risco, mas isso inicialmente poderia encarecer as tarifas de eletricidade (e o governo tem usado a chamada ‘modicidade tarifária’ como peça de propaganda política). Então o sistema tende a operar sempre sobre o fio da navalha, não restando aos brasileiros outra opção a não ser torcer para o calor diminuir e ser regularizado o regime de chuvas, de modo que possam elevar o nível dos reservatórios. O país está mesmo muito vulnerável a apagões de energia, por mais que as autoridades do setor se esforcem para provar o contrário. Não é possível contestar a realidade.

“Contribuiu para a trapalhada a intervenção autoritária do governo Dilma a fim de forçar o corte de 20% nas tarifas, enquanto eram renovadas concessões. Estatais federais foram obrigadas a se enquadrar. Mas como as contas não fecham, até porque as chuvas fracas obrigam a que termelétricas, de custo mais elevado, continuem a operar, o Tesouro tem subsidiado o setor. No ano passado, foram R$ 10 bilhões. Neste, no mínimo outros tantos. Além isso, a capacidade de investir de empresas foi afetado.

“Como nada deverá ser consertado em ano eleitoral, pois a presidente candidata à reeleição tem longa ligação com o setor e se comprometeu com tarifas baixas, resta mesmo torcer.” (Editorial, O Globo, 6/2/2014.)

* O governo se comporta de forma irresponsável por razões eleitoreiras. É preciso descer do palanque e evitar que a crise se agrave

“Ventos de 1.200 megawatts de energia são desperdiçados desde o ano passado porque ainda não foram construídas as linhas de transmissão; meia Itaipu é jogada fora por falta de um programa de poupança de energia; o consumo foi incentivado em época de reservatórios cada vez mais magros. O governo comete erros porque misturou eleição com política energética.

“O erro original é a mistura de interesses eleitorais de curto prazo com a necessidade de uma política racional na área energética. Por ter misturado, o governo não admite falhas, nem faz campanha de racionalização do uso de um bem cada vez mais escasso e cada vez mais caro no país. Também por interesse unicamente eleitoreiro, a presidente Dilma, com seu marqueteiro a tiracolo, convocou rede nacional, no ano passado, para anunciar a queda do preço da energia, exatamente quando o custo estava subindo.

“Um bom programa de aumento da eficiência energética, de combate aos desperdícios do sistema, de convocação para o uso racional na energia, teria efeitos positivos. Além disso, seria preciso investir na recuperação dos reservatórios. A dimensão das perdas é enorme. A população brasileira já provou que consegue, famílias e firmas, reduzir o consumo em época de crise.

“Em fevereiro, a chuva estimada é de 55% da média histórica de 88 anos. Ou seja, não haverá água suficiente para elevar o nível dos reservatórios que, hoje, estão no Sudeste e no Nordeste em torno de 40%. Em março, a previsão é que chegará à média histórica, mas já será o fim da estação de chuvas. Isso fará com que as térmicas sejam usadas por mais tempo, o que elevará o custo para o Tesouro de manter a fantasia da energia barata. No mercado livre, o preço está no máximo, R$ 822 o MWh, quando a média do ano passado ficou em R$ 263.

“A crise atual não é do tamanho da que ocorreu no governo Fernando Henrique. Naquela época, a falta de planejamento fez com que, após um ano de crescimento forte em 2000, e a queda forte do nível de chuvas em 2001, fosse necessário o racionamento de energia.

“Com o então ministro Pedro Parente na gerência da crise, o governo admitiu o erro e criou a fórmula de usar as termelétricas a combustível fóssil para socorrer o sistema em época de falta de água nos reservatórios. Mas era uma emergência. Daí para diante houve tempo e chuva em abundância por anos a fio para que o governo pudesse construir uma solução mais duradoura.

“Quando Dilma Rousseff assumiu o Ministério das Minas e Energia, ela não demonstrava ter interesse nas novas renováveis — fontes como eólica e solar. E até hoje é assim. As eólicas cresceram porque lutaram para entrar nos leilões competindo com energia hidrelétrica com alto subsídio. Aumentou-se a capacidade nessa fonte — e o governo se jacta disso. Mas o desmazelo é tamanho que parques eólicos equivalentes a uma hidrelétrica de Serra da Mesa, ou três Três Marias, produzem em vão. A Chesf, que ganhou o leilão para construir a linha, não a construiu. Essa energia poderia reduzir a necessidade de térmicas sujas e caras. A energia solar que merecia ser subsidiada nesse início — pela sua qualidade em termos de emissão e sua abundância neste país ensolarado — não recebe qualquer atenção.

“O governo se comporta de forma irresponsável por razões eleitoreiras. Tem medo de admitir qualquer falha ou fazer campanha de racionalização de uso porque teme reduzir a força do discurso de que a gestão Fernando Henrique errou. Ora, o governo FH errou na energia. Alguém duvida? O problema são os erros de agora que se acumulam, fazendo o sistema operar no limite. É preciso descer do palanque nessa questão e evitar que a crise se agrave.” (Míriam Leitão, O Globo, 6/2/2014.)

* É bom lembrar que Dilma é, segundo Lula, a grande gerente do programa do PT para o setor de energia. E que o PT está no governo há 11 anos

“O apagão de terça-feira (4/2), que afetou a vida de mais de 10 milhões de pessoas em 13 Estados de quase todas as regiões (a exceção foi a Nordeste), surpreendeu o governo Dilma exatamente no momento em que iniciava a preparação de nova ofensiva publicitária para mostrar à opinião pública que não há nem haverá problemas de abastecimento de energia elétrica. Tendo alcançado grande êxito eleitoral em sua estratégia de politizar a questão energética, atribuindo as falhas do sistema à gestão tucana, o governo do PT pretendia agir preventivamente, para, apesar de todas as indicações em contrário, tentar mostrar que não há risco de racionamento ou corte de eletricidade nem haverá nos próximos meses, sobretudo durante a Copa do Mundo. Quaisquer que sejam suas causas técnicas – que ainda estão sendo investigadas -, porém, o mais recente apagão, o décimo de grande extensão no governo Dilma, ao mostrar mais uma vez a fragilidade do sistema, reduz a margem para a exploração político-eleitoral do problema.

“Todos os funcionários do governo tentaram minimizar o impacto e a extensão do apagão de terça-feira, referindo-se, por exemplo, ao fato de que esquemas emergenciais foram imediatamente acionados para cortar o fornecimento para regiões pré-selecionadas e, assim, evitar que todo o sistema interligado fosse afetado. Também lembraram que o fornecimento começou a ser restabelecido apenas 37 minutos depois de ter sido interrompido. A interrupção deveu-se à ocorrência de problemas nas linhas de transmissão entre as estações de Serra da Mesa (GO) e Colinas (TO), na interligação dos sistemas Sudeste e Norte.

“O governo não admite que haja problemas no sistema nem que o aumento da demanda nas últimas semanas, provocado pelo excesso de calor, possa ter causado sobrecarga. O máximo que o governo admite é o que o secretário-geral do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, chamou de ‘estresse hídrico’. Não é um estresse desprezível. Além do calor, que bate recordes históricos, a chuva tem sido escassa no Sudeste e no Centro-Oeste, onde estão algumas das principais usinas hidrelétricas do País. O nível dos reservatórios dessas regiões alcança apenas 41,5% de sua capacidade, menos do que os 45,5% registrados em fevereiro do ano passado, também de muito pouca chuva.

“Quanto ao consumo, pode ter sido mais do que mera coincidência o fato – reconhecido no boletim diário divulgado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) – de a falha no sistema de transmissão registrada na terça-feira ter ocorrido às 14h03, um minuto depois de o Sistema Interligado Nacional (SIN) ter registrado o pico de consumo de energia, de 83,828 MW médios.

“Mas o que o governo chama de ‘estresse hídrico’ é apenas um elemento a mais – fora do controle das autoridades, reconheça-se – que se soma a uma cadeia de ações que não deixaram o sistema elétrico brasileiro mais eficaz, mas o tornaram bem mais caro para o Tesouro.

“Obras mal planejadas, demora no licenciamento ambiental, problemas fundiários, entre outros obstáculos, atrasaram a construção de usinas hidrelétricas. Erros de planejamento impediram que usinas geradoras concluídas a tempo pudessem operar porque não havia linhas de transmissão de energia.

“Eleita em 2010 por ter sido – como a descreveu seu antecessor e padrinho político Lula – a grande gerente do programa do PT para o setor de energia, a presidente Dilma tentou mostrar na prática que merecia o título. Impôs a todas as empresas do setor um modelo que, a título de reduzir as tarifas de energia elétrica para o consumidor final, causou perdas e desestimulou investimentos. Esse modelo resultou também em gastos adicionais para o Tesouro, de R$ 9 bilhões em 2013, a título de compensação para as empresas distribuidoras pelas perdas em que incorreram com a redução compulsória das tarifas.

“O uso das usinas termoelétricas para compensar a redução da produção das hidrelétricas igualmente imporá custos adicionais que, em ano eleitoral, o governo evitará repassar para os consumidores. Será nova conta para o Tesouro.” (Editorial, Estadão, 6/2/2014.)

* É como se o governo dissesse: tem apagão, sim, mas o nosso apagão é melhor que os dos tucanos

“A gente tem que admitir: dadas as circunstâncias, o pessoal da presidente Dilma saiu-se muito bem no dia do apagão. Não estava nada fácil garantir a segurança do sistema elétrico no momento mesmo em que faltava luz para seis milhões de pessoas, em 13 estados e mais o Distrito Federal. E isso no improviso: a coletiva de terça fora chamada para garantir que não haveria apagões; a energia pifou mal as autoridades começavam a explicar. Tudo considerado, a resposta foi, em interpretação livre, a seguinte: o nosso apagão é muito melhor.

“Ainda completaram: melhor que os apagões do governo FH, melhor do que os ocorridos em outros países e melhor mesmo que aqueles verificados no próprio governo Dilma. Como? A rapidez com que se detectou o duplo curto-circuito e, mais importante, a rapidez com que se restabeleceu o sistema — isso é Primeiro Mundo, pessoal.

“Primeiro Mundo, não. Foi mal. A presidente Dilma acha que eles, do mundo desenvolvido, têm feito praticamente só coisas erradas. Na linguagem do governo, portanto, o apagão de terça é Brasil, assim como a nossa Copa será a Copa das Copas.

“Assim como a política econômica brasileira, com tudo — inflação, superávit primário e contas externas — na meta. Vá lá, alvo ampliado, mas e daí?

“O problema é que os chamados agentes econômicos — as pessoas que compram, vendem, produzem, consomem, poupam e gastam — não estão acreditando que a nossa energia, quer dizer, nossa economia está brilhando.

“Perguntas e dúvidas embaraçam, aqui e ali. No apagão, não se sabe bem se a culpa de tudo foi mesmo o duplo curto-circuito. E mais, por que teria ocorrido o curto? E por que um ‘curtinho’ termina num apagão?

“Uma investigação, digamos, normal talvez procurasse alguma ligação entre a falha e circunstâncias como: sobrecarga do sistema, uso seguido no pico, já que houve um recorde de carga três minutos antes de a luz pifar.

“Negativo, assegura a equipe elétrica de Dilma, tão firme quanto a equipe econômica. O pessoal pode não saber ainda a causa — tem uma reunião hoje para discutir isso —, mas garante que não há sobrecargas, nem ‘estresse estrutural’.

“Em resumo, até aqui, a resposta é essa mesma: apagão é apagão, acontece. O que queriam, que não ocorresse nenhum problema num sistema tão grande? A convicção das autoridades do setor elétrico é muito mais firme que o próprio sistema, disso não há dúvida.

“Só não é mais firme que a convicção da presidente Dilma e do ministro Mantega quando falam de economia.

“E, entretanto, parece que, na política econômica, o governo vai tentar dar uma satisfação ao distinto público. Ou seja, fazer algumas mudanças sem admitir que se está mudando. Ou anunciar mudanças sem mudar nada — dizem os céticos.

“O problema é que há problemas reais. No setor elétrico, por exemplo, há um erro de fundo: o preço. A tarifa cobrada dos consumidores, residenciais e industriais, reduzida à força no ano passado, resulta mais barata que o custo de produção. Isso cria um incentivo às avessas: estimula o uso de um serviço caro e que não está sobrando. E não estimula o investimento para aumentar a oferta, pois as empresas do setor só não quebraram porque o governo federal lhes passou mais de R$ 20 bilhões no ano passado — dinheiro do contribuinte.

“Eis, num detalhe, algo que se passa no modelo Dilma como um todo: muito consumo, pouco investimento.

“Há duas possibilidades de se manejar o desequilíbrio financeiro do setor elétrico: ou aumentar a tarifa ao consumidor ou o Tesouro usar dinheiro dos impostos para cobrir os buracos.

“Alta da tarifa bate na inflação. Não haveria problema se fosse verdade que a inflação está controlada, não é mesmo?

“O Tesouro pagar a diferença — isso reduz o superávit primário, piora o estado das contas públicas, sob desconfiança das agências de classificação de risco. Também não seria problema se as contas públicas estivesses equilibradas…

“E tem a política: a redução da conta de luz é ponto de campanha. Subi-la agora, justo no ano eleitoral e no momento em que a outra promessa de redução, a dos juros, já foi descumprida? Sim, descumprida: o Banco Central está elevando a taxa básica. Por que faria isso se dólar e preços estivessem controlados?

“Em resumo: apagão acontece — esses curtos… —, mas o sistema é uma fortaleza. Preços sobem — esse mercado internacional…. —, mas não tem inflação. O superávit está caindo, mas a culpa é dos governadores e prefeitos, pois no federal vai tudo bem.

“Os outros é que não entendem nada.” (Carlos Alberto Sardenberg, O Globo, 6/2/2014.)

Os erros na área da energia

(Notícias e análises feitas anteriores ao 10º apagão do governo Dilma)

* O mundo se preocupa em poupar energia; no Brasil, o governo incentiva o consumo reduzindo artificialmente as tarifas

“O ano na energia começou com um perigo a mais. Fontes dizem que o preço do mercado livre disparou dos atuais R$ 484 para R$ 820 o megawatt/hora. Esse é o problema conjuntural. O estrutural é a ausência de programas de consumo eficiente. Estados Unidos e China têm programas agressivos de economia de energia e de redução do consumo. O governo Dilma diminuiu as tarifas e incentivou o consumo, mas os programas de economia de energia patinam.

“A reportagem de domingo (26/1) no Globo, escrita pela jornalista Ramona Ordoñez, mostrou dois defeitos do setor no Brasil: a matriz está se tornando mais suja e o desperdício chega a meia Itaipu.

“O fato de que o país demandará muita energia no futuro é usado para justificar projetos caros, com subsídios embutidos e cheios de problemas, como os de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte. Sem falar na forma controvertida como foram licenciados pelo Ibama ou o atraso nas compensações ambientais de Belo Monte. Os especialistas têm mostrado evidências de que, hoje, as hidrelétricas financiadas pelo governo federal e as rodovias são os principais vetores do desmatamento na Amazônia, que subiu em 2013 depois de oito anos de queda.

“Mas os setores ligados às construtoras de barragens, descontentes com a opção pelas usinas a fio d’água, aumentam a pressão para a construção de mais usinas e com grandes reservatórios. Pouco se fala do potencial de redução de mais de 30% com programas efetivos de economia de energia e eliminação dos subsídios à energia convencional, principalmente de fontes fósseis.

“O resultado é que as energias fósseis aumentaram sua participação na matriz elétrica brasileira de 6,8%, em 2009, para 12,7%, em 2012. O uso de fontes não renováveis cresceu 42,6% entre 2003 e 2012. Já a geração de energia renovável aumentou menos: 37%. A geração a carvão, a mais poluente de todas, cresceu 41%.

“Houve movimentos positivos, como o crescimento e a consolidação da energia eólica na matriz elétrica brasileira. A geração eólica cresceu exponencialmente. Aumentou quase dez vezes entre 2003 e 2007. Entre 2007 e 2012, sete vezes. A primeira fase de crescimento é, na verdade, menos significativa, porque ela sai praticamente do zero. Mas na segunda, saltamos de menos de 0,6 GW para 5,0 GW. No ano passado, pela primeira vez, foram habilitados projetos de energia solar nos leilões. Não conseguiram ofertas, porque o preço do kW/h ainda é muito alto. Mas é importante que essa fonte já tenha sido admitida nos leilões, o que estimulará a indústria a tentar chegar a preços mais competitivos. Deveria ter sido muito mais estimulada a energia solar. A participação da energia renovável na produção de energia primária cresceu de 47% em 2003 ao pico de 48,7% em 2007. Infelizmente, a partir de 2008, essa participação começou a cair, chegando a 46% em 2012.

“O aumento da participação de fontes poluentes, como carvão, e o crescimento do consumo subsidiado de diesel e gasolina nos transportes tiveram como resultado imediato um incremento de 30% nas emissões de gases estufa do setor de energia, entre 2006 e 2012. As emissões totais do Brasil caíram 28%, por causa da queda do desmatamento, mostram as estimativas do Observatório do Clima, uma rede independente de entidades de pesquisa. O setor de energia representava 16% das emissões em 2006. Em 2012, passou a responder por 29,4%. Infelizmente, como se sabe, o desmatamento cresceu em 2013.

“Na reunião do Fórum Econômico Mundial, o secretário-geral da OCDE, Ángel Gurría, disse aos empresários, lá reunidos, que o último relatório do IPCC, divulgado parcialmente no ano passado, deixa claro que não estamos fazendo o suficiente para enfrentar o desafio climático. Convocou governos e empresas a buscar a meta de emissão zero na segunda metade do século. ‘Nada menos que uma transformação geral da economia da energia será suficiente’, disse. No Brasil, estamos caminhando na direção contrária. E o país ainda se dá ao luxo de ter eólicas rodando à toa, sem linhas de transmissão, em momento em que falta energia boa, limpa e barata no sistema. Hoje, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica e o Operador Nacional do Sistema Elétrico informarão o preço no mercado livre. As informações são de que ele está disparando.” (Míriam Leitão, O Globo, 31/1/2014.)

* Sem chuvas, preço da energia bate recorde

“O volume de chuva abaixo da média – o terceiro pior em 84 anos – elevou o preço da energia no mercado à vista (PLD) para o valor máximo permitido e piorou a situação das distribuidoras. O preço calculado pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) para o período entre hoje e sexta-feira subiu de R$ 484,43 o megawatt hora (MWh) para R$ 822,83 o MWh, o maior preço já atingido no País.

“Com a revisão, que reflete a queda no nível de água nos reservatórios, praticamente todas as usinas termoelétricas instaladas no País serão ligadas para ajudar no abastecimento. Até agora cerca de 13,13 mil MW de energia térmica estavam em operação. Segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), esse montante vai subir para 15,56 mil MW.

“Se por um lado a geração térmica contribui para poupar água nos reservatórios, por outro vai pressionar ainda mais o caixa das distribuidoras, debilitado por causa da falta de contratos para cobrir todo seu mercado. Hoje elas estão descobertas em 3.500 MW – para atender os clientes elas têm de recorrer ao mercado a vista, cujo preço é de R$ 822,83 o MWh.

“No final do ano passado, com o PLD na casa de R$ 300 o MWh, a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) calculava que o rombo no caixa das empresas poderia chegar a R$ 13 bilhões. Com o aumento do PLD, especialistas acreditam que o montante possa alcançar algo em torno de R$ 15 bilhões.

“A Abradee não quis comentar o assunto, mas nas últimas semanas tem participado de várias reuniões com o governo para tentar encontrar uma saída. A mais provável é repetir a fórmula usada no ano passado, quando as empresas receberam quase R$ 10 bilhões da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), capitalizada pelo Tesouro Nacional. ‘Essa é a melhor opção para zelar pelo equilíbrio das distribuidoras’, afirma o professor da UFRJ, Nivalde Castro. O problema de descontratação surgiu com a renovação das concessões, em 2012, que não teve adesão de todas as geradoras – Cemig, Cesp e Copel não aceitaram as condições impostas pelo governo federal.

“Na avaliação de Castro, o aumento do PLD desta semana, apesar de refletir a situação mais apertada dos reservatórios, não representa riscos de abastecimento. ‘No ano passado, a situação era mais crítica e as térmicas conseguiram suprir.’ Além disso, ele acredita que, com o preço elevado, a indústria – especialmente a eletrointensiva – deve reduzir consumo para ter algum ganho no mercado à vista.

“O presidente da comercializadora de energia Comerc, Cristopher Vlavianos, destaca, no entanto, que o volume de água que chegou nos reservatórios em janeiro do ano passado estava em 81% ante 54% deste ano. Em fevereiro de 2013, foi de 94% e, em março, de 89%. ‘Este ano, embora tenha começado com nível melhor de armazenamento, o período chuvoso tem sido muito ruim. Não acho que terá racionamento, mas não é improvável.’” (Renée Pereira, Estadão, 1º/2/2014.)

* Sobra populismo e faltam planejamento e respeito às regras no setor elétrico

“A falta de chuvas e as altas temperaturas deste verão podem causar, e na realidade já estão causando, grandes transtornos à população brasileira: os apaguinhos de energia elétrica, que poderão se transformar em apagões; a escassez de água nas cidades (a Sabesp anunciou descontos de 30% para quem economizar água); e graves problemas em projetos de irrigação de água pelo Brasil afora.

“É lógico que ninguém pode culpar o governo, e muito menos a presidente, pelo péssimo regime pluviométrico nem tampouco pelo calor acima das médias históricas. A culpa do governo está no fato de não estabelecer um planejamento ou uma política para o setor elétrico em conformidade com a natureza climática do País e por não levar em conta a expansão do consumo de energia elétrica ocorrido com o advento de novos consumidores, que passaram a adquirir bens de consumo como ares-condicionados, por exemplo. Todos sabemos que o País depende muito da água para gerar energia elétrica e que no verão o consumo cresce por causa das altas temperaturas.

“Mas, dada essa realidade climática brasileira, o que o governo promoveu de política energética nos últimos anos? Em setembro de 2012, para agradar ao consumidor e ajudar no controle da inflação, o governo publicou a MP 579, que obrigava as empresas geradoras de energia, bem como as transmissoras, a reduzir as tarifas, caso quisessem renovar suas concessões. Com a redução das tarifas de modo populista, sem nenhuma discussão com as empresas ou com os demais agentes do setor, o governo incentivou o consumo de energia elétrica sem que em nenhum momento tenha proposto um plano de consumo eficiente.

“Da mesma forma que ocorreu com a gasolina, cuja importação aumentou 490% de 2010 a 2013, o consumo de energia cresceu turbinado pelo incentivo de crédito, neste caso para a aquisição de produtos da linha branca, e as usinas térmicas, mais caras que as hidrelétricas, passaram a operar todo o tempo. Mas como conciliar energia mais cara e, ao mesmo tempo, garantir a promessa da presidente de tarifas baratas? Aí entra o dinheiro do Tesouro Nacional, ou melhor, o nosso dinheiro, do contribuinte. Em 2013 o Tesouro colocou algo em trono de R$ 10 bilhões para garantir a promessa da presidente. Ou seja, Dilma Rousseff achou que podia revogar a lei da oferta e demanda no setor elétrico brasileiro.

“Para azar do governo, no final de 2013 e início de 2014 a situação dos reservatórios das hidrelétricas continuou ruim e há uma forte onda de calor que está provocando recordes no consumo de energia elétrica. Sem sinal tarifário e sem um programa de uso eficiente de energia, a situação só piora, expondo a população ao desconforto dos apaguinhos e da escassez de água potável. Também o Tesouro, obrigatoriamente, terá de arcar com mais custos para manter a promessa da presidente até as eleições e evitar a quebradeira das distribuidoras de energia elétrica. Agora, além de arcar com a conta das térmicas, o Tesouro terá de ajudar as distribuidoras a pagar o preço do mercado livre, que atingiu o recorde de mais de R$ 800/MWh. Também por barbeiragem do governo, as distribuidoras estão descontratadas em quase 4 mil MW, já que os geradores não venderam energia nos leilões porque, mais uma vez, o governo fixou preços que trazem embutidas taxas de retorno patrióticas. Mais uma vez o mercado puniu e mandou a conta.

“O governo precisa voltar a planejar, com P maiúsculo, respeitar as regras de mercado e ser menos intervencionista com espírito populista. O Brasil é um país rico em energia, dada a grande diversidade de fontes energéticas. É preciso promover leilões por fontes de energia e regionais, para que possamos absorver melhor a vantagem que a natureza nos deu. Também é urgente criar um grande programa de uso eficiente de energia, como tem sido feito nos últimos anos nos EUA. Não faz sentido, por exemplo, o País continuar fabricando chuveiros elétricos e deixar de fazer cogeração com o gás natural nos grandes centros urbanos.” (Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-estrutura, Estadão, 4/2/2014.)

O Ministério da Reeleição

* Dilma e PT demonstram que não passarão a faixa presidencial sem muita luta. Afinal, há mais de 22 petistas em cargos de confiança

“Em discurso de improviso para prefeitos paraibanos, em março do ano passado, a presidente Dilma confessou que ‘podemos fazer o diabo quando é hora de eleição’, para em seguida ressalvar que, ‘no exercício do mandato, temos de nos respeitar’(…).

“A frase presidencial ganhou o merecido destaque na imprensa, e agora ela volta à lembrança no momento em que Dilma começa a executar a reforma do ministério. O objetivo é adequá-lo às eleições deste ano, um pleito estratégico, quando o PT, depois de completar o recorde de 12 anos no poder por meio do voto direto — Getúlio permaneceu 15 consecutivos, mas com um período ditatorial entre eles —, tenta completar o ciclo de meia geração no Planalto.

“Se a presidente começa ou não a ‘fazer o diabo’, ainda será discutido. Mas ela e o PT demonstram que não passarão a faixa presidencial sem lutar bastante. Afinal, muitos interesses cristalizados nestes três mandatos consecutivos estão em jogo. Apenas em ‘cargos de confiança’ são mais de 22 mil. Há muitos companheiros amparados na máquina pública. Mesmo funcionários concursados.

“O afastamento da ministra Helena Chagas da Secretaria de Comunicação serve de barômetro. Sua substituição pelo porta-voz da Presidência, Thomas Trauman, é interpretada como o atrelamento do canal de comunicação do governo com a sociedade — e respectiva verba de publicidade — à campanha. Subordinar o governo às eleições de outubro é o que se deve mesmo esperar.

“As mudanças começaram pelo núcleo petista da administração, o qual, é claro, se mantém sob controle do partido: Aloizio Mercadante na Casa Civil, com a saída de Gleisi Hoffmann para disputar o governo do Paraná; Arthur Chioro, secretário de Saúde de São Bernardo, no lugar de Alexandre Padilha, escalado por Lula para conquistar enfim a cidadela tucana do Palácio dos Bandeirantes; e José Paim, petista com experiência em tocar o MEC como secretário-geral desde 2006, em substituição a Mercadante.

“A fase da reforma que se inicia agora requer jogo de corpo — não é o forte da presidente —, fígado forte e cérebro ágil. Será a hora de intensas barganhas — no sentido exato da palavra — no balcão de negociações fisiológicas, bastante familiar ao lulo-petismo. As contas feitas e refeitas no Planalto consideram os minutos na propaganda eleitoral dita gratuita que poderão ser somados ou subtraídos em função de adesões ou deserções. E no centro do quebra-cabeças está o PMDB, especialista em ter poder sem mandato presidencial. Com cinco ministérios, o partido quer, no mínimo, preservar o espaço. Mas Dilma precisa retribuir a neoaliados, como PROS e PSD. Pelo jeito, haverá choro e ranger de dentes.

“PT e presidente não podem cometer erros graves. Pois a conjuntura econômica não é favorável e pela primeira vez, nestes 12 anos, uma dissidência do seu campo político vai às ruas disputar votos. Tensões à frente.” (Editorial, O Globo, 1º/2/2014.)

* “Ostensiva transformação do governo em comitê de apoio ao comitê eleitoral da presidente”

“Assim como não há chuva que não molhe, não há candidato que não tenha o seu comitê eleitoral – desde a meia dúzia de gatos-pingados, ajudando o amigo de olho numa cadeira de vereador em Cabrobó dos Anzóis, às formidáveis estruturas das campanhas presidenciais, com os melhores quadros que as afinidades ou o dinheiro podem comprar. Nem o mais conhecido dos políticos nem a mais popular das chamadas personalidades da sociedade do entretenimento podem dispensar um aparato que lhes assegure o voto em escala compatível com as suas ambições.

“Nada mais natural, portanto, que a presidente Dilma Rousseff, não obstante os recursos de poder inerentes ao mandato – como o acesso privilegiado à mídia de massa -, dependa, também ela, de uma estrutura que em última análise faça com que se confirme, na hora da verdade, o favoritismo que lhe atribuem as pesquisas de opinião. O que não tem nada de natural e (sim) tudo de indecente, porém, é a ostensiva transformação do governo em comitê de apoio ao comitê eleitoral propriamente dito da presidente. Pior ainda: a sujeição daquele a este, para maximizar, como diria ela, as suas chances de vitória já no primeiro turno.

“O nome oficial dessa apropriação patrimonialista – uma das tantas enormidades que o PT aprendeu com o que há de mais retrógrado na política nacional – é reforma ministerial. Ela decorre de um fato da vida: por força de lei, ministros que pretendam se candidatar a cargos eletivos devem deixar os seus postos a até seis meses da eleição. Seria, em tese, uma oportunidade para a sua chefe substituí-los por nomes capazes, quem sabe, de melhorar o pífio desempenho administrativo do Executivo. Ou, com mais modéstia, promover os servidores de carreira que conhecem a máquina por dentro, apenas para mantê-la rodando.

“Com uma aparente exceção – a ida do secretário executivo da pasta da Educação, José Henrique Paim, para o lugar do ministro Aloizio Mercadante -, não é uma coisa nem outra. A começar do próprio Mercadante, transferido para a Casa Civil, com a saída da ministra Gleisi Hoffmann, que deverá disputar o governo do Paraná, as mudanças obedecem exclusivamente ao projeto reeleitoral de Dilma. Na Casa Civil, o ex-senador, muito além de coordenar as ações administrativas do Planalto, terá a incumbência de manter as recalcitrantes lideranças dos partidos governistas na coligação eleitoral. Missão talvez grande demais para a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, incumbida do meio-campo com a base aliada.

“Assim, com o salário e as mordomias pagas pelo contribuinte, ele integrará – ao lado de Lula; do presidente do PT, Rui Falcão; do ex-ministro da Comunicação Franklin Martins; e do marqueteiro João Santana – o politburo do comitê Dilma-14. Já o novo ministro da Saúde, ex-secretário do setor em São Bernardo do Campo, Arthur Chioro, foi escolhido para pôr a pasta a serviço não só da presidente, mas, sobretudo, do antecessor Alexandre Padilha, candidato ao governo paulista. Para o PT essa disputa é quase tão crucial quanto a da Presidência. Na campanha, quando Lula não estiver desfilando com a afilhada, estará cabalando votos para o ‘poste’ da atual temporada.

“Das mudanças já anunciadas no Gabinete, nenhuma deixa tão escancarada a decisão de degradá-lo em Ministério da Reeleição como a troca, na Secretaria de Comunicação Social (Secom), da titular Helena Chagas pelo também jornalista Thomas Traumann, porta-voz de Dilma desde 2012 e chefe do chamado ‘gabinete digital’ do Planalto, responsável pelo blog da presidente e suas manifestações no Twitter e Facebook. Ele caiu nas boas graças de Dilma quando acionou as redes sociais para o governo responder às jornadas de junho. À parte seus presumíveis méritos, ele foi escolhido para subordinar a comunicação da Presidência às exigências da campanha.

“Quem o indicou, sintomaticamente, foi o já citado Franklin Martins. Ministro de Estado, Traumann deverá, portanto, abastecer a mídia com as versões mais convenientes para a vitória de Dilma. Sem esquecer de que a Secom administra a publicidade do Executivo e das estatais, ao custo aproximado de R$ 1,9 bilhão.” (Editorial, Estadão, 2/2/2014.)

* Na comunicação do governo, sai o critério técnico, para que haja mais verba para os blogueiros chapa-branca

“A troca de Helena Chagas por Thomas Traumann na Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) foi uma importante vitória da caciquia do PT na luta para ampliar sua influência em uma área do governo considerada estratégica e que, até agora, estava mais ou menos blindada pela presidente Dilma Rousseff. Pode-se esperar que daqui em diante, neste ano eleitoral, a Secom deixe definitivamente de ser um órgão de Estado – cuja função, conforme seus estatutos, é a ‘disseminação de informações de interesse público, como direitos e serviços, e também projetos e políticas de governo’ – e adote um perfil mais agressivo na defesa dos interesses específicos do lulo-petismo.

“A Secom foi um dos poucos órgãos do governo para os quais Dilma, ao assumir a Presidência, pôde nomear ela mesma o titular, contornando as vontades de Lula, seu criador. A escolha recaiu sobre a jornalista Helena Chagas, cujo perfil permitia supor que a Secom seria ‘desideologizada’, isto é, perderia o caráter de aparelho partidário imposto pelo seu antecessor, o jornalista Franklin Martins.

“No cargo, Franklin passou o segundo mandato de Lula fortalecendo o sistema de comunicação do governo e empenhando-se em levar adiante um projeto de regulamentação da mídia que incluísse uma óbvia tentativa de controlar conteúdos jornalísticos. Dilma sempre teve o cuidado de evitar esse assunto e chegou a dizer que ‘o único controle de conteúdo admissível é o controle remoto da TV’.

“Além disso, Franklin promoveu a pulverização de verbas de publicidade do governo – outra atribuição crucial da Secom -, premiando veículos simpáticos ao governo. Com a entrada de Helena Chagas, o critério de investimento publicitário voltou a ser técnico: recebem mais verbas os veículos de maior audiência, pois o objetivo da comunicação oficial é atingir o maior número possível de pessoas.

“Esse comportamento contrariou a militância petista, que construiu uma rede de blogs dedicados a fazer a defesa incondicional do governo e esperava ser muito bem remunerada por esse serviço. As verbas até foram liberadas, mas não no volume exigido pelos militantes, que não compreendem por que o governo prefere anunciar em veículos independentes, que lhe são críticos, e dá menos dinheiro aos que lhe servem como apaixonados advogados.

“A pressão petista contra esse estado de coisas foi violenta. Em recente reunião do partido que tratou do assunto, segundo relato de O Globo, um dos presentes chegou a qualificar a comunicação do governo de ‘porcaria’, criticou o corte de recursos destinados aos blogs governistas e cobrou uma melhor estratégia de comunicação do governo nas redes sociais.

“A queda de Helena Chagas deve ser lida nesse contexto, assim como sua substituição por Thomas Traumann. Ex-porta-voz de Dilma, ele é tido como um profissional mais agressivo que sua antecessora e afinado com Franklin Martins, que deve ser um dos principais chefes da campanha de Dilma. A intenção, portanto, é facilitar a sinergia entre a comunicação do governo, do PT e da campanha da presidente à reeleição, com óbvio prejuízo para a informação institucional – apartidária por definição.

“Um dos campos preferenciais da nova estratégia de comunicação é o das redes sociais, das quais Traumann já cuidava no governo. É nelas que os militantes governistas empreendem sua guerra suja, com a disseminação de informações falsas ou distorcidas para louvar conquistas inexistentes do lulo-petismo e para destruir a reputação de opositores.

“Assim, que não se tome pelo valor de face um vídeo recém-divulgado em que Lula pede que haja comedimento nas redes sociais. O que Lula quer não é reduzir as agressões contra os adversários do PT, pois são justamente elas que mobilizam a militância – como bem sabe o ex-presidente, useiro em proferir diatribes quando está no palanque -, mas sim profissionalizá-las. Ao dizer que a internet precisa ser explorada com parcimônia e respeito, Lula espera, na verdade, que a militância seja menos voluntarista e se atenha a uma estratégia de comunicação muito bem definida, urdida por quem realmente entende do assunto.” (Editorial. Estadão, 3/2/2014.)

Os números ruins da semana

* Despesas do governo cresceram 13,6% em 2013, puxadas por custeio, pessoal e previdência; economia para pagar juros da dívida é a menor desde 2009

“Os gastos públicos da União fecharam 2013 em um patamar recorde de R$ 914 bilhões, 19,02% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país). O crescimento foi de 13,6% em relação a 2012, acima da evolução da receita, que subiu 12,5%. Mesmo com gastos elevados, o governo central conseguiu um superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) de R$ 77,1 bilhões, 1,6% do PIB – o menor valor desde 2009 – graças a receitas extraordinárias, que somaram R$ 43,8 bilhões, considerando os programas de parcelamento de dívidas e as concessões. O esforço fiscal foi maior do que a equipe econômica havia prometido para o ano – R$ 73 bilhões.

“Segundo dados divulgados ontem (30/1) pelo Ministério da Fazenda, os gastos com benefícios previdenciários, por exemplo, somaram R$ 357 bilhões em 2013, o que significou um crescimento de 12,8% em relação a 2012. Já os gastos com pessoal e encargos sociais atingiram R$ 202,7 bilhões, com alta de 8,9%.

“Os desembolsos com custeio chegaram a R$ 188,6 bilhões, subindo 20,2%. Neste cálculo, estão, por exemplo, R$ 7,8 bilhões em despesas do Tesouro com a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que subsidia a desoneração das contas de luz. Já os gastos com investimentos chegaram a R$ 63,2 bilhões e terminaram o ano com um crescimento de apenas 6,4%, bem abaixo da média de gastos do governo.

“O secretário do Tesouro, Arno Augustin, argumentou que o aumento dos gastos em 2013 ocorreu, em parte, em função de despesas extraordinárias. Ele citou como exemplos os repasses que o Tesouro teve que fazer para a Previdência para compensar a desoneração da folha de pagamento das empresas (R$ 9 bilhões) e para a CDE. Além disso, a União teve que transferir R$ 6,3 bilhões a municípios prejudicados por problemas climáticos: ‘O resultado do ano tem que ser ponderado com essa visão’.

“As receitas somaram R$ 991,1 bilhões em 2013, o que representa 20,6% do PIB – segundo melhor resultado da série histórica do Tesouro iniciada em 1997. Os cofres públicos foram turbinados por receitas extraordinárias decorrentes de parcelamentos de dívidas tributárias, como o Refis da Crise, que renderam R$ 21,8 bilhões, e também por receitas de concessões, que atingiram R$ 22 bilhões. Somente o bônus de assinatura pago pelas empresas vencedoras do leilão de Libra, no pré-sal, somou R$ 15 bilhões.

“Na avaliação do economista-chefe Austin Rating, Alex Agostini, o resultado de 2013 mostra ao mercado que o governo está preocupado em tomar medidas para não perder o grau de investimento. No entanto, ele avalia que para demonstrar que há, de fato, solidez fiscal, o governo precisa alcançar seus resultados por meio de receitas recorrentes e ajustes nas despesas. Ele avaliou ainda que, ao ampliar os gastos, o governo contribuiu para pressionar a inflação.

“- Não adianta o Banco Central apertar a torneira de um lado e a Fazenda abrir do outro lado, com desonerações fiscais e aumento do gasto com o custeio – disse o economista.

“Já o secretário Arno Augustin comemorou o resultado de 2013. Segundo ele, o fato de o governo central ter conseguido realizar um superávit primário acima da meta trouxe uma contribuição positiva para o combate à inflação no país.

“- Tenho absoluta convicção de que as políticas fiscal e monetária trabalham de maneira coordenada para ter a menor inflação e o maior crescimento possíveis – disse o secretário.

“Ele antecipou ainda que o esforço fiscal dos meses de novembro e dezembro de 2013 e de janeiro de 2014, somados, mostrarão o maior superávit primário da história para o período.

“- Isso tem um significado econômico importante. É um grupo de meses relevante e significa um esforço em termos de melhoria de indicador fiscal. São recursos que implicam numa ajuda importante no combate forte ao processo inflacionário – disse.

“O número divulgado pela Fazenda ontem é parcial. O resultado do setor público consolidado será conhecido hoje. A meta de superávit primário do setor público em 2013, já considerando abatimentos com investimentos e desonerações, é de R$ 110,9 bilhões, ou 2,3% do PIB. Deste total, o governo central deveria realizar R$ 73 bilhões de economia. O restante deveria vir de estados e municípios, que dificilmente conseguirão poupar os R$ 37,9 bilhões necessários para o fechamento das contas. Até novembro, o esforço fiscal desses entes estava em R$ 20,16 bilhões. Os dados fechados serão anunciados hoje pelo Banco Central (BC). (Martha Beck e Cristiane Bonfanti, O Globo, 31/1/2014.)

* Economia do governo é a menor em 12 anos

“No momento em que o mundo volta os olhos para as fragilidades de economias emergentes, o Brasil dá um sinal de fraqueza no campo em que mais tem sido alvo de críticas: as finanças públicas.

“O superávit primário (economia para o pagamento de juros) do setor público em 2013, divulgado na sexta-feira pelo Banco Central, ficou em R$ 91,3 bilhões, 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB), o pior resultado dos últimos 12 anos, sendo o menor da série histórica.

“O dado reforçou o ceticismo do mercado financeiro em relação à recuperação da credibilidade da equipe econômica no campo fiscal. E fez com que as expectativas dos analistas para 2014 piorassem. Em 2012, houve superávit de R$ 104,951 bilhões (2,39% do PIB).

“A meta para 2013 – já ajustada – era de 2,3% do PIB. No entanto, a equipe econômica já havia admitido que não seria possível chegar a esse resultado.

“O governo federal ainda se comprometeu a fazer um esforço fiscal maior e poupou R$ 75,3 bilhões porque conseguiu vários recursos extras com o programa de refinanciamento de impostos atrasados e com o dinheiro do bônus de exploração do campo petrolífero de Libra.

“No entanto, isso não foi suficiente para se aproximar do alvo. De acordo com os dados do BC, o problema foi que os governos regionais pouparam menos do que era previsto.

“O esforço fiscal de 2013 foi composto por um superávit de R$ 75,291 bilhões do Governo Central (Tesouro, Banco Central e INSS).

“Os governos regionais (Estados e municípios) contribuíram com R$ 16,337 bilhões no ano.

“Enquanto os Estados registraram um superávit de R$ 12,961 bilhões, os municípios tiveram um saldo positivo de R$ 3,376 bilhões.

“Já as empresas estatais registraram déficit primário de R$ 322 milhões.

“Em dezembro de 2013, o setor público consolidado apresentou superávit primário de R$ 10,407 bilhões.

“Em novembro, o resultado ficou positivo em R$ 29,745 bilhões. Em dezembro de 2012, houve superávit de R$ 22,252 bilhões.

“O esforço fiscal de dezembro foi composto por um superávit de R$ 14,744 bilhões do Governo Central (Tesouro, Banco Central e INSS).

“Os governos regionais (Estados e municípios) tiveram déficit de R$ 3,831 bilhões no mês.

“Enquanto os Estados registraram um déficit de R$ 3,959 bilhões, os municípios tiveram superávit de R$ 129 milhões.

“Já as empresas estatais registraram déficit primário de R$ 506 milhões.

“O chefe do Departamento Econômico do BC, Tulio Maciel frisou que os resultados das constas públicas são considerados quando o BC toma as suas decisões, mas são variáveis ‘exógenas’. ‘O Banco Central não tem participação direta, recebe isso e toma as suas ações’, disse. Ele reforçou o discurso da diretoria do BC de quanto maior a economia de gastos do governo, melhor para o trabalho do BC no combate à inflação. ‘Quanto maior o superávit, melhor’, disse

“No entanto, Maciel, reconheceu que a política fiscal continuou expansionista em 2013, ou seja, os gastos do governo foram combustível para a inflação.

“Mas ele assegurou que essa política caminha para a neutralidade em dois anos. E defendeu um aperto fiscal maior.

“Maciel minimizou, entretanto, o fato de o Brasil ter feito o pior superávit dos últimos 12 anos. Disse que isso foi resultado de uma política econômica para estimular a economia e que as agências internacionais não olharão apenas para esse dado quando forem reclassificar o Brasil.

“O técnico também não quis traçar um quadro para a evolução do superávit primário em 2014, já que o governo está prestes a anunciar um corte no Orçamento para frear os gastos.” (Gabriela Valente, O Globo, 1º/2/2014.)

* Balança comercial tem pior resultado mensal da história em janeiro

“Com exportações de US$ 16,027 bilhões e importações de US$ 20,084 bilhões, a balança comercial brasileira registrou, em janeiro, déficit de US$ 4,057 bilhões, o pior saldo mensal já contabilizado desde o início da série histórica, em 1994. A média diária importada foi recorde, atingindo US$ 912,9 milhões. O Brasil importou mais bens de consumo, como eletrodomésticos, móveis, roupas, alimentos, automóveis e bebidas. Já a média diária exportada foi de US$ 728,5 milhões. Houve decréscimo acentuado nas vendas de açúcar refinado (48,7%), etanol (42,6%), automóveis (27,4%) e autopeças (27%), entre outros.

“O secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Daniel Godinho, disse que o déficit de janeiro se deve a fatores sazonais, como a reposição de estoques na indústria, no caso das importações. Lembrou que o país colherá uma supersafra de grãos este ano e que isso vai contribuir para o aumento das vendas externas. Ele admitiu, no entanto, que existe tendência de queda nos preços de commodities importantes para a pauta brasileira de exportações, como minério de ferro.

“- Tradicionalmente, há déficit nos meses de janeiro – comentou o secretário.

“Um dado que chamou atenção do governo foi a queda de 88% das vendas de automóveis para o México, país com o qual Brasil mantém regime automotivo. As exportações de veículos para a Argentina caíram 15%, mas Godinho disse que ainda é cedo para interpretações. Já as compras de petróleo e derivados, os vilões da balança comercial em 2013, caíram 19,1% em janeiro deste ano.

“- Ainda estamos analisando o que aconteceu.

“No caso da Argentina (onde houve forte desvalorização do peso ante o dólar), ainda é cedo para sabermos se existe algum impacto direto na balança bilateral – explicou.

“Para o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, o déficit de janeiro surpreendeu. Ele esperava um resultado em torno de US$ 2 bilhões negativos.

“- A queda das vendas de automóveis para a Argentina já era previsível, desde que o governo daquele país anunciou que iria reduzir as importações, e realmente há tendência de queda nos preços das commodities. Mas é preocupante o fato de produtos como móveis e vestuário, que costumam ser adquiridos com maior intensidade no fim do ano, apresentarem esse aumento – avaliou Castro.

“Em janeiro do ano passado, a balança havia registrado déficit de US$ 4,036 bilhões, então o maior da História. O resultado, porém, não refletia o que de fato aconteceu naquele mês. Parte do saldo negativo, cerca de US$ 1,6 bilhão, teve como origem importações feitas pela Petrobrás em 2012, que acabaram entrando tardiamente na estatística oficial. Ou seja, o déficit estava inflado.

“Para Gabriela Fernandes, economista do Itaú Unibanco, o setor de combustíveis terá desempenho positivo este ano.

“- As importações de petróleo não devem crescer tanto e a produção interna tende a aumentar, o que contribui para um resultado melhor este ano. A Argentina é nosso principal importador de manufaturas, respondeu por 91% do que exportamos o ano passado e desses, 50% foram automóveis e veículos de carga, e esse setor deve puxar o saldo para baixo este ano. As commodities, em termos de preços, devem continuar negativas – diz a economista, que espera superávit comercial de US$ 7 bilhões em 2014.

“Rafael Bistafa, da Rosenberg Consultores, disse que esperava um déficit ainda maior na balança comercial em janeiro, da ordem de US$ 4,4 bilhões. Para ele, houve aumento generalizado das importações e forte piora das exportações, principalmente de produtos industrializados.

“- E isso com o câmbio favorecendo mais o Brasil – afirmou, referindo-se ao fato de o real estar desvalorizado ante o dólar.” (Eliane Oliveira, O Globo, 4/2/2014.)

* Mesmo com os incentivos do governo, indústria tem o pior resultado em cinco anos: produção caiu 3,5%

“Nem os incentivos do governo nem o dólar mais forte foram capazes de salvar a indústria brasileira de um resultado mediano em 2013. A produção decepcionou em dezembro, com tombo de 3,5% ante novembro, fazendo a indústria fechar o ano com crescimento de apenas 1,2%, informou ontem o IBGE. O resultado ficou longe de recuperar a perda de 2,5% acumulada em 2012.

“Na passagem de novembro para dezembro, a indústria registrou o pior resultado em cinco anos. Houve queda generalizada, com taxas negativas em 22 dos 27 ramos investigados. O mau desempenho indica que a produção pode enfrentar mais um ano de crescimento moderado, previu Thaís Zara, economista-chefe da Rosenberg & Associados. A consultoria reduziu a sua expectativa de expansão para 2014, de 2,2% para 1,8%.

‘Em 2013, houve recuperação na produção de caminhões, e o resto ficou elas por elas. A gente vai ter mais um ano de crescimento mediano. Esperamos algum alento por conta do câmbio mais favorável’, afirmou Thaís.

“O professor Antônio Corrêa de Lacerda, do Departamento de Economia da PUC-SP, também espera um alento por causa do câmbio, permitindo um avanço de 2% a 2,5% na produção neste ano. ‘A competitividade ainda é ruim e, relativamente aos nossos competidores, o câmbio não mudou tanto. Mas, de qualquer forma, há uma melhora’, afirmou.

“No entanto, as turbulências na Argentina, principal destino dos manufaturados brasileiros, podem levar a nova redução na estimativa de crescimento. ‘É possível que a gente tenha alguma surpresa em 2014 sim’, disse Thaís, da Rosenberg.

“Em dezembro, as paralisações de linhas de produção para férias coletivas puxaram o resultado negativo. Segundo o IBGE, 1,3 mil empresas participantes da pesquisa usaram como justificativas as férias coletivas para a redução na produção em dezembro – em 2010, haviam sido apenas 500, informou André Macedo, gerente da Coordenação de Indústria do IBGE.

“As férias coletivas afetaram especialmente o desempenho do setor de veículos, com retração de 17,5% na produção de automóveis e caminhões em dezembro ante novembro. Por outro lado, a atividade foi a principal responsável por manter a produção nacional em território positivo em 2013, em especial por causa da recuperação da produção de caminhões ajudaram no crescimento total da indústria no ano.” (Daniela Amorim e Vinicius Neder, Estadão, 5/2/2014.)

A economia vai mal

* O Brasil está sendo colocado no grupo dos países mais frágeis

“Há uma transição na política monetária americana, saíram US$ 12 bilhões dos países emergentes em janeiro, o pior número desde 2011. Nós estamos sendo colocados na lista dos vulneráveis. Nesses momentos, as autoridades devem ter em mente o cenário pior e torcer pelo melhor. E a equipe econômica está acreditando no melhor e desprezando os sinais de risco.

“As avaliações otimistas das autoridades da área econômica ocupam largos espaços nos jornais. Espera-se que isso seja parte apenas do jogo de convencimento dos formadores de opinião; mas que eles estejam, na verdade, avaliando o que fazer se a turbulência for mais grave do que eles disseram que ela será.

“Um transatlântico está fazendo uma manobra forte e isso provoca ondas. Temos vantagens e fragilidades diante da volatilidade das moedas e bolsas. O foco do governo tem que ser nas fragilidades; e o objetivo é como diminuí-las. Em vez disso, o governo está exagerando as vantagens, menosprezando os pontos fracos e repetindo o quanto somos diferentes de outros países que estão também sendo chacoalhados como Turquia, Índia, África do Sul.

“Somos todos diferentes, mas o fato é que estamos sendo colocados no grupo dos países mais frágeis. Dois ou três dias de valorização da moeda não mudam o fato de que temos estado entre os mais voláteis. E não é sem motivo.

“O Brasil teve um déficit em transações correntes de 3,6% do PIB em 2013. Não é o maior da história em percentual do PIB, mas em números absolutos, sim: US$ 81 bilhões. Isso é quase 50% maior do que o do ano anterior. O país teve um superávit comercial mínimo, o menor em uma década, e isso com a ajuda de exportações gráficas, que na verdade não ocorreram, de plataformas de petróleo.

“As contas públicas fecharam com o menor superávit recente e não se cumpriu a meta, apesar de ela ter sido diminuída e ter contado com a ajuda de receitas extraordinárias, como Refis, concessões e o leilão do super campo de petróleo Libra. O Brasil está com bons dados no mercado de trabalho, mesmo assim há mistérios, como o gasto de R$ 44 bilhões de seguro-desemprego e abono salarial; a despesa tem sido crescente. Os gastos públicos cresceram 13,6% e as receitas 12,5%. Mas as autoridades falam que estão sendo austeras e contracionistas. A dívida pública bruta caiu um pouco, de 59% para 58,5% do PIB, mas estava em 53% em dezembro de 2010.

“O Brasil está na lista dos países com inflação alta, sem contar os casos extravagantes da Argentina e Venezuela, que têm taxas que não fazem sentido no mundo de hoje. Índia, 9,9%; Indonésia, 8,4%; Turquia, 7,4%; Brasil, 5,9%; África do Sul, 5,4%; e México, 4%. No Brasil, o resultado só não foi maior porque o governo represou tarifas públicas. Isso teve custos. O Tesouro teve que abrir mão de R$ 11 bilhões de receitas da Cide para não subir a gasolina; outros R$ 11 bi em desonerações do IPI e outros impostos; teve que gastar US$ 10 bilhões para garantir a redução do preço da energia. O ano de 2014 começou com problemas na energia: choveu pouco em janeiro e os preços no mercado livre dispararam, o que pode elevar a conta do Tesouro.

“A turbulência não é do tamanho da crise de 2008, longe disso. Nossas reservas são abundantes. Temos superávit primário, coisa que vários países não têm. Mas o mais eficiente é olhar os pontos fracos e se fortalecer, para enfrentar o sacolejar das ondas nesse momento. É ano eleitoral. É preferível que a economia não produza ruídos para que o eleitor faça sua escolha num debate sobre políticas públicas. Em ambiente assim, menosprezar o risco é um risco a mais.” (Míriam Leitão, O Globo, 1/2/2014.)

* “A responsabilidade pelo mau desempenho da economia brasileira nos últimos anos deve ser atribuída ao modelo de política econômica adotado”

“O governo, em vez de fazer uma autocrítica e aceitar o esgotamento da nova matriz econômica, atribui a culpa do fracasso aos outros. Em 2011 e 2012 foram os países ricos com a guerra cambial; em 2013, a guerra psicológica dos analistas, empresas de rating e agentes econômicos. E em 2014, quem será a Geni? Provavelmente o Fed, que está alterando sua política monetária, além de analistas e empresas de rating novamente.

A responsabilidade pelo mau desempenho da economia brasileira nos últimos anos deve ser atribuída ao modelo de política econômica adotado, que gera desequilíbrios que resultam em maior incerteza quanto à evolução da economia, menor dinamismo dos investimentos e, consequentemente, crescimento mais baixo do PIB. O PIB em dólares deste ano já deve ser 4% abaixo do registrado em 2013.

“Diante disso, enquanto o mais sensato seria a retomada da política econômica baseada em metas de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal, aponta-se que a solução seria a depreciação do câmbio.

“Ao final de 2013, alguns renomados economistas voltaram a apontar a desvalorização da taxa de câmbio como a saída para o fim de todas as mazelas da indústria e da economia nacional. Em resumo, propõem uma desvalorização de cerca de 30%. Cogita-se, ainda, criar um novo regime cambial, fazendo o câmbio flutuar em torno de uma denominada taxa de equilíbrio industrial.

“Tais propostas surpreendem, pois se sabe que a taxa de câmbio de equilíbrio no médio prazo depende unicamente dos termos de troca baseados na produtividade e na eficiência das economias. As taxas de juros e câmbio são resultado, ou seja, não se deve manipulá-las por decreto.

“Ao longo das últimas décadas, todas as intervenções e buscas de soluções fáceis para superar nossas necessidades de financiamento nas contas externas conduziram a crises cambiais.

“Algumas simulações mostram que uma desvalorização cambial de 30% elevaria o IPCA do ano (projetado em 6%) para 6,75%, sem, porém, contabilizar impactos em alguns preços administrados, como combustíveis. Com tal depreciação cambial, a defasagem dos preços externo e interno da gasolina passaria de 26% para 63%. No caso do diesel, subiria de 16% para 43,5%. Se a Petrobrás corrigisse integralmente a defasagem do preço da gasolina, os preços na bomba subiriam 44% e o impacto no IPCA seria de 1,7 ponto porcentual, o que elevaria a inflação a 8,45%.

“Qual seria a reação do Banco Central (BC) nesse novo cenário? Certamente a taxa de juros seria elevada e isso teria impactos negativos em atividade, mercado de trabalho e massa de rendimentos, levando a um desempenho econômico pior ainda.

“Com os sinais de mudança na política monetária americana e a pressão na taxa de câmbio, especialmente a partir de maio de 2013, o BC precisou vender, até dezembro, US$ 85 bilhões de swaps cambiais em termos líquidos, além de utilizar US$ 17 bilhões das reservas em linhas de financiamentos, para evitar uma depreciação ainda maior (que foi de 14% em 2013). Neste ano, até o dia 31 de janeiro, o BC já colocou mais US$ 15 bilhões em swap, cerca de US$ 4 bilhões acima do montante a vencer no início de fevereiro, totalizando uma exposição próxima a 28% das reservas internacionais.

“O número de contratos em aberto evidencia a busca de proteção para os passivos cambiais, dado o temor de uma depreciação mais acentuada do câmbio, sobretudo quando se leva em conta a necessidade de financiamento externo crescente (que deve ser de US$ 150 bilhões neste ano, ante US$ 137 bilhões em 2013).

“A falta de transparência e confiança nos dados, especialmente fiscais, deve continuar a resultar em perda de credibilidade pelos investidores, que devem penalizar o País, principalmente num contexto de liquidez mais restrita. Desta vez, a taxa de câmbio não deveria ser usada para salvar o País. A saída seria a adoção do tripé macroeconômico abandonado, no entanto, por uma nova equipe econômica. O desgaste e a baixa credibilidade da atual equipe econômica exigiriam a implementação dessa agenda por novos atores.” (Nathan Blanche, economista, Estadão, 1/2/2014.)

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* Os resultados fiscais estão ficando mais baixos ano a ano

“Na estratégia do biquíni, que mostra tudo, mas esconde o principal, o governo vai seguir dizendo que apresentou excelentes resultados na administração das contas públicas de 2013: um superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de 1,9% do PIB, lição de casa que poucos países vêm entregando. Essa avaliação oficial não deixa de ter sua parcela de verdade.

“O governo entregou um superávit primário de apenas 1,9% do PIB. A promessa feita no início do ano foi de cumprir 3,1% do PIB. Depois, revisou a meta para baixo, a 2,3% do PIB, mas o final de jogo foi mais baixo.

“Outro modo de ver as coisas é o de que esses resultados estão baixando ano a ano, com a agravante de que, no ano passado, contou com arrecadações excepcionais, que não se repetirão. Como está no gráfico acima, quando se incluem as despesas com juros o resultado não é mais o primário; é o nominal e não há saldo positivo; há rombo, de 3,3% do PIB. E esse rombo tende a crescer não só porque os juros da dívida aumentaram em relação aos que eram praticados nos anos anteriores, mas, também, porque seguirão aumentando.

“O governo diz que faz tudo o que pode. A questão mais importante é que o sacrifício desse novilho aos deuses pode não ser suficiente para evitar a fúria dos elementos. O momento é delicado nas duas frentes: interna e externa. A política econômica não passa confiança, o crescimento econômico medíocre compromete a arrecadação, as despesas públicas seguem crescendo mais que as receitas, a inflação está alta demais e o País dá sinais de desarranjo também nas contas externas, que são liquidadas em dólares.

“Enquanto a economia mundial desfrutou de abundância nunca vista de moeda e de disponibilidade de crédito, as grandes distorções da economia brasileira passaram despercebidas. Mas o jogo está virando, os tempos prometem escassez de recursos e a dose dos ajustes empregados pela política econômica do governo brasileiro mostra-se insuficiente para enfrentar as turbulências anunciadas nas telas de radar. O discurso oficial recorrente, de que a economia brasileira é altamente resistente a tormentas assim, não bate com a insistência com que o governo culpa a crise externa pelas mazelas que nos afligem.

“Desde abril do ano passado, o Banco Central passou a restringir a oferta interna de moeda (alta dos juros) para combater a inflação. Mas falta mais disciplina nas contas públicas para melhorar a qualidade do ajuste da economia.

“Na semana passada, a presidente Dilma deu a entender que reforçará os cortes orçamentários para melhorar as contas públicas e, assim, não deixar todo o serviço a cargo do Banco Central. É um passo que contraria os interesses imediatos dos políticos que em anos normais adoram gastar, mas que, em anos de eleições, querem gastar compulsivamente. A presidente Dilma deve estar agora avaliando qual a resposta de maior custo político: a da leniência com as contas públicas ou a austeridade fiscal.

“Não basta prometer um superávit primário mais alto; é preciso acompanhar a promissória com garantias reais que afastem o risco de não cumprimento.” (Celso Ming, Estadão, 1º/2/2014.)

* Pífio resultado das contas se deve à gastança de sempre, ao baixo crescimento e ao desperdício representado pela maior parte dos R$ 77,8 bilhões de incentivos fiscais

“Sem grande esforço, o governo conseguiu piorar suas contas, gastar um dinheirão com incentivos fiscais e chegar ao terceiro aniversário com indústria ainda estagnada, inflação maior que a do ano anterior e perspectiva de resultados medíocres em 2014. Mas o balanço fiscal ainda teria sido mais fraco sem a grande contribuição de receitas extraordinárias, como os R$ 22,07 bilhões obtidos com as concessões no setor de infra-estrutura e os R$ 21,79 bilhões coletados com o novo Refis, o programa de refinanciamento de dívidas tributárias. Só a soma desses dois itens – R$ 43,86 bilhões – corresponde a 56,9% do superávit primário de R$ 77,07 bilhões anunciado na sexta-feira pelo governo central e apresentado pelo secretário do Tesouro, Arno Augustin, como um resultado ‘importante’. Em 2012 o governo central havia conseguido R$ 88,26 bilhões de superávit primário, dinheiro destinado ao pagamento de uma parte dos juros da dívida pública – só uma parte, porque sempre sobra uma boa fatia dos compromissos financeiros do ano.

“Mas o resultado de 2012, embora oficialmente superior ao do ano passado, foi obtido graças a uma porção de malabarismos. Os truques ficaram conhecidos internacionalmente como ‘contabilidade criativa’.

“O pífio saldo primário do governo central – Tesouro, Previdência e Banco Central (BC) – resultou da combinação de três fatores: a gastança de sempre, o baixo crescimento econômico e o desperdício representado pela maior parte dos R$ 77,8 bilhões de incentivos fiscais.

“Grande parcela desse dinheiro serviu somente para impulsionar o consumo e favorecer alguns segmentos industriais, mas o efeito global foi insignificante. A expansão da oferta foi insuficiente para atender os consumidores, parte da procura foi coberta com aumento de importações e, além disso, houve aumento de preços. A indústria nacional, com baixo investimento e custos muito altos, continuou incapaz de competir com os produtores estrangeiros fora e dentro do País.

“Com o fiasco dos incentivos, o Tesouro acumulou dois problemas – o baixo crescimento, o desafio original, e o derivado, a perda representada pelas desonerações inúteis. Quanto à gastança, seguiu o padrão conhecido. A receita líquida do governo central foi 12,5% maior que a de 2012, mas a despesa cresceu 13,6%, segundo o Tesouro.

“O resultado geral do setor público – governo central, governos de Estados e municípios e estatais – também foi ruim. Os números da União são um pouco diferentes dos apresentados pelo Tesouro, por causa dos critérios de cálculo. O BC, responsável pelo relatório consolidado, calcula o resultado pelas necessidades de financiamento, sem levar em conta apenas a diferença entre receitas e despesas primárias. Pelas contas do BC, o superávit primário do setor público atingiu R$ 91,3 bilhões, ou 1,9% do PIB. No ano anterior, havia chegado a R$ 105 bilhões, ou 2,39% do produto. Foi, em termos porcentuais, o pior resultado da série iniciada em 2001. Pelas mesmas contas, o saldo primário do governo central ficou em R$ 75,3 bilhões, ou 1,57% do PIB estimado.

“São resultados bem inferiores àqueles programados inicialmente pelo governo federal. A meta foi reduzida gradualmente, com descontos de investimentos e de desonerações, e finalmente o Ministério da Fazenda só se comprometeu com o resultado previsto para o governo central. Esse resultado, de R$ 73 bilhões, foi afinal superado, mas somente graças a receitas extraordinárias.

“O governo federal só vai fixar em fevereiro a meta fiscal deste ano e, como preparação, representantes do Ministério da Fazenda estão consultando especialistas do mercado. A decisão final caberá à presidente Dilma Rousseff. Certamente ela tentará combinar os critérios das agências de classificação de crédito (há o risco de rebaixamento da nota do Brasil) e as conveniências eleitorais. Além disso, terá de dar atenção às novas condições do financiamento internacional, afetadas pelo aperto da política monetária americana. Mas uma guinada para a austeridade será uma surpresa. Sem essa mudança, o BC continuará cuidando sozinho do combate à inflação e será difícil evitar novas altas de juros.” (Editorial, Estadão, 1º/2/2014.)

* “Se a economia vai mal, mude-se a comunicação”

“O governo gastou demais, desperdiçou bilhões com incentivos errados, ajeitou as contas com receitas extraordinárias e chega a fevereiro sem meta fiscal e com perspectiva de mais um ano de baixo crescimento, inflação alta e resultado pífio no setor externo. Mas a presidente mostra-se muito menos preocupada com a qualidade e os resultados da administração federal do que com a imagem de sua política e, é claro, com os arranjos eleitorais. Todos os ministros substituídos, exceto um, saem do governo para cuidar de suas candidaturas. A exceção é a ministra Helena Chagas, da Secretaria de Comunicação (Secom). Seu sucessor será o atual porta-voz do Executivo, Thomas Traumann, escolhido, segundo se informa em Brasília, para enfrentar com mais vigor as notícias negativas e cuidar melhor dos interesses partidários. Esta mudança é a mais, com perdão da palavra, emblemática. A idéia, tudo indica, é transformar a Secom num Ministério da Imagem. Os principais condutores da fracassada política econômica permanecerão nos postos.

“É cedo para dizer como funcionará no dia a dia o novo Ministério da Imagem, como serão distribuídas as verbas publicitárias, como serão orientados os blogueiros chapa-branca e como se apresentará o próprio ministro, mas um ponto é certo: nenhum esforço de comunicação será suficiente para neutralizar os efeitos reais de uma política econômica abaixo de medíocre. Não há como imputar à ministra Helena Chagas a inflação de 5,91%, o déficit em conta corrente de US$ 81,4 bilhões, a estagnação da indústria, o investimento ainda inferior a 20% do produto interno bruto (PIB) e a baixa disposição dos empresários, indicada em pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), de investir neste ano.

“Para muitos desses empresários, a ministra Helena Chagas e seu sucessor devem ser figuras desconhecidas ou vagamente lembradas. Mas com certeza todos são capazes de citar o nome do ministro da Fazenda, dos presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) e do Banco Central (BC) e de outras personagens associadas, para o bem ou para o mal, às condições, em geral ruins, da economia brasileira. Os muito atentos talvez até se lembrem do assim chamado ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel. Mas quem vinculará os percalços econômicos do País à Secom?

“Há, de fato, problemas de imagem e de credibilidade, associados, por exemplo, à famosa contabilidade criativa, à promiscuidade entre o Tesouro e os bancos federais, ao desastrado controle de preços e de tarifas e ao uso – discutibilíssimo, embora legal – das exportações fictícias de plataformas de petróleo para reforçar o saldo comercial. Sem esse expediente o resultado do comércio de 2013 teria sido um déficit de US$ 5,18 bilhões, em vez de um superávit de US$ 2,56 bilhões. A perda de credibilidade expõe o Brasil ao risco de rebaixamento de sua nota de crédito. Essa é uma das preocupações evidentes da presidente Dilma Rousseff e foi uma das motivações de sua viagem a Davos, depois de três anos esnobando o Fórum Econômico Mundial.

“Mas nenhuma estratégia de informação ou propaganda apagará os números publicados pelo governo ou descobertos por analistas ou repórteres atentos. O último relatório do BC sobre as contas fiscais, divulgado na sexta-feira, confirma a redução do superávit primário do setor público de 2,39% do PIB em 2012 para 1,9% em 2013, a menor proporção da série iniciada em 2001. O déficit nominal (incluída, portanto, a conta de juros) aumentou de 2,48% para 3,28% do PIB.

“As contas do Tesouro divulgadas no dia anterior são igualmente ruins. O resultado primário de R$ 77,07 bilhões só foi obtido com grande volume de receitas extraordinárias, ou atípicas, como R$ 22,07 bilhões correspondentes a bônus de concessões. A soma de todos os extras chega a 79% do superávit primário, isto é, do dinheiro destinado ao pagamento de juros da dívida pública. Não houve, de fato, economia para a geração desse resultado. A despesa do governo central foi 13,6% maior que a do ano anterior, enquanto a receita líquida, isto é, descontadas as transferências a Estados e municípios, cresceu 12,5%.

“Funcionários do Ministério da Fazenda têm consultado especialistas do mercado financeiro sobre a meta fiscal desejável e crível para este ano. Um superávit primário equivalente a 2% do PIB deve parecer adequado, segundo avaliações divulgadas nos últimos dias. Mas ainda é incerto se a presidente Dilma Rousseff estará disposta a assumir um compromisso dessa proporção.

“Ao tomar a decisão, a presidente levará em conta, quase certamente, as agências de classificação de risco, os interesses eleitorais e os perigos associados às novas condições do mercado financeiro, resultantes da redução gradual dos estímulos monetários nos Estados Unidos. A política de comunicação poderá influenciar uma parte do eleitorado. Mas dificilmente afetará as avaliações dos especialistas e do público mais informado. Além do mais, as informações – espera-se – continuarão disponíveis.

“Parte dessas informações é de origem oficial. O BC continua prevendo inflação bem acima da meta pelo menos até o próximo ano. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fornecerá, se nada mudar, informações mensais sobre produção industrial, emprego, renda e consumo, e a cada trimestre deverá atualizar os dados do PIB. Especialistas do setor privado serão consultados semanalmente pelo BC sobre suas previsões. Por enquanto, são ruins: crescimento econômico próximo de 2%, inflação perto de 6% e contas externas fracas. O governo da presidente Cristina Kirchner tem sido mais direto. Além de pressionar a imprensa e proibir a divulgação de cálculos privados de inflação, interferiu nas estatísticas oficiais. Deve haver em Brasília defensores desse modelo. Terão sucesso?” (Rolf Kuntz, Estadão, 1º/2/2014.)

* A situação mundial é outra, o Brasil precisa ter uma política de austeridade

“O banco central americano (Federal Reserve, Fed) deu mais um passo para cortar os estímulos monetárias que ajudaram a economia dos Estados Unidos a se safar da sua mais grave crise desde a Grande Depressão, dos anos 1930. Instituições financeiras renomadas estiveram à beira da bancarrota quando tal crise foi deflagrada em 2008, e, se não fossem esses estímulos, talvez o sistema financeiro mundial tivesse entrado em colapso.

“Tais estímulos não serão eliminados de uma tacada pelo banco central americano, mas os mercados já vêm se antecipando às inevitáveis consequências desse ajuste sobre as economias ao redor do planeta. A fase das taxas de juros muito baixas pode estar se aproximando do fim, pois a oferta de dólares tende a encolher. O Brasil saiu um pouco à frente, elevando sua taxa básica para combater a pressão da inflação doméstica, e indiretamente começou a se proteger de flutuações no câmbio. Mas outros países emergentes também partiram na mesma direção, como a Turquia, a África do Sul, o Chile, o México e a Índia. Com desvalorizações até bruscas, como a que ocorreu recentemente na Argentina, o ajuste pelo câmbio costuma ser mais doloroso.

“O Brasil acumulou reservas cambiais da ordem de US$ 375 bilhões o que é um forte anteparo contra movimentos especulativos financeiros. No entanto, o país não tem mais uma situação confortável no balanço de pagamentos. O déficit em transações correntes (mercadorias e serviços) ultrapassou a barreira de US$ 80 bilhões no ano passado, ultrapassou os 3% do PIB, e já não é mais inteiramente coberto pelo fluxo de investimentos diretos.

“Isso significa que a economia brasileira deve buscar novo ponto de equilíbrio, e tanto melhor se a política econômica caminhar nessa direção enquanto os solavancos dos mercados estão sob relativo controle. O governo tem dado sinais que as finanças públicas serão administradas este ano com mais austeridade, tendo como objetivo um superávit primário equivalente a 2% do Produto Interno Bruto (PIB), efetivamente. Para tal espera-se que haja um contingenciamento de despesas. Mas para valer, pois todo o discurso de austeridade do ano passado não se refletiu nos números: os gastos subiram 13,6%, mais que os 12,5% da arrecadação.

“Além disso, existe um certo descrédito quanto à possibilidade dessa diretriz ser realmente posta em prática em um ano de eleições gerais, em que a tradição política é de abertura dos cofres. No entanto, não existe essa alternativa. Seria um suicídio econômico, com desdobramentos políticos posteriores muito sérios e incontornáveis. A única forma de o Brasil tentar se proteger de problemas financeiros vindos de fora (diferenciando-se, por exemplo, de economias que estão mais fragilizadas, como o da Argentina) é executando, de fato, uma política fiscal austera, independentemente de ser ano eleitoral ou não.” (Editorial, O Globo, 2/2/2014.)

* Brasil é obrigado a pagar taxa maior para atrair investidor

“O Brasil já paga o preço da crise de credibilidade junto ao mercado, apesar dos esforços da presidente Dilma Rousseff para mostrar que seu governo está comprometido com o controle da inflação e com o equilíbrio fiscal. Economistas ouvidos pelo Globo apontam como sinal da desconfiança crescente o atual patamar do prêmio de risco cobrado pelos investidores que apostam no país. Na semana passada, o Credit Default Swap (CDS) de cinco anos – título considerado um dos termômetros da confiança no país – estava sendo negociado a 210,9 pontos-base, acima dos 157 pontos com que encerrou 2013. Na mesma data, outros países da América Latina que têm perfil comparável ao brasileiro estavam com taxas de CDS bem inferiores. No México, o prêmio de risco era de 111,5 pontos; na Colômbia, 134,4 pontos; no Peru, 144,3 pontos; e no Chile, 82,3 pontos.

“O economista-chefe do Banco Votorantim, Roberto Padovani, explica que o prêmio de risco é uma combinação de diversos fatores, entre eles, o crescimento da economia, a inflação e as contas públicas. Por isso, num momento em que esses indicadores apresentam uma piora, os investidores cobram mais caro para apostar no mercado nacional.

“- No Brasil, o que se vê é uma acomodação do crescimento que torna o país menos atraente. Esse quadro acaba se agravando com problemas como a falta de transparência na área fiscal – afirma Padovani.

“As taxas do CDS de cinco anos ainda não colocam o Brasil numa situação como a do fim de 2008, quando começou a crise econômica internacional e elas chegaram perto de 400 pontos. Em 2009, por exemplo, a taxa alcançou 360 pontos base. Mas o país já viveu períodos bem mais favoráveis em relação à confiança dos investidores, como em maio de 2007, por exemplo, quando a taxa do CDS estava em 67 pontos.

“Outro sinal da perda de credibilidade está na alta do dólar e na redução dos investimentos estrangeiros diretos em capital, destaca o diretor da corretora de câmbio NGO, Sidnei Nehme. Ele reconhece que o câmbio e o fluxo de recursos estrangeiros que ingressam no país estão sendo fortemente afetados pelas mudanças na política monetária dos Estados Unidos, que vêm provocando uma fuga de capital de economias emergentes, mas acredita que a desconfiança dos investidores acaba sendo maior em relação ao Brasil devido aos problemas domésticos.

“- O governo joga a culpa no mercado internacional, mas a verdade é que os problemas internos são mais agudos que os externos – afirma Nehme.

“Esta também é a avaliação do economista sênior do BES Investimento, Flávio Serrano:

“- O governo quer atribuir seu insucesso a fatores externos. Mas é equivocado dizer isso. A possibilidade de as agências de classificação de risco rebaixarem a nota brasileira é fruto das políticas adotadas no Brasil.

“Para o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central e fundador da Schwartsman & Associados, se o governo tivesse mantido uma política fiscal mais sólida e a inflação próxima ao centro da meta, o país estaria melhor agora, num momento em que o mundo olha as economias emergentes com desconfiança. No ano passado, o superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) ficou em 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país), sendo que meta era de 2,3% do PIB. Já a inflação terminou o ano em 5,91%, mais próxima do teto de 6,5%.

“- O problema é que agora o cenário pressiona o câmbio, que vai acabar se refletindo numa inflação que já está alta – disse o ex-diretor do BC.

“O diretor da NGO destaca que outros emergentes como o México saíram do Fórum Econômico Mundial de Davos melhor avaliados pelo mercado que o Brasil. Dados do Banco Central mostram que, no ano passado, US$ 12,26 bilhões deixaram o Brasil, o que representou a maior retirada de recursos desde 2002. Este ano, o fluxo cambial está positivo em US$ 1 bilhão, mas, segundo Nehme, isso não é uma tendência:

“- O cenário para o ano é ruim. Tanto que mesmo com o fluxo positivo de dólares para o Brasil e com os esforços do Banco Central para segurar a moeda americana, o real está se desvalorizando – disse ele, acrescentando:

“- Nem sempre o BC encontrará respostas a suas intervenções, pois grande parte da alta é pela piora das perspectivas e não ainda por demanda efetiva no mercado à vista ou futuro, e nestas circunstâncias o preço da moeda americana não sobe com base nos fundamentos, mas como costumamos chamar ‘no vazio’.

“Os técnicos do governo, no entanto, discordam dos analistas. Segundo eles, a alta do prêmio de risco está atingindo todas as economias emergentes indistintamente.

“- O mercado está reprecificando os ativos por causa das mudanças dos Estados Unidos e também pela acomodação da economia chinesa. Isso tem um efeito negativo para os mercados emergentes, que estão sendo tratados pelos investidores de forma generalizada – afirma um integrante da equipe econômica.

“Ele acredita que, num segundo momento, os investidores vão retomar a confiança nos emergentes e aí verão que o Brasil tem indicadores favoráveis. Um deles, segundo o governo, é o fato de o país ter reservas elevadas, de US$ 376 bilhões, e já ter adquirido US$ 6,5 bilhões antecipadamente para honrar dois anos de pagamentos da dívida externa.

“- Isso dá tranquilidade aos investidores – explica.” (Martha Beck, O Globo, 3/2/2014.)

* Há um acúmulo de erros na política econômica. O tombo da Bolsa parece ser um mau prenúncio de mais dificuldades

“O mau começo de ano na Bolsa de Valores, com um tombo de 7,51% em janeiro, pode ter sido prenúncio de mais dificuldades na economia brasileira, provocadas em parte por eventos externos, mas produzidas principalmente pelo acúmulo de erros da política econômica. Em seu quarto ano de governo a presidente Dilma Rousseff colherá o resultado de equívocos plantados nos três anos anteriores e também no mandato de seu antecessor, como os custos financeiros, administrativos e políticos de uma caríssima Copa do Mundo, inoportuna, mal planejada e mal preparada. O pior desempenho da Bovespa desde 1995, quando o índice caiu 10,77%, é um bom marco inicial de um roteiro com muitos obstáculos e armadilhas.

“Os principais problemas externos foram previstos com folga suficiente para um governo sensato se prevenir. A redução gradual dos estímulos monetários americanos foi anunciada no primeiro semestre do ano passado. As tensões nos mercados surgiram logo em seguida, mas o Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, só começou a executar o programa no mês passado.

“A acomodação da economia chinesa começou há mais de um ano. O crescimento deve ainda manter-se em torno de 7,5%, um resultado notável, mas a desaceleração tende a afetar os mercados de commodities e os países mais dependentes de exportações de produtos básicos para a China. É esse, obviamente, o caso do Brasil. Além do mais, há uma ampla perspectiva de desempenho mais fraco dos emergentes.

“A combinação de todos esses fatores já interfere na movimentação internacional de capitais. Na última semana de janeiro US$ 6,3 bilhões foram retirados de carteiras de renda variável de países emergentes, segundo relatório do banco Morgan Stanley. Considerados os valores absolutos, a quarta maior perda, US$ 610 milhões, foi a das carteiras de ações brasileiras. Os três maiores perdedores, por esse critério, foram a Coreia, a China e a Rússia. Em termos proporcionais, isto é, em relação ao volume investido, os mais atingidos foram o México, o Chile e a Indonésia.

“Na corrida inicial, os fundamentos econômicos e a confiabilidade de cada país podem fazer pouca diferença. Não tem sentido, nesse caso, falar de justiça ou injustiça. O mais importante para o aplicador, no momento de susto, é sacar o dinheiro e transferi-lo para aplicações consideradas mais seguras. São principalmente ativos em dólares. Mas os países mais preparados para absorver choques tendem a se destacar, depois dos primeiros impactos, e a levar vantagem na disputa pelos capitais.

“O Brasil, neste momento, está em desvantagem pelos dois critérios, o preparo para choques e a credibilidade necessária para o retorno ao mercado. Permanece o risco de rebaixamento de sua nota por agências de avaliação de crédito.

“Consultores e especialistas do setor financeiro em geral conhecem os fundamentos econômicos do Brasil. Sabem o suficiente para distinguir a situação brasileira da desastrosa posição de países como a Argentina e a Venezuela, mas em outras comparações a imagem do Brasil é bem menos atraente.

“A resistência brasileira a choques externos depende exclusivamente do volume de reservas, US$ 375,76 bilhões em 30 de janeiro. A acumulação de moeda forte foi um dos principais e raros acertos dos últimos anos. Os demais indicadores denunciam vulnerabilidades.

“O resultado fiscal do ano passado, o superávit primário de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB), o menor em 11 anos, só foi alcançado com receitas extraordinárias. A inflação continua bem acima da meta de 4,5%. O clássico ajuste por meio da desvalorização cambial envolverá, portanto, riscos consideráveis em relação ao nível geral de preços. A produção manufatureira pouco avançou no ano passado e a indústria continua despreparada para a competição internacional. O comércio exterior será novamente uma das áreas mais vulneráveis. Se tiver algum realismo, a presidente Dilma Rousseff tentará criar no mercado alguma expectativa de mudança. Se falhar, o mau desempenho da bolsa será a consequência menos grave.” (Editorial, Estadão, 4/2/2014.)

* As causas do déficit externo são internas, como a infra-estrutura em frangalhos

“A balança comercial voltou a registrar déficit expressivo no primeiro mês do ano (US$ 4,057 bilhões), o pior em 20 anos. Desta vez não foi a contabilização atrasada das importações de petróleo e combustíveis a principal causa do desequilíbrio. Janeiro é um mês ainda de poucos embarques de grãos (embora, excepcionalmente, tenham sido feitas exportações de soja). Mesmo assim, não fossem as chamadas commodities, as vendas brasileiras para o exterior recuariam em relação a janeiro do ano passado, no lugar de uma expansão de 0,4%. As importações até que vêm dando sinais de desaceleração, mas não o suficiente para que os especialistas projetem recuperação expressiva do saldo da balança comercial. Para este ano, as estimativas variam de um superávit de US$ 6 bilhões a um déficit de US$ 3 bilhões, tantos são os fatores que podem impactar o comércio exterior brasileiro em 2014.

“Já era esperada uma retração das exportações para a Argentina, em face da crise cambial vivida pelo país vizinho. A Argentina é tradicionalmente um dos principais parceiros comerciais do Brasil, e um acordo automotivo faz com haja uma troca considerável de veículos entre as montadoras que possuem fábricas aqui e lá. No entanto, com a economia argentina mergulhada novamente em crise, o fluxo de exportações manufaturados desabou, e em função disso é provável que o Brasil registre déficit no comércio com a Argentina este ano.

“Houve incremento nas exportações para a China e os Estados Unidos, e queda nas vendas para os demais mercados. A desvalorização do real até pode vir a fortalecer as exportações, que têm sido, literalmente, a salvação da lavoura. A indústria perdeu fôlego e nem mesmo consegue acompanhar a demanda doméstica. Exportar se tornou um objetivo ainda mais difícil pra o setor.

“O rápido encolhimento do superávit da balança comercial brasileira, com risco crescente de déficit, não se explica apenas pelo câmbio ou por causas externas, como tenta justificar o mantra oficial, Fosse assim, a forte desvalorização do real desde meados de 2012 já teria provocado uma reviravolta nessa tendência. Para esse resultado estão pesando também fatores domésticos que acentuaram a perda de competitividade de segmentos que antes conseguiam exportar ou concorrer com importações. As deficiências de infra-estrutura estão entre essas causas, prejudicando inclusive os setores que se mantêm competitivos, como é o caso do agronegócio. Investimentos na infra-estrutura de transportes (portos e rodovias, principalmente) agora é que estão sendo destravados. Perdeu-se tempo precioso devido a preconceitos ideológicos. Há boa safra sendo colhida, e mais uma vez se prevê sérias dificuldades no escoamento.

“É uma lição que custará muito caro ao país.” (Editorial, O Globo, 5/2/2014.)

A Petrobrás tomada

* Produção da Petrobrás caiu pelo segundo ano consecutivo e voltou ao nível de cinco anos atrás

“A produção de petróleo da Petrobrás no Brasil caiu pelo segundo ano consecutivo em 2013. Prejudicada pelo atraso no início das atividades de novas plataformas, a estatal produziu 1,931 milhão de barris por dia de petróleo no ano passado, o pior resultado desde 2008. Apesar de não ter cumprido a meta anual pelo segundo ano consecutivo, a Petrobrás demonstra otimismo em relação ao ritmo de produção de 2014 em função do início das operações de novas plataformas.

“O ano passado foi marcado pela dificuldade da estatal em cumprir o cronograma das novas plataformas. A P-63, por exemplo, deveria produzir o primeiro óleo em julho, mas cinco meses antes se chocou com outra embarcação. Com o incidente, o navio-plataforma deixou o estaleiro em Rio Grande (RS) apenas em junho, e ainda precisou passar por obras complementares de adequação a exigências ambientais.

“O início da produção da P-63 ocorreu apenas em 11 de novembro, quatro meses após o prazo preliminar. As atividades de outras duas plataformas, a P-55 e a P-61, também atrasaram. A primeira, com produção prevista para setembro, iniciou em 31 de dezembro. Já a P-61, cujo cronograma indicava produção ainda em 2013, deve entrar em operação ao longo deste primeiro semestre.

“Sem a atividade das novas plataformas, a empresa não conseguiu sequer repetir o volume de 2012, quando a produção já havia caído em relação ao ano anterior e a meta de produção não fora alcançada. O objetivo da Petrobrás era produzir em 2012 e 2013 o mesmo volume de 2011, ou seja, 2,022 milhões de barris por dia, com tolerância de até 2% para baixo. Mas o serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, o cumprimento da meta em 2013 já se mostrava inalcançável desde a divulgação dos dados de outubro.” (Estadão, 1º/2/2014.)

* Tomada de assalto pelo PT, a Petrobrás tem queda na produção. Em 60 anos, houve 4 quedas na produção – 2 sob a presidência de Dilma

Em seus 60 anos de história, a Petrobrás só registrou queda de produção quatro vezes. Em apenas três anos, o governo Dilma tornou-se responsável por dois desses resultados negativos. O mais recente é o de 2013, quando a produção média ficou em 1,931 milhão de barris por dia, 2,5% menos do que a média de 2012 (1,980 milhão de barris/dia), que já tinha sido 2,1% menor do que a de 2011 (2,022 milhões de barris/dia).

“Trata-se de uma proeza político-administrativa, que elimina qualquer dúvida, se ainda restava alguma, quanto ao caráter falacioso do estrondoso anúncio da auto-suficiência do País feito em abril de 2006 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com as mãos cobertas do óleo do primeiro jato do petróleo do poço de Albacora Leste, na Bacia de Campos. Lula imitava o gesto do então presidente Getúlio Vargas, na comemoração do primeiro poço da Petrobrás, empresa que acabara de ser criada. Com ele, Lula pretendia demonstrar que o sonho da autossuficiência por muitos acalentado desde o fim da década de 1940, com a campanha ‘O petróleo é nosso’, se tornava realidade.

“O fato de, naquele momento, o País ter alcançado um volume de produção suficiente para atender à demanda interna não era, porém, garantia de que a produção nacional continuaria sendo sempre superior ao consumo. Era preciso investir em manutenção das unidades em operação e em novas, para assegurar o crescimento da produção em ritmo igual ou superior ao do aumento da demanda.

“Nos seis primeiros anos que se seguiram ao anúncio ufanista de Lula, de fato, a produção cresceu. A partir de 2011, no entanto, a tendência se reverteu. Poços mais antigos, alguns considerados maduros, passaram a produzir menos, enquanto os novos ainda não produziam o suficiente para compensar a queda observada nos demais.

“É natural que, tendo alcançado seu auge, a produção comece a declinar. Mas, no caso dos poços da Petrobrás não se pode culpar a natureza por isso. Em muitos campos, entre os quais os de maior produção, o declínio vinha sendo mais intenso do que o observado em outras regiões, o que causou preocupação na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Investimentos em manutenção não foram feitos no ritmo e no volume necessários e as paradas das operações para reparos e manutenção em geral tornaram-se mais longas do que seria normal.

“Para tentar reverter a tendência de queda acelerada da produção dos campos antigos, a Petrobrás criou o Programa de Aumento da Eficiência Operacional, o que, segundo nota por ela divulgada, contribuiu para melhorar a eficiência das unidades do Rio de Janeiro e da Bacia de Campos e permitiu que o declínio da produção nos campos em operação ficasse ‘dentro dos padrões esperados pela empresa e compatível com o padrão da indústria de petróleo’.

Mas nem tendo alcançado esses resultados nos campos em operação a empresa conseguiu evitar a queda de sua produção em 2013. Os problemas de manutenção das plataformas em operação são apenas parte das dificuldades que, por influência político-partidária do governo do PT em sua gestão, a Petrobrás enfrenta há anos.

“Ela foi submetida a uma rígida política de controle de preços dos combustíveis, que a forçou a acumular prejuízos crescentes. O preço de venda não cobria os custos de produção nem, muito menos, o custo dos derivados que, por não ter investido a tempo na ampliação de seu parque de refino, a estatal passou a importar, em volumes cada vez maiores para atender a uma demanda cada vez mais aquecida.

“Seu plano quinquenal de investimentos foi fortemente influenciado pelos interesses político-eleitorais do governo, que a obrigou a destinar volumes cada vez maiores de recursos para a área do pré-sal, prejudicando outras atividades, como a de refino e a de manutenção das unidades em operação.

“O resultado de 2013 ficou abaixo do previsto em seu plano de investimentos. Mas a diretoria da empresa prevê que o de 2014 será melhor, pois três novas unidades de produção devem iniciar suas operações ainda no primeiro semestre.” (Editorial, Estadão, 2/2/2014.)

* Ações da Petrobrás chegam ao menor valor desde 2008

“Não houve um grande fato novo que, isolado, explique tamanho tombo em menos de sete semanas. Mas as ações da Petrobrás caíram quase 20% neste ano e chegaram ontem (5/2) ao menor nível desde novembro de 2008. O motivo está na intensificação de uma safra de más notícias já conhecidas pelo mercado e o resultado é uma perda de cerca de R$ 40 bilhões em valor de mercado no período.

“‘Os papéis da companhia, por serem muito líquidos, tendem a sofrer mais com esse tipo de movimento’, disse o diretor chefe de Investimentos do fundo Aberdeen para o Brasil, Nick Robinson, citando como principal fator a fuga de investidores estrangeiros de empresas de países emergentes.

“O fundo tem cerca de R$ 30 bilhões em investimentos em participações no Brasil. ‘Há um movimento contínuo de saída de emergentes nas últimas 12 semanas, mas não há grandes mudanças de avaliação da administração da Petrobrás nos últimos seis meses’, afirmou Robinson.

“A política de não equiparar combustíveis aos preços internacionais, a alta do dólar, o ano de eleições presidenciais, dúvidas sobre capacidade de investimento, a preocupação do impacto de um eventual reajuste de preços na inflação estão entre os motivos para o mau humor, segundo analistas.

“Ontem (5/2), também contribuiu para a queda o adiamento, do dia 14 para o dia 25, da divulgação dos resultados da companhia no quarto trimestre.

“O ministro da Fazenda e presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, Guido Mantega, afirmou serem ‘absurdas’ as especulações no mercado em torno do adiamento da apresentação dos dados financeiros. ‘É uma questão meramente técnica. É só para que possamos ter mais tempo para ter os dados que serão apresentados na próxima reunião. É só isso’, disse o ministro.

“A ação ordinária (ON, com direito a voto) recuou 2,34%, a R$ 12,96. Chegou a R$ 12,74 na cotação mínima do dia, queda de 3,99%. A preferencial fechou com perdas de 1,85%, a R$ 13,83. O valor foi o menor desde fechamentos de dezembro de 2005.” (Sabrina Valle, Estadão, 6/2/2014.)

A presidente e o capital

* As muitas intervenções voluntaristas do governo desorganizaram mercados, reduziram o valor de empresas e aumentaram as dúvidas sobre o país

“A relação da presidente Dilma com o capital é mais complexa do que parece. Ela foi muito generosa com alguns empresários. O BNDES distribuiu recursos abundantes a grandes empresas, seu governo ouve alguns dos lobbies protecionistas. Na área dos problemas: a mudança de regras na energia produziu perda de valor das empresas e consolidou sua imagem de intervencionista.

“A visão que opõe a presidente ao capital simplifica o que é complexo. Há setores que a criticam, há empresas que ganharam muito dinheiro com ela, há lobbies bem atendidos. Uma parte do capital não gosta das suas inclinações geiselistas, outra parte se beneficia da relação incestuosa entre capital e Estado, que sempre existiu e foi aprofundada no governo Dilma. Grupos como JBS e Eike Batista receberam fatias gordas do dinheiro dos contribuintes. Não foi por falta de dinheiro público que Eike quebrou.

“No mercado financeiro, sua gestão fiscal é considerada um desastre e o que se teme é um rebaixamento da dívida que leve todo o capital externo para fora. E com ele, os lucros do setor financeiro. Esse é o temor do momento. Há o risco de abalos na estabilidade econômica. Um erro crasso foram os truques na contabilidade fiscal. Nessa área só tem profissional, todo mundo sabe o que há por trás da maquiagem: o enfraquecimento da situação financeira e fiscal do Brasil.

“Quando a presidente fez a intervenção no setor de energia, antecipando, manu militari, a renegociação dos contratos, houve ressentimentos do setor. Os executivos não encontraram interlocutores no governo para ouvir detalhes técnicos relevantes. O resultado foi um desastre econômico e fiscal. As empresas estatais federais que foram obrigadas a aceitar os novos parâmetros tiveram uma perda de valor de mercado; estatais estaduais que não aceitaram foram jogadas no ostracismo. Muito investidor perdeu dinheiro e isso elevou a insegurança sobre a estabilidade de regras no Brasil. A incerteza na área de energia continua.

“Tudo foi feito para alimentar a propaganda eleitoral. Reduziu-se o preço que as famílias e empresas pagavam pela energia e isso custou R$ 10 bilhões ao Tesouro em 2013 e deve custar outros R$ 9 bilhões em 2014. O consumidor deixou de pagar e o contribuinte assumiu a conta.

“Na época, as empresas, inclusive as estatais, falaram muito mal do governo. Contaram os diálogos com os assessores da presidente que mostravam que eles não tinham entendido problemas técnicos criados pela proposta.

“Ao mesmo tempo, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, comemorou. Ele fez mais uma de suas campanhas publicitárias com interesse eleitoral. Usava a Fiesp, em parte financiada com o dinheiro público do Sistema S, em anúncios que se creditava pela queda do preço da energia e apoiava o governo. O evento mostra que essa relação Dilma-empresários é mais complexa e não se enquadra na limitada visão da presidente de esquerda que não gosta do capitalismo. Alguns capitalistas nunca foram tão felizes. O presidente da maior federação de empresários comemorou a decisão, que fez empresas perderem valor na Bolsa de Valores.

“O setor automobilístico e, em menor escala, outros segmentos de bens duráveis tiveram do governo reduções de impostos e barreiras aos importados. O lobby foi atendido. E os lucros cresceram.

“São muitas as empreiteiras felizes com o governo Dilma, principalmente as especializadas em barragens de hidrelétricas. Foram abertas novas frentes de trabalho e o governo fez um arranjo camarada. Elas são financiadas pelo BNDES, garantidas pelo Tesouro e têm o Estado como sócio nos empreendimentos. Há casos em que a soma do capital estatal é majoritário. O risco é público, o financiamento também e o lucro será privado.

“O agronegócio também foi beneficiado. A presidente não entende a dimensão do problema ambiental e climático. No Código Florestal, sua posição ambígua ajudou o setor em vários pontos controversos. Na área de energia, Dilma jamais deu atenção aos limites. Cabeças rolaram no Ibama até serem extraídas licenças para Belo Monte.

“A reação a ela não vem de todos os empresários. Alguns conseguem ver que uma gestão fiscal desastrosa contrata elevações de impostos, rebaixamento na dívida, problemas de médio prazo. Mas outra parte ganhou muito dinheiro nos últimos três anos, com vantagens que não teriam em outro governo.” (Míriam Leitão, O Globo, 2/2/2014.)

Atacar o STF é atacar a democracia

* “A companheirada se considera detentora do monopólio da virtude e, nessa condição, autorizada a lançar mão de qualquer meio para cumprir sua missão redentora”

“O que se pode esperar de um partido político cujas principais lideranças e, em consequência, sua militância são incapazes de distinguir o público do privado? Os petistas têm extrapolado todos os limites do comportamento democrático e republicano nas manifestações de repúdio à condenação dos mensaleiros pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O desacato ostensivamente praticado pelo petista André Vargas, vice-presidente da Câmara dos Deputados, ao presidente da Suprema Corte, Joaquim Barbosa, sentado a seu lado durante a solenidade de abertura do ano legislativo, mostra mais uma vez que o lulo-petismo se considera acima das instituições da República: Joaquim Barbosa representava naquele ato o Poder Judiciário. Não podia ser tratado como um ‘inimigo’ do PT e provocado pelo parlamentar paranaense com a reiterada exibição de um gesto, o punho cerrado, que se tornou o debochado símbolo de protesto dos mensaleiros encarcerados. Não bastasse isso, Vargas, em mensagens pelo celular, escreveu que gostaria de dar ‘uma cotovelada’ em Barbosa. Ontem, desdisse o que havia escrito.

“A companheirada se considera detentora do monopólio da virtude e, nessa condição, autorizada a lançar mão de qualquer meio para cumprir sua missão redentora. Mas, no mundo real, os militantes partidários, mesmo quando investidos de mandato popular ou de autoridade delegada, estão, como toda a cidadania, obrigados a respeitar a lei, as instituições, os procedimentos da convivência democrática. E certamente a desrespeitosa atitude de André Vargas no plenário do Congresso Nacional não foi um bom exemplo, exceto para os correligionários habituados a se comportarem como torcedores de futebol organizados em gangues.

“O episódio do mensalão tem oferecido ao lulo-petismo todas as oportunidades de demonstrar que o partido, que há quase 35 anos se colocou na cena política com o propósito radical de lutar contra ‘tudo isso que está aí’, acabou se transformando, depois de chegar ao poder, numa legenda igual ou pior do que todas aquelas que sempre combateu com violência e rancor.

“De início, quando denunciado pelo cúmplice deputado Roberto Jefferson, o PT negou a existência de um esquema de compra de apoio parlamentar mediante o pagamento mensal de propina. No auge da repercussão negativa do episódio, Lula declarou que o PT deveria pedir desculpas à Nação. Já no exercício do segundo mandato, passou a se referir ao episódio como uma ‘farsa’ que se dedicaria a desmontar tão logo deixasse o governo. Quando percebeu que o julgamento pelo STF era inevitável tentou, nem sempre com a conveniente discrição, influenciar os ministros. Anunciada a condenação dos criminosos, fingiu-se de morto. Mas desde então trabalha intensamente nos bastidores para criar junto à militância petista uma reação emocional ao julgamento ‘autoritário e injusto’, para minimizar os efeitos politicamente negativos da prisão da elite petista. E esse trabalho inclui a tentativa de manter mobilizada uma militância frequentemente mal informada e ingênua, fazendo-a crer que é possível a anulação do julgamento.

“A estratégia traçada pelo lulo-petismo prioriza a ‘fulanização’ da decisão do STF. Não é o colégio de 11 ministros, 8 deles nomeados pelos governos petistas, o responsável pela condenação dos heroicos ex-dirigentes do partido. O culpado é Joaquim Barbosa, o implacável ministro-relator da Ação Penal 470. E para regozijo dos petistas o próprio Barbosa facilita as coisas com reiteradas atitudes impulsivas e inexplicáveis, como a de ter entrado em férias sem assinar a ordem de prisão de João Paulo Cunha.

“Foi a deixa para que o deputado dirigisse uma carta aberta ao presidente do STF vazada no caradurismo com que os petistas costumam subverter as evidências em benefício próprio. Cunha refere-se o tempo todo a Joaquim Barbosa como se ele fosse o único responsável por sua condenação. E insiste na falácia de que foi condenado ‘sem provas’, aleivosia que respinga na ampla maioria de ministros que o penalizou pelos crimes de corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro. Tudo era o que se podia esperar de pessoas que não têm noção de limites.” (Editorial, Estadão, 5/2/2014.)

* Setores que domino PT se empenham em desmoralizar o STF para debilitar o sistema democrático

“Poucos dias depois de ter sido eleito presidente da Câmara no primeiro governo petista, o então desconhecido deputado federal João Paulo Cunha, em conversa com jornalistas em que eu estava presente deu uma explicação singela para o fato de o PT passar a apoiar uma reforma da Previdência que nos oito anos anteriores, no governo de Fernando Henrique Cardoso, combatera ferozmente. ‘Luta política’, resumiu, sem o menor pingo de constrangimento, mesmo confrontado com os prejuízos que essa atitude causara ao país que agora seu partido governava.

“Mais uma vez é essa ‘luta política’ que João Paulo Cunha e seus companheiros petistas vêm travando, desde que foram condenados à prisão pelos crimes cometidos no episódio que ficou conhecido na história política brasileira como ‘o mensalão’. Até mesmo a arrecadação pública de dinheiro para pagar as multas dos condenados está sendo manipulada como sendo uma resposta popular às injustiças do Supremo Tribunal Federal. São criminosos comuns, mas fingem ser presos políticos.

“Não haveria nada de surpreendente se militantes petistas depositassem dinheiro para ajudar o pagamento de multas de seus líderes. O que é de se espantar, como ressaltou muito bem o ministro Gilmar Mendes, é que num mesmo dia tenham caído na conta de Delúbio Soares nada menos que 600 mil reais. E também é de se espantar que a doação média tenha sido de 600 reais. São cifras que merecem pelo menos uma boa investigação, como disse o Procurador-Geral d República Rodrigo Janot.

João Paulo, que foi obrigado a renunciar à disputa da Prefeitura de Osasco depois de condenado, tem sido dos mais agressivos na ‘luta política’ contra o ministro Joaquim Barbosa e as decisões do Supremo, e tem coragem de dizer-se inocente a despeito de todas as provas apresentadas no julgamento e de ter, num primeiro momento, revelado toda a fragilidade de sua situação ao dizer que sua mulher fora ao banco para pagar a conta da TV a cabo.

“A estúpida bravata do gesto do deputado André Vargas, com o punho cerrado para constranger o presidente do Supremo que estava a seu lado em uma solenidade do Congresso, só demonstra o desapreço desses políticos pelas instituições democráticas. Foi a versão masculina da dança grotesca da ex-deputada Angela Gugelmin festejando a absolvição de um petista no plenário da Câmara.

“Outro dos petistas condenados foi descoberto agora na Itália com documentos falsos e milhares de euros e dólares verdadeiros, depois de ter sido transformado em mártir da causa petista. Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil que desviou milhões de reais dos cofres públicos através da Visanet para viabilizar o golpe, tem também, segundo a Polícia Federal, uma conta na Suíça com cerca de dois milhões de euros, que vem sendo utilizada desde que fugiu do Brasil numa confissão de culpa expressa.

“É outro que tenta explicar o dinheiro recebido com versões bizarras como a do envelope que lhe teria sido dado pelo lobista Marcos Valério para ser entregue a um portador do PT, tarefa que ele cumpriu sem saber do que se tratava. É de reparar que somente os petistas tentam politizar a condenação do Supremo Tribunal Federal (STF), pois os demais condenados pelo mensalão estão sabiamente mudos e respeitosos cumprindo as penas, na expectativa de conseguir sua redução e outras benesses previstas pela legislação em vigor em caso de bom comportamento do prisioneiro.

“Os comentários feitos pelos prisioneiros do alto comando petista e os ataques pessoais ao presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, vindos da direção nacional do partido, são tentativas de desmoralizar o julgamento, transformando-o em uma ação de exceção. Ora, temos um colegiado de 11 ministros dos quais nada menos que oito foram nomeados por governos petistas, e um regime democrático em pleno funcionamento, embora muitos setores petistas queiram limitá-lo com leis de cunho autoritário.

Esses setores, que dominam a máquina partidária mas não conseguiram ainda controlar o governo, se empenham em desmoralizar o STF para debilitar o sistema democrático. Assim como insistem em controlar o sistema midiático independente que lhes denuncia os desmandos. Controlando o Judiciário e as informações, estarão prontos para governar um simulacro de democracia.” (Merval Pereira, O Globo, 6/2/2014.

A presidente longe da verdade dos fatos

* “A distância entre as palavras e os fatos tem sido uma constante no Planalto desde o segundo mandato do presidente Lula”

“Na mensagem ao Congresso Nacional na abertura do ano legislativo – o equivalente ao discurso sobre o Estado da União do titular de turno na Casa Branca, descontadas a pompa de sua presença física no Capitólio e a circunstância de ser um evento acompanhado ao vivo por mais de 30 milhões de norte-americanos -, a presidente Dilma Rousseff cuidou de cobrir de glórias o seu governo, desdobrar-se em reverências ao rigor fiscal e insinuar que a estabilidade só poderá ter contra si a prodigalidade dos políticos com o dinheiro público.

“No documento de 25 páginas, levado ao Congresso, como de praxe, pelo ministro da Casa Civil, e lido pelo 4.º secretário da Mesa Diretora do Senado, o senador piauiense João Vicente Claudino, sem que – também à diferença dos Estados Unidos – a oposição se desse ao trabalho de contestar o seu teor, a presidente proclamou que ‘o Brasil de hoje enfrenta exitosamente a crise (externa), sem o sacrifício de sua população, como ocorria no passado’.

“Na mesma segunda-feira (3/2), por sinal, ao deixar a pasta da Saúde, o pré-candidato do PT ao governo paulista, Alexandre Padilha, celebrou o que disse ser a reversão, em três anos, de ‘legados malditos’ dos anos 1990 – uma desconsideração com o ex-presidente Lula, que reivindica a façanha. Dilma fez praça dos ‘volumes expressivos’ de novos empregos no País, em comparação com os cortes de vagas nas nações desenvolvidas. Mas nem isso consegue camuflar o pífio crescimento da economia, os números adversos das contas nacionais, a inflação e as crescentes incertezas quanto ao futuro.

“No ato da nomeação dos novos ministros, Dilma anunciou que ‘2014 será ainda melhor (sic) do que 2013’. Era de esperar que a mensagem ao Congresso explicasse por quê. No entanto, o texto se limita a prometer a inclusão de mais 500 mil famílias no Bolsa Família, a ampliação do programa Mais Médicos e a continuidade das políticas de financiamento estudantil. Como havia feito no Fórum de Davos, no mês passado, Dilma fala, no texto, da meta de levar a inflação dos atuais 5,9%, para o centro da meta, de 4,5%. O papel, já se disse, aceita tudo.

“A mensagem relaciona os projetos em andamento que a presidente gostaria de ver concluídos: 30 campi universitários, 11 mil escolas em tempo integral, mil creches, 1.500 postos de saúde e licitações para a concessão de rodovias. A julgar pelo retrospecto – como o que deixou de ser cumprido no Minha Casa, Minha Vida, a menina dos olhos de Dilma e destaque do documento lido no Congresso -, será uma senhora surpresa se o que está para ser terminado o for. Mesmo que se queira fazer ‘o diabo’ em ano eleitoral, a baixa qualidade administrativa deste governo é um limite intransponível.

“No capítulo do engajamento do governo com a austeridade, meia palavra bastou para os políticos entenderem que a presidente os advertiu contra a tentação de aprovar projetos – as chamadas ‘pautas-bomba’ – capazes de balançar o barco do zelo fiscal. ‘Manteremos, em 2014’, assegura a mensagem, ‘uma gestão das contas públicas compatível com a continuidade da política de profundo compromisso com a responsabilidade fiscal, para o que contribuirá, entre outras medidas, o pacto que firmamos com as principais lideranças do Congresso.’ Ou seja, alto lá.

“O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, do PMDB, ficou nervoso. ‘Não posso aceitar calado que se queira imputar a este Legislativo o espírito de armar bombas’, retrucou. ‘O debate nesta Casa é para desarmar.’ Mas, em que pese a sua falta de sutileza, o recado presidencial não foi gratuito. Conforme se contabiliza, há pelo menos sete propostas bombistas na Câmara, entre elas os projetos de emenda constitucional que fixam pisos salariais para agentes de saúde, bombeiros e policiais militares.

“A distância entre as palavras e os fatos tem sido uma constante no Planalto desde o segundo mandato do presidente Lula, quando ele mandou às favas os cuidados fiscais do período precedente. Tendo aprofundado a gastança, Dilma não faz jus, portanto, ao benefício do crédito em relação ao que promete para este ano de reeleição.” (Editorial, Estadão, 5/2/2014.)

A presidente e as escapadas

* Depois do episódio de Lisboa, Dilma não terá moral para criticar os desvios das elites

“Dilma Rousseff não dá um passo sem ouvir o seu marqueteiro. João Santana é, de fato, seu primeiro-ministro. Competente na arte de embalar produtos, Santana vende bem a imagem de sua cliente. Compromisso social, capacidade de gestão e firmeza são, entre outros, os supostos atributos da presidente da República.

“Os fatos, no entanto, acabam prevalecendo. É só uma questão de tempo. E os fatos estão gritando na força dos números econômicos, na qualidade objetiva da governança e na adequação entre discurso e vida.

“Dilma Rousseff faz questão de frisar seu compromisso de combate à pobreza e sua visão de mundo oposta ao ideário dos representantes das elites que sempre ‘dominaram este país’. O que revela uma vida, contudo, não é o discurso, mas a prática concreta. Espera-se da presidente austeridade de vida e distância das benesses do poder. Não é o que se deduz da sua recente escala sigilosa em Lisboa.

“Dilma Rousseff e sua comitiva passaram um fim de semana em Portugal, ocupando um total de 45 quartos de dois dos hotéis mais caros de Lisboa. A viagem estava sendo mantida em sigilo e apenas foi explicada depois que a reportagem do jornal O Estado de S. Paulo a revelou com exclusividade. A suíte que Dilma utilizou no hotel Ritz está tabelada em 8 mil por dia (cerca de R$ 26 mil). Entre Davos e Havana, Dilma e sua delegação decidiram passar o sábado em Lisboa sem informar ao público onde a presidente se encontrava.

“Na noite daquele sábado, ao contrário do que o Palácio do Planalto havia informado, Dilma saiu para jantar no elegante restaurante Eleven. O Planalto chegou a dizer ao Estado que ela estava ‘dormindo’. Mas uma foto publicada no jornal português Expresso deixou a comitiva sem explicações. Na foto Dilma está entrando no luxuoso restaurante, acompanhada pelo embaixador do Brasil em Portugal, Mario Vilalva. O restaurante é um dos melhores de Portugal e um dos poucos nesse país classificados com a estrela Michelin.

“Oficialmente, a explicação para a parada em Portugal é a de que o avião presidencial não teria autonomia para viajar entre Zurique e Havana. Mas o Planalto não explica nem por que a visita foi mantida em sigilo, nem por que o abastecimento do jato não poderia ter sido feito com a comitiva dentro do avião, o que levaria cerca de uma hora, comenta o jornalista Jamil Chade.

“O episódio, revelador, provocou muita irritação. Ótimo. É assim que deve ser. A imprensa existe para fazer o contraponto, para revelar as incoerências, para exercer um papel fiscalizador. E não se invoquem razões de segurança ou respeito à privacidade para justificar o absurdo sigilo. Dilma pode falar o que quiser, mas depois desse episódio terá dificuldade para criticar os desvios da elite. (…)

“Não pode existir uma separação esquizofrênica entre vida privada e vida pública. Há atitudes na vida privada que prenunciam comportamentos na vida pública. O leitor e o eleitor têm o direito de conhecê-las. Se assim não fosse, tudo o que teríamos para ler na imprensa seriam amontoados de declarações emitidas pelas fontes interessadas. E há informações da vida privada e atitudes na vida concreta que revelam inequívoca mistura entre o público e privado.

“O marketing vende uma bela embalagem. Nós, jornalistas, somos – ou deveríamos ser – o contraponto às mensagens marqueteiras. Cabe-nos, sem prejulgamentos ou partidarismos, a missão de rasgar a embalagem e desnudar os governantes.

“A agenda da presidente da República deve ser de conhecimento público. E a imprensa, corretamente, precisa contornar injustificadas tentativas de sigilo. O segredo não é bom para a sociedade.” (Carlos Alberto Di Franco, Estadão, 3/2/2014.)

Diplomacia terceiro-mundista

* O governo dá preferência apenas à satisfação de compromissos ideológicos, destituídos de qualquer resultado positivo

“Dos 83 parágrafos da declaração final da 2.ª Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), não há rigorosamente nenhum que justifique a realização do encontro – salvo, talvez, o 80.º, em que se anuncia a data do próximo. Poucos documentos resumem com tanta clareza a inutilidade de mais esse ajuntado de letras que representa, no discurso grandiloquente de seus líderes, ‘o espaço adequado para reafirmar a identidade da América Latina e do Caribe, sua história comum e suas lutas contínuas pela justiça e pela liberdade’.

“O caminho até a Celac foi palmilhado, nesta década, por siglas criadas para dar forma à ideia de integração latino-americana sem a presença dos Estados Unidos, o grande inimigo ideológico a ser combatido. Temos, assim, a Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), que foi rebatizada de União de Nações Sul-Americanas (Unasul), e a Alternativa Bolivariana para as Américas, que depois se tornou a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba).

“A Celac é, ela mesma, uma espécie de antípoda da Organização dos Estados Americanos (OEA), que, na visão dos bolivarianos, é submissa aos interesses dos Estados Unidos. Tanto é assim que o falecido caudilho Hugo Chávez, idealizador da Celac, queria que ela se chamasse Organização dos Estados Latino-Americanos.

“Embora a verborragia vazia das declarações oficiais aborde uma ampla série de temas, como o ‘reconhecimento do papel dos povos indígenas no desenvolvimento econômico’ e o ‘risco do aquecimento global para os países pobres’, a Celac existe apenas para incluir Cuba – que, como se sabe, só poderá voltar à OEA se deixar de ser uma ditadura.

“O isolamento cubano, que inspirou a formação da Celac, já nem é tão grande. A aproximação não se resume à relação calorosa de Cuba com a Venezuela, que substituiu a União Soviética como financiadora oficial do regime castrista. Diversos outros países fazem atualmente bons negócios em Cuba, a começar pelo Brasil, e a União Europeia vem há tempos negociando com Havana. O bloqueio americano à ilha, usado como pretexto pela linha-dura cubana para se manter no poder, é, de fato, anacrônico.

“Mas o que se pretende com a Celac, e isso ficou claro nessa última cúpula, realizada justamente em Havana, é legitimar a ditadura cubana. Não é à toa que a declaração final principia enfatizando que deve haver respeito ‘ao direito soberano de cada um de nossos povos para escolher sua forma de organização política e econômica’. É uma clara renúncia à imposição de qualquer forma de cláusula democrática, como a que aparece no conjunto de normas da OEA e que pune países nos quais não vigora o ‘respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais’ e o ‘acesso ao poder e seu exercício com sujeição ao Estado de Direito’, além do ‘regime pluralista de partidos e organizações políticas’ e a ‘separação e independência dos poderes públicos’. É a descrição de tudo o que não há em Cuba – cujo regime mandou prender uma centena de dissidentes às vésperas da realização da cúpula da Celac.

“Para não dizer que foi totalmente improdutivo, o desfile das guayaberas teve alguma utilidade ao menos para a Venezuela. O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, anunciou que a Celac vai ajudar o país a enfrentar a escassez de diversos produtos, fruto da política econômica suicida praticada pelo chavismo. ‘Não vão nos chantagear. Estamos rompendo amarras com todos e estamos criando novos fornecedores em países aliados estratégicos’, discursou Maduro.

“A presidente Dilma Rousseff prestigiou essa farsa, com direito ao manjado beija-mão com Fidel Castro e a um discurso em que elevou Cuba à categoria de grande parceiro comercial – apesar dos apagões, da infra-estrutura arruinada e da escassez de quase tudo. Dá-se preferência, assim, apenas à satisfação de compromissos ideológicos, destituídos de qualquer resultado positivo – enquanto iniciativas regionais com verdadeiro potencial, como o Mercosul, padecem há anos de picuinhas e desinteresse.” (Editorial, Estadão, 31/1/2014.)

7 de fevereiro de 2014

Outras compilações de provas da incompetência de Dilma e do governo:

Volume 115: Notícias de 30/8 a 5/9/2013.

Volume 116: Notícias de 6 a 12/9.

Volume 117: Notícias de 13 a 19/9.

Volume 118: Notícias de 20 a 26/9. 

Volume 119: Notícias de 11 a 17/10.

Volume 120: Notícias de 18 a 24/10.

Volume 121: Notícias de 25 a 31/10.

Volume 122: Notícias de 8 a 14/11.

Volume 123: Notícias de 15 a 21/11.

Volume 124: Notícias de 22 a 28/11.

Volume 125: Notícias de 28/11 a 5/12.

Volume 126: Notícias de 6 a 12/12/2013.

Volume 127: Notícias de 10 a 16/1/2014.

Volume 128: Notícias de 17 a 23/1/2014.

Volume 129: Notícias de 24 a 30/1/2014.

14 Comentários para “Más notícias do país de Dilma (130)”

  1. APROXIMA-SE 1 DE JANEIRO DE 2015!
    CONTAGEM REGRESSIVA, FALTAM APENAS 328 DIAS PARA O FIM DAS MÁS NOTÍCIAS.
    SERÁ QUE OPOSIÇÃOZINHA DO PIG, LEITOINHA E MERDAL CONSIGUIRÃO EMPLACAR UMA CANDIDATURA?

  2. MAIS MÁS NOTÍCIAS!

    empresas elétricas

    publicado em 7 de fevereiro de 2014 às 10:16

    Saco de bondades para as empresas elétricas

    por Heitor Scalambrini Costa*, via e-mail

    O que o cidadão brasileiro não aceita mais é a benevolência, para se dizer o mínimo, com que as empresas elétricas são tratadas pelo Governo Federal.

    Dois pesos e duas medidas. Enquanto a população brasileira, e ai não somente o consumidor sofre e é prejudicado com a queda vertiginosa da qualidade do serviço elétrico oferecido e com as altas tarifas, muito pouco é feito para reverter essa situação; já que sistematicamente as empresas elétricas de geração, transmissão e distribuição são “aliviadas” dos compromissos, inclusive contratuais, por quem devia regulá-las fiscalizar.

    Os “apagões” e “apaguinhos” já são constantes na vida das pessoas, que sofrem as consequências de um péssimo serviço prestado. Carente de manutenção, de investimentos de modernização, de qualificação da mão de obra, de incompetência gerencial e com lucros cada vez maiores (basta acompanhar a evolução dos balanços contábeis anuais), essas empresas ainda pressionam, e conseguem com os gestores de plantão, mais e mais benefícios. O que se resume a um “capitalismo sem risco” para quem está, ou aventurou-se, nesse negocio. E não são poucos os aventureiros de primeira viagem.

    A população sofre as mazelas de ter as frequentes interrupções de energia já incorporadas a seu cotidiano e tudo o que isso acarreta; e mesmo assim ter que pagar tarifas caras (ai de quem não pagar ou atrasar o pagamento).

    Vejamos então mais recentemente algumas medidas que constituem verdadeiro “saco de bondades” oferecidas àquelas empresas.

    No setor de geração, a resolução da Agencia Nacional de Energia Elétrica (Aneel) nº 595/2013, de dezembro passado, prevê algumas “bondades”. Por exemplo, a tolerância de três meses de atraso para a aplicação de sanções e a exclusão de responsabilidades ao gerador nas situações em que o atraso na operação ocorrer por caso “fortuito” ou “força maior” (?). Também poderá repassar ao consumidor o valor integral da energia comprada no mercado para atender a seus compromissos. O que significa que o consumidor vai pagar, pela ineficiência das empresas, que deixaram de produzir a quantidade de energia contratada no tempo determinado. Complementando sua quota de geração com a compra de energia às termelétricas (energia mais cara), repassando o aumento do preço da energia daí resultante ao Governo Federal, e assim aos contribuintes (nós). Na resolução anterior de 2005, a de no 165, as regras eram mais severas, pois as geradoras, quando atrasassem seus compromissos, não podiam repassar aos consumidores os gastos extras.

    Na transmissão, segundo relatório da Aneel, os atrasos chegam a 4 (quatro) anos. Na média, o descumprimento do cronograma supera em 13 meses o prazo original previsto no contrato de concessão. 71% de todas as obras de transmissão estão com o cronograma atrasado. Ou, das 129 companhias do setor de transmissão, 57 apresentaram atrasos no cronograma de obras. O documento avaliou as obras concluídas após dezembro de 2010 e as que estavam em andamento até dezembro do ano passado. O resultado mostrou uma piora gradual no setor nos últimos anos. De acordo com a legislação, a empresa que tiver mais de três autos de infração e atraso acima de 180 dias não pode participar, sozinha, de novos leilões de energia. A campeã nesse quesito é a estatal Chesf, com 17 autos de infração. E nada é feito para modificar tamanha incompetência e falta de planejamento.

    Na distribuição, o “lobby” é estruturado e organizado. Capitaneados pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), constantes benesses têm sido “conquistadas”. A mais recente é a proposta de firmar Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta (TAC) entre a Aneel e as concessionárias, permissionárias e autorizadas de serviços e instalações de energia. O TAC poderá ser firmado quando forem encontrados descumprimentos quanto à qualidade dos serviços de energia elétrica, a segurança das pessoas e das instalações de energia, a expansão, reforços e melhorias das redes de energia, assim como dos sistemas de proteção e controle do sistema elétrico. Também será possível, em alternativa à aplicação de multas, impor às concessionárias pena substitutiva consistente em Obrigação de Realização de Ações e Investimentos. O pedido de imposição de pena substitutiva será apreciado pela Diretoria da Aneel e, se aprovado, a concessionária terá o prazo de 30 dias para apresentar a descrição e o cronograma detalhado das ações e investimentos a serem implementados. Ou seja, será uma alternativa dada às distribuidoras, em lugar da continuidade de processo fiscalizatório ou punitivo.

    Enquanto que o cidadão convive com a péssima prestação de serviço, as companhias são agraciadas, favorecidas e estimuladas pelo poder publico com “facilidades” para continuarem a “desrespeitar” os que necessitam de energia elétrica (nós de novo). É hora de dar um basta. A solução está com o povo (nós finalmente).

    *Professor da Universidade Federal de Pernambuco

  3. Economia

    Desigualdade

    O mundo é para poucos

    Em alta desde os anos 70, a concentração da riqueza bate recordes, para a alegria de 1% da população global

    por Luiz Antonio Cintra— publicado 06/02/2014 05:56

    Eric Gaillard/Reuters/Latinstock

    Os impostos pagos pelos ricos foram cortados para o infortúnio de 202 milhões de desempregados

    Divulgada na abertura do encontro anual da elite econômica global em Davos, na Suíça, a pesquisa “Trabalhando para Poucos”, da ONG inglesa Oxfam, bem poderia se chamar “Vejam o Que os Senhores Conseguiram”. Ganhou manchetes mundo afora ao apontar para a hiperconcentração de riqueza em andamento na quase totalidade dos países ocidentais. Sete em cada dez indivíduos vivem em países onde a desigualdade avançou nas últimas três décadas, informa a Oxfam.

    Segundo o estudo, a crise financeira detonada em setembro de 2008 veio a calhar para os mais ricos. O 1% do topo da pirâmide, anota a pesquisa, detém hoje metade da riqueza gerada no planeta. O financista norte-americano Warren Buffett é um exemplo da turma ganhadora: acumulava patrimônio de 40 bilhões de dólares antes da quebra do Lehman Brothers, e nada atualmente em uma piscina recheada de 59 bilhões de moedas. O quarto mais rico do planeta, segundo a lista da Forbes, Buffett é um dos 85 afortunados que, aponta a Oxfam, possuem patrimônio equivalente ao da metade mais pobre da população mundial, ou 3,5 bilhões de cidadãos. “Alguma desigualdade econômica é essencial para conduzir o crescimento e o progresso”, escrevem os responsáveis pela pesquisa. “Os níveis extremos de concentração da riqueza atuais, entretanto, ameaçam excluir centenas de milhões de obter os ganhos de seus talentos e trabalho duro.”

    Não é outra coisa o que tem acontecido desde o crash, com maior intensidade nos dois polos mais afetados pela crise, os EUA e a Zona do Euro (exceto a Alemanha). O quadro retratado espelha as opções feitas para enfrentar a crise, desenhadas de acordo com os interesses dos bilionários, constata a ONG. A saída escolhida foi salvar bancos e companhias consideradas “grandes demais para quebrar”, ao mesmo tempo que os gastos públicos eram cortados indiscriminadamente.

    O resultado foi uma onda avassaladora de desemprego e a falência de empresas cuja quebra, para as autoridades, teria o efeito positivo de ampliar a eficiência da economia como um todo. Nesse sentido, as políticas adotadas deram certo. O levantamento mais recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) contabiliza 202 milhões de desempregados no mundo, 5 milhões a mais do que no fim de 2012. Mantida a tendência, algo bastante provável, serão 215 milhões sem empregos no fim de 2017, estima Guy Rider, diretor da OIT.

    O estudo da Oxfam enumera algumas das causas da concentração crescente. Há décadas a falta de limites minou a representação popular nos Parlamentos. E o lobby das maiores corporações aos poucos tirou do caminho regras e leis forjadas para garantir (ou ampliar, conforme o caso) a concorrência nas economias. Estima-se que os bancos norte-americanos gastaram 1 bilhão de dólares em lobby nos últimos anos para enfraquecer e adiar a legislação em discussão para tornar o sistema financeiro menos arriscado.
    A corrupção, a perversidade de sistemas tributários como o brasileiro, que taxa proporcionalmente mais quem tem menos, os subsídios, a redução dos gastos em saúde e educação públicas, a perda de espaço dos sindicatos de trabalhadores e uma rede internacional de paraísos fiscais (em que, estima a ONG, cerca de 18 trilhões de dólares são escondidos para não pagar impostos) também explicam o processo em andamento.

    O marco zero dessa tendência, contudo, não tem nada de novo. Especialistas o situam no período que vai do fim da década de 1970 ao início dos anos 80, sob os auspícios da onda neoliberal e da desregulação dos mercados, particularmente o financeiro, sob a batuta ideológica da dupla Ronald Reagan e Margaret Thatcher.

    A resultante constatada agora não é um efeito colateral inesperado. Ao contrário. A cartilha Reagan-Thatcher recomendava deliberadamente o corte dos impostos dos mais ricos, em paralelo à redução dos direitos sociais e salários dos mais pobres, com o argumento de que o primeiro movimento garantiria fôlego para o consumo, enquanto o segundo ampliaria a competividade da economia ao reduzir o custo do trabalho. Uma parcela considerável das palavras de ordem pró-desregulação foi tecida, por sinal, justamente no Fórum Econômico de Davos, que nesta edição, diante da escala da tragédia social nos países ricos, procura convencer a opinião pública de que, no fundo, estão preocupados com a distância crescente entre ricos e pobres. Ao custo de 40 mil dólares por participante, vale notar.

    Na ponta do lápis, o quadro evoluiu nos EUA conforme o esperado pelos formuladores de tais políticas: a renda dos 10% mais pobres avançou, desde meados dos anos 1980, apenas 0,1% ao ano. Já aquela dos mais ricos cresceu, pela mesma métrica, 1,5%. No Reino Unido, o mesmo movimento: a renda avançou, em média, 0,9% na base da pirâmide e 2,5% entre os 10% do topo. Estudo da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, realizado em 2011, apontou os EUA, o Reino Unido e Israel como “pioneiros” da regressão social entre os mais ricos. A partir dos anos 2000, anota a pesquisa, a tendência incluiu as nações tradicionalmente menos desiguais, caso da Alemanha, Dinamarca, Suécia e outros países nórdicos.

    A partir do crash de 2008, a concentração da riqueza ganhou força, resultado da opção de salvar os grandes bancos e corporações. No estudo da Oxfam, o caso norte-americano é mais uma vez destaque: 95% do ganho de renda registrado a partir de 2009 no país foi para o 1% mais rico. E, quanto mais no topo, maiores os ganhos proporcionalmente. Em 2012, por exemplo, enquanto o 1% mais rico ficou com 22% da renda do país, o 0,1% mais afortunado abocanhou 11% do bolo. Um norte-americano do sexo masculino e graduado recebe atualmente, em média, 40% do que recebia quatro décadas atrás.

    No artigo “A desigualdade é uma opção”, publicado em outubro de 2013, o Nobel de Economia Joseph Stiglitz, professor da Universidade Columbia, comenta a hiperconcentração em curso. De 1988 a 2008, anota o economista, a renda do 1% mais rico do planeta cresceu cerca de 60%. No mesmo período, a dos 5% mais pobres manteve-se estagnada. “Os ganhos de renda têm sido maiores entre aqueles da elite mundial – executivos financeiros e corporativos dos países ricos – e as amplas ‘classes médias emergentes’ de China, Índia, Indonésia e Brasil. Quem perdeu? Africanos, alguns latino-americanos e cidadãos do Leste Europeu pós-comunista e da antiga União Soviética.”

    Apesar de bem-vinda, a discussão em torno da desigualdade em Davos está longe de ser sinal de uma nova postura – e seria loucura supor que haverá ali uma guinada ideológica. Em 2005, o tema ocupou o topo das preocupações dos milionários reunidos na Suíça, àquela altura em companhia dos debates sobre o terrorismo. Em 1994, o tema também foi abordado, quando Klaus Schwab, presidente do fórum, definiu o encontro como uma oportunidade para “um gigantesco brainstorm para líderes empresariais, políticos, científicos e culturais, para analisar todos os pressupostos básicos da humanidade”.

    Então, os ouvintes saíram de Davos, embarcaram em seus jatos particulares e foram cultivar suas fortunas.

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    Segundo o estudo, a crise financeira detonada em setembro de 2008 veio a calhar para os mais ricos. O 1% do topo da pirâmide, anota a pesquisa, detém hoje metade da riqueza gerada no planeta. O financista norte-americano Warren Buffett é um exemplo da turma ganhadora: acumulava patrimônio de 40 bilhões de dólares antes da quebra do Lehman Brothers, e nada atualmente em uma piscina recheada de 59 bilhões de moedas. O quarto mais rico do planeta, segundo a lista da Forbes, Buffett é um dos 85 afortunados que, aponta a Oxfam, possuem patrimônio equivalente ao da metade mais pobre da população mundial, ou 3,5 bilhões de cidadãos. “Alguma desigualdade econômica é essencial para conduzir o crescimento e o progresso”, escrevem os responsáveis pela pesquisa. “Os níveis extremos de concentração da riqueza atuais, entretanto, ameaçam excluir centenas de milhões de obter os ganhos de seus talentos e trabalho duro.”

    Não é outra coisa o que tem acontecido desde o crash, com maior intensidade nos dois polos mais afetados pela crise, os EUA e a Zona do Euro (exceto a Alemanha). O quadro retratado espelha as opções feitas para enfrentar a crise, desenhadas de acordo com os interesses dos bilionários, constata a ONG. A saída escolhida foi salvar bancos e companhias consideradas “grandes demais para quebrar”, ao mesmo tempo que os gastos públicos eram cortados indiscriminadamente.

    O resultado foi uma onda avassaladora de desemprego e a falência de empresas cuja quebra, para as autoridades, teria o efeito positivo de ampliar a eficiência da economia como um todo. Nesse sentido, as políticas adotadas deram certo. O levantamento mais recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) contabiliza 202 milhões de desempregados no mundo, 5 milhões a mais do que no fim de 2012. Mantida a tendência, algo bastante provável, serão 215 milhões sem empregos no fim de 2017, estima Guy Rider, diretor da OIT.

    O estudo da Oxfam enumera algumas das causas da concentração crescente. Há décadas a falta de limites minou a representação popular nos Parlamentos. E o lobby das maiores corporações aos poucos tirou do caminho regras e leis forjadas para garantir (ou ampliar, conforme o caso) a concorrência nas economias. Estima-se que os bancos norte-americanos gastaram 1 bilhão de dólares em lobby nos últimos anos para enfraquecer e adiar a legislação em discussão para tornar o sistema financeiro menos arriscado.
    A corrupção, a perversidade de sistemas tributários como o brasileiro, que taxa proporcionalmente mais quem tem menos, os subsídios, a redução dos gastos em saúde e educação públicas, a perda de espaço dos sindicatos de trabalhadores e uma rede internacional de paraísos fiscais (em que, estima a ONG, cerca de 18 trilhões de dólares são escondidos para não pagar impostos) também explicam o processo em andamento.

    O marco zero dessa tendência, contudo, não tem nada de novo. Especialistas o situam no período que vai do fim da década de 1970 ao início dos anos 80, sob os auspícios da onda neoliberal e da desregulação dos mercados, particularmente o financeiro, sob a batuta ideológica da dupla Ronald Reagan e Margaret Thatcher.

    A resultante constatada agora não é um efeito colateral inesperado. Ao contrário. A cartilha Reagan-Thatcher recomendava deliberadamente o corte dos impostos dos mais ricos, em paralelo à redução dos direitos sociais e salários dos mais pobres, com o argumento de que o primeiro movimento garantiria fôlego para o consumo, enquanto o segundo ampliaria a competividade da economia ao reduzir o custo do trabalho. Uma parcela considerável das palavras de ordem pró-desregulação foi tecida, por sinal, justamente no Fórum Econômico de Davos, que nesta edição, diante da escala da tragédia social nos países ricos, procura convencer a opinião pública de que, no fundo, estão preocupados com a distância crescente entre ricos e pobres. Ao custo de 40 mil dólares por participante, vale notar.

    Na ponta do lápis, o quadro evoluiu nos EUA conforme o esperado pelos formuladores de tais políticas: a renda dos 10% mais pobres avançou, desde meados dos anos 1980, apenas 0,1% ao ano. Já aquela dos mais ricos cresceu, pela mesma métrica, 1,5%. No Reino Unido, o mesmo movimento: a renda avançou, em média, 0,9% na base da pirâmide e 2,5% entre os 10% do topo. Estudo da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, realizado em 2011, apontou os EUA, o Reino Unido e Israel como “pioneiros” da regressão social entre os mais ricos. A partir dos anos 2000, anota a pesquisa, a tendência incluiu as nações tradicionalmente menos desiguais, caso da Alemanha, Dinamarca, Suécia e outros países nórdicos.

    A partir do crash de 2008, a concentração da riqueza ganhou força, resultado da opção de salvar os grandes bancos e corporações. No estudo da Oxfam, o caso norte-americano é mais uma vez destaque: 95% do ganho de renda registrado a partir de 2009 no país foi para o 1% mais rico. E, quanto mais no topo, maiores os ganhos proporcionalmente. Em 2012, por exemplo, enquanto o 1% mais rico ficou com 22% da renda do país, o 0,1% mais afortunado abocanhou 11% do bolo. Um norte-americano do sexo masculino e graduado recebe atualmente, em média, 40% do que recebia quatro décadas atrás.

    No artigo “A desigualdade é uma opção”, publicado em outubro de 2013, o Nobel de Economia Joseph Stiglitz, professor da Universidade Columbia, comenta a hiperconcentração em curso. De 1988 a 2008, anota o economista, a renda do 1% mais rico do planeta cresceu cerca de 60%. No mesmo período, a dos 5% mais pobres manteve-se estagnada. “Os ganhos de renda têm sido maiores entre aqueles da elite mundial – executivos financeiros e corporativos dos países ricos – e as amplas ‘classes médias emergentes’ de China, Índia, Indonésia e Brasil. Quem perdeu? Africanos, alguns latino-americanos e cidadãos do Leste Europeu pós-comunista e da antiga União Soviética.”

    Apesar de bem-vinda, a discussão em torno da desigualdade em Davos está longe de ser sinal de uma nova postura – e seria loucura supor que haverá ali uma guinada ideológica. Em 2005, o tema ocupou o topo das preocupações dos milionários reunidos na Suíça, àquela altura em companhia dos debates sobre o terrorismo. Em 1994, o tema também foi abordado, quando Klaus Schwab, presidente do fórum, definiu o encontro como uma oportunidade para “um gigantesco brainstorm para líderes empresariais, políticos, científicos e culturais, para analisar todos os pressupostos básicos da humanidade”.

    Então, os ouvintes saíram de Davos, embarcaram em seus jatos particulares e foram cultivar suas fortunas.

    Economia

    Desigualdade

    O mundo é para poucos

    Em alta desde os anos 70, a concentração da riqueza bate recordes, para a alegria de 1% da população global

    por Luiz Antonio Cintra— publicado 06/02/2014 05:56

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    Dilma em Davos

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    Divulgada na abertura do encontro anual da elite econômica global em Davos, na Suíça, a pesquisa “Trabalhando para Poucos”, da ONG inglesa Oxfam, bem poderia se chamar “Vejam o Que os Senhores Conseguiram”. Ganhou manchetes mundo afora ao apontar para a hiperconcentração de riqueza em andamento na quase totalidade dos países ocidentais. Sete em cada dez indivíduos vivem em países onde a desigualdade avançou nas últimas três décadas, informa a Oxfam.

    Segundo o estudo, a crise financeira detonada em setembro de 2008 veio a calhar para os mais ricos. O 1% do topo da pirâmide, anota a pesquisa, detém hoje metade da riqueza gerada no planeta. O financista norte-americano Warren Buffett é um exemplo da turma ganhadora: acumulava patrimônio de 40 bilhões de dólares antes da quebra do Lehman Brothers, e nada atualmente em uma piscina recheada de 59 bilhões de moedas. O quarto mais rico do planeta, segundo a lista da Forbes, Buffett é um dos 85 afortunados que, aponta a Oxfam, possuem patrimônio equivalente ao da metade mais pobre da população mundial, ou 3,5 bilhões de cidadãos. “Alguma desigualdade econômica é essencial para conduzir o crescimento e o progresso”, escrevem os responsáveis pela pesquisa. “Os níveis extremos de concentração da riqueza atuais, entretanto, ameaçam excluir centenas de milhões de obter os ganhos de seus talentos e trabalho duro.”

    Não é outra coisa o que tem acontecido desde o crash, com maior intensidade nos dois polos mais afetados pela crise, os EUA e a Zona do Euro (exceto a Alemanha). O quadro retratado espelha as opções feitas para enfrentar a crise, desenhadas de acordo com os interesses dos bilionários, constata a ONG. A saída escolhida foi salvar bancos e companhias consideradas “grandes demais para quebrar”, ao mesmo tempo que os gastos públicos eram cortados indiscriminadamente.

    O resultado foi uma onda avassaladora de desemprego e a falência de empresas cuja quebra, para as autoridades, teria o efeito positivo de ampliar a eficiência da economia como um todo. Nesse sentido, as políticas adotadas deram certo. O levantamento mais recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) contabiliza 202 milhões de desempregados no mundo, 5 milhões a mais do que no fim de 2012. Mantida a tendência, algo bastante provável, serão 215 milhões sem empregos no fim de 2017, estima Guy Rider, diretor da OIT.

    O estudo da Oxfam enumera algumas das causas da concentração crescente. Há décadas a falta de limites minou a representação popular nos Parlamentos. E o lobby das maiores corporações aos poucos tirou do caminho regras e leis forjadas para garantir (ou ampliar, conforme o caso) a concorrência nas economias. Estima-se que os bancos norte-americanos gastaram 1 bilhão de dólares em lobby nos últimos anos para enfraquecer e adiar a legislação em discussão para tornar o sistema financeiro menos arriscado.
    A corrupção, a perversidade de sistemas tributários como o brasileiro, que taxa proporcionalmente mais quem tem menos, os subsídios, a redução dos gastos em saúde e educação públicas, a perda de espaço dos sindicatos de trabalhadores e uma rede internacional de paraísos fiscais (em que, estima a ONG, cerca de 18 trilhões de dólares são escondidos para não pagar impostos) também explicam o processo em andamento.

    O marco zero dessa tendência, contudo, não tem nada de novo. Especialistas o situam no período que vai do fim da década de 1970 ao início dos anos 80, sob os auspícios da onda neoliberal e da desregulação dos mercados, particularmente o financeiro, sob a batuta ideológica da dupla Ronald Reagan e Margaret Thatcher.

    A resultante constatada agora não é um efeito colateral inesperado. Ao contrário. A cartilha Reagan-Thatcher recomendava deliberadamente o corte dos impostos dos mais ricos, em paralelo à redução dos direitos sociais e salários dos mais pobres, com o argumento de que o primeiro movimento garantiria fôlego para o consumo, enquanto o segundo ampliaria a competividade da economia ao reduzir o custo do trabalho. Uma parcela considerável das palavras de ordem pró-desregulação foi tecida, por sinal, justamente no Fórum Econômico de Davos, que nesta edição, diante da escala da tragédia social nos países ricos, procura convencer a opinião pública de que, no fundo, estão preocupados com a distância crescente entre ricos e pobres. Ao custo de 40 mil dólares por participante, vale notar.

    Na ponta do lápis, o quadro evoluiu nos EUA conforme o esperado pelos formuladores de tais políticas: a renda dos 10% mais pobres avançou, desde meados dos anos 1980, apenas 0,1% ao ano. Já aquela dos mais ricos cresceu, pela mesma métrica, 1,5%. No Reino Unido, o mesmo movimento: a renda avançou, em média, 0,9% na base da pirâmide e 2,5% entre os 10% do topo. Estudo da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, realizado em 2011, apontou os EUA, o Reino Unido e Israel como “pioneiros” da regressão social entre os mais ricos. A partir dos anos 2000, anota a pesquisa, a tendência incluiu as nações tradicionalmente menos desiguais, caso da Alemanha, Dinamarca, Suécia e outros países nórdicos.

    A partir do crash de 2008, a concentração da riqueza ganhou força, resultado da opção de salvar os grandes bancos e corporações. No estudo da Oxfam, o caso norte-americano é mais uma vez destaque: 95% do ganho de renda registrado a partir de 2009 no país foi para o 1% mais rico. E, quanto mais no topo, maiores os ganhos proporcionalmente. Em 2012, por exemplo, enquanto o 1% mais rico ficou com 22% da renda do país, o 0,1% mais afortunado abocanhou 11% do bolo. Um norte-americano do sexo masculino e graduado recebe atualmente, em média, 40% do que recebia quatro décadas atrás.

    No artigo “A desigualdade é uma opção”, publicado em outubro de 2013, o Nobel de Economia Joseph Stiglitz, professor da Universidade Columbia, comenta a hiperconcentração em curso. De 1988 a 2008, anota o economista, a renda do 1% mais rico do planeta cresceu cerca de 60%. No mesmo período, a dos 5% mais pobres manteve-se estagnada. “Os ganhos de renda têm sido maiores entre aqueles da elite mundial – executivos financeiros e corporativos dos países ricos – e as amplas ‘classes médias emergentes’ de China, Índia, Indonésia e Brasil. Quem perdeu? Africanos, alguns latino-americanos e cidadãos do Leste Europeu pós-comunista e da antiga União Soviética.”

    Apesar de bem-vinda, a discussão em torno da desigualdade em Davos está longe de ser sinal de uma nova postura – e seria loucura supor que haverá ali uma guinada ideológica. Em 2005, o tema ocupou o topo das preocupações dos milionários reunidos na Suíça, àquela altura em companhia dos debates sobre o terrorismo. Em 1994, o tema também foi abordado, quando Klaus Schwab, presidente do fórum, definiu o encontro como uma oportunidade para “um gigantesco brainstorm para líderes empresariais, políticos, científicos e culturais, para analisar todos os pressupostos básicos da humanidade”.

    Então, os ouvintes saíram de Davos, embarcaram em seus jatos particulares e foram cultivar suas fortunas.

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