Todo o santo ser humano gosta de mentir. A mentira é a verdadeira medida da nossa santidade. Ao mais acabado campeão da verdade sempre diremos, transforme-se o meu amigo num veículo automóvel e meta a verdade no porta-bagagens. Continue lendo “Apologia da fake-news”
A coisa em si
A imaginação humana é esfomeada e vai com toda a sede ao pote. Não lhe chega o feijão com arroz da realidade. Ponham-se os olhos em Jean-Baptiste Botul. Ninguém sabe nada dos seus 51 anos de vida, de 1896 a 1947. Ora, nem todo o ouro do Banco de Portugal pagaria a riqueza da sua existência. Continue lendo “A coisa em si”
A viúva e as meninas
É nossa obrigação ajudarmos Mário Centeno introduzindo um mais rijo argumento no debate sobre o papel do Estado na dinamização de certas actividades económicas. Continue lendo “A viúva e as meninas”
Português precisa-se!
O atarantado Reino Unido precisa, nesta Primavera de 2019, exactamente do que, na Primavera de 1817, precisou a atarantada aldeia de Almondsbury, ali perto de Bristol e do seu canal. Precisa de um português. Continue lendo “Português precisa-se!”
O paraíso
Tive um vislumbre do que é o paraíso. Tinha vinte anos, uma das melhores idades para se ver o paraíso, e a primeira coisa que descobri foi que, no paraíso, Deus primava pelo absentismo. Não estava lá. Continue lendo “O paraíso”
A primaveril passarinha
De pé, vítimas do anonimato, pindéricos da terra. De pé, de pé. Tipos como nós, como eu, nunca teremos na ponta da língua o doce sabor da celebridade e da fama. Bem podemos usar à vontade sapatos de camurça. Continue lendo “A primaveril passarinha”
Orgulhosamente só
O japonês Hirō Onoda tinha a mesma impotência da ideia fixa de um António de Oliveira Salazar, de um Álvaro Barreirinhas Cunhal. A impotência da férrea ideia única converte um homem num Hércules, num imbatível Aquiles. Continue lendo “Orgulhosamente só”
O CEO e o taco de baseball
Não me digam, com boca de raiva, que era um gangster, que me obrigam a gritar a clamorosa verdade: era um benemérito. Espanta-me até que André Veríssimo, director do nosso Jornal de Negócios, não tenha já dedicado uma separata ao maior CEO do século XX, Alphonse Gabriel Capone. Continue lendo “O CEO e o taco de baseball”
Eu era para ser Papa
Não sei se comece pela orgia, se pela minha professora primária. Sabia lá eu o que era uma orgia e já o áugure romano que era a Dona Emília, minha iluminada professora na Missão de São Paulo, em Luanda, antevia que eu seria Papa. Nem padre, nem bispo, sequer cardeal, eu entraria, como Chalana aos 17 anos, no onze inicial, directamente para Papa. Continue lendo “Eu era para ser Papa”
A corda ao pescoço
A multidão exulta com a morte dos outros. Em Paris, na Place de Grêve, até ao século XVIII, a multidão festiva ululava por mais condenados. É daí, dessa multidão ociosa, desempregada e de mãos nos bolsos, que vem, em ínvia etimologia, a palavra greve. O último poeta que essa multidão gulosa e gourmet viu arder foi Claude Le Petit, condenado à fogueira, por ter escrito um voluptuosamente obsceno “Bordel das Musas”. Continue lendo “A corda ao pescoço”
Farda, tiro e queda
Caiu um grão de pimenta na minha vida. E dois de mostarda, já agora. Naquele tempo tinha dezanove anos e transitei, mais com um suspiro do que com um estrondo, de acólito a guarda vermelho, ou seja, do catolicismo progressista para o maoismo. Continue lendo “Farda, tiro e queda”
Amor à primeira vista
Não lembraria ao diabo começar uma crónica sobre um cientista, seja o nosso solar Carlos Fiolhais ou o admirável Sobrinho Simões, associando-lhes o termo “ass”, que é, em português, a forma de reduzir um rabo a duas letras. Continue lendo “Amor à primeira vista”
Arte ao meio-dia, lixo à meia-noite
Não se dá o devido valor ao arrepio na espinha, forma popular de designar o orgasmo estético. Recuemos aos anos 60 e visitemos o Fogg Museum, em Harvard. Uma tela de Matisse prende os nossos olhos. Uma chispa de prazer corre-nos pela medula com a velocidade e o estonteante drible do benfiquista Rafa: é só uma tela, um rosto de mulher, e é como se uma colher de paraíso se derramasse na ilha triste que é qualquer coração. Sai-nos boca fora, com dois pontos de exclamação, esta alegria infantil: que bonito, oh, que bonito. Continue lendo “Arte ao meio-dia, lixo à meia-noite”
O meu reino por uma galinha
Levantou-se o mundo inteiro contra as galinhas de Ernie Hausen. Mesmo eu, nas galinhas depenadas de Ernie só vejo, horrorizado, os meus pintainhos. E nem sei bem se começo pelo Wisconsin que viu nascer Ernie, se pela Luanda colonial que fazia a alegria dos pintos e dos quá-quás amarelinhos que minha mãe e meu pai criavam numa capoeira multicultural em que as galinhas conviviam com patos e patas, um ganso, mesmo alguns reservados e fugidios coelhos. Também tivemos um macaco, mas esse não é desta história. Continue lendo “O meu reino por uma galinha”
Um meticuloso trabalho de sacristia
O cinema é americano. Eis uma vaca sagrada que nem o #metoo se atreve a beliscar. Belisco eu: o que seria do cinema sem o catolicismo! Sem o arrevesado católico John Ford os westerns nunca seriam o que foram, sem o perverso católico Hitchcock não nos benzeríamos na água benta do medo e do suspense. Mas quem, num meticuloso trabalho de sacristia, protegeu o sensível bebé que era o cinema foi o católico Eddie Mannix. E vejam: os nossos selectos críticos só não o desprezam porque nem o conhecem. Continue lendo “Um meticuloso trabalho de sacristia”