O CEO e o taco de baseball

Não me digam, com boca de raiva, que era um gangster, que me obrigam a gritar a clamorosa verdade: era um benemérito. Espanta-me até que André Veríssimo, director do nosso Jornal de Negócios, não tenha já dedicado uma separata ao maior CEO do século XX, Alphonse Gabriel Capone.

Al Capone, como a História com suave intimidade lhe chama, foi o maior CEO e empreendedor dos anos 20 e 30 do passado século, investindo em destilarias, cervejarias, cabarets, apostas de cavalos, pequeninas e grandes casa de jogo, refulgentes casas de prazer. Nasceu em Bro­o­klyn. Numa rixa, uma ponta-e-mola desenhou na bonomia do seu rosto uma lendária cicatriz. À boca pequena, os inimigos chamavam-lhe Scarface.

Ainda as sobrancelhas eram a sua única zona pilosa e já o adolescente Alphonse constituíra uma filantrópica associação de prazer, com jovens meninas, persuadidas a colaborar, por certo com bons modos: terá sido numa rua esconsa de Brooklyn. Um atento investidor do ramo, ciente de que o bom CEO é o CEO que circula, mandou-o para Chicago, confiando-lhe a gestão de uma célebre casa de entretenimento, nesse tempo em que lazer e cultura andavam de mãos e pernas dadas. Em suma, cultivou, com responsabilidade social, o escape físico e metafísico do mercado do jogo, da bebida e do comércio amoroso. O seu management exaltante foi a referência, o benchmark do seu tempo.

Teve a merecida projecção galác­tica de um Cristiano Ronaldo. Em 1929, a par de Einstein e Ghandi, foi o homem do ano. Com um mérito: Capone não foi eleito pelas razões desenxabidas da escolha dos outros dois.

A analogia é tão banal que até me custa usá-la, mas sim, gozou uma popularidade de Marcelo. O povo pobre de Chicago adorava ver a sua risonha cara italiana. Fez Cristo a multiplicação de pães e peixes? O bem-aventurado Al Capone encheu de sopas quentes o mirrado e gélido estômago dos carenciados. Não sei se roubou a ricos para dar aos pobres, mas ai de quem não veja nestas acções redistributivas a premonição do rendimento mínimo garantido, que só o radioso futuro que somos viria a inventar.

Persistente como um Bill Gates, um Steve Jobs, o seu inconformismo herético, tão out of the box, somado à empatia com o povo eleitor, gerou a surda raiva de políticos míopes, longe ainda de sonharem com a glória das PPP, as parcerias público-privadas, hoje berço da nossa felicidade.

O fisco. O raio do fisco, incapaz de ver a tranca no seu olho, viu no de Al Capone um grão de areia: não pagara o IRS. Prenderam-no. Diga-se, na progressiva prisão de Atlanta, trataram-no melhor do que Caifás a Jesus. Tinha alcatifa, um esplêndido rádio para ouvir os folhetins que ungiam a sua alma simples, uma cama de água por causa de incomodativa hérnia. Não eram mordomias: estava ali preso um benemérito. Mas transferem-no para Alcatraz e logo o rude sistema prisional lhe mostra os ferozes caninos: põem-no a trabalhos forçados, pão e água, sem um vislumbre dos redentores ideais de reinserção social de Atlanta.

Bem pode a resistência à mudança e à diferença de um Bourdieu, de um Boaventura Sousa Santos, dizer o contrário: a Capone movia-o um ideal, o de satisfazer a demanda pública. Era um libertário, inimigo do proibicionismo repressivo da Lei Seca. Diz-se terem sido peculiares os seus métodos: afagava a cabeça de traidores a potentes pancadas de taco de baseball, comemorou o dia de São Valentim à metralhadora. Ora, ora… Sei é que, crucificado pela incompreensão, aos 33 anos, como Cristo, se entregou a uma vida de recolhimento, em Alcatraz.

Da Página Negra, texto publicado na coluna “Vidas de Perigo, Vidas sem Castigo”, no Jornal de Negócios

manuel.s.phonseca@gmail.com

Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a velha ortografia.

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