Se nunca viram um filme em alta-voz, experimentem. Esqueçam o 3D, o Imax e corram a ver Locke, pequena, monótona e exaltante obra-prima. Em Under the Skin e Blue Ruin, os mais belos filmes de estreia do ano, os carros eram protagonistas, uma operária Ford Transit com a que já sabem Scarlett ao volante, um arruinado Pontiac que ter volante já era uma sorte. Continue lendo “Locke é cinema em alta voz”
Dobrou-se para pintar as unhas dos pés
É nela que deve pensar toda a mulher que hoje pinta as unhas dos pés. Ninguém se dera ao trabalho de se dobrar. Pola Negri dobrou-se, pintou essas unhas térreas e lançou uma moda que persiste. Continue lendo “Dobrou-se para pintar as unhas dos pés”
O ouvido fino do meu pai
Sean Connery pai ou Harrison Ford filho guiam com estilo a moto e sidecar de Indiana Jones. Deviam ver-te, pai, a rasgares, na tua BSA, ao sol e à brisa dessa Angola que era e não era nossa. Levavas-me ao Liceu, ao Morro da Lua, à pesca ao Cacuaco. E agora? Não sei por onde andas, pai. Continue lendo “O ouvido fino do meu pai”
Stravinsky e os pássaros-lira
Se eu já estivesse vivo e me tivessem convidado, daria logo, de caras, com Katharine Hepburn e Igor Stravinsky em amena cavaqueira na sala. Continue lendo “Stravinsky e os pássaros-lira”
O cavalheiro que saboreou Al Pacino
Matava uma fartura de brancos. Fazia-o com um gosto que não disfarçava. A culpa foi de Quentin Tarantino, que fez dele, em Django Unchained, o escravo que um barroco actor alemão liberta. Continue lendo “O cavalheiro que saboreou Al Pacino”
O elogio da vingança
Está muito bem, devemos amar o próximo como a nós mesmos, prodigalizar-lhe festinhas e amenidades, mas uma suculenta e farta vingança, senhores! Olho por olho, decepar um braço, serrar uma perna a um inimigo, a um desses filhos da mãe que nos lixou a vida, que nos atirou os sonhos para a mais escusa das catacumbas, oh meu Deus, isso rejuvenesce o mais acabado e põe um capitoso champanhe nas veias do mais diluído dos seres humanos. Continue lendo “O elogio da vingança”
O cinema, essa arte católica
É altura de ajoelharmos. Faça-se justiça ao catolicismo. Essa religião de genuflexões, de padres-nossos e ave-marias, de em nome do pai e do filho, de mea culpa, mea culpa e salve-rainhas, é a mais cinematográfica das religiões. Continue lendo “O cinema, essa arte católica”
Vi a Ford Transit de Scarlett Johansson em Telheiras
Que John Fitzgerald Kennedy não me venha perguntar o que é que eu posso fazer por Scarlett Johansson. Sempre me perguntei o que é que Scarlett Johansson poderia fazer por mim e Jonathan Glazer deu-me agora a resposta. Continue lendo “Vi a Ford Transit de Scarlett Johansson em Telheiras”
Um pé de condessa
Nasceu descalça. E, descalça, foi condessa, ao lado de Bogart. Continue lendo “Um pé de condessa”
Detestava Hemingway e Huston sabe Deus
John Ford detestava Hemingway e gostava razoavelmente da escrita complexa de Faulkner. O irlandês Liam O’ Flaherty era o seu escritor favorito. Era primo dele e Ford adaptou-lhe um romance de coragem e delação, o The Informer. Em Hemingway, o incómodo vinha do louvor fácil a uma certa mitologia masculina, estranha a Ford. Continue lendo “Detestava Hemingway e Huston sabe Deus”
O penico da rainha e a Cinemateca
O primeiro a falar de penicos, e evocou o da Madame de Pompadour, foi Antonioni. Estava de visita à Cinemateca. Luís de Pina, o director, coleccionava miniaturas. Mas o João Bénard lembrou-se de um, autêntico, uma preciosidade do Palácio da Pena, em Sintra. De louça portuguesa, a rainha Dona Amélia guardava-o onde ainda hoje está, debaixo da cama. Partimos em romaria turística. Continue lendo “O penico da rainha e a Cinemateca”
Mickey, o rato que já não anda por aí
Anda por aí um Rato com o nome dele. Mickey Rooney nasceu atrás de um palco, nos bastidores de um teatro. A mãe era bailarina, ou melhor, e se não formos dos que têm a mania de andar sempre em pontas, era corista. O pai, um Homem Banana, cómico que, se queria que o público se risse, tinha de dar o corpo ao manifesto. Continue lendo “Mickey, o rato que já não anda por aí”
A mulher nua
Em convulsão metafísica ou embalo estético, o cinema gosta da mulher nua. Fruto de minuciosa investigação, deixo-vos uma lista de temas, situações e lugares que os filmes usaram como desculpa para a despir. Continue lendo “A mulher nua”
Um calor selvagem nas bochechas
Não gosto do amor fundamentalista ao cinema, não gosto do amor de xius e sibilados shhhs no escuro da sala, não gosto do espectador erecto por ter um garfo espetado já se sabe onde, não gosto do espectador com olhar devoto a babar metafísica a cada raccord, a cada trouvaille de mise-en-scène.
Tempestade sobre Lisboa
Não acho nada que Natal seja quando um homem quiser. Os Natais da minha infância tinham data e mais data passaram a ter quando vivi Natais angolanos em cenário de catástrofe. O conflito, a vivência extrema, enchem qualquer Natal de estrelas tracejantes, de anjos desabrigados a que faltam as asas, às vezes uma perna ou um braço. Continue lendo “Tempestade sobre Lisboa”