Voto útil ou voto no melhor? (4)

A segunda-feira da penúltima semana antes do primeiro turno das eleições de 2022 trouxe dois fatos muito importantes que têm muito a ver com o tema “Voto útil ou voto no melhor?”. Pela manhã, a campanha de Lula reuniu oito ex-candidatos à Presidência da República, a fim de mostrar que sua candidatura é uma frente ampla e assim conquistar votos de não lulistas que garantam sua vitória já no dia 2 de outubro.

E, à noite, o Ipec, ex-Ibope, divulgou sua quinta rodada de pesquisa eleitoral, com Lula com 52% das intenções de voto válidas – excluídas as respostas de quem pretende votar nulo ou branco e dos ainda indecisos. Ou seja: o Ipec mostra um cenário de vitória de Lula já no primeiro turno.

Dois fatos muito importantes, muito significativos, sem dúvida alguma.

Para mim, no entanto, a notícia mais impactante desta segunda-feira, 19/9, foi a de que, nas últimas semanas, conteúdo do Jornal Nacional da Rede Globo vem sendo adulterado e “compartilhado intensamente em redes sociais como o WhatsApp” – com os apresentadores do telejornal de maior audiência do país dizendo que Bolsonaro está à frente nas pesquisas.

São vídeos adulterados com o que se chama deepfake, literalmente falso profundo. É uma tecnologia que usa a inteligência artificial e permite, por exemplo, “adulterar o movimento dos lábios e transplantar um trecho de uma fala, de um determinado ponto para outro, mudando completamente o conteúdo de uma notícia”. Esses trechos entre aspas são de notícia do portal G1, da Rede Globo. A notícia sobre a falsificação foi dada também no próprio Jornal Nacional desta segunda-feira.

A coisa é tão apavorante, e tão incrível, que vou repetir:

Estão circulando maciçamente nas redes bolsonaristas trechos adulterados do Jornal Nacional em que William Bonner, Renata Vasconcelos e outros jornalistas que apresentam o JN dizem que Bolsonaro está liderando essa e aquela pesquisa, com Lula em segundo lugar.

Um dia antes de essa informação vir a público, Jair Bolsonaro discursou em Londres, na sacada da residência oficial do embaixador brasileiro:

“Não tem como a gente não ganhar no primeiro turno.”

Está, mais uma vez, anunciado o golpe que Jair Bolsonaro pretende dar, com o apoio de alguma parte das Forças Armadas, das Polícias Militares e dos milhões de bolsonaristas armados país afora.

Durante vários meses, ele pôs em dúvida a lisura das urnas eletrônicas. Nas últimas semanas, o bolsonarismo distribuiu informações mentirosas de que ele estaria à frente nas pesquisas de opinião. Quando as urnas demonstrarem a vitória de Lula, ainda no dia 2 à noite – seja abaixo de 50% mais um dos votos, seja acima, resolvendo a parada já no primeiro turno –, basta riscar o fósforo e jogar em cima da gasolina que ele vem acumulando entre seus apoiadores.

Posso estar sendo precipitado. Posso estar sendo paranóico. Devo estar. Tomara que esteja!

***

Voltando à reunião promovida pela campanha de Lula para dar a aparência de que o ex-presidente tem o apoio de uma frente ampla, é preciso assinalar que a bancada de ex-candidatos à Presidência da República reunida em um salão do hotel Gran Mercure, perto do Ibirapuera, em São Paulo, não era propriamente uma frente ampla. Lá estavam o petista Fernando Haddad, a ex-petista Marina Silva (hoje Rede), o ex-petista Cristovam Buarque (hoje Cidadania), a ex-petista Luciana Genro, e mais Guilherme Boulos (PSOL, partido que surgiu como um racha do PT), João Goulart Filho (PCdoB, partido que sempre apoiou o PT).

Os únicos não petistas, ex-petistas ou aliados históricos do PT entre os oito ex-candidatos à Presidência eram o economista Henrique Meirelles (hoje no União Brasil). que foi escolhido por Lula para a Presidência do Banco Central no primeiro governo petista, e o ex-tucano Geraldo Alckmin, hoje candidato a vice na chapa do PT.

De qualquer forma, a presença de Henrique Meirelles no evento para dar apoio a Lula foi muitíssimo falada ao longo do dia no noticiários, e considerada uma arma importante da campanha para conseguir mais votos que garantam a vitória já no primeiro turno. Reportagem no portal do Estado de S. Paulo dizia:

“A campanha de Lula faz, na reta final da campanha, um forte apelo ao voto útil no ex-presidente contra o presidente Jair Bolsonaro. O evento dessa segunda-feira é considerada uma vitória na campanha na tentativa de mostrar que há uma frente ampla de apoio a Lula, uma ideia que a campanha petista tenta emplacar desde o primeiro semestre. Lula afirmou que a eleição é ‘atípica’ porque ‘todos os candidatos’ estão em briga contra ele, para evitar que ele vença no primeiro turno, e disse que a reunião simboliza a ‘vontade que as pessoas têm de recuperar a democracia’.”

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A pesquisa Datafolha divulgada no dia 9/9 mostrava a distância entre Lula e Bolsonaro diminuindo – a boca do jacaré se fechando, como se diz. Por ela, a diferença, que havia sido de 21 pontos percentuais em 23/5, havia caído para apenas 12 pontos.

Foi essa diminuição da vantagem de Lula, com o avanço, ainda que lento e pequeno de Bolsonaro, que me levou a começar esta série aqui. “Algumas semanas atrás eu não tinha a mais leve sombra de dúvida: iria votar em Simone Tebet. Com absoluta certeza”, escrevi então. “Diante da boca do jacaré se fechando, com o monstro, o adorador da morte, da ditadura e da tortura subindo nas pesquisas – ainda que pouco a pouco –, já não tenho mais tanta certeza assim.”

Felizmente, muitíssimo felizmente, a rodada seguinte do Datafolha, de 15/9, já não mostrou mais a boca do jacaré se fechando, a diferença entre Lula e Bolsonaro se estreitando.

E a quinta rodada da pesquisa Ipec divulgada agora, neste 19/9, também mostra que neste momento não há tendência de a diferença entre o primeiro e o segundo colocado diminuir.

Exatamente como a pesquisa Datafolha divulgada em 15/9, esta nova rodada do Ipec mostra um quadro de estabilidade. Bolsonaro não se mexeu – manteve-se com os mesmos 31% da rodada anterior, enquanto Lula, na dianteira, oscilou um ponto para cima, de 46% para 47% das intenções de voto no primeiro turno.

Lá embaixo, no segundo pelotão, o que a nova rodada do Ipec mostrou foi também estabilidade. Ciro Gomes (PDT) manteve os mesmos 7% das intenções, e Simone Tebet (MDB com PSDB-Cidadania) oscilou de 4% para 5%.

Pouco após a divulgação dos novos números, os jornalistas na GloboNews realçaram bastante uma virada verificada em um corte importante da população, a classe média: pela primeira vez, Lula passou a frente também no estrato que ganha entre 1 e 3 ou 4 salários mínimos.

O dado é importante, sem dúvida. Esse estrato costuma ser o pêndulo que define para onde vai a maior parte do eleitorado.

Mas sem dúvida, me parece, o dado mais importante desta quinta rodada do Ipec é o percentual de 52% para Lula quando computados apenas os votos válidos. Isso é o que define se haverá segundo turno ou não – e como, pela margem de erro, Lula tem de 50% a 52% dos votos válidos, está dando vitória final já no primeiro turno.

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A margem ainda é muito pequena, mas já está dando que no primeiro turno mandaremos Jair Bolsonaro de volta para casa. Para talvez daqui a pouco ir para a prisão, que é o mínimo que pode haver para ele – o certo mesmo seria o inferno, já, imediatamente, mas isso a gente não pode resolver nas urnas.

A possibilidade de Lula vencer já no primeiro turno pode ter o efeito de chamar mais gente para o voto útil, como já observou, na GloboNews, a jornalista Eliane Cantanhêde.

Não vai dar Ciro mesmo, não vai dar Simone mesmo – então por que não acabar com isso de uma vez? Por que dar ao monstro mais três semanas de palanques e motociatas com nosso dinheiro?

Há bons argumentos em defesa do voto no melhor no primeiro turno, deixando para votar no menos ruim no segundo – e, da mesma maneira, há bons argumentos também a favor do voto útil.

Vi um interessante no Twitter, assinado por Leonardo Rossato:

“Se a gente resolver tudo no primeiro turno, a gente vai ter um mês e meio pra botar este país em clima de Copa. Pra pintar rua, colocar banderinha, fazer bolão da firma com todo mundo em paz sem pensar em eleição. Com segundo turno, perderemos tudo isso. Vamos resolver agora!”

Um argumento interessante – e bem humorado.

Mas creio que o argumento principal quem está dando é o próprio Bolsonaro, com sua preparação para o golpe.

19/9/2022

Este post pertence à série de textos e compilações “Voto útil ou voto no melhor?”.

A série não tem periodicidade fixa.

A 15 dias da eleição, Lula está na bica de vencer no primeiro turno. Bem perto, mas bem perto mesmo. (3)

A nova rodada do Ipec reabre a expectativa de vitória de Lula já no primeiro turno. (2)

3 Comentários para “Voto útil ou voto no melhor? (4)”

  1. Excelente Artigo, muito bom!
    Parabéns
    Obrigado pelas informações muito
    Importantes!

Comentário

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