Voto útil ou voto no melhor? (6)

  A menos de dez dias das eleições, há muitas dúvidas, é claro, mas todas as indicações levam a duas certezas: Bolsonaro vai perder, e, derrotado no jogo, Bolsonaro vai tentar uma virada no tapetão.

Perder, isso ele deve perder mesmo, pelo que mostram todas as pesquisas dos dois institutos mais sérios, competentes e independentes, o Ipec, ex-Ibope, e o Datafolha. O que a esta altura ainda não dá para saber é se Lula vai ganhar no primeiro ou no segundo turno.

Na rodada do Datafolha divulgada na noite de quinta-feira, 22/9, as intenções de voto em Lula oscilaram 2 pontos para cima, atingindo 47%, e as em Jair Bolsonaro se mantiveram estáveis, em 33%. Ciro Gomes (PDT) oscilou um ponto para baixo e está com 7%; Simone Tebet (MDB, PSDB-Cidadania) continuou com os mesmos 5% da rodada anterior.

Nos votos válidos – excluídos os brancos e nulos –, Lula passou a ter 50%, segundo o Datafolha. Com a margem de erro de 2 pontos, ele estaria entre 48% e 52%. Para vencer já no primeiro turno, precisaria ter 50% mais um voto.

A situação é bem parecida com a apontada pela mais recente rodada de pesquisa do Ipec, divulgada na segunda-feira, 19/9, que mostrou Lula com 47% das intenções de voto e Bolsonaro com 31%. Entre os votos válidos, Lula estava com 52%.

Ou seja: o petista está na bica de ganhar já no primeiro turno. Na bica. As chances são muito boas, mas ainda não está tranquilo, não está garantido.

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Tudo vai depender – este parece ser o entendimento geral entre os especialistas – de dois fatores. O primeiro são as abstenções. Se a abstenção for grande, em especial nas periferias das grandes cidades e no Nordeste, onde Lula é muito mais forte, as chances de o país se livrar de Bolsonaro já no primeiro turno diminuem. A campanha petista já começou a focar nesse tema; na entrevista ao Ratinho, na quinta-feira, Lula insistiu no pedido para que as pessoas não deixem de votar: “Eu queria que você comparecesse”, pediu ele aos telespectadores. “Vá para a urna, vote. Em quem você acha que vai consertar esse país, mas vote.”

O segundo fator é o voto útil – o tema específico desta série de textos e compilações de diferentes opiniões.

Nesta sexta-feira, 23/9, Lauro Jardim, no Globo, e Eliane Cantanhêde, no Estado de S. Paulo, comentaram que os números das últimas pesquisas ainda não estão mostrando oscilação em função da pregação que vem sendo feito pelos petistas a favor do voto útil. “Guerra do voto útil ainda não atingiu eleitores” foi o título da análise dos números do Datafolha escrita por Lauro Jardim. Ele escreveu:

“O resultado do Datafolha também indica que a guerra pelo voto útil pode já ter começado nos discursos petistas, mas ainda não tocou o eleitor. Ciro Gomes e Simone Tebet têm resistido bem ao chamamento petista para que tudo termine no dia 2. Ciro oscilou dos 8% da semana passada para os 7% de agora. É rigorosamente o mesmo número que exibia em maio. Simone manteve os 5% das últimas quatro pesquisas. Na reta final, contudo, é que se intensificará o apelo emocional que o PT conferirá à necessidade de vitória no primeiro turno.”

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Eis aqui trechos do artigo de Eliane Cantanhêde:

“A onda do voto útil, comum na reta final das campanhas, já começou e começou forte, com os artistas puxando a fila, os intelectuais indo atrás e um personagem-chave, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, dando aos tucanos e ao próprio centro uma sinalização a favor de Luiz Inácio Lula da Silva, mas, mais ainda, contra Jair Bolsonaro.

“Apesar de não citar Lula e Bolsonaro, o texto de FHC não deixa dúvida, ao defender o combate à pobreza e à desigualdade, direitos iguais independentemente de raça, gênero e orientação sexual, valorização da educação e da ciência, preservação do ambiente, fortalecimento das instituições e recuperação da imagem internacional do Brasil. (…)

“A nota, ou manifesto, não foi um gesto isolado. Três ex-ministros da era tucana aderiram à chapa Lula-Alckmin no primeiro turno: José Carlos Dias e Miguel Reale Júnior, da Justiça, e José Gregori, dos Direitos Humanos, enquanto 55 líderes políticos e intelectuais da América do Sul fizeram uma carta aberta a Ciro Gomes pedindo que renunciasse em favor de Lula, porque o embate no Brasil, segundo eles, é ‘entre fascismo e democracia’.

“Apesar de José Serra, Aécio Neves e o aliado de sempre Roberto Freire (Cidadania) manterem o apoio à candidata da aliança, Simone Tebet (MDB), e principalmente à vice dela, a tucana Mara Gabrilli, a tendência no PSDB é ir, um a um, para Lula.

“Esse movimento pelo voto útil, porém, criou uma expectativa que se frustrou nesta quinta-feira, 22, com o Datafolha, pois não alavancou os candidatos do petista em Estados decisivos. (…)

“Conclui-se, assim, que a onda do voto útil está restrita a cúpulas e famosos e não chegou à sua excelência, o eleitor. Mas vai chegar, porque o momento empurra para isso, as ameaças de Bolsonaro assustam e a história mostra que sempre acontece. O desafio de Lula para vencer no primeiro turno é esse: disparar no Sudeste com o voto útil.”

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A onda do voto útil vai chegar à sua excelência, o eleitor. Nada menos de 11% dos eleitores brasileiros afirmam que podem mudar de candidato no primeiro turno da eleição presidencial e apoiar aquele que estiver em primeiro lugar nas pesquisas, segundo a mais recente rodada do Datafolha.

Esses 11% são do total geral de eleitores. Entre os simpatizantes de Ciro Gomes e Simone Tebet o percentual é maior: uma em cada cinco pessoas desse grupo ouvidas pelo Datafolha afirma, a menos de dez dias da eleição, que existe a hipótese de aderir ao voto útil com o objetivo de impedir o segundo turno.

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Portanto…

Sim, Bolsonaro vai perder. Essa é uma certeza. A outra certeza é que, derrotado no jogo, Bolsonaro vai tentar uma virada no tapetão.

Ele vem anunciando isso há meses e meses. Há meses e meses faz campanha para desacreditar as urnas eletrônicas e os tribunais superiores – o STF e o TSE. Não tem prova alguma contra as urnas, é claro, mas o gado que grita “mito!” para o monstro acredita piamente em tudo que ele fala.

Mais recentemente passou a desacreditar também os institutos de pesquisa – os mais sérios, é claro, que são os que mostram Lula bem à frente dele.

Seu aliado Arthur Lira, que preside a Câmara dos Deputados como um jagunço, entrou nessa campanha contra os institutos, na quinta-feira, 22/9, e veio falando em punição para eles. Na segunda-feira, 19/9, o ministro Fábio Faria já havia feito uma ameaça explícita ao Ipec: “No dia 2 de outubro a população vai cobrar o fechamento desse instituto”.

Reportagem de Levy Teles no Estado de S. Paulo de quinta-feira, 22/9, mostrou que há um conluio de grupos bolsonaristas para espalhar no Telegram informações falsas de que Bolsonaro está na frente das pesquisas e que há um processo de fraude eleitoral em curso para impedir a reeleição do presidente. A reportagem é impressionante, apavorante. Um trecho:

“Levantamento feito a pedido do Estadão pelo Laboratório de Humanidades Digitais da Universidade Federal da Bahia (LABHD/UFBA), em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o InternetLab, mostra que, nos últimos 90 dias, uma em cada quatro mensagens (26%) sobre eleições em grupos bolsonaristas no Telegram citam termos relacionados à fraude eleitoral — o principal assunto mencionado ao falar sobre o pleito no País.

“Foram 56,7 mil mensagens compartilhadas de janeiro até o dia 20 de setembro deste ano nos 185 grupos e 524 canais (que funcionam como listas de transmissão) monitorados pela equipe. Foram registradas menções à fraude em 164 grupos e 293 canais. Os dados exibem, ainda, um viés de crescimento dos disparos desde junho até alcançar um pico diário em setembro. Em agosto, por exemplo, foram 7.892 mensagens e em setembro já são 5.734.”

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No domingo. 18/9, em entrevista ao SBT, Bolsonaro afirmou, com aquela cara de pau incrível: “Eu digo, se eu tiver menos de 60% dos votos, algo de anormal aconteceu no TSE, tendo em vista obviamente o ‘data povo’, que você mede pela quantidade de pessoas que não só vão nos meus eventos, bem como nos recepcionam ao longo do percurso até chegar ao local do evento”.

Nesta sexta-feira, 23/9, explicitou que não pretende entregar o poder no dia 1º de janeiro: “Peço sabedoria para que a gente possa, lá na frente, bem lá na frente, entregar, para quem me suceder, democraticamente e numa eleição limpa, a continuidade do governo brasileiro”, afirmou.

Entregar o poder, só “lá na frente, bem lá na frente”.

Pode haver ainda alguma dúvida?

Ao ser derrotado nas urnas, Bolsonaro tentará virar a mesa.

Como, isso a gente não sabe. Não sabemos qual seria o grau de apoio dentro das Forças Armadas a uma tentativa de golpe de estado.

Mas dá perfeitamente para imaginar qual seria a reação das centenas de milhares de bolsonaristas portadoras de armas – como os que mataram petistas em Foz do Iguaçu e em Confresa – diante de uma convocação de sei “mito”, como a feita por Donald Trump para que a multidão invadisse o Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021, e impedisse a proclamação oficial da vitória de seu adversário Joe Biden.

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O jornalista e escritor Carlos Marchi, um ferrenho defensor do direito ao voto no melhor candidato no primeiro turno, nunca ao voto útil, acha que “não haverá ‘golpe’ porque o interessado não tem competência para organizá-lo nem forças para integrá-lo”. Mas acredita que “haverá

arruaças, talvez escaramuças, tudo no melhor estilo trumpista”.

“É pueril ingenuidade achar que um placar mais elástico no primeiro turno vai reconstituir a ética de Bolso”, ele escreveu. “O problema de Bolso não é ter um nível ético sofrível – é ser amoral, não ter nível ético nenhum. Basta ver que, abaixo nas pesquisas por 13 a 15 pontos, ele disse que o certo será ele ganhar por 20 pontos percentuais. Não adianta voto útil, não adianta ganhar no primeiro turno, não adianta imaginar que ele vai se inibir: HAVERÁ ARRUAÇA.”

Infelizmente, a verdade é esta mesmo: haverá arruaça quando Lula vencer a eleição – seja no primeiro, seja no segundo turno.

Isso quer dizer que não importam os nossos votos – os votos dos milhares e milhares de brasileiros que gostaríamos de eleger Simone Tebet ou Ciro Gomes? Tanto faz abrirmos mão de nossas convicções para ajudar o país a se livrar de Bolsonaro já no primeiro turno, ou não aderir ao voto útil e votar no melhor?

Eu estou em dúvida sobre o que é melhor para o país – se o voto útil, se o voto no melhor. Já não tenho mais a certeza que tinha até umas duas semanas atrás.

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Outro dia li um post que Silvia Amélia de Araújo colocou no Facebook. A coisa ficou remoendo na minha cabeça:

“Se perder no primeiro turno, Bolsonaro vai dizer que as eleições foram fraudadas e criar tumulto.

“Se perder no segundo turno, Bolsonaro vai dizer que as eleições foram fraudadas e criar tumulto.

“Qual a diferença?

“É que, se perder no primeiro turno, ao mentir que houve fraude, Bolsonaro estará criando caso todos os 27 senadores eleitos, os 513 deputados federais eleitos, os 1.-35 deputados estaduais eleitos, os 24 deputados distritais eleitos e com os governadores eleitos ou que avançarem para o segundo turno. Ou seja, a força do seu questionamento será muito menor, já que até político apoiador de Bolsonaro, se eleito, não terá interesse algum em invalidar as eleições que o elegeu.

“Temos muito mais chance de evitar uma combustão social se a derrota acontecer já no primeiro turno.”

É um bom argumento. Sem dúvida, é um bom argumento.

23/9/2022

Este post pertence à série de textos e compilações “Voto útil ou voto no melhor?”.

A série não tem periodicidade fixa.

Avoluma-se – e muito – a lista das personalidades que se decidem pelo voto útil. (5)

Bolsonaro anuncia seu argumento para a tentativa de golpe: vai ganhar no primeiro turno. (4)

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