Voto útil ou voto no melhor? (3)

A 15 dias da eleição, Lula está na bica de vencer no primeiro turno. Bem perto, mas bem perto mesmo.

A mais recente rodada da pesquisa do Ipec (ex-Ibope), divulgada na segunda-feira, 12/9, mostrou Lula com 51% quando consideradas apenas as intenções de voto válidas – sem contar brancos, nulos e indecisos. Vitória no primeiro turno, portanto. Bem apertada, mas vitória. A pesquisa Datafolha divulgada na noite de quinta-feira, 15/9, mostrou Lula com 48% do total dos válidos, contra 36% de Jair Bolsonaro. Perto, bem perto da vitória no primeiro turno.

É absolutamente normal, assim, que se fale tanto da questão que o título deste texto (e desta série) escancara: voto útil ou voto no melhor?

Faltando tão pouco para garantir que o país vá se livrar do Capitão da Morte, do Flagelo de Deus, do sujeito que reúne em si só os quatro cavaleiros do Apocalipse, faz sentido nós – estes milhões de brasileiros que queremos o bem do país, mas também não somos lulistas – ajudarmos a adiar a decisão?

Porque falta pouco, sim. Toda a lógica, todo o histórico de eleições passadas, tudo indica que Bolsonaro não deve ganhar em um eventual segundo turno, se houver um segundo turno. Não há chance – dizem os cientistas políticos, os que acompanham de perto a política – de alguém que chega ao primeiro turno sendo rejeitado por metade da população ser eleito no segundo. Pela nova rodada do Ipec, a rejeição a Bolsonaro é de 53%. A metade mais três pontos percentuais dos brasileiros afirmam que não votariam nele de jeito algum.

Neste 16/9, a penúltima sexta-feira antes da eleição no dia 2/10, o portal do Estadão (onde trabalhei durante uns dois bons, valorosos anos, mas isso não tem nada a ver…) publicou reportagem com levantamento mostrando que, desde 1998, todos candidatos que estavam à frente nas pesquisas acabaram vencendo a eleição. Fernando Henrique Cardoso em 1998, Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 e 2006, Dilma Roussef em 2010 e 2014 e esse estrupício que está aí em 2018.

As indicações são de que não tem jeito – Bolsonaro deverá perder mesmo. Então, por que não votar logo em Lula e acabar com isso? – pergunta muita gente.

Mas então, se Bolsonaro vai perder mesmo, por que não votar em quem a gente considera melhor agora, para daqui a pouco a gente voltar às urnas e aí, sim, votar no menos pior? – pergunta uma outra parte dos brasileiros que querem o bem do país? Por que dar carta branca a Lula e ao PT?

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Segundo a penúltima pesquisa Datafolha, a divulgada na sexta passada, 9/9, 54% dos eleitores de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB, PSDB-Cidadania) declaram que ainda podem mudar de voto.

Ciro e Simone juntos tinham 12% das intenções de voto. Metade disso aí, portanto, 6%, é mais do que capaz de definir se haverá segundo turno ou não.

Para defender a prática democrática de se votar no melhor em primeiro turno, Simone Tebet declarou na terça-feira, 13: “Numa vitória no primeiro turno, se acontecesse, a diferença seria tão pequena, tão pequena, que a gente teria que enfrentar quatro anos de discussão sobre o resultado das urnas, se as urnas são seguras.”

No dia seguinte, ao ser questionada novamente sobre o voto útil no Recife, Simone afirmou: “É um desrespeito à população brasileira numa das eleições, talvez a mais importante, a mais difícil. Nós queremos que o eleitor não vote pelo medo, mas pela esperança e pela certeza.”

A candidata a vice na sua chapa, a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) chamou a ofensiva do PT pelo voto útil de “desrespeito e desserviço”: – “Neste momento, essas falas agridem e subestimam o eleitor. E desdenham dos demais presidenciáveis e suas chapas. É muita pretensão e arrogância do candidato achar que ele resolve todo o problema do Brasil sem se curvar ao contraditório.”

Na propaganda eleitoral de Ciro Gomes, a locutora atacou o voto útil assim: “O que você diria se alguém mandasse você abandonar a sua família, por que sem ela sua sobrevivência seria mais fácil? Para eles, voto útil é tornar sua dignidade inútil.”

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Eis um trecho de artigo de Conrado Hübner Mendes, na Folha de S. Paulo de quinta, dia 15/9:

“Não há polarização entre Bolsonaro e Lula, mas entre Bolsonaro e qualquer ente que atrapalhe desejos seus e da grande família. A política democrática, outra senhora que lhe tira do sério, é um desses obstáculos.

Bolsonaro está armado. Pede deferência ou morte. Cidadãos estão com medo de sair à rua. Outros sendo mortos ou ameaçados. Adversários vêm sendo abordados no espaço público por gente com pistola na cintura. É assim que se opera em Rio das Pedras, é assim que se opera no planalto bolsonarista.

Um segundo turno é a colher de chá que deseja: o prêmio de quatro semanas em que pode disparar, sem afetar interesses eleitorais de aliados, seu arsenal atômico.”

(Quem se interessar ela íntegra do artigo a encontra aqui: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/conrado-hubner-mendes/2022/09/e-voto-de-sobrevivencia-nao-e-voto-util.shtml.”

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Edgard Brandão Jr., engenheiro, escreveu no Twitter uma frase forte: “Votar no terceiro é ajudar o segundo”.

Fred Navarro, jornalista e escritor, opinou a meu pedido: “Voto útil é um direito de quem optou por isso. E só. Quem conhece a História do Brasil sabe que o estrupício não tem força política para liderar golpe militar e nem eleitoral para se reeleger. O ‘medo’ inflado pelo PT (e arredores) é puro oportunismo. Que lute pela maioria no segundo turno. Se não pisar demais no tomate, a terá. Voto em Lula no segundo turno, mas no primeiro, nem sob tortura.

André Dahmer, desenhista, afirmou no Twitter: “Meu voto é em Lula já no primeiro turno. Faria campanha e votaria em Ciro, Simone ou na minha cadelinha Frida contra Bolsonaro se qualquer um deles tivesse os números de Lula.”

Carlos Marchi, jornalista e escritor, escreveu no Facebook:

“Fazer voto útil no primeiro turno não vai melhorar o país – vai apenas fortalecer a polarização com Bozo.

Isto quer dizer: fazer voto útil no primeiro turno vai fortalecer Bozo como futura oposição de Lula e do PT.

Lula e o PT não estão pedindo voto útil ao indeciso. Pedem ao eleitor de Ciro e Simone.

E ao fazer isso tentam anular e enfraquecer Ciro e Simone, para sobrar só Bozo como oposição.

Quer dizer, fazendo voto útil no primeiro turno você está piorando e atrasando o Brasil, e fortalecendo Bozo.

Quando prega voto útil no primeiro turno, o PT está te engabelando, te enrolando, manipulando sua ansiedade.

Claro. Exceto sua (nossa) ansiedade em defenestrar Bozo, qual a diferença de Lula ganhar no 1º ou no 2º turnos?

Afinal, se Lula vai mesmo ganhar as eleições no 2º turno – e vai – por que será preciso eliminar as outras forças políticas?

Pense nesta grande questão: o PT quer enfraquecer as outras forças políticas para governar sozinho.;.

Quer enfraquecer as forças intermediárias para ter como opositor apenas Bozo. Ou seja, pra governar com 70% de apoio.

E você, que acompanhou o passado dos governos petistas, sabe muito bem o que vai acontecer numa situação dessas, não sabe?

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Em editorial na quarta, 14/9, O Globo elogiou a aproximação da ex-ministra Marina Silva com Lula, em troca da adoção, pela candidatura petista, de propostas da Rede para a área ambiental. E afirmou que, para conquistar a maioria, Lula deveria que fazer concessões aos outros partidos, às outras forças políticas.

“Uma vitória de Lula sem clareza a respeito de seu programa de governo não seria o melhor para o país. (…)

A aposta de Lula é liquidar a eleição no primeiro turno para não ter de assumir compromissos que desafiem a velha bússola do partido. Uma vez no poder, ele poderá então governar como bem lhe convier. O país teria se livrado da inépcia, da baixaria e das ameaças à democracia de Bolsonaro, mas poderá se ver de novo refém de políticas econômicas comprovadamente desastrosas. Seria uma tragédia para o Brasil.

A importância dos acordos programáticos, como o fechado com Marina, está em obrigar Lula a fazer concessões explícitas aos grupos políticos de cujo apoio precisa para vencer, em especial no campo econômico. Com isso, sua candidatura se torna mais representativa da maioria que ele tanto almeja. E, para o Brasil, muito mais relevante do que saber se Lula tem condição de derrotar Bolsonaro no primeiro ou no segundo turno é ter noção de que governo ele fará se vencer. Até agora, isso não ficou claro como deveria.”

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Na Folha de S. Paulo desta sexta, 16, Hélio Schwartsman escreveu já no título de seu artigo que “o importante é Bolsonaro ser derrotado, tanto faz em qual turno”.

Eis sua argumentação:

“Lula e aliados vêm aumentando a pressão sobre os eleitores de Ciro e Tebet para que eles abracem o voto útil e assegurem a vitória do petista já no primeiro turno. O que estaria em jogo é a própria democracia.

“Eu estou convencido de que Bolsonaro representa não só um risco institucional como também civilizacional e confesso que torço para que sua derrota seja a mais humilhante possível. Não vejo, porém, como afirmar que exista, para os democratas, a obrigação moral de eleger Lula já no próximo dia 2.

“A primeira parte de meu argumento é estatística. Bolsonaro receberá dezenas de milhões de votos. Penso que seus eleitores estão equivocados, mas hesitaria em classificá-los todos como antidemocratas. Aliás, se esse fosse o caso, já não haveria no país democracia a defender.

“Obviamente, se nem os bolsonaristas são todos contra a democracia, os ciristas e tebetistas também não devem ser colocados nessa categoria. Sugerir o contrário contribui mais para acirrar as divisões do que para pacificar o país.

“Também não estou muito certo de que antecipar a derrota de Bolsonaro diminua o risco de sabotagem ao processo eleitoral. É verdade que o presidente da República teria mais facilidade para gritar ‘fraude’ numa disputa que envolva apenas ele, Lula e parte dos governadores (2º turno) do que numa em que fazê-lo colocaria em dúvida também a legitimidade de todos os parlamentares eleitos (1º turno). Mas esse não é o único cenário de perigo.

“Perder por um punhado de votos em qualquer turno também o estimularia a contestar o resultado, e, se Lula levar no primeiro, quase certamente será por margem estreita. No mais, perca no primeiro ou no segundo escrutínio, Bolsonaro fica no cargo até 31/12. Nesse interregno, deverá espernear e plantar armadilhas para o sucessor.

“O importante para a democracia é que Bolsonaro não seja reeleito. Se isso vai ocorrer no começo ou no fim de outubro, é secundário.”

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Também na Folha de S. Paulo de sexta, 16/9, Mariliz Pereira Jorge escreveu um artigo em que fala um monte de verdades – e que a tornará uma inimiga pública dos petistas. Eis a íntegra de seu artigo “Hora de virar voto é agora    ”:

“A duas semanas da eleição, a hora de mudar o voto é agora. Mas a impressão é que o petista não está preocupado com o resultado do pleito, o petista quer ter razão, quer lavar a roupa suja com antigos críticos do partido.

“Diferentemente de Lula, que deixou no passado suas diferenças políticas com Alckmin em nome de uma aliança democrática contra Bolsonaro, a militância, sempre que pode, se dedica a desencavar tuítes e vídeos para mostrar que nem todo mundo é limpinho o suficiente para estar no mesmo lado da trincheira.

“Não bastasse ser vítima da covardia bolsonarista, Vera Magalhães virou alvo de eleitores da esquerda que, quando deveriam estar ocupados em virar voto, resolveram cobrar o que eles consideram ser uma dívida dela como profissional. Eu tinha me esquecido que não são só bolsonaristas os que não admitem oposição ao seu político. Mas jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados. Obrigada, Millôr.

“O petista não consegue ser solidário com quem não é da patota sem dizer que faz apenas um favor, deixando nas entrelinhas que a vítima merece o que tem sofrido, estimulando com textos cheios de verniz o desprezo a qualquer um que não tenha uma carteirinha do partido.

“Alckmin já chamou Lula de ladrão, seu partido votou a favor do impeachment de Dilma. O ex-presidente tratou o agora vice da chapa como ‘picolé de chuchu’, ‘insosso”, ‘hipócrita’, e comparou tucanos a nazistas. Foram inimigos durante décadas, na maior parte do tempo sem civilidade, mas viraram a página.

“Alckmin tem sido poupado pela militância, mas o mesmo tratamento não é dado a outros por uma simples razão: o petista não se conforma em perder o protagonismo da luta contra Bolsonaro e se acha o rei das virtudes. Ainda trata eleitores que não decidiram seu voto como fascistas. Vai dar certinho. Na véspera da eleição é só chamar para tomar café com bolo.”

16/9/2022

Este post pertence à série de textos e compilações “Voto útil ou voto no melhor?”.

A série não tem periodicidade fixa.

A nova rodada do Ipec reabre a expectativa de vitória de Lula já no primeiro turno. (2)

São os não fanáticos que vão definir se haverá segundo tgurno ou se a decisão é logo no primeiro. (1)

Um comentário para “Voto útil ou voto no melhor? (3)”

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