Chega de Bolsonaro

“O presidente Jair Bolsonaro não reúne mais as condições para permanecer no cargo.”

Não sou que estou dizendo isso. Eu venho escrevendo isso aqui a meses, mas, diacho, eu não sou importante.

Quem escreveu a frase acima não é tampouco um importante jornalista, assim da respeitabilidade de Miriam Leitão, Eliane Cantanhêde, Carlos Alberto Sardenberg, Vera Magalhães, Rolf Kuntz, Fernando Gabeira. Creio que todos eles já escreveram algo parecido, em seus artigos, mas, por mais importantes que sejam, emitem suas opiniões pessoais. Merecem toda consideração, é claro, mas falam em nome deles.

A frase acima é a opinião não de uma pessoa apenas, mas de uma instituição nacional, um dos três maiores, mais antigos e mais respeitados jornais do país, O Estado de S. Paulo.

O Estado de S. Paulo passou a defender a abertura do processo de impeachment de Jair Bolsonaro.

Do alto de seus majestosos 142 anos de existência, O Estado afirma, no editorial deste domingo, 11 de julho de 2021:

“Cabe agora ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), mostrar ao País que tem brio e espírito republicano. Lira deve dar seguimento a 1 dos 123 pedidos de impeachment contra Bolsonaro que pairam sobre sua mesa. Tibieza não assegura lugar de honra na História.”

Não é pouca coisa. De forma alguma.

Eu, aqui neste meu cantinho, já publiquei 53 títulos da série “Fora, Bolsonaro” – textos que também reúnem artigos e editoriais que mostram os crimes cometidos pelo presidente da República e seu desgoverno. Todos os meus 53 posts reunidos não valem uma frase sequer do editorial “Chega de chantagem” de O Estado.

Agora é esperar que O Globo e a Folha de S. Paulo façam o mesmo. Que assumam em editorial a defesa do impeachment que já fazem praticamente todos os seus colunistas e comentaristas.

Tenho a maior felicidade em transcrever aqui o editorial de O Estado.

E aproveito para transcrever também, abaixo dele, um excelente artigo publicado pelo Estado nesta segunda-feira, 12/7, em que o advogado Antônio Claudio Mariz de Oliveira se dirige diretamente ao presidente da Câmara dos Deputados e diz: “Salve-se de uma mácula que com certeza será indelével. (…) Não passe para a História como cúmplice do pior governo da República.”

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Chega de chantagem

Editorial, O Estado de S. Paulo, 11/7/2021

A Nação não suporta mais chantagem. Basta de ameaças às instituições da República e ao regime democrático que os brasileiros reconquistaram não sem grande sacrifício. É hora de coragem e firmeza na defesa da liberdade.

O presidente Jair Bolsonaro não reúne mais as condições para permanecer no cargo. Acossado por sucessivos reveses morais, políticos, penais e administrativos, Bolsonaro parece ter mandado às favas os freios internos que o faziam ao menos fingir ser um democrata. Sua natureza liberticida falou mais alto. Como alguém que não tem mais nada a perder, o presidente se insurgiu contra a Constituição ao ameaçar de forma explícita a realização das eleições no ano que vem, como a Lei Maior determina que haverá.

“Ou fazemos eleições limpas no Brasil, ou não temos eleições”, afirmou Bolsonaro ao punhado de apoiadores que batem ponto no Palácio da Alvorada. Todos sabem o que Bolsonaro quer dizer com eleições “limpas”: eleições do jeito que ele quer, com o resultado ao qual ele almeja. O presidente chantageia a Nação. Como um menino mimado, diz que, se não lhe derem o voto impresso, ele inflama sua horda de camisas pardas e instala a baderna. Uma pessoa com esta índole é indigna da Presidência da República.

A reação da sociedade a esta chantagem determinará o tipo de país que o Brasil haverá de ser daqui em diante. É absolutamente inconcebível que o chefe de Estado e de governo ameace impunemente fazer letra morta de uma cláusula pétrea da Constituição. Os brasileiros estão diante de uma disjuntiva. Ou bem se reassegura o Estado Democrático de Direito consagrado pela Lei Maior ou Bolsonaro segue como presidente.

Certamente, Bolsonaro se sentiu seguro para subir o tom de suas cominações após a divulgação da nota subscrita pelo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e pelos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, respectivamente, o almirante Almir Garnier Santos, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e o brigadeiro Carlos de Almeida Batista Júnior. A pretexto de repreender um senador por suas declarações – isto, por si só, uma excrescência –, os quatro deixaram no ar a ameaça de ruptura institucional ao afirmarem que as Forças Armadas constituem “fator essencial de estabilidade do País”. Ora, se há instabilidade no Brasil hoje não é por outra razão que não política, e em grande medida provocada por Bolsonaro. E numa democracia as instabilidades políticas são resolvidas no âmbito político, vale dizer, civil.

Que Braga Netto assinasse uma nota como aquela, era de esperar. Afinal, não se trata mais de um militar da ativa, mas de um político, demissível, pois, a qualquer tempo. Espantoso foi o endosso às urdiduras do Palácio do Planalto dado pelos comandantes das três Forças, autoridades de Estado que são, não de governo. Deles não se esperava uma palavra sequer no que concerne aos assuntos próprios das lides políticas.

O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), reagiu à altura das afrontas, mas não sem antes ter sido pressionado para tal. Em entrevista coletiva, Pacheco reafirmou a independência do Poder Legislativo e classificou como “inimigo da Nação” todo aquele que “pretender algum retrocesso no Estado Democrático de Direito”. O senador ainda refutou “especulações sobre as eleições de 2022” e assegurou que a realização do pleito é “inegociável”.

Igualmente republicana foi a reação do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Barroso afirmou que qualquer tentativa de Bolsonaro de obstruir a realização das eleições de 2022 configura crime de responsabilidade. Seria mais um no rol de crimes de responsabilidade que o presidente já cometeu. Ao Estado, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) afirmou que a CPI da Covid já reuniu “elementos suficientes” para pedir a cassação do presidente da República.

Cabe agora ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), mostrar ao País que tem brio e espírito republicano. Lira deve dar seguimento a 1 dos 123 pedidos de impeachment contra Bolsonaro que pairam sobre sua mesa. Tibieza não assegura lugar de honra na História.

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Decisão necessária x omissão criminosa

Antonio Claudio Mariz de Oliveira, O Estado de S.Paulo, 12/7/2021

O homem, quando se vê diante de uma situação que o obrigue a tomar uma decisão, ou a toma ou simplesmente se omite. É evidente que se optar por agir sua ação trará consequências. No entanto, também a omissão provocará repercussões, que vão variar de acordo com a motivação de sua inércia. Aliás, há momentos em que a inércia é mais marcante e traz um maior estigma do que a decisão mesmo que errada. No caso, ela constitui crime de lesa-pátria.

A inércia adotada no caso do impeachment do atual presidente da República está sendo colocada como uma prerrogativa do presidente da Câmara dos Deputados. Ele se apoia no Regimento Interno da Casa, que lhe dá, sem consignar prazo, a possibilidade de dar seguimento ou engavetar pedidos de impedimento, como vem fazendo.

Diz ele que o regimento não o obriga a submeter os requerimentos à apreciação da Câmara, pois não há prazo para a apreciação da respectiva postulação. Realmente, não há nas normas regimentais a consignação de prazo para as providências decorrentes de um pedido. Mas a inexistência de um lapso temporal não o autoriza a engavetar os pedidos.

A norma regimental omissa cede ao civismo e ao compromisso que assumiu com a Nação quando recebeu um mandato parlamentar, outorgado por quem o elegeu.

O seu dever ético, moral e político não pode ser eximido ou dilatado no tempo por uma acomodação meramente estratégica em prol de um governante abusivamente despreparado, insensível, desprovido de humanismo, solidariedade, amor pelo próximo, senso democrático, enfim, um político portador de todos os defeitos que o tornam incompatível com o mínimo exigível para conduzir uma nação.

Os brasileiros minimamente esclarecidos, sem distinção de classe social, raça ou ideologia, mesmo aqueles hoje arrependidos de nele terem votado, chegam à dolorosa conclusão de que o Brasil não merecia Jair Bolsonaro.

Acontece que nós estamos tolhidos, impossibilitados de fazer algo que reverta essa angustiante situação. Alguns falam, outros escrevem, muitos vão às ruas, mas apenas um, absurdo dos absurdos, apenas um tem o poder de dar encaminhamento à única solução possível: tirá-lo do poder pela via constitucional do impeachment.

Parece, de forma muita nítida, estar havendo uma cumplicidade entre os dois presidentes, o da Câmara e o da República, que extrapola os limites da política. Claro, a manutenção do cargo é o desiderato primeiro. Não se tem mais dúvida de que o Parlamento, hoje, está muito mais propenso a discutir a questão do impeachment do que no passado recente. Dessa forma, o risco de seu acolhimento é real.

No entanto, o compadrio entre ambos ultrapassa as dimensões da cadeira presidencial e atinge os limites do estado de liberdade do presidente. Manter a gaveta fechada com mais de cem pedidos, agora com um último alentado e bem fundamentado pleito de impeachment, representa uma flagrante tentativa de impedir a apreciação de uma série de condutas não só representativas de crimes de responsabilidade, como de delitos comuns.

Até ontem se imaginava que tais infrações penais fossem basicamente contra a saúde pública. Mas o quadro mudou. Veio à luz do dia uma série de ações previstas como criminosas pelo Código Penal e por leis esparsas, que atingiram ou puseram em risco o erário e a coisa pública. Ações que, ademais, violam os princípios constitucionais que devem resguardar e proteger a administração, como os da moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência.

Portanto, o risco de perda do mandato poderá atingir não só a sua posição de presidente da República, como também a sua própria liberdade. Assim, o engavetamento está sendo visto até mesmo como meio para sua proteção pessoal.

As suspeitas de prevaricação, corrupção e outros crimes podem constituir campo fértil para que o impeachment seja acolhido. É bem verdade que os delitos comuns não serão imputados no respectivo procedimento, mas, com certeza, terão significativo peso e influência no espírito dos julgadores, quando da avaliação que se fará sobre a manutenção ou perda do mandato presidencial, em razão do cometimento de delitos de responsabilidade.

Sr. presidente da Câmara, salve-se de uma mácula que com certeza será indelével. Não apoie um governo que não valoriza a vida, pois não se sensibiliza com a morte. Que instiga manifestações antipatrióticas e estimula a violência e a utilização de armas. Não se curve a um governo investigado pela prática de uma corrupção especialmente abominável, pois provoca a morte. A sua fidelidade ao atual presidente representa um ato de infidelidade aos interesses superiores da Nação brasileira.

Não se deixe confundir com os áulicos que, embora próximos do poder, por conivência ou omissão, instigam e estimulam as más condutas ou nada fazem, quando poderiam aconselhar, criticar ou alertar. Não passe para a História como cúmplice do pior governo da República. Não deixe que a sua omissão seja vista como uma recompensa pelo apoio que lhe foi dado para alcançar a presidência da Câmara.

12/7/2021

Este post pertence à série de textos e compilações “Fora, Bolsonaro”. 

A série não tem periodicidade fixa.

Os números da tragédia, o povo nas ruas, as análises nos jornais: tudo vai na mesma direção. (53)

Em seus editoriais, os três maiores jornais do país expõem o perigo que o presidente representa (52).

Jair Bolsonaro não descansará enquanto houver um único brasileiro vivo que não seja da sua turma (51).

3 Comentários para “Chega de Bolsonaro”

  1. magnífico texto. Deve ser lido, relido e colado num caderno para ser relido sempre que necessário; Grande Sergio Vaz!

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