Há dez anos o Brasil perdia aquele que talvez tenha sido seu maior ministro da Educação de todos os tempos. À frente do MEC, Paulo Renato de Souza promoveu uma revolução silenciosa, definindo um novo marco institucional, com impacto direto em todos os níveis de ensino. A rigor, os pilares construídos nos oito anos de sua gestão estão aí até hoje, não obstante o país ter padecido nos anos seguintes da falta de continuidade de uma política que estava mudando a face da educação brasileira.
Até a segunda metade dos anos 90 o país não tinha universalizado o ensino fundamental. Argentina, Chile e Uruguai tinham alcançado essa meta muito antes de nós, nos primórdios do século 20. Por isso estavam anos luz à nossa frente, em matéria educacional. O Brasil não contava sequer com instrumentos para aferir a qualidade do ensino público. A cultura da avaliação era estranha à educação brasileira e combatida com fervor pelas corporações sindicais.
Padecíamos de um sistema de financiamento do ensino básico capaz de alavancar a Educação, assegurando salários minimamente dignos aos professores e escola para todas as crianças. Faltava, sobretudo, foco, uma política educacional de Estado, capaz de levar a educação a um novo patamar. Foi por esse caminho que países como a Coreia e a Irlanda saíram do atraso crônico e ingressaram no crescimento sustentado.
Esse quadro começou a mudar com a criação, na sua gestão, do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental – Fundef –, uma engenharia política de financiamento da educação por meio da qual, estados, união e municípios assumiam responsabilidades compartilhadas. O efeito imediato foi o ingresso de um grande contingente de alunos no sistema público de ensino e a melhoria expressiva dos salários dos professores.
Na virada do século o Brasil alcançaria a meta de toda a criança na escola e professores que nos rincões do país recebiam menos da metade do salário-mínimo tiveram aumento substantivo. Esse sistema vige até hoje, ampliado anos mais tarde para todo o ensino básico com a criação do Fundeb.
Economista por formação, Paulo Renato mostrou que, assim como era possível ter índices econômicos, também era possível quantificar a Educação, aferir sua qualidade por meio de modernos sistemas de avaliação. Sem eles seria impossível formular políticas educacionais com base em dados e evidências científicas.
O Enem foi criado como um sistema de avaliar o quanto nossos jovens estavam dotados de competências e habilidades, tanto para construir sua carreira universitária, como para o ingresso no mercado de trabalho. Com o passar do tempo, transformou-se na principal porta de entrada para o ensino superior.
Todo o sistema era avaliado. As escolas dos diversos níveis de ensino e os alunos. Daí surgiram o Provão e o Saeb. O Inep assumia papel estratégico decisivo como principal responsável pelo sistema de avaliação. E o Brasil passou a participar do sistema internacional de avaliação – o PISA – podendo, assim, aferir o quanto nossa educação estava defasada em relação aos países mais bem posicionados no ranking mundial.
Avançou-se na definição do novo marco legal com a definição da Lei de Diretrizes e Bases, bem como nos parâmetros curriculares nacionais. Criou-se o Bolsa-Escola, programa de transferência de renda para famílias mais vulneráveis com a contrapartida de que seus filhos estivessem na escola. Esse programa foi ampliado no governo Lula, quando unificado com outras iniciativas sociais do governo Fernando Henrique Cardoso, e rebatizado como Bolsa Família.
A revolução silenciosa enfrentou resistência. Contra ela estabeleceu-se um pacto de mediocridade entre o corporativismo e instituições universitárias que temiam serem avaliadas.
O grande mérito de Paulo Renato – e talvez este seja seu maior legado – foi o de construir um consenso na sociedade e no Parlamento para fazer a reforma da Educação avançar. Consensualmente, a iniciativa privada, a sociedade e o Estado chegaram à conclusão de que priorizar o ensino básico com foco na aprendizagem do aluno era o caminho para o Brasil alcançar o crescimento sustentado.
Dez anos após a sua morte, a Educação brasileira vive o seu pior momento. Em vez da coesão em busca da qualidade do ensino básico, foram introduzidos elementos desagregadores por meio de uma política pautada em questões ideológicas que nada têm a ver com a Educação. Aquilo que imaginávamos ser uma conquista consolidada – lugar de criança é na escola – encontra-se ameaçada por uma visão ideológico-religiosa que quer mostrar que lugar de criança é na rua e no ensino domiciliar.
Hoje, falta rumo, falta liderança. E falta, sobretudo, um Paulo Renato capaz de unir a educação em torno de um destino comum.
Tenho muito orgulho de testemunhar e trabalhar ao lado do melhor Ministro da Educação da história do Brasil, Paulo Renato Costa Souza. Esse texto representa uma das melhores sínteses da “revolução silenciosa” desenhada e executada por Paulo Renato é uma equipe técnica que também deixou saudades em todo o país. Parabéns, Sérgio Vaz!
Caro Raul,
Agradeço muito pelo seu comentário, pela sua gentileza. Mas quem merece os parabéns é o Hubert Alquéres, o autor do artigo… Eu sou apenas o administrador do site…
Um abraço, e, de novo, obrigado!
Sérgio