E se a Pátria desmaiasse? Proponho que Portugal inteiro desmaie. Imagine-se o ensurdecedor estrondo do tombo de dez milhões de inanimados portugueses. Continue lendo “Um patriótico desmaio”
Sangue no Deserto
Quem é que disse que os westerns se dividiam em três tipos: os de imagens, os de ideias, e os de imagens e de ideias? Só pode ter sido Godard. E agora me lembro: foi justamente num texto sobre um western de Anthony Mann, O Homem do Oeste, que ele, aliás, considerava um exemplo do western de imagens e ideias. Continue lendo “Sangue no Deserto”
A alegria epiléptica
É afrodisíaca mesmo que quem a sinta não saiba quem raio seja Afrodite. Falo da grande alegria, daquela que já não cabe no corpo, dessa alegria que nos estremece, enche e esvazia os pulmões. A alegria convulsa. Continue lendo “A alegria epiléptica”
Cemitérios, tabuletas e epitáfios
Sempre pensei que, a haver epitáfios imbatíveis, sairiam certamente da pena de grandes escritores. Mas andei a ver, ouvir e ler e, zás, lá se foram as minhas certezas. Os epitáfios que alguns actores escolheram para si mesmos são desarmantes e de uma (ai, como é que se diz?!) derisão que me fez rir, bater palmas. Continue lendo “Cemitérios, tabuletas e epitáfios”
Os profissionais
Distraio os nervos: será Vítor Gaspar o herói moderno? O herói antigo era Hércules. Tinha a lúdica argúcia de um Ulisses. Há um século, o herói era cinematográfico e vinha com a abnegação de um John Wayne. Por vezes, disfarçava o idealismo com o cínico desinteresse de um Humphrey Bogart. Continue lendo “Os profissionais”
O esplendor dos filmes japoneses na Liberdade
Uma menina de quatro anos ia ao cinema, sem saber o que era cinema. O grande carro preto importado – o táxi – partia da Rua da Cantareira, onde a família morava e trabalhava. No banco da frente, o pai, de terno e gravata. Atrás, bem penteadas e vestidas, a mãe e as duas irmãs. Continue lendo “O esplendor dos filmes japoneses na Liberdade”
O Bem e o Mal
O pai morrera e ele nunca mais almoçava. O caixão era paupérrimo, uma coisa dickensiana ao lado da qual caminhava a aflita dor da mãe. O futuro Charlot vinha atrás da urna do pai e do pranto da mãe. Para distrair a fome, ia mimando, caricatural, o sofrimento materno. Continue lendo “O Bem e o Mal”
Avé-Maria Cheia de Graça
O caldo entornou-se. O jovem católico virou-se para o chefe de polícia e disse-lhe em tom de desgarrada: “Gostava que fizessem isso à sua mãe?” Ó meu amigo, palavras não eram ditas e já o até então polidíssimo agente lhe enfiava uma gravata que, vi eu, fez o ar dos pulmões do jovem bater no tecto da sala. Continue lendo “Avé-Maria Cheia de Graça”
A censura tinha acabado. Sarney trouxe de volta
O artigo brilhante de Manuel S. Fonseca sobre o dia em que ele – na época programador da Cinemateca Portuguesa – e amigos resolveram exibir em Lisboa o filme Je Vous Salue, Marie, de Jean-Luc Godard, me deu comichão nos dedos para escrever também. Ainda que sem a verve, a graça, a elegância do texto dele, que tenho a honra de republicar neste site. Continue lendo “A censura tinha acabado. Sarney trouxe de volta”
Uma noite no sótão: com Billy Wilder e Kim Novak
Este é de 1990. Escrito no “Expresso”, a propósito de uma qualquer exibição de Beija-me Idiota na RTP 2, retomo-o com liberdades. Mais ou menos nessa altura veio cá o Alexander Trauner, que fora decorador do Wilder. Continue lendo “Uma noite no sótão: com Billy Wilder e Kim Novak”
Um beijo na palma da mão
Por cada porta que passa, Robert De Niro passa de um passado a outro passado. É sempre “yesterday”, como os Beatles cantam, no Once Upon a Time in America. O filme é de Sergio Leone e dura 50 anos. São 50 anos a andar para trás, à procura do tempo perdido em que a inocência foi ou era possível. Continue lendo “Um beijo na palma da mão”
Tinham mães que os amavam
A calva e resplandecente cabeça de Luis de Pina, então director da Cinemateca, pairava sobre um tormentoso mar punk. Já voltaremos à sua cabeça. Antes, deixo-vos com uma pérola de filosofia social: desiludam-se os proactivos, não cria comoções sociais quem quer e, às vezes, nem quem pode. Continue lendo “Tinham mães que os amavam”
O elogio da França
Quem quer ainda saber do Beaujolais nouveau? Quando é que deixámos de gostar dos franceses! Quando é que eles se tornaram impertinentes e nos começaram a chatear de morte? Continue lendo “O elogio da França”
Dois cêntimos de infância
Num ápice, salta da eufórica multidão para o silêncio da vasta pradaria que uma desgarrada árvore não chega a interromper. Assim começa “The Lusty Men”, de Nicholas Ray. Continue lendo “Dois cêntimos de infância”
As lágrimas de Fuller
Um carteirista é o seu melhor herói. Precisávamos de um herói que tivesse o orgulho que Richard Widmark tem nos seus dedos. Nem mesmo Maria João Pires tem os dedos desse herói de Samuel Fuller ou o seu profissionalismo amoral. Orgulhamo-nos demasiado das nossas paixões. Talvez devêssemos ter vaidade numa calculada frieza. Continue lendo “As lágrimas de Fuller”