O caldo entornou-se. O jovem católico virou-se para o chefe de polícia e disse-lhe em tom de desgarrada: “Gostava que fizessem isso à sua mãe?” Ó meu amigo, palavras não eram ditas e já o até então polidíssimo agente lhe enfiava uma gravata que, vi eu, fez o ar dos pulmões do jovem bater no tecto da sala. Continue lendo “Avé-Maria Cheia de Graça”
A censura tinha acabado. Sarney trouxe de volta
O artigo brilhante de Manuel S. Fonseca sobre o dia em que ele – na época programador da Cinemateca Portuguesa – e amigos resolveram exibir em Lisboa o filme Je Vous Salue, Marie, de Jean-Luc Godard, me deu comichão nos dedos para escrever também. Ainda que sem a verve, a graça, a elegância do texto dele, que tenho a honra de republicar neste site. Continue lendo “A censura tinha acabado. Sarney trouxe de volta”
Uma noite no sótão: com Billy Wilder e Kim Novak
Este é de 1990. Escrito no “Expresso”, a propósito de uma qualquer exibição de Beija-me Idiota na RTP 2, retomo-o com liberdades. Mais ou menos nessa altura veio cá o Alexander Trauner, que fora decorador do Wilder. Continue lendo “Uma noite no sótão: com Billy Wilder e Kim Novak”
Um beijo na palma da mão
Por cada porta que passa, Robert De Niro passa de um passado a outro passado. É sempre “yesterday”, como os Beatles cantam, no Once Upon a Time in America. O filme é de Sergio Leone e dura 50 anos. São 50 anos a andar para trás, à procura do tempo perdido em que a inocência foi ou era possível. Continue lendo “Um beijo na palma da mão”
Tinham mães que os amavam
A calva e resplandecente cabeça de Luis de Pina, então director da Cinemateca, pairava sobre um tormentoso mar punk. Já voltaremos à sua cabeça. Antes, deixo-vos com uma pérola de filosofia social: desiludam-se os proactivos, não cria comoções sociais quem quer e, às vezes, nem quem pode. Continue lendo “Tinham mães que os amavam”
O elogio da França
Quem quer ainda saber do Beaujolais nouveau? Quando é que deixámos de gostar dos franceses! Quando é que eles se tornaram impertinentes e nos começaram a chatear de morte? Continue lendo “O elogio da França”
Dois cêntimos de infância
Num ápice, salta da eufórica multidão para o silêncio da vasta pradaria que uma desgarrada árvore não chega a interromper. Assim começa “The Lusty Men”, de Nicholas Ray. Continue lendo “Dois cêntimos de infância”
As lágrimas de Fuller
Um carteirista é o seu melhor herói. Precisávamos de um herói que tivesse o orgulho que Richard Widmark tem nos seus dedos. Nem mesmo Maria João Pires tem os dedos desse herói de Samuel Fuller ou o seu profissionalismo amoral. Orgulhamo-nos demasiado das nossas paixões. Talvez devêssemos ter vaidade numa calculada frieza. Continue lendo “As lágrimas de Fuller”
O horror do humano ao humano
Se o erotismo é uma forma de aristocracia, então Anatole Dauman é um príncipe da Renascença. Há duas décadas entrevistei-o neste jornal que ainda tem paciência de me acolher. Continue lendo “O horror do humano ao humano”
A menina dança?
Camisa e cuecas, sozinho no meio da sala, Tom Cruise, teenager inconsciente, dança o Old Time Rock n’ Roll. O filme é Risky Business que desdenhei nos idos de 80, antes dos intelectuais de Los Angeles (há intelectuais em LA!) me provarem o valor geracional da coisa. Continue lendo “A menina dança?”
A professora inglesa
Tenho o fetiche da professora inglesa. Confesso e explico-me.
O sexo estampado na cara de Marilyn ou de Brigitte Bardot repugnava a Hitchcock. Continue lendo “A professora inglesa”
Os pássaros de David Lynch
Vivemos tempos de Bosch. Entra-se num comboio, num avião e os gemidos vêm das próprias cadeiras. As ruas gritam, os restaurantes sussurram. A realidade está a hiperventilar. Continue lendo “Os pássaros de David Lynch”
Outra ou a mesma meia-noite
Meia-noite e os lábios de Al Pacino parecem uma sanguessuga. Doem nos de John Cazale e doem-nos a nós no mais infame beijo de Fim de Ano. John Cazale é Fredo. Pacino é Michael Corleone, o Padrinho. Continue lendo “Outra ou a mesma meia-noite”
Deus ou é uma aranha ou é a Audrey Hepburn
Deus é a pintada prova da vaidade humana. Os gregos inventaram deuses, os bantus deram à luz Nzambi e os esquimós afogaram no Árctico uma deusa gélida. Os australianos têm desculpa: quem inventa o boomerang não precisa de inventar raio e trovão de mais coisa nenhuma. Continue lendo “Deus ou é uma aranha ou é a Audrey Hepburn”
O cineasta em fuga
Toda a arte é bicéfala: já vi, em muitos filmes, aparecer a cabeça do autor e rolar depois, no ecrã, outra cabeça, a da própria obra. Continue lendo “O cineasta em fuga”