Marcha à ré

Um ano pode ser bom para uns, péssimo para outros. Raros são aqueles sem catástrofes e guerras, inventos geniais ou curas tidas como impossíveis. Mas os anos parecem andar para trás, como se a Terra estivesse girando ao contrário. Já tinha sido assim na última década, repetindo-se em 2025. E nada aponta que será diferente em 2026. Continue lendo “Marcha à ré”

Em sacos, malas e cuecas

Flagrado com a boca mergulhada na botija, o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), nem mesmo corou ao dizer que os R$ 470 mil em espécie achados pela Polícia Federal em seu flat brasiliense eram de um imóvel que vendeu em algum lugar de Minas Gerais. Sem se lembrar da localização ou do dia da transação, ele caprichou na desfaçatez: não teria depositado o valor “por um lapso”. Ao “esquecer” quase meio milhão de reais dentro de um saco de lixo no armário do quarto, ele enriquece a despudorada criatividade dos políticos quando o dinheiro vivo salta de malas e cuecas.

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Pode não ser o que parece

Sabe-se que política não é ciência cartesiana, tampouco se atrela à previsibilidade. Não raro,  as negociações  – muitas delas inconfessáveis – têm desfecho contrário ao pretendido. A votação na Câmara que acabou por preservar o mandato da deputada condenada Carla Zambelli (PL-SP), resultado anulado pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, parece comprovar a tese. O mesmo vale para o PL da Anistia, que virou da Dosimetria, e para a extemporânea candidatura presidencial do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Nos três casos, os tiros escaparam pela culatra encontrando os pés. Continue lendo “Pode não ser o que parece”

Melhor para Tarcísio

Auto-anunciado como ungido pelo pai, Flávio Bolsonaro (PL-RJ) conseguiu agitar a sexta-feira com o lançamento de sua candidatura à Presidência da República. Deixou a direita perplexa, irritou aliados de peso como o pastor Silas Malafaia, derrubou a Bolsa, acelerou o dólar, e até antecipou comemorações entre lulistas. O ato extemporâneo do zero um repôs o nome Bolsonaro no jogo e, ainda que à primeira vista não pareça, fez multiplicar as chances do governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos). Continue lendo “Melhor para Tarcísio”

Esculhambação geral

Foragido desde setembro, dias antes de sua condenação a 16 anos e um mês pela trama golpista, o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) protagonizou uma fuga espetacular, provavelmente terrestre, pela Guiana, e de lá para Miami. Seus passaportes, tanto o comum quanto o diplomático, já estavam cancelados, mas ele não esbarrou em dificuldades para sair do Brasil, tampouco para entrar nos Estados Unidos. Tirou licença-saúde válida até 12 de dezembro, continua recebendo seu salário régio e ainda cobrou ressarcimento de gastos com gasolina. Nada que provoque espanto à esculhambação geral endossada e até estimulada pela Câmara dos Deputados, permissiva ao extremo com os seus fora da lei de estimação.

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Mais uma lei não resolve

Impor penas mais rigorosas, classificar crimes como hediondos e ameaçar puni-los com o “rigor da lei” costumam ser saídas fáceis para questões que nem de longe políticos sabem ou querem solucionar. O projeto Antifacção, originário do governo, modificado pela oposição e aprovado por ampla maioria na Câmara – 370 votos a favor versus 110 contra – é mais uma prova disso. Nem um dos poucos consensos, a ampliação de penas para 30, 40 e até 66 anos de cadeia para líderes de facções, se sustenta em pé. O Brasil prende mal e, mesmo que quisesse, não teria como prender mais ou por mais tempo. Continue lendo “Mais uma lei não resolve”

Pode não ser a Segurança

Segurança Pública dominará o debate e será decisiva nas eleições do ano que vem. Ou não. Pelo menos é o que indica a série histórica de pesquisas sobre as maiores preocupações dos brasileiros. Na última década, o primeiro lugar no ranking das aflições nacionais passou por corrupção, saúde, economia (inflação) e segurança, registrada em 2014 e novamente agora. Nada que não mude de uma hora para outra em um país com tantos males, no qual nenhuma das angústias populares foi solucionada. Continue lendo “Pode não ser a Segurança”

O legado invisível da COP30

A coleta de esgoto só deve chegar (se chegar) em abril de 2026, mas a água limpa na torneira já é motivo de festa para os quase 7 mil moradores pobres da centenária Vila da Barca. Isso depois de muita luta da maior comunidade de palafitas da América do Sul, inicialmente excluída das obras de infraestrutura da COP30 em Belém. A capital paraense é a quinta pior cidade do país em saneamento básico de acordo com o ranking do Instituto Trata Brasil – serviço transferido para a iniciativa privada. Continue lendo “O legado invisível da COP30”

Um tripé diabólico

Em raro mea culpa por um erro cometido, o presidente Lula acertou ao corrigir a absurda fala de que “traficantes são vítimas de usuários”, dita durante entrevista em Jacarta. O que ele  pretendia era expor uma obviedade: não há traficante sem consumidor. O resto é buchicho de rede social. Com menor repercussão, a derrapada de admitir sem meias palavras que governa só pensando em se reeleger foi mais séria – e sem qualquer retificação -, contribuindo para a normalização do déficit moral que o país vivencia há tempos.   Continue lendo “Um tripé diabólico”

O risco Venezuela

O estado de guerra aberto pelo presidente Donald Trump contra a Venezuela de Nicolás Maduro – mais de 10 mil soldados, oito navios, uma dezena de aviões-caça e até submarino nuclear no mar do Caribe – não se limita a exibir força e pressionar o “inimigo”. A maioria dos analistas aponta que os movimentos visam a estimular a cizânia interna para derrubar Maduro e aumentar o poderio americano no país que abriga uma das maiores reservas de petróleo do planeta. Ninguém acredita na balela de combate ao narcotráfico. Seja como for, a escalada do conflito é perigo à vista para o Brasil, que terá de pisar em ovos para não azedar a “química” Trump-Lula. Continue lendo “O risco Venezuela”

O voto dos rejeitores

Divulgada na semana passada, a 18ª rodada da pesquisa Genial/Quaest coroou um período de boas notícias para o governo. Apontou a recuperação da popularidade do presidente Lula e a consolidação de sua vantagem frente a qualquer um dos pré-candidatos à Presidência da República. Números ainda mais significativos vieram em outra coluna pouco badalada: a da rejeição. Lula foi o único entre os nove postulantes que reduziu o percentual dos eleitores que o conhecem e não votariam nele. Continue lendo “O voto dos rejeitores”

Água não vira vinho

Água não vira vinho. Portanto, embora a Câmara dos Deputados tenha aprovado por elogiável unanimidade o popular projeto do governo Lula de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, a índole da Casa legislativa é mais próxima daquela que votou majoritariamente na obscena PEC da Blindagem. E novas traquinagens estão previstas já para os próximos dias, tais como a retomada da proposta de anistia a golpistas e até perdão antecipado para o filho do ex, deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que continua nos Estados Unidos conspirando contra o Brasil. Continue lendo “Água não vira vinho”

O futuro nas mãos do Senado

O sepultamento unânime da PEC da Blindagem na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, depois de o despautério ter sido aprovado por larga maioria na Câmara, recuperou duas premissas políticas: a força da pressão popular e a magnitude da Casa revisora no sistema bicameral. A voz das ruas, ainda que imbatível, exige mobilização permanente e improvável, o que torna a eleição do Senado ainda mais decisiva. Tão ou mais importante do que a de presidente da República, embora a disputa ao Planalto roube a energia e a atenção dos eleitores. Continue lendo “O futuro nas mãos do Senado”

Sem blindagem e sem anistia

Sem cerimônia para o escárnio, a maior parte das excelências da Câmara dos Deputados não para de agir contra o país. Não bastasse a aprovação da PEC da Blindagem, popularizada como PEC da Bandidagem, insistem na anistia para golpistas, rebatizada como PL da dosimetria, que, em vez de perdão, propõe reduzir as penas daqueles que atentaram contra o Estado. Um engodo travestido de “pacificação” que, além de não acalmar os ânimos do bolsonarismo, que só admite o ex livre da cadeia e elegível, insulta os brasileiros, majoritariamente contrários à anistia, mesmo que limitada aos ignaros úteis do 8 de janeiro. Continue lendo “Sem blindagem e sem anistia”

Sem virar a página

Se a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e de militares de alta patente tem dimensão histórica em um país que jamais puniu quem atentou contra o Estado, ela está longe de fechar um ciclo na política brasileira. Ao contrário. Não há qualquer indicativo de recuo dos golpistas ou de que o digladio entre os extremos, que há anos emperra o país, vá arrefecer. À direita e à esquerda. Continue lendo “Sem virar a página”