“A palavra provavelmente mais correta para descrever a maior parte das atividades do governo brasileiro hoje em dia, em português comum, seria ‘farsa’. Mas é melhor, por prudência e pela cortesia com que se devem tratar nossas altas autoridades em geral, utilizar alguma coisa mais leve ─ ‘ficção’, talvez, é o termo que se aconselha, já que não pode ser entendido como ofensa (Deus nos livre de uma coisa dessas), e ao mesmo tempo serve para resumir com bastante clareza a atual conduta do superior comando da nação.”
Essa análise cortante, precisa, exata, é a abertura do artigo de J. R. Guzzo na Veja que circulou a partir do sábado, 24 de março – a mesma que trouxe a entrevista com Dilma Rousseff, em que afirma, da Ilha da Fantasia em que vive, que entre outros surrealismos, que o Brasil fará a melhor de todas as Copas do Mundo, que seu governo vai baixar a carga tributária e que é contra o protecionismo.
O artigo de J. R. Guzzo prossegue:
“Entre as paredes do caixote de concreto e vidro em que funciona o Palácio do Planalto, é fabricada todos os dias a impressão de que ali se vive numa colmeia de trabalho sem descanso e de operosidade sem precedentes; segundo essa visão, apresentada como fato praticamente indiscutível na propaganda oficial, ainda não foi criado no Brasil o problema que as prodigiosas qualidades de gerência atribuídas à presidente Dilma Rousseff tenham deixado sem solução. Mas um metro para fora do Palácio, na vida real que começa na rua, o mundo dos fatos, indiferente ao que se diz do lado de dentro, mostra o contrário: nada do que o governo manda resolver, ou quase nada, consegue ser resolvido.
“Falta de tempo para mostrar serviço de verdade, do tipo que pode ser visto e comprovado, com certeza não é. Já faz mais de nove anos que a presidente Dilma está dentro do governo, no qual dá expediente desde o primeiro dia de mandato de seu antecessor ─ com a função, justamente, de ser a tocadora de obras número 1 da República. Alguma coisa de porte, a esta altura, já tinha de ter aparecido. Mas não aparece.
“Tão inúteis quanto a passagem do tempo ou os oceanos de dinheiro que o poder público tem para gastar vêm sendo as demissões em série na equipe ministerial. Em pouco mais de um ano de governo Dilma, já foram para a rua doze ministros, mais os lideres no Senado e na Câmara ─ todos nomeados por ela mesma, é verdade, incluindo-se aí alguns dos mais notórios candidatos a morte súbita que já passaram por um ministério na história deste país. Os resultados disso, pelo que se viu até agora, foram nulos. As demissões, sem dúvida, mostram que a presidente está disposta a valer-se de sua posição no topo da cadeia alimentar de Brasília ─ pode mandar qualquer um embora, e não pode ser mandada embora por ninguém.
“O problema, tristemente, é que o exercício repetido de toda essa autoridade não tem sido capaz de gerar nenhum efeito útil para a vida prática do país e do cidadão. Seja porque Dilma está substituindo tão mal quanto nomeou, seja porque os novos ministros vivem paralisados pelo medo de perder o seu emprego, o fato é que nenhuma de todas as trocas feitas até agora resultou num único metro a mais de estrada asfaltada, ou num poste de luz, ou em qualquer coisa que preste.
“O que certamente não falta, nesse deserto de resultados, é a construção de miragens. Empreiteiras de obras públicas, por exemplo, fazem aparecer na imprensa fotos da presidente em cima de um carrinho de trem, cercada por um alarmante cordão de puxadores de palmas, numa visita de inspeção à Ferrovia Norte-Sul. Uns tantos minutos depois, todos voltam a seu carro oficial ou helicóptero e deixam para trás a realidade.
“A Ferrovia Transnordestina, por exemplo, com 1700 quilômetros de extensão, foi iniciada em 2006 e deveria ter sido entregue em 2010; já estamos em 2012, o custo de 4,5 bilhões de reais pulou para quase 7 bilhões e tudo o que se conseguiu construir, até agora, foram 10% do percurso. O petroleiro João Cândido, que começou a ser construído quatro anos atrás para a Petrobras em Pernambuco, e foi lançado ao mar em 2010 pelo ex-presidente Lula como um prodígio da nova indústria naval brasileira, voltou a terra firme logo após a cerimônia; continua lá até hoje. Entre as mais espetaculares obras do PAC, com todos os seus bilhões em investimentos, inclui-se o ‘trem-bala’ ─ mas a única coisa que se pode dizer com certeza sobre o ‘trem-bala’, até agora, é que ele não existe.
“A presidente Dilma, que sabe muito bem o que é inépcia, tenta há nove anos achar o caminho de saída desse vale de lágrimas; pode continuar tentando pelos próximos cinquenta e não vai encontrar nada. Não vai encontrar porque procura no lugar errado; imagina que a solução está em criar mais repartições públicas, mais regras, mais controles, mais programas e mais tudo o que faça um ‘estado forte’. É o tipo de ideia que encanta a presidente. Nunca deu certo até hoje. Mas ela continua convencida de que um dia ainda vai dar.”
Um conjunto de análises e reportagens especialmente longo
Esta 45ª compilação de notícias e análises que comprovam a incompetência do governo Dilma Rousseff – textos publicados entre a sexta-feira anterior, 23, e a quinta-feira, 29 de março – vem excepcionalmente grande. A culpa não é minha – é que a semana foi pródiga em notícias e análises sobre a incompetência do governo.
Começo a compilação abaixo com trechos da entrevista de Dilma à revista Veja – um conjunto de contos da carochinha – e em seguida com análises e notícias que desmontam as fantasias da presidente.
É humanamente impossível ler tudo isso, é claro. Insisto em fazer essas compilações sei lá por quê. Mas pediria ao eventual leitor que vier até aqui que não deixe de ler o artigo de Marco Antonio Rocha no Estadão, “A entrada triunfal no capitalismo de exortação”, primeiro item do subtítulo “As más notícias da Economia”. É a mais perfeita análise que já vi nos últimos tempos a respeito de toda essa discussão sobre desindustrialização, protecionismo, real valorizado e as ações do governo para, teoricamente, defender a indústria brasileira.
Dilma na Ilha da Fantasia
* Dilma diz à Veja que não há protecionismo, os impostos vão baixar, o Brasil fará a melhor das Copas e Papai Noel existe e o Saci Pererê também
“Depois de passar por um mês de derrotas no Congresso, com uma revolta do PMDB e de outros partidos da base aliada que causou a rejeição de um aliado para a direção da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e o adiamento da votação da Lei Geral da Copa, a presidente Dilma Rousseff disse que o governo não passa por uma crise institucional. Em entrevista à revista Veja desta semana, ela afirmou que as tensões com o Congresso são normais.
‘Não há crise nenhuma. Perder ou ganhar votações faz parte do processo democrático e deve ser respeitado.’ (…)
“Ainda sobre as derrotas no Congresso, Dilma disse que a troca de líderes não teve a ver com a tensão entre o governo e a base aliada. ‘Não gosto desse negócio de toma lá dá cá. Não gosto e não vou deixar que isso aconteça no meu governo. Mas isso nada tem a ver com a troca dos líderes. Eles não saíram por essa razão.’ (…)
“De acordo com a presidente, a demissão em série de ministros em seu primeiro ano de governo serviu para mostrar que o governo não dará ‘espaço para a fraqueza dos indivíduos’. ‘Nenhuma pessoa que é chamada para o governo pode achar que haverá algum tipo de complacência. Nós temos de ser o mais avesso possível aos malfeitos. Não vou transigir’, disse, lembrando que nem todos os ministros que deixaram o governo saíram por estar envolvidos com irregularidade. ‘Alguns pediram para sair para evitar a superexposição ou para se defender das acusações que tiveram’. (…)
“Dilma disse que quer ser lembrada pela profissionalização do governo. ‘Não dá para consertar a máquina administrativa federal de uma vez, sem correr o risco de um colapso. Nem na iniciativa privada isso é possível. No tempo que terei na Presidência vou fazer a minha parte, que é dotar o Estado de processos transparentes em que as melhores práticas sejam identificadas e adotadas mais amplamente. Esse será meu legado’, afirmou. (…)
Na entrevista, Dilma se defendeu dos críticos que classificam a política cambial brasileira de protecionista. Ela vê as medidas adotadas pelo Brasil como uma forma de defesa em função do tsunami de liquidez criado pelos países ricos. ‘O protecionismo é uma maneira permanente de ver o mundo exterior como hostil, o que leva ao fechamento da economia. Isso não faremos’, afirmou a presidente. (…) ‘O que estamos fazendo, e vamos contiuar fazendo, é contrabalançar com medidas defensivas as pressões desestabilizadoras externas que estão carreando para o Brasil quantidades excessivas de capital especulativo’, afirmou a presidente. (…)
Ela reconheceu que é preciso reduzir a carga tributária e afirmou que vai diminuir os impostos. Mas também cobrou dos empresários mais investimentos e a tomada de mais riscos.” (Paulo Justus, O Globo, 25/3/2012.)
Desmontando as fantasias de Dilma, tintim por tintim
* “O surpreendente, nessa história toda, são as declarações da presidente”
“Querendo, a gente até pode encontrar mais uma (mais uma?) divergência entre a presidente Dilma e seu antecessor. Se Lula sempre reclamava da falta de dinheiro para gastar mais – lembram-se da sua bronca com a perda da CPMF? -, a presidente declarou à revista Veja: ‘A carga de impostos é alta, sim. Vamos baixá-la.’ (…)
“Reparem: se os impostos serão reduzidos, necessariamente o gasto público também deve ser menor. Desculpem alguns números: hoje o setor público arrecada o equivalente a 37% da produção nacional e gasta algo como 40%, incluindo aí o pagamento de juros. Logo, se vai arrecadar menos, terá que ou gastar menos ou tomar mais dinheiro emprestado aqui e/ou no exterior. Ora, os gastos aumentaram no ano passado e subirão ainda mais neste ano, conforme consta do Orçamento e das promessas do governo Dilma. Na mesma entrevista, aliás, ela disse que vai investir mais.
“Quanto à dívida, o governo tem planos de reduzi-la (no que, aliás, faz bem). Na Veja ainda, a presidente contou que disse à chanceler alemã Angela Merkel: ‘Não queremos o dinheiro (dos ricos); não queremos pagar os juros de 13% por empréstimo que nos oferecem.’ Parêntesis: estranho esse comentário. Os empréstimos externos tomados pelo governo e por empresas brasileiras não pagam 13% há muitos anos. Na última emissão, em janeiro, o Tesouro nacional vendeu títulos de dez anos com juros de 3,44% ao ano, em dólar. 3,44%! Companhias e bancos, para papéis de vencimento bem mais curto, pagam no máximo 9%. E todos, governo, bancos (inclusive os públicos) e empresas estão tomando empréstimos externos, nos mercados dos EUA e Europa, porque são muito mais baratos que os locais.
“Olhando os fatos, portanto, parece que queremos, sim, o dinheiro dos ricos, pelo qual pagamos bem menos do que diz a presidente. Além de querer, precisamos do capital externo, porque o Brasil tem déficit nas suas contas externas.
“A presidente se equivocou ou perdemos alguma coisa? Mas, voltando ao tema inicial, os fatos mostram que a carga de impostos, como a de gastos, está aumentando, e não caindo. No ano passado, enquanto a economia brasileira cresceu pífios 2,7%, a arrecadação de impostos federais aumentou 10%. No primeiro bimestre de 2012, a arrecadação ganhou mais 6% sobre o mesmo período do ano passado – e a atividade econômica continua muito abaixo disso. Em um país complexo como o Brasil, não se podia esperar que a presidente Dilma operasse mudança drástica (desmontasse a herança lulista? Hein!?) em tão pouco tempo. Mas um bom projeto, isso se podia esperar. E não há nada nessa linha de combinar redução estrutural de carga tributária com gastos menores.
“Ao contrário, o governo tem atuado no quebra-galho, como o de seu antecessor. Tira o IPI das geladeiras, coloca o IOF sobre os empréstimos externos. (En passant: esse financiamento externo fica mais caro não por causa dos juros cobrados pelos ricos, mas pelo imposto cobrado pelo governo). E governos estaduais, sem coordenação de Brasília, travam guerras fiscais cujo resultado é complicar a vida do contribuinte. (…)
“Nada disso é novidade. Todo mundo, mas todo mundo mesmo, sabe que as pessoas e empresas pagam muito imposto e que o sistema tributário tortura os contribuintes diariamente. Por que não resulta daí uma política efetiva de redução? Reparem: não há qualquer liderança política, nenhum partido, com esse programa. A oposição a Dilma esperneia no Congresso. Mas olhem seus governadores e prefeitos, estão lá cobrando seus impostos mais e mais. Parece que estamos tomando isso como um fato da vida. É, os impostos são altos, paciência. É, tem o Custo Brasil, mas aqui é assim mesmo. Os juros são escorchantes – também diz a presidente -, mas o Banco Central avisa que a taxa básica não pode cair abaixo dos 9% anuais.
“O surpreendente nessa história toda são, mesmo, as declarações da presidente.” (Carlos Alberto Sardenberg, O Globo, 29/3/2012.)
* Dilma já baixou 40 medidas protecionistas. Mas empresários querem bem mais
“A presidente Dilma Rousseff já adotou uma avalanche de iniciativas para proteger a indústria nacional da invasão dos importados. Levantamento feito pelo Estado identificou 40 medidas aplicadas ou em análise. O protecionismo brasileiro provoca apreensão nos parceiros comerciais, mas os empresários reclamam que as medidas são pontuais e não resolvem o problema. O esforço engloba desde medidas abrangentes como intervenção no câmbio, maior fiscalização nos portos e preferência a produtos nacionais em licitações, até sobretaxas para produtos específicos, elevação de impostos só para importados e a renegociação do acordo automotivo com o México.
“Desde o início da crise em 2008, o Ministério da Fazenda já alterou 13 vezes a alíquota e/ou o prazo do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para frear a entrada de dólares – seis só no governo Dilma. O Banco Central também intervém rotineiramente no mercado de câmbio para impedir a alta do real. A equipe do ministro Guido Mantega adotou medidas heterodoxas no comércio exterior como a alta de 30 pontos porcentuais do IPI dos carros importados ou a transformação do imposto de importação do vestuário em valor fixo (a medida já é lei, mas não foi regulamentada).
“A Receita Federal se tornou protagonista no esforço de defender a indústria. Na semana passada, deflagrou a operação Maré Vermelha, que torna mais rigorosa a importação de vários bens de consumo. ‘Com 200 servidores envolvidos, a mobilização da operação é histórica’, disse Ernani Argolo Checcucci Filho, subsecretário de aduanas e relações internacionais. O órgão discute convênio com o Inmetro para verificar se os produtos importados respeitam normas de qualidade e segurança. Importadores temem que fiscalização vire barreira técnica.
“Os mecanismos de defesa comercial tradicionais foram reforçados. O governo Dilma aplicou 14 taxas antidumping e outras 11 investigações estão em curso. Também retomou a utilização das salvaguardas e implementou novos instrumentos, como combate a triangulação e investigação de subsídios. Para Rubens Ricupero, ex-secretário-geral da Unctad, ‘o Brasil segue o caminho da Argentina’ – país criticado pelo protecionismo. Ele diz que a desindustrialização é grave e que as medidas seriam aceitáveis se fossem temporárias e acompanhadas de reformas estruturais.” (Raquel Landim, Estadão, 26/3/2012.)
* “A presidente e o ministra da Fazenda mostram-se perigosamente confortáveis em sua política de fantasia”
“O governo concedeu R$ 97,8 bilhões em benefícios fiscais a empresas, nos últimos cinco anos, e adotou dezenas de medidas para conter a valorização cambial e proteger a indústria da concorrência estrangeira – mas tudo isso teve resultados pífios, como demonstra o fraco desempenho brasileiro no mercado internacional de manufaturados.
“Incapaz de acompanhar o crescimento do mercado interno, a indústria de transformação perdeu espaço no Brasil para os concorrentes de fora e cresceu em 2011 apenas 0,1%, ou quase nada. Sem competitividade, essa indústria é superada pelos produtores instalados nas economias mais dinâmicas e mal consegue manter, mesmo na América do Sul, posições conquistadas em tempos melhores.
“A experiência é clara em seus ensinamentos, mas, apesar disso, o governo insiste nas políticas fracassadas dos últimos anos, enveredando cada vez mais pelo protecionismo como forma de compensar a falta de uma estratégia minimamente eficaz. O resultado só poderá ser o desperdício de mais dinheiro, esforços e oportunidades. Mas a presidente Dilma Rousseff e o ministro Guido Mantega mostram-se perigosamente confortáveis em sua política de fantasia, como confirma a entrevista da chefe de governo à revista Veja.” (Editorial, Estadão, 27/3/2012.)
* “A incompetência governamental se transformou em elogio”
“O governo Dilma Rousseff lembra o petroleiro João Cândido. Foi inaugurado com festa, mas não pôde navegar. De longe, até que tem um bom aspecto. Mas não resiste ao teste. Se for lançado ao mar, afunda. Não há discurso, por mais empolgante que seja, que consiga impedir o naufrágio. A presidente apresenta um ar de uma política bem-intencionada, de uma tia severa e até parece acreditar no que diz. Imagina que seu governo vai bem, que as metas estão cumpridas, que formou uma boa equipe de auxiliares e que sua relação com a base de sustentação política é estritamente republicana. Contudo, os seus primeiros 15 meses de governo foram marcados por escândalos de corrupção, pela subserviência aos tradicionais oligarcas que controlam o Legislativo em Brasília e por uma irritante paralisia administrativa. (…)
“Como em um conto de fadas, a presidente acredita que tudo terá um final feliz. Mas, até agora, o lobo mau está reinando absoluto na floresta. Basta observar os péssimos resultados econômicos do ano passado quando o Brasil foi o país que menos cresceu na América do Sul. E a comparação é com o Paraguai e o Equador e não com a Índia e a China. Não é descabido imaginar que a presidente foi contaminada pelo ‘virus brasilienses’. Esta ‘espécie’, que prolifera com muita facilidade em Brasília, tem uma variante mais perigosa, o ‘petismus’. A vacina é a democracia combinada com outra forma de governar, buscando a competência, os melhores quadros e alianças programáticas. Mas em um país marcado pela subserviência, a incompetência governamental se transformou em elogio.” (Marco Antonio Villa, historiador, O Globo, 27/3/2012.)
* A crise viajou? (segue…)
“O raciocínio desenvolvido pela presidente Dilma Rousseff sobre os recentes conflitos com o Congresso, em sua entrevista à revista Veja, é institucionalmente irretocável. ‘Perder ou ganhar votações faz parte do processo democrático. Você não pode ganhar todas.’ (…) ‘Crise existe quando se perde a legitimidade’, acrescentou a presidente, em análise particularmente feliz e, sobretudo, ponderada da situação. Infeliz, porém, apresenta-se a realidade em que a teoria não rende homenagens à prática. Nos atos Dilma contradiz as próprias palavras quando deixa transparecer que em seu modo de operação a única possibilidade de expressão do Parlamento é dizer ‘sim’ a tudo que emana do Palácio do Planalto. Ou, então, o que pensa a presidente não é o que dizem nem o que fazem seus auxiliares.
“A presidente foi à Índia. Ficará ausente por uma semana. Nesse período haverá tempo para conferir se a ela se aplica a frase do então senador Fernando Henrique Cardoso quando José Sarney era presidente – ‘A crise viajou’ – ou se a confusão toda decorre de uma enorme falha de comunicação.” (Dora Kramer, Estadão, 27/3/2012.)
* … É, está provado: a crise viajou
“O acordo firmado na ausência de Dilma para a votação da Lei da Copa esclarece a dúvida: a crise realmente viajou.” (Dora Kramer, Estadão, 29/3/2012.)
As más notícias da Economia
* “A entrada triunfal no capitalismo de exortação”
“O velho PT, dos tempos das grandes lutas, metia o pau no capitalismo ‘selvagem’ – e o capitalismo era só selvagem na visão petista. A presidente que o PT ajudou a eleger enseja criar um novo tipo de capitalismo: o ‘capitalismo de exortação’. O método é o do vamo-qui-vamo: consiste em reunir o maior número de capitalistas do maior número possível de atividades e exortá-los a investir.
“Capitalistas de verdade nunca precisaram de exortação de políticos para investir. Para o impulso inicial, basta-lhes o vislumbre de bons lucros e o senso de oportunidade. (…) No Brasil, espírito empreendedor é o que não falta. O mundo do show business é um criadouro permanente de jovens empresários. O mundo da moda é outro. O dos esportes, um terceiro. Nem é preciso mencionar o do fast food, restaurantes em geral, comércio de secos e molhados, onde o comendador Valentim Diniz, por exemplo, começou modestamente e sua segunda geração dirige um empreendimento que está no cume de uma pirâmide onde fervilham centenas de fornecedores e milhares de funcionários.
“Há brasileiros moços ganhando mais dinheiro em seus negócios do que foram capazes seus pais, avós e tataravós, somados. E toda semana ou todo mês as revistas especializadas trazem novas histórias de florescentes novos empreendimentos dirigidos por brasileiros e brasileiras muito jovens.
“De modo que nós não precisamos ‘defender o mercado interno sem protecionismo’, como teria dito a presidente no encontro de exortação ao grande capital, segundo manchete do jornal Brasil Econômico (este também um jovem empreendimento na nossa área jornalística). O mercado interno vai muito bem, sim senhora – basta ver as vendas do comércio em janeiro: 2,5% acima das de dezembro!
“Mas o mood empreendedor moderno, agressivo e bem-sucedido, de que estamos falando não impregna o espírito de muitos dos representantes do grande capital reunidos naquela mesa de Brasília para ouvir as exortações da presidente e do seu ministro da Fazenda. O que se via ali era um conclave ao velho estilo capitalista brasileiro: uma reunião de sócios atuais e ex-sócios do capitalismo burocrático de Estado, que é o capitalismo que prevalece até hoje entre nós. Ele foi posto em marcha há 60 anos sob a bandeira do BNDES, das benesses fiscais, do protecionismo aos amigos do governo, das vendas aos governos amigos, das licita-ações entre compadres. Em suma, estavam ali, perfilados, como dizia Claude Rains, no filme Casablanca, os suspeitos habituais.
“Ou seja, as exortações verbais só se traduzirão em investimentos pelo método tradicional: o governo prepara o terreno, dá o dinheiro, faz a pesquisa de mercado, diz qual o negócio que terá retorno garantido e garante a compra dos produtos que o empresário não conseguir vender aqui e lá fora – então, ótimo, o capitalismo de exortação funcionará como sempre funcionou.
“Esse tipo de capitalismo, monitorado e sem risco, teve sua valia num certo momento da vida nacional, quando o objetivo maior era simplesmente gerar mais empregos urbanos. Mas era para ser apenas o pontapé inicial. O caso é que ficou para sempre na sua marcha lenta, sem nada que desafiasse o conforto dos fat cats criados pelo governo. E sem que os governos quisessem sacudir a vida confortável que propiciou a eles, porque ela sustenta a gorda carga fiscal com que paga as demagogias.
“Mas, agora, para se expandir, o capitalismo brasileiro tem de deixar de ser apenas criador de empregos, e precisa criar horizontes e espaço vital fora do Brasil. Somos, sim, a 6.ª economia do mundo, como fanfarreiam todos os que Nelson Rodrigues chamava de ‘idiotas da objetividade’. Mas só o somos por causa do tamanho da nossa economia (e da desvalorização do dólar) – não por causa do nosso dinamismo nem por causa do bem-estar da nossa população. No quesito dinamismo, a China, a Coreia, a Índia, a Rússia e outros menos cotados ganham de lavada. Quanto ao quesito bem-estar da população, é melhor nem dizer nada.
“O que é melhor que se diga em alto e bom som é que estamos muito atrasados. O capitalismo burocrático de Estado nos deixou na rabeira do desenvolvimento tecnológico e educacional. E sem isso não há como abrir fronteiras e horizontes no mercado mundial. Citem-se quaisquer produtos de ponta que fazem avançar as empresas e a economia no mundo de hoje: não são brasileiros, e só são nacionais sob licença de quem os criou lá fora. A indústria automotiva instalou-se aqui muito antes que em países que hoje nos vendem carros mais modernos que os nossos.
“Em termos de capacidade inovadora, de competitividade, de agressividade comercial, de conhecimento dos mercados mais promissores – fatores decisivos no mundo de hoje -, convenhamos, não passamos de jecas-tatus, descalços e com bicho-de-pé. Precisamos aprender a calçar botinas para começar a andar. Não bastam exortações.” (Marco Antonio Rocha, Estadão, 26/3/2012.)
* Falta estratégia, falta plano para melhorar a competitividade da indústria
“Não existe no Brasil uma discussão séria sobre como enfrentar o problema da falta de competitividade da indústria brasileira, ou como elevar a taxa de poupança, ou como alavancar investimentos. Os empresários vão a Brasília pedir ajuda. E será preparado mais um pacote emergencial, cheio de medidas que não durarão uma temporada. Ninguém discute seriamente a natureza dos desequilíbrios que a economia brasileira demonstra ter nesse momento.
“Quando o dólar sobe um pouco, há uma sensação geral de alívio, mas a desvalorização do real só atenua o problema, não o resolve. Não há uma estratégia de longo prazo na economia. Cada vez que o dólar cai um pouco, o ministro da Fazenda avisa que tem um arsenal de medidas e que vai usá-lo. Eleva um IOF, cria uma barreira contra o produto chinês, decreta uma barreira à entrada excessiva de dólar e repete a garantia que não deixará o real se valorizar mais.
“A valorização do real da segunda metade dos anos 1990 foi parte da estratégia usada para vencer a hiperinflação. O câmbio fixo teve um fim tumultuado, mas deixou como herança a inflação de patamares civilizados que temos hoje. Mas, desta vez, o que restará? Será um bom momento se o Brasil usar o dólar baixo para modernizar seu parque industrial, baratear investimentos, atualizar a infra-estrutura de tecnologia de informação, e ganhar tempo para a estratégia mais permanente de desenvolvimento.” (Míriam Leitão, O Globo, 24/3/2012.)
* Depois de extinta, a CPMF rende R$ 1,7 bilhão ao governo
“Mais de quatro anos após a decisão do Congresso Nacional de acabar com a CPMF — o famoso imposto do cheque — o governo continua reforçando seu caixa com este tributo. Dados da Receita Federal mostram que, desde janeiro de 2008, quando a contribuição deixou de ser cobrada, a arrecadação federal conta praticamente todos os meses com recursos da CPMF, cobrada de empresas ou pessoas físicas. Dessa forma, a equipe econômica já conseguiu reforçar o caixa do Tesouro com nada menos que R$ 1,750 bilhão entre janeiro de 2008 e fevereiro de 2012.
“Esse valor é suficiente, por exemplo, para o governo arcar com um ano da desoneração da folha de pagamento dos setores que já foram beneficiados pela medida (confecções, calçados, software e call centers), cujo custo estimado é de R$ 1,5 bilhão por ano. A arrecadação residual da CPMF equivale, em outro exemplo, ao que o governo deixará de arrecadar com a redução do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 3% para 2,5% para o crédito das pessoas físicas, cujo custo anual foi estimado em R$ 1,6 bilhão.
“Segundo técnicos da Receita, a arrecadação desse residual da CPMF ocorre devido a ações administrativas e judiciais que foram sendo encerradas ao longo dos últimos cinco anos. Os valores que vêm sendo arrecadados incluem não apenas o tributo devido e não pago à época, mas também acréscimos de juros e multas.
“Para o especialista em contas públicas Raul Velloso, esse comportamento mostra o excesso e o tamanho da burocracia que ainda existe no país: ‘Disputa judicial no Brasil é algo demorado e causa essas distorções. Isso se chama morosidade brasileira.’
“Do total recolhido entre 2008 e 2012, R$ 408 milhões, por exemplo, foram decorrentes de multas e juros acumulados sobre o não recolhimento da CPMF. Outros R$ 97 milhões vieram de contribuintes que aderiram a parcelamentos tributários especiais e que estão pagando a dívida por etapas. Além disso, R$ 38 milhões vieram de valores que já estavam inscritos na dívida ativa da União.” (Martha Beck, O Globo, 26/3/2012.)
* “A fatura não tardará a chegar e todos nós seremos chamados a pagar a conta.”
“A principal reação dos agentes econômicos ao Decreto Presidencial n.º 7.698, de 9/3/2012, que estendeu de 3 para 5 anos o pagamento de 6% de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para empréstimos externos, foi de insegurança. As empresas, inclusive as de médio porte, estão tentando se defender desse aumento de custo, uma vez que têm financiamentos para serem rolados.
“As projeções da Tendências não indicam um quadro de abundância de dólares no País neste ano. A expectativa para as necessidades de financiamento externo em 2012 é de US$ 115 bilhões, ou seja, 4% do PIB, e, para a rubrica ‘Amortização de médio e longo prazo da dívida externa’, a projeção é de US$ 55 bilhões. A sobra de dólares na economia é estimada em US$ 25 bilhões, ante quase US$ 60 bilhões em 2011. Ou seja, os efeitos do tal ‘tsunami’ não devem ser exatamente o que se tem alardeado. (…)
“Enfim, as medidas cambiais são apenas um aspecto de um espectro mais amplo que se traduz em aumento de risco para a economia brasileira. Especificamente, em relação à política cambial – que deveria voltar a ser conduzida e formulada apenas pelo Banco Central -, o recado é que o Brasil não deve ser arrogante com o capital externo, afinal precisa dele, porque o nível de poupança do País é baixo e o único jeito de crescer é por meio de aquisição de poupança externa. Os que acreditam que juros e câmbio são fatores geradores de riquezas obtidas por decreto, e não por resultado dos fundamentos econômicos, acreditam em histórias da Carochinha. A fatura não tardará a chegar e todos nós seremos chamados a pagar a conta.” (Nathan Blanche, economista, Estadão, 28/3/2012.)
O caso exemplar do convescote no Palácio: muita palavra, nada de ação
* Dilma reúne empresários para evento coreográfico
“A doutora Dilma reuniu 30 empresários para um evento coreográfico no Planalto. Tinha gente demais para uma comissão de frente e de menos para uma bateria.” (Elio Gaspari, O Globo e Folha de S. Paulo, 25/3/2012.)
* Só conversa é pouco
“O governo Dilma corre o risco de copiar o governo da Argentina que, em vez de criar condições que garantam competitividade ao setor produtivo, se limita a fazer apelos para que os empresários parem de importar, invistam em fábricas e criem empregos. Foi o que fez nesta quinta-feira a presidente Dilma Rousseff, no encontro em Brasília com 28 líderes do setor produtivo. O governo Dilma não se empenha o suficiente para derrubar o custo Brasil, assiste passivamente ao esvaziamento da indústria e, depois, tenta compensar com improvisação e alguma conversa – e não com reformas profundas, que reverteriam o jogo desigual.
“Um governo que apresenta condições estáveis (e não predatórias, como este) para os negócios e para a criação de empregos não precisaria inventar políticas industriais, reservas de mercado, obrigatoriedade de conteúdo local, isenções tributárias temporárias nem tampouco empréstimos a juros favorecidos do BNDES. Nesta quinta (22/3) o jornal Valor Econômico publicou informação alarmante. Nada menos que 55% de toda a arrecadação de ICMS pelos Estados provém das cobranças sobre apenas três insumos: energia elétrica, telecomunicações e combustíveis. Ou seja, acontece no Brasil o contrário do que se verifica em outros países, onde a política procura desonerar matérias-primas e insumos com o objetivo de assegurar competitividade ao setor produtivo. (…)
“A falta de prontas soluções para reverter o custo excessivo de produção que tira competitividade do setor produtivo brasileiro acentua deformações e cria ‘direitos adquiridos’ – como se direitos fossem e adquiridos fossem. Os Estados e os municípios, por exemplo, entendem que qualquer mudança lhes tiraria arrecadação e, por isso, também trabalham para bloquear quaisquer tentativas de reforma. É o que também se vê no projeto da Resolução 72 do Senado, cujo objetivo e acabar com a guerra dos portos. Intervenções no câmbio, destinadas a garantir maior desvalorização do real e juros alguma coisa mais baixos, e novas reuniões para acompanhar os ‘desafios à produção nacional’, como voltou a ser prometido nesta quinta-feira para os empresários, são pouco para devolver competitividade ao setor produtivo nacional.” (Celso Ming, Estadão, 23/3/2012.)
* Uma encenação no Planalto com 28 grandes empresários
“A presidente Dilma Rousseff chamou ao Palácio do Planalto 28 dos maiores empresários do País para pedir-lhes mais investimentos – como se algum deles precisasse de um apelo presidencial para investir na ampliação de seus negócios e para ganhar mais dinheiro e mais espaço em seus respectivos mercados. Quanto a esse ponto, pelo menos, dificilmente haverá diferença entre esses líderes da indústria, do comércio e do setor financeiro e a maioria dos dirigentes de empresas pequenas e médias. Os chamados espíritos animais estão bem vivos no empresariado brasileiro, apesar de todas as dificuldades para investir, produzir e vender, especialmente para o mercado externo. A presidente não deveria preocupar-se com isso. Mas os dirigentes de companhias de todos os tamanhos têm motivos para se preocupar com a pouca disposição do governo de adotar as políticas necessárias ao fortalecimento do setor produtivo e ao crescimento seguro da economia brasileira. (…)
“As falas da presidente e do ministro da Fazenda, Guido Mantega, foram igualmente sem novidades, apesar da abundância de palavras. As autoridades prometeram, mais uma vez, um grande plano de redução de custos fiscais e financeiros. O corte de encargos trabalhistas, iniciado em 2011, será estendido a novos setores, haverá diminuição de impostos federais e crédito mais barato será oferecido aos empresários. Além disso, o governo investirá em obras de infraestrutura e tentará baixar o custo da energia. Todas essas promessas eram conhecidas. (…)
“A maior parte do encontro foi mera encenação de uma reunião produtiva entre a presidente e um grande grupo de pesos pesados da economia. O resto foi uma demonstração explícita dos problemas de um governo forçado a comprar e a recomprar, num comércio sem fim, a fidelidade de sua base no Congresso.” (Editorial, Estadão, 23/3/2012.)
* “Administrar a economia passa a ser apagar incêndios, e não preveni-los”
“No vaivém de medidas de incentivo à indústria, o governo prorrogará o corte de IPI sobre produtos da linha branca. Também estuda ampliar o alcance da desoneração da folha de salários de mais setores, em troca de um imposto sobre faturamento. Neste tipo de atuação caso a caso, o Ministério da Fazenda costura uma colcha de retalhos e não consegue fazer política econômica no melhor sentido do termo. É O que já foi chamado de ‘política do puxadinho’. Administrar a economia passa a ser apagar incêndios, e não preveni-los.” (Opinião, O Globo, 23/3/2012.)
* Só vontade política não adianta; é preciso saber como resolver os problemas”
“Encontros entre representantes de segmentos importantes da sociedade e governantes são, em princípio, saudáveis. Caso da reunião formal realizada quinta-feira entre a presidente Dilma Rousseff e 29 grandes empresários do setor industrial. (…) Dilma, como estava no roteiro, ouviu reivindicações. Anotou-as, mas, por bastante conhecidas, nem precisaria. Valeu pelo gesto de atenção. Carga tributária, juros, custo da legislação trabalhista, infraestrutura precária, real valorizado foram itens lembrados. Na verdade, o diagnóstico das causas do emperramento da economia brasileira é conhecido e quase consensual. As divergências ocorrem nas propostas terapêuticas. Uma taxa de investimento anêmica é reflexo de problema idêntico na poupança (também abaixo dos 20% do PIB), distorção cuja responsabilidade é da política de gastos públicos excessivos e centrados nas despesas em custeio (salário do funcionalismo, previdência, assistencialismo etc). Explica-se por que os investimentos públicos em infraestrutura são irrisórios.
“Às reclamações sobre custos de produção elevados, Dilma e ministro responderam com o aceno de um plano amplo, para além do Brasil Maior, de desoneração de impostos e de encargos sobre a folha de salários.
A dúvida é se não se repetirão as medidas tópicas, casuísticas, de isenções setoriais. Nessas circunstâncias, ganha a benesse o grupo de empresários mais bem relacionado em Brasília e não, necessariamente, o mais necessitado. O costume de aliviar atividades em função dos decibéis das reclamações costuma criar mais distorções nos mercados, sem desobstruir os gargalos macroeconômicos.
“É possível que o pedido de Dilma de uma maior atuação do empresariado no Congresso tenha relação com as derrotas sofridas para a ‘base aliada’ no dia anterior. Mas muito do que precisa ser feito para cortar custos de produção da indústria e de toda a economia está ao alcance de sua caneta. Um bom começo é, além de cortar encargos aqui e acolá, conter a gastança, para fazer um rebaixamento geral da carga tributária. Assim, até o Estado voltar a investir.” (Editorial, O Globo, 24/3/2012.)
Incompetência, irregularidades
* Custo de obra no São Francisco cresce 71% e chega a R$ 8 bilhões
“Vencido o prazo original em que a transposição do Rio São Francisco deveria estar pronta e funcionando no semiárido nordestino, a obra registrou aumento de R$ 3,4 bilhões – ou 71% – em seus custos em relação à previsão inicial, segundo a mais recente estimativa feita pelo Ministério da Integração Nacional. Desde o início do governo Dilma Rousseff, o custo total da obra pulou de R$ 4,8 bilhões para R$ 8,2 bilhões. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva previa inaugurar a obra em 2010.
Isso significa que, se a transposição fosse uma aplicação financeira, teria rendido 65% acima da inflação do período. Para essa comparação, o Estado usou a variação de preços medida pelo IPCA, índice usado no regime de metas de inflação do governo. A alta foi de 8,2% entre dezembro de 2010 e março de 2012.
“A construção de cerca de 600 quilômetros de canais de concreto que desviarão parte das águas do rio ainda deve consumir mais 45 meses. O preço aumentou com a renegociação dos contratos originais e o lançamento programado de mais de R$ 2,6 bilhões em novas licitações. Iniciada em 2007 como a mais cara a ser paga com dinheiro dos tributos entre os projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a obra da transposição do São Francisco está parada em três trechos: em Salgueiro (PE), Verdejante (PE) e São José das Piranhas (PB). Os contratos originais referentes a esses trechos serão rompidos e haverá nova licitação. Também serão licitados trechos de obras ‘remanescentes’ ao longo de quase toda a extensão do projeto. (Marta Salomon, Estadão, 23/3/2012.)
* TCU encontra indícios de sobrepreço de R$ 29 milhões nas obras no são Francisco
“O Tribunal de Contas da União (TCU) encontrou indícios de sobrepreço de R$ 29 milhões em contrato do lote 5, no Ceará, da transposição do São Francisco, e determinou ao Ministério da Integração Nacional que revise o preço de itens do edital para impedir prejuízo aos cofres públicos. Os auditores do tribunal ainda criticaram a demora para a execução das obras, o que ocasiona aumento do custo total do mega-empreendimento, agora orçado em R$ 8,2 bilhões, de acordo com o TCU.
“Não houve liberação de recursos. Os técnicos do tribunal encontraram falhas no edital, como um valor superestimado de R$ 5,1 milhões, por exemplo, em ‘filtros e transições finas horizontais de areia natural’, que representa 1,22% do orçamento total do empreendimento. Ao todo, foram identificados preços acima daqueles praticados no mercado em 18 itens unitários da obra. Diante das imporpriedades verificadas no edital, o Ministério da Integração Nacional foi obrigado a adiar a concorrência aberta para o trecho, que estava marcada para a última terça-feira.
“O TCU ainda criticou a demora da obra, que além de ocasionar prejuízos materiais, infla o custo da obra, inicialmente orçada em R$ 5,2 bilhões. Segundo o TCU, existem falhas graves nos projetos básicos da Transposição do São Francisco. (Roberto Maltchik, O Globo, 29/3/2012.)
* Superintendência do PF contrata empresas investigadas pela própria PF
“A Locanty e a Toesa, duas das quatro empresas denunciadas pelo ‘Fantástico’, foram contratadas pela Superintendência da Polícia Federal do Rio apesar de serem investigadas pela Delegacia de Polícia Fazendária (Delefaz) da própria PF, desde 2006, por suspeitas de crimes que vão de falsificação de notas fiscais em concorrências públicas a superfaturamento. Ao todo, foram abertos três inquéritos: a Toesa é suspeita de uso de documentos falsos e superfaturamento. A Locanty, por sua vez, foi investigada por irregularidades numa licitação da qual participou no Hospital Geral de Bonsucesso.
“Os inquéritos começaram na Delegacia Fazendária e foram enviados à Delegacia de Combate a Crimes Financeiros (Delefin), também da PF do Rio, unidade que apura agora as denúncias levadas ao ar pelo ‘Fantástico’. A PF confirmou as investigações, mas não revelou detalhes. Os inquéritos contra a Toesa ainda estão abertos, mas o da Locanty foi arquivado de forma curiosa. Enviado em novembro do ano passado à Justiça Federal do Rio, ele deveria retornar à PF para que os policiais pudessem ouvir os depoimentos de João Alberto Felippo Barreto, um dos sócios da empresa, e outros diretores. Eles chegaram a ser intimados pela Delefaz, mas o inquérito foi arquivado. A investigação tinha como base o artigo 90, da lei 8.666/93 (frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório).” (Antonio Werneck, O Globo, 26/3/2012.)
* Ministério da Pesca fez compras irregulares, diz o TCU
“Mesmo sem competência para fiscalizar a pesca ilegal, o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) resolveu comprar 28 lanchas-patrulha, das quais 23 estavam fora de operação no segundo semestre de 2011. Em acórdão aprovado nesta quarta-feira, o Tribunal de Contas da União (TCU) também apontou superfaturamento de R$ 1,64 milhão nos pagamentos à fabricante e determinou a instauração de processo administrativo para identificar os responsáveis e calcular o prejuízo total provocado pela compra dos equipamentos. As lanchas custaram R$ 31 milhões.
“Entre os citados no acórdão está o ex-ministro da Secretaria Especial da Pesca, Altemir Gregolin, que comandou a pasta entre 2006 e 2010. As lanchas foram compradas entre 2008 e 2011. Segundo os auditores, além de pagar por serviços ainda não executados e restringir a licitação que escolheu o fornecedor, o MPA desprezou a pesquisa de preços e até mesmo comprou mais lanchas do que deveria.” (Roberto Maltchik, O Globo, 29/3/2012.)
* Só faltava essa: o atraso nas obras da Copa é nosso, “uma coisa da nossa cultura”
“O ministro Aldo Rebelo, do Esporte, traz uma preciosa contribuição para a nossa série ‘Não tem nada de mais’. Perguntado sobre o atraso nas obras da Copa do Mundo, disse que não tem problema algum. Explicou: ‘É uma coisa de nossa cultura’. Detalhou: ‘O brasileiro tem um jeito próprio de organizar e sempre entrega o que precisa’.
“Entrega quando? E a que preço?
“No mesmo dia em que saiu a teoria do ministro, este Estadão, em preciosa reportagem de Marta Salomon, trouxe um exemplo da sua aplicação prática – as obras de transposição do Rio São Francisco. Lula iniciou o programa em 2007, com diversos comícios, prometendo entregar o que seria ‘a maior obra’ de seu governo em 2010, último ano de seu mandato. E por R$ 4,8 bilhões, já então a meta mais cara do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mas tudo funcionou perfeitamente de acordo com a teoria Rebelo: a coisa está muito atrasada. Segundo estimativas atuais, só fica pronta em 2016, seis anos depois do primeiro prazo.
“Não tem nada de mais, é da nossa cultura. O preço já saltou para R$ 8,2 bilhões, conforme a última revisão, feita recentemente pelo governo Dilma Rousseff. Não tem nada de mais, é o jeito brasileiro de fazer. Segundo revela a reportagem, o aumento do prazo e do custo vem de um vício de origem. As obras começaram de forma apressada, a partir de óbvio interesse político. Projetos de engenharia malfeitos e incompletos estão sendo revistos; licitações, refeitas; e assim vai. Jeito brasileiro: manda bala, depois a gente vê como fica. Seis anos de atraso, R$ 3,4 bilhões de custo adicional, qual o problema? Considerando que a teoria do ministro é intemporal, é claro que pode atrasar mais e ficar ainda mais caro.
“A diferença em relação à Copa é que os jogos têm data e horário marcados para começar. Acaba saindo, mas tudo incompleto, improvisado e, claro, mais caro. Só faltava essa: o atraso é nosso!” (Carlos Alberto Sardenberg, Estadão, 26/3/2012.)
Enquanto Dilma estava em Brasília, não tinha jeito de a base aliada votar o que era preciso votar
* Uma jornada de vexames para o governo
“Foi um caso exemplar de junção da fome com a vontade de comer. Interesses objetivos de parcelas ponderáveis do Congresso deram anteontem aos políticos que supostamente formam a base parlamentar do governo o clássico leque de oportunidades por que ansiavam para mostrar à presidente Dilma Rousseff, em português claro, quem é que manda no pedaço. Não sobrou nada para o Planalto se consolar – e, de passagem, resgatar do ridículo completo o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Ele entrou para o rodapé da história com a memorável declaração ‘Está tudo ótimo’, enquanto do outro lado da Praça dos Três Poderes a autoridade política de sua chefe estava para ser dizimada. (…)
“A presidente amargou ainda a aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, onde o governo também é em tese majoritário, da proposta de emenda constitucional que transfere para o Congresso a prerrogativa do Executivo de demarcar terras indígenas e áreas de preservação ambiental. Dado que o projeto tem longa tramitação pela frente, a derrota de Dilma foi antes simbólica do que substantiva – mas equivaleu a uma descompostura pública. Somem-se a isso a convocação da ministra do Planejamento, Miriam Belchior, para depor na Comissão do Trabalho da Casa, e os convites para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência, Sepúlveda Pertence, falarem à Comissão de Fiscalização e Controle sobre assuntos embaraçosos – respectivamente, os problemas na Casa da Moeda e no Banco do Brasil, e as ‘consultorias’ do ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel.
“E não é que, tendo a matilha do PMDB e companhia bela demarcado o seu território no condomínio do poder, se pode considerar virada a página e aplainada a crise. Dilma, que começou a vida fazendo a política do confronto direto com a ditadura militar, mas não tem gosto nem aptidão para as pedestres negociações com os políticos sôfregos por sua parte no butim, carece dos atributos necessários para fazer valer as ‘novas práticas’ de que fala o seu recém-escolhido líder no Senado, Eduardo Braga. Os índices de aprovação da presidente nas pesquisas não parecem conferir-lhe autoridade no trato com a base aliada. Ao contrário do que se passava ao tempo do presidente Lula, simplesmente não fazem parte da equação política de Brasília.
“Enquanto Dilma não dissolver esse paradoxo – e não se vêem no horizonte indícios de que o consiga -, o seu desgaste persistirá. As consequências, já dizia o Conselheiro Acácio, virão depois.” (Editorial, Estadão, 23/3/2012.)
* “O governo se desorganiza, bate cabeças e é pego de surpresa a cada novo lance”
“No momento não há como se falar em base aliada do governo no Congresso. Retrato mais fiel da realidade daria a expressão ‘base adversária’, tal a animosidade reinante (e crescente) no ambiente.A cada movimento do Palácio do Planalto corresponde uma reação na direção oposta à harmonia relatada na quarta-feira de manhã pelo secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho.
‘O desgaste está superado, está tudo ótimo’, disse, enquanto o Parlamento o desmentia: adiou a votação da Lei Geral da Copa, aprovou emenda em comissão para retirar do governo o poder de demarcar terras indígenas e resolveu chamar dois ministros para dar explicações. (…)
“Demais para um dia apropriadamente chamado ‘de cão’? Não, se olharmos bem para a seguinte discrepância de procedimentos: enquanto os partidos da coalizão se organizam, o Palácio do Planalto se desorganiza, bate cabeças e é pego de surpresa a cada novo lance. (…) Tomemos fatos concretos: o desacerto sobre a venda de bebidas alcoólicas nos estádios durante a Copa, a insistência em ir a votações sem o exame prévio das condições objetivas de vitória ou derrota, a troca intempestiva de lideranças, a ausência de comunicação (civilizada) entre os integrantes do governo e deles com o Congresso, a evidente desinformação do Palácio sobre as estratégias engendradas do outro lado da Praça dos Três Poderes e, daí, a impossibilidade de se antecipar às manobras.
“Já os partidos ditos governistas só fazem se afinar, atuando em consonância seja nos movimentos de plenário ou nas comissões e seguir ordenadamente a construção da desordem. O governo, por sua vez, age às tontas, anda às cegas sem saber com quantos paus hoje poderia fazer uma base de real sustentação correspondente ao número de partidos e parlamentares supostamente aliados. Teoricamente o governo dispõe de muitos, mas realisticamente pode contar com poucos. Quem e quantos são eles, eis a questão. A ser resolvida por um urgente freio de arrumação.” (Dora Kramer, Estadão, 23/3/2012.)
* “A política chegou a um nível tão baixo, tão ruim, que passou a liberar somente gases tóxicos e venenos”
“Um clima de crise política ronda Brasília. Bastou o governo Dilma Rousseff deslocar algumas peças no tabuleiro para a temperatura subir e a base parlamentar que apoia o Palácio do Planalto mostrar sua fragilidade. (….) A turbulência é política, mas não se deve às oposições, que desapareceram do cenário, engolidas por seus próprios dilemas. Eclode, evolui e se mantém porque a política chegou a um nível tão baixo, tão ruim, que passou a liberar somente gases tóxicos e venenos. O ar ruim e as toxinas incomodam e debilitam a sociedade, mas não geram revolta social. Contaminam, antes de tudo, o próprio sistema político e seus integrantes, empurrando-os escada abaixo.” (Marco Aurélio Nogueira, Estadão, 24/3/2012.)
* Questões importantes deixam de ser votadas no Congresso
“Fato raro, a rejeição de indicações presidenciais de nomes para compor as agências reguladoras – como ocorreu com o indicado pela presidente Dilma à Agência Nacional de Transportes Terrestres há pouco mais de dez dias – não é inédita no Senado. Lula passou por isso. Em julho de 2009 foi rejeitada a indicação de Bruno Pagnoccheschi para uma diretoria da Agência Nacional de Águas (ANA) alegadamente porque o então presidente havia reagido à criação da CPI da Petrobrás dizendo que os senadores eram ‘bons pizzaiolos’. (…)
“Novidade, portanto, não há. A diferença é que aquelas rejeições representavam insatisfações isoladas e delas não decorreu uma crise. Agora, a recusa do nome de Bernardo Figueiredo ocorreu concomitantemente à divulgação de um manifesto da bancada do PMDB na Câmara que explicitamente reclamava do PT e implicitamente expressava a contrariedade com o modo Dilma de se relacionar com sua base. A intenção foi dolosa e a reação do governo deu-se no mesmo padrão. Resultado: já são 20 dias de conflitos ininterruptos a tomar tempo e a interditar a resolução de questões importantes como a Lei da Copa, o Código Florestal, a distribuição dos royalties do petróleo e a mudança de sistemática na tramitação das medidas provisórias.
“Não há clima para nada. Nem para ações decorrentes do Executivo, como a formação da Comissão da Verdade e a execução da Lei de Acesso à Informação, que obriga o poder público a abrir os dados oficiais à sociedade e entra em vigor daqui a menos de dois meses. Temas de interesse público a respeito dos quais o Congresso teria papel crucial na conjugação do verbo parlamentar.” (Dora Kramer, Estadão, 25/3/2012.)
30 de março de 2012
Outros apanhados de provas de incompetência de Dilma e do governo:
Volume 30 – Notícias de 25/11 a 1º/12
Volume 31 – Notícias de 2 a 8/12.
Volume 32 – Notícias de 9 a 15/12.
Volume 33 – Notícias 16 a 29/12.
Volume 34 – Notícias de 30/12/2011 a 5/1/2012.
Volume 35 – Notícias de 6 a 12/1.
Volume 36 – Notícias de 13 a 19/1.
Volume 37 – Notícias de 20/1 a 26/1.
Volume 38 – Notícias de 27/1 a 2/2.
Volume 39 – Notícias de 3 a 9/2.
Volume 40 – Notícias de 10 a 23/2.
Volume 41 – Notícias de 24/2 a 1º/3.
Volume 42 – Notícias de 2 a 8/3.
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