Voto útil ou voto no melhor? (7)

Na última segunda-feira antes do primeiro turno, enquanto Ciro Gomes (PDT) repetia sua mais que conhecida posição de sempre em pronunciamento anunciado como importantíssimo, e a nova rodada da pesquisa Ipec mostrava cenário estável, com possibilidade de vitória de Lula já no domingo que vem, 2/10, políticos, analistas e jornalistas continuaram a apresentar argumentos pró-voto útil e argumentos pró-voto no melhor.

“Nada deterá minha disposição de seguir em frente”, disse Ciro, como se alguém neste país duvidasse disso. “Aqueles que ousam resistir, como é o meu caso, são vítimas das mais virulentas campanhas de intimidação, mentiras e de operações de destruição de imagem. É o que está acontecendo agora quando estou sendo vítima de uma gigantesca e virulenta campanha, nacional e internacional, para a retirada da minha candidatura.”

E, especificamente sobre o voto útil: “Querem eliminar a liberdade das pessoas de votarem no regime de dois turnos, primeiro no candidato que mais representa seus valores, e, se for o caso, de optarem depois por aquele que mais se aproxime de suas ideias.”

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Diacho: não se trata de querer eliminar liberdade. Trata-se de tentar raciocinar sobre o que é melhor para o país nesta atual situação, neste atual contexto.

Raciocinar. Apresentar argumentos de um lado, argumentos de outro. Tenho tentado ajudar nisso, nesta série que chega agora ao seu volume 7.

No programa Em Pauta da GloboNews desta segunda-feira, houve uma interessante apresentação de argumentos pró e contra o voto útil. Demétrio Magnoli defendeu o voto no melhor no primeiro turno, sob o argumento de que, caso Lula vença já, vencerá por um placar apertado – o que dará argumentos para Bolsonaro e o bolsonarismo ficarem berrando que houve fraude.

E Mônica Valdvogel relatou que conversou nas últimas horas com cientistas políticos sobre essa questão, e eles foram unânimes em dizer que o melhor é liquidar a fatura já no primeiro turno – porque no primeiro turno serão eleitos vários governadores, 27 senadores, 513 deputados federais e sei lá quantos deputados estaduais e distritais, e eles todos não terão interesse nenhum em participar dessa campanha golpista de Bolsonaro contra o sistema eleitoral brasileiro de maneira ampla, geral e irrestrita e as urnas eletrônicas especificamente. E também porque tentar tumultuar o processo, berrar que houve fraude, conclamar os aliados a ir para as ruas protestar, quem sabe invadir e quebrar o TSE e o STF, isso Bolsonaro vai fazer de qualquer jeito, seja perdendo no primeiro, seja perdendo no segundo turno.

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Argumento de um lado, argumento de outro.

Isso é bom. Só bolsonarista é que não gosta disso. Bolsonarista e trumpista, ou putinista, ou qualquer outro gado que tenha como mito um populista autocrático.

Bem, mas é fundamental ver os números. Números são fatos importantes. Não que contra fatos não possa haver argumentos – mas os argumentos devem prestar atenção aos fatos.

A nova rodada da pesquisa Ipec, o ex-Ibope, divulgada nesta segunda-feira, 26/9, mostra Lula com 48% das intenções de voto (ante 47% da anterior), e Bolsonaro com 31% – exatamente o mesmo de uma semana atrás, e da outra, e da outra.

No segundo pelotão, a situação também permanece bastante estável:  Ciro oscila 1 ponto para baixo, de 7% para 6%, e Simone Tebet (MDB mais PSDB-Cidadania) se mantém com os mesmos 5%.

Considerados apenas os votos válidos (excluídos os nulos e brancos), o Ipec apontou Lula com 52% ante Bolsonaro com 34%.

Para um eventual segundo turno, o Ipec aponta 54% para Lula e 35% para Bolsonaro.

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Ou seja: os números demonstram que o argumento apresentado por Demétrio Magnoli é furado. É inválido. Não presta para nada. O resultado no primeiro turno seria bem igual ao do segundo turno – dentro das circunstâncias de hoje, é claro.

Não haveria um grande crescimento de votos para Lula num eventual segundo turno.

Portanto, o que vale, o que presta são os argumentos dos cientistas políticos ouvidos por Mônica Valdvogel: melhor terminar tudo de uma vez já. No primeiro turno. Porque tentar tumultuar, isso o monstro vai mesmo, seja tendo sido derrotado no primeiro, seja tendo sido derrotado no segundo.

Ao contestar os resultados do primeiro turno, ele não terá o apoio de todos os governadores, senadores e deputados eleitos no domingo que vem.

E, se houver segundo turno, ele terá mais três semanas para infernizar a campanha eleitoral – e o país como um todo – com suas mentiras.

Os números mostram de forma inequívoca para quem ainda tem dúvidas: melhor acabar com isso já no domingo agora. Derrotar Bolsonaro de uma vez.

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Neste sétimo volume da série sobre voto útil ou voto no melhor no primeiro turno – que será um dos últimos, provavelmente o penúltimo –, vou transcrever o artigo do sempre ótimo Carlos Alberto Sardenberg publicado em O Globo no sábado, 24/9, em que ele fala sobre a declaração de voto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e o de uma pessoa que eu não conhecia, o advogado e professor da USP Rafael Mafei, publicado em O Estado de S. Paulo desta segunda-feira, 26/9.

Os dois textos são excelentes, e podem de fato ajudar os que ainda estão indecisos, nesta reta final, entre o voto no melhor – seja Simone, Ciro, Soraya, d’Ávila –, seja no voto útil, no candidato que hoje tem todas as condições de fazer o país ficar livre de Bolsonaro. Esse aí em quem não gostaríamos de votar – mas, diacho, é o que temos.

Os dois textos têm, creio, um ponto em comum: eles lembram e enfatizam que o país precisa se livrar do sujeito que representa a extrema direita, o espectro mais abominável de todos os que existem na política, o que é intrinsecamente antidemocrático.

O artigo de Rafael Mafei demonstra de forma lúcida, clara, que é para o bem da própria direita que o país precisa colocar novamente essa extrema direita estridente, reacionária, golpista, antidemocrática, próxima ao fascismo como uma coisa menor, desimportante, periférica, marginal.

Esta é uma eleição especial, diferente, anormal. Nela é preciso que todos os que não são bolsonaristas se unam.

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Um voto pela terceira via (de 2026)

Rafael Mafei, O Estado de S.Paulo, 26/9/2022

Como devem agir, no primeiro turno, eleitores democratas de direita diante de uma disputa que, na prática, está reduzida a um enfrentamento entre um esquerdista (Lula) e um nacionalista autoritário (Jair Bolsonaro)?

Para esses eleitores, as eleições de 2022 ficaram com sabor de um campeonato em que ambos os finalistas são seus maiores rivais. O time do coração ficou pelo caminho. Restaria torcer pelo time pequeno, simpático, mas inexpressivo.

Mas essa analogia esportiva é limitada. Na realidade brasileira, temos razões de sobra para temer a campanha de segundo turno que dará prazo extra para que um extremista como Jair Bolsonaro parta para o tudo ou nada.

Mais fácil é prever o que ocorrerá caso ele vire o jogo e alcance a reeleição: não há, na história global recente, uma democracia que tenha reeleito alguém de vocação tão inequivocamente autoritária como Jair Bolsonaro, e, ainda assim, sobrevivido sem se descaracterizar.

Eleitores de direita que desejam ter a chance de, no futuro próximo, votar em liberais verdadeiros, conservadores genuínos e democratas honestos, com candidaturas competitivas, devem agir para que Jair Bolsonaro sofra logo a mais rápida e humilhante das derrotas, sendo batido no primeiro turno.

A derrota vergonhosa de Bolsonaro já no dia 2 de outubro será estratégica para a reorganização da direita brasileira. A humilhação de ser o único presidente a perder a reeleição, ainda mais sem nem sequer chegar ao segundo turno, fatalmente abalará sua liderança no campo direitista e conservador.

Isso dará a outros políticos de direita, mais comprometidos com a civilidade democrática, a chance de sair da sombra bolsonarista que hoje os ofusca. Derrotar Bolsonaro logo é votar hoje pela terceira via de amanhã.

Ao contrário de Donald Trump, outro populista sem apreço pela democracia, Jair Bolsonaro não tem um grande partido para lhe manter relevante quando perder o cargo. Podem apostar: Arthur Lira e Ciro Nogueira não gastarão nem capital político, nem dinheiro, nem tempo para manter cheia, em 2023, a bola de um Bolsonaro humilhado nas urnas.

Fora do cargo, sem o apoio do Centrão, sem a proteção institucional da Presidência da República e sem a camaradagem de uma Procuradoria-Geral da República que perderá, inclusive, competência jurídica sobre seus casos, Bolsonaro responderá a processos sem fim por tudo o que fez na Presidência. É bem possível que acabe condenado e inelegível, perdendo ainda mais relevância. Ninguém trabalhará para reabilitá-lo em defesa da democracia, pois é ele próprio quem a ameaça.

Sem partido, sem cargo e quiçá inelegível e multicondenado, sua liderança política terá dificuldades para se sustentar com grande força. Líderes ganham importância quando sua perspectiva de poder é crescente, porém fenecem quando essa perspectiva é decrescente. Lula foi exceção; a regra está mais para Aécio Neves.

Com uma derrota bem aplicada a Bolsonaro, talvez a direita mais radical e antidemocrática se recolha a ser o que era anos atrás: apenas uma franja marginal da política institucional, deixando de ser mainstream. Talvez se reduzam a uma falange sem tanto poder, liderada por uma família de radicais chafurdada em negócios suspeitos – mistura tropical dos Le Pen com os Sopranos. Talvez suas facções se decomponham em conflitos intestinos, pois os herdeiros do olavismo não se entendem com os filhos do capitão – e, para atrapalhar ambos os lados, haverá sempre um Weintraub, uma Janaína Paschoal.

Livre do abraço de afogados deste exército de Brancaleone que é o “bolsolavismo”, a direita civilizada poderá se reagrupar para fazer aquilo que se espera da oposição numa República funcional: fiscalização, pressão e negociação. Batalhará para que o ministro da Economia de Lula 3 seja mais Meirelles, e menos Mantega; para que o indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF) seja mais Menezes Direito, e menos Dias Toffoli; para que Venezuela e Nicarágua sejam reconhecidas como ditaduras que são; para que órgãos de controle e combate à corrupção recuperem dentes e garras que Bolsonaro limou.

Lula, para confirmar seu compromisso com a sobrevivência da democracia brasileira além das eleições, haverá de reconhecer, respeitar e dialogar com essa direita democrática, até mais do que fez antes. Ele, que vê longe, sabe que, em algum nível, também depende dele e de seu governo a reabilitação da direita não extremista, que é essencial para uma democracia plural.

Há temas urgentes nos quais negociações honestas e esforços comuns entre esquerda e direita podem render frutos: uma reforma tributária que ataque desigualdades e melhore o ambiente de negócios, ou um plano ambicioso para proteção ambiental com estímulo à economia verde.

Imaginem que avanço quando forem esses os assuntos a nos ocupar. Quanto antes, melhor.

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Voto FH é contra extrema direita, não num candidato específico

Carlos Alberto Sardenberg, O Globo, 24/9/2022

Em circunstâncias normais, Fernando Henrique Cardoso pediria voto para a chapa Simone Tebet (MDB) e Mara Gabrilli (PSDB). FH é simplesmente o maior nome da história do PSDB, como teórico e político, e as duas senadoras são pessoas de indiscutível valor.

Mas as circunstâncias são anormais. Começa que o PSDB é uma ave em extinção. Há candidaturas interessantes aqui e ali, mas distantes da social-democracia, a centro-esquerda que construiu boa parte das boas instituições atuais, a começar pela moeda.

A rigor, pode-se dizer que FH e seus velhos companheiros não se reconhecem mais nesse PSDB. Eles sempre foram mais à esquerda e não se conformaram, em 2018, com governadores eleitos na onda bolsonarista.

Mara Gabrilli não estava nessa onda, permanece tucana rara. Simone Tebet aparece como uma possível nova liderança numa centro-esquerda mais atualizada. Ambas merecem o voto de FH.

Mas a chapa não decolou. Inversamente, o bolsonarismo mostrou-se pior que as piores expectativas. É preciso derrotá-lo de maneira exemplar — eis um dos textos implícitos na nota de FH, escrita por companheiros mais próximos e divulgada no último dia 22. E quem pode aplicar essa derrota é Lula.

Sendo assim, por que FH não pediu votos diretamente para Lula? Aqui pesaram sua história e uma compreensão mais ampla da política brasileira. A nota defende a democracia, o combate às desigualdades, a garantia de direitos iguais, compromisso com ciência, educação e preservação ambiental, além da restauração da posição internacional do Brasil, aliás engrandecida nos dois governos FH. Ora, Simone Tebet e Mara Gabrilli têm plena identidade com essas propostas. Ciro também pode assiná-las. Daí minha interpretação: FH está pedindo aos brasileiros que no primeiro turno votem em Lula, Simone ou Ciro; no segundo, se houver, Lula, sem dúvida.

Reparem que a nota não traz nenhuma menção a política econômica, muito menos ao tema da corrupção. Fica na política e nos princípios sociais. Economia certamente dividiria as três chapas. FH foi o introdutor da noção de estabilidade fiscal, monetária e das privatizações. Isso está na chapa Tebet/Gabrilli. Mas Lula e Ciro têm se manifestado contra. Tebet e Ciro atacam a corrupção, Lula foge do assunto.

Eis por que a derrota do bolsonarismo, da extrema direita e do fascismo é um passo essencial, mas não recoloca o Brasil no rumo do crescimento sustentado e socialmente justo, sobretudo porque o líder Lula não apresentou programa econômico com começo, meio e fim.

Desse ângulo, talvez um segundo turno tivesse a propriedade de levar Lula, agora com papel importante de Alckmin, a buscar alianças ao centro. A tarefa do próximo governo é complicada. Sobram problemas imediatos e estruturais: inflação, contas públicas esfaceladas, baixa capacidade de investimento público, ambiente pouco favorável ao investimento privado, desastres ambientais, sistema de combate à corrupção desmontado.

Reparem: políticas ambientais e combate à corrupção constituem hoje requisitos internacionais para o posicionamento político e econômico de qualquer país, ainda mais de um emergente grandão como o Brasil.

De outro lado, na medida em que o Ocidente perdeu a confiança na Rússia e se incomoda cada vez mais com a ditadura chinesa, o Brasil tem a oportunidade de se tornar um polo confiável.

Finalmente, muitos argumentam que uma vitória de Lula no primeiro turno seria um antídoto a qualquer tentativa de golpe. Mas, se há mesmo militares se preparando para um golpe, o que não se vê, tanto faria ser no primeiro ou no segundo turno.

Uma vitória esmagadora de Lula, mas com ampla coalizão no segundo turno, seria um golpe duradouro na extrema direita. Além disso, somando os votos de Lula, Simone e Ciro no primeiro turno, isso já caracterizaria a derrota da extrema direita.

A ver.

26/9/2022

Este post pertence à série de textos e compilações “Voto útil ou voto no melhor?”.

A série não tem periodicidade fixa.

Tudo indica que Bolsonaro vai perder – e vai provocar tumulto, arruaça. (6)

Avoluma-se – e muito – a lista das personalidades que se decidem pelo voto útil. (5)

 

Um comentário para “Voto útil ou voto no melhor? (7)”

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