Voto útil ou voto no melhor? (Final)

Não é com alegria que vou votar em Lula para presidente da República já no primeiro turno. Mas é com plena, absoluta convicção. Sim, estou perfeitamente consciente de que o primeiro turno é para votar no melhor, deixando para o segundo a opção pelo menos pior, pelo mal menor. Isso é o que certo numa democracia tranquila, estável, forte. Não é o caso do Brasil hoje.

Não estamos vivendo em tempos normais. Há anos o atual presidente da República faz ameaças à democracia. Há meses e meses ele anuncia que não aceitará o resultado das eleições, caso o resultado não seja sua vitória. Admirador da ditadura militar de 1964, adorador de torturadores, Jair Bolsonaro é um golpista que vem proclamando que fará de tudo para não passar o poder ao final de seu mandato.

Não estamos vivendo em tempos normais.

E não faz sentido algum agir, em tempos de Jair Bolsonaro, o aprendiz de Donald Trump, como se estivéssemos no melhor dos mundos.

Não estamos no melhor dos mundos. Estamos diante da ameaça de uma tentativa de golpe de estado – ou, no mínimo, uma tentativa de incitação de radicais antidemocráticos armados contra o resultado das eleições.

Não é paranóia – é algo que vem sendo anunciado, garantido, proclamado.

Estamos rumando para algo como o ataque das hostes trumpistas ao Capitólio em Washington em 6 de janeiro de 2021 de maneira inexorável, como o Titanic em direção ao iceberg. Com a diferença de que os radicais de Trump lutavam contra uma democracia de 245 anos, enquanto o bolsonarismo se bate contra uma que ainda não completou sequer 40 anos. Lá não há registro de um único caso de militares contra a ordem constitucional, enquanto aqui tivemos intervenções das Forças Armadas em 1930 e 1964 – sem contar com a tentativa de 1955, que acabou derrotada pelos legalistas.

Não estamos vivendo em tempos normais, a democracia brasileira é uma coisinha pequena, mirrada, tenra, e diante dela há um monte de generais e almirantes e brigadeiros de coturno bravo, regalias plenas e nenhum espírito democrático. Sem contar com mais de 650 mil civis portadores de armas de fogo, boa parte deles mugindo por seu “Mito”.

A opção que temos diante de nós não é Lula ou Bolsonaro – é a democracia ou a ditadura.

Simples assim.

***

Da mesma maneira que eu até algumas semanas atrás, o jovem colunista da Folha e do UOL, economista, mestre em Filosofia pela USP Joel Pinheiro da Fonseca era um defensor do voto num candidato da terceira via, num candidato melhor do que o Lula e Bolsonaro. E então perguntou ao cientista político Steven Levitsky, um dos autores do livro Como Morrem as Democracias, no programa Roda Viva, se ele achava que era irresponsável essa posição de votar em alguém que não Lula no primeiro turno.

A resposta de Levistsky foi impressionante. Lógica, racional, clara – e impressionante:

Irresponsável é um pouco forte, disse ele, mas é arriscado. “Acho que a melhor maneira de assegurar a democracia em uma situação em que Bolsonaro provavelmente vai perder, e ele claramente vai tentar minar a legitimidade das eleições… Nós não sabemos como, eu não sei como, não sei quanto de sucesso ele vai obter, mas ele vai tentar, e os apoiadores dele vão tentar, e mesmo elementos do Exército vão tentar minar a legitimidade das eleições. Bolsonaro vai tentar criar uma crise – exatamente como Donald Trump criou uma crise. A melhor maneira, na minha opinião, de evitar uma crise é derrotar Bolsonaro terrivelmente, no primeiro turno.”

E completou:

“A melhor maneira de evitar a crise é uma vitória massiva da oposição no

primeiro turno.”

***

Pelo que mostram as pesquisas do Ipec e do Datafolha, poderemos ter uma vitória massiva da oposição a Bolsonaro já no primeiro turno. Pela mais recente rodada da pesquisa do Ipec, ex-Ibope, divulgada na segunda-feira, 26/9, Lula teria 52% dos votos válidos, contra 34% de Bolsonaro. Mesmo se considerássemos a hipótese – absolutamente improvável – de a margem de erro só favorecer Bolsonaro, teríamos uma vitória de Lula com 50,01% dos votos válidos contra 36% de Bolsonaro.

Que tenhamos, então, uma vitória massiva da oposição a Bolsonaro já no primeiro turno!

Massiva. Incontestável.

O raciocínio que vem agora é, mais uma vez, lógico, racional, claro. Tem sido exposto nas redes sociais. Mônica Valdvogel falou dele no Em Pauta da GloboNews, nesta semana da reta final para o primeiro turno. É assim, ponto por ponto:

Se perder no primeiro turno, Bolsonaro vai dizer que as eleições foram fraudadas e criar tumulto.

Se perder no segundo turno, Bolsonaro vai dizer que as eleições foram fraudadas e criar tumulto.

A diferença é que, se perder no primeiro turno, ao mentir que houve fraude, Bolsonaro estará criando caso todos os 27 senadores eleitos, os 513 deputados federais eleitos, os 987 deputados estaduais eleitos, os 24 deputados distritais eleitos e ainda com os governadores eleitos ou que avançarem para o segundo turno.

Ou seja, a força do seu questionamento será muito menor, já que até político apoiador de Bolsonaro, se eleito, não terá interesse algum em invalidar as eleições que o elegeu. Temos muito mais chance de evitar uma combustão social se a derrota acontecer já no primeiro turno.”

***

Este texto já estava escrito quando li o artigo de Míriam Leitão desta quinta-feira, 29/9, no Globo. É preciso registrar ao menos um trecho dele:

“A eleição está se despolarizando. Não é mais apenas dois grupos opostos que se enfrentam. Formou-se uma onda de declarações de voto em favor de Lula que reúne ex-ministros do Supremo, economistas de diversas tendências, cientistas sociais, ex-ministros do governo Fernando Henrique, artistas que não votariam no PT, milhões de cidadãos e cidadãs. A natureza desse movimento, que não se viu em outras campanhas, vai além do próprio Lula. É o corpo da democracia reagindo aos ataques. Foram tantos, tão constantes, estão ainda presentes no ar que, mesmo sem articulação, formou-se esse arco de autoproteção nestes dias prévios da escolha coletiva.

“Escrevi aqui algumas vezes que nesta eleição nunca houve dois extremos se enfrentando. Havia e há apenas um único extremista. Jair Bolsonaro, ao longo do tempo, só confirmou essa visão com seus atos e palavras. Lula, por seu lado, fez movimentos ao centro, e o centro caminhou em direção a ele.

“Muitos dos que declaram apoio não deixam de lembrar que têm, eventualmente, divergências, como acontece com os economistas, mas todos afirmam que Lula reúne as melhores condições para derrotar o projeto autoritário encarnado por Bolsonaro. O presidente alimentou esse isolamento com os seus seguidores. Mesmo nestes tempos finais, seu partido, seu entorno, os militares a ele ligados permanecem afligindo a nação com problemas inexistentes no sistema eleitoral.

“Ontem, o TSE abriu a sala da totalização dos votos à visitação, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, ciceroneou os fiscalizadores e observadores que quiseram entender todos os detalhes. A primeira evidência que saltava aos olhos era que a sala era clara e transparente. O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, circulavam entre os visitantes. O notório presidente do PL admitiu que realmente não há ‘sala escura’, para horas depois o seu partido colocar em dúvida de novo as urnas eletrônicas, recebendo de volta uma forte nota do TSE. O general não disse nada às claras, mas continua rondando o Tribunal, como uma sombra sinistra de outros tempos.

***

Nas últimas semanas, fiz aqui uma série de textos e compilações de opiniões, raciocínios sobre esse dilema voto útil ou voto no melhor. Queria oferecer para o eventual leitor argumentos pró votar logo em Lula e pró votar no seu candidato preferido, fosse Simone Tebet ou Ciro Nogueira ou Soraya Thronicke ou Felipe d’Ávila.

Como só tenho mesmo uns dois ou três leitores assim que posso dizer fiéis, preciso admitir que, sobretudo, fiz esta série para mim mesmo. Para apresentar para mim argumentos de um lado e de outro.

Não foi uma série endereçada a bolsonaristas, como também não foi endereçada a lulo-petistas. Esses aí têm seus deuses, seus mitos, suas crenças inabaláveis. Tentei, aqui, falar de argumentos, de lógica – isso que não tem nada a ver com crença, fé.

Se algum eleitor de Simone, Ciro, Soraya ou Felipe tivesse chegado até aqui, gostaria de dizer a ele que respeito profundamente sua opção de votar no candidato que acha melhor no primeiro turno. Jamais gostaria de forçar barra alguma – só estava querendo apresentar argumentos de um lado e de outro.

E gostaria de me explicar…

***

Como disse lá no começo, não é com alegria que vou votar em Lula.

Não votei no PT no segundo turno de 2018. No primeiro, votei em Ciro Gomes, porque ele estava em ascensão, segundo as pesquisas mais perto do dia do voto, e portanto era o que mais tinha chances de impedir um segundo turno entre o ruim – Haddad, do PT – e o horrível – Bolsonaro, de partido qualquer que fosse, já que partido pra ele jamais importou.

Diante da opção entre o ruim e o horrível, votei em branco no segundo turno.

Foi a primeira vez que votei em branco e/ou nulo desde a redemocratização. Hoje me arrependo disso.

Antes desta vez agora, em 2022, só votei no PT em uma única ocasião: no segundo turno de 1989, entre Collor e Lula.

Não, não é com alegria que vou votar em Lula.

Preferiria um segundo turno entre Simone e Ciro. Votaria com a maior alegria em Simone.

Infelizmente, a realidade não é o que a gente considera o ideal.

Ideal? Ideal seria poder escolher, por exemplo, entre Fernando Henrique Cardoso, Barack Obama e Nelson Mandela. Diabo, eu ia ficar numa dúvida do cão.

Mas a realidade é Lula e Bolsonaro. E entre eles não há dúvida possível.

Se fosse entre Tiririca e Bolsonaro, seria Tiririca.

Se fosse entre uma parede e Bolsonaro, seria a parede.

Se fosse o Belzebu, ele próprio, com chifre e rabo e tudo, e Bolsonaro, seria o Belzebu.

Entre Lula e Bolsonaro? Epa, sou até capaz de cantar a musiquinha.

29/9/2022

Este post encerra a série de textos e compilações “Voto útil ou voto no melhor?”.

Cientistas políticos indicam: melhor seria vencer Bolsonaro  já no primeiro turno. (7)

Tudo indica que Bolsonaro vai perder – e vai provocar tumulto, arruaça. (6)

Um comentário para “Voto útil ou voto no melhor? (Final)”

  1. Claríssimo o texto, muito bem argumentado. Essa é minha opinião! A frase abaixo diz tudo!
    ” A opção que temos diante de nós não é Lula ou Bolsonaro – é a democracia ou a ditadura.Simples assim.” Vou repassar essa matéria com imensa lucidez e convicção!! Parabéns, Servaz!

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