Livrar o Brasil de Bolsonaro (21)

Ao descer do carro com a arma na mão, no sábado à noite, o bolsonarista Jorge José da Rocha Guaranho gritou “Aqui é Bolsonaro”. Poucos minutos depois, atirou no petista Marcelo Aloísio de Arruda, que comemorava com a família e os amigos seu aniversário de 50 anos, e o matou. Menos de 48 horas depois do crime, na tarde da segunda-feira. 11/7, Jair Bolsonaro disse aos repórteres no Palácio do Planalto: – “Agora, o que eu tenho a ver com esse episódio de Foz do Iguaçu? Nada.”

O mentiroso contumaz voltava a mentir. Ele tem tudo a ver com o assassinato do petista em Foz do Iguaçu, cometido por um bolsonarista que momentos antes de apertar o gatilho repetidas vezes gritou “Aqui é Bolsonaro”.

Em 2018, durante a campanha eleitoral em que levou uma facada em Juiz de Fora, Bolsonaro dizia que iria “fuzilar a petralhada”.

O bolsonarista Guaranho fez o que o seu mestre mandou.

“No Twitter, em vez de condenar veementemente a violência praticada por seu apoiador, Bolsonaro acusou a esquerda de acumular ‘um histórico inegável de episódios violentos”, escreveu O Estado de S.Paulo em editorial nesta terça-feira, 12/7. “Eis a degradação moral do bolsonarismo. O presidente da República vale-se até mesmo da repercussão causada pelo assassinato de um opositor político para promover sua política eleitoral, num macabro vale-tudo. Não manifestou consternação. Não expressou nenhuma solidariedade com os familiares da vítima. Para Jair Bolsonaro, o crime cometido em Foz do Iguaçu por seu apoiador declarado serviu de ocasião para lembrar que a esquerda é o lado ‘que dá facada, que cospe, que destrói patrimônio’.

A barbárie é ativo político de Bolsonaro, diz o título do editorial do Estado.

“Se o próprio presidente diz que é preciso armar a população para se defender ‘dos comunistas’, a partir daí não se controla mais ninguém; abriu-se a porteira para situações como essa”, escreveu Merval Pereira no Globo desta terça. “Bolsonaro é irresponsável, não mede as palavras para atingir seus objetivos. Está querendo criar confusão na campanha eleitoral e não pode se eximir de culpa.”

Em editorial, O Globo afirmou, também nesta terça-feira, 12/7:

“Bolsonaro deveria lembrar as vezes em que ele próprio insuflou a intolerância. Depois da invasão do Capitólio nos Estados Unidos, disse que poderia haver no Brasil baderna pior caso fosse derrotado. Na semana passada, em solenidade no interior de São Paulo, repetiu seu discurso beligerante e cobrou dos militares que se preparem para ‘agressões internas’. O bolsonarismo também não economiza esforços para facilitar o acesso a armas e munição, num incentivo tácito ao conflito. Horas antes do assassinato em Foz do Iguaçu, seu filho Eduardo Bolsonaro declarou num ato pró-armas: ‘A esquerdalha nunca imaginou que tantas pessoas pudessem vir às ruas para falar que, sim, eu quero estar armado’.”

A íntegra dos dois editoriais e do artigo está aí abaixo, neste que é o volume 21 da série “Livrar o Brasil de Bolsonaro”.

No entanto, apesar de a série ser especificamente o que diz o título, eu faço questão de elogiar os editorialistas do Globo e Merval Pereira por lembrarem, em seus textos, que, no mesmo sábado da morte trágica do petista em Foz do Iguaçu, o ex-presidente Lula, num comício em Diadema, fez rasgados elogios a Manoel Eduardo Marinho, que, em abril de 2018, agrediu um empresário que protestava contra o PT, provocando traumatismo craniano na vítima.

Elogiar quem provoca traumatismo craniano em um adversário político é tão criminoso quanto o presidente da República negar que tenha algo a ver com o assassinato de Foz do Iguaçu e logo em seguida atacar os adversários “da esquerda”.

Como sintetiza com precisão o editorial do Globo, “não adianta a classe política condenar o assassinato e depois insuflar o ódio em comícios ou nas redes sociais. A campanha política polarizada entre Lula e Bolsonaro é um terreno propício para a explosão dos ânimos.”

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Barbárie é ativo político de Bolsonaro

Editorial, O Estado de S.Paulo, 12/7/2022

Aos gritos de “aqui é Bolsonaro!”, um agente penitenciário federal bolsonarista invadiu, na noite de sábado, a festa de aniversário de Marcelo Arruda, um guarda municipal filiado ao PT e que concorreu a vice-prefeito de Foz do Iguaçu em 2020, e matou o aniversariante a tiros. Diante do ataque criminoso realizado pelo apoiador do bolsonarismo, o presidente Jair Bolsonaro tinha o dever cívico de solidarizar-se com a família da vítima e, muito especialmente, de condenar e desautorizar toda e qualquer forma de violência contra opositores políticos.

No entanto, Jair Bolsonaro não fez nada disso. Em vez de promover a paz e defender a liberdade política de todos os cidadãos, como cabe a um presidente da República, preferiu aproveitar o episódio para escalar a provocação contra seus opositores políticos. No Twitter, em vez de condenar veementemente a violência praticada por seu apoiador, Bolsonaro acusou a esquerda de acumular “um histórico inegável de episódios violentos”.

Eis a degradação moral do bolsonarismo. O presidente da República vale-se até mesmo da repercussão causada pelo assassinato de um opositor político para promover sua política eleitoral, num macabro vale-tudo. Não manifestou consternação. Não expressou nenhuma solidariedade com os familiares da vítima. Para Jair Bolsonaro, o crime cometido em Foz do Iguaçu por seu apoiador declarado serviu de ocasião para lembrar que a esquerda é o lado “que dá facada, que cospe, que destrói patrimônio, que solta rojão em cinegrafista, que protege terroristas internacionais, que desumaniza pessoas com rótulos e pede fogo nelas, que invade fazendas e mata animais, que empurra um senhor num caminhão em movimento”.

Ninguém nega que pessoas e grupos de esquerda já recorreram à violência, violando leis e desrespeitando direitos humanos. O ponto é outro. Jair Bolsonaro não dedicou um segundo do seu tempo em distensionar o ambiente, em reconhecer a humanidade de seus opositores políticos, em promover um ambiente eleitoral de paz e de respeito mútuo. E isso é inaceitável. É desumano. É barbárie.

Jair Bolsonaro nega ao outro lado o respeito que seus opositores políticos, todos eles, manifestaram quando foi esfaqueado em setembro de 2018. Nenhum candidato tripudiou sobre a violência sofrida pelo então candidato do PSL. Nenhuma liderança política aproveitou a ocasião para alavancar a candidatura própria. Houve solidariedade. Nenhum partido achou que devia relativizar a gravidade do ataque “lembrando” as atitudes violentas de Jair Bolsonaro ao longo de sua carreira política.

A reação de Jair Bolsonaro deve colocar o País em alerta. Há um presidente da República incapaz de compreender que toda violência é inaceitável. Há um presidente da República que não tem a hombridade de reconhecer um crime de um seu correligionário. Há um presidente da República que enxerga em tudo, até mesmo no assassinato de uma pessoa, uma ocasião adicional para escarnecer seus opositores políticos.

O crime de Foz do Iguaçu chocou o País. Foi a materialização explícita de que a retórica da violência bolsonarista produz consequências reais. Não é humano nem é do jogo democrático fazer política prontificando-se a “fuzilar a petralhada”, como fez Jair Bolsonaro na campanha de 2018. Agora, o presidente alegou que “frases descontextualizadas” não incentivam a violência. Ora, os fatos mostram o exato contrário. Seu discurso explícito de violência não são meras “frases descontextualizadas”. Ao longo de décadas, Jair Bolsonaro vem fazendo uma reiterada defesa do desrespeito agressivo a opositores políticos.

A omissão de Bolsonaro não foi casual. Está perfeitamente alinhada a seu objetivo de manter o País sob uma artificial tensão. Um ambiente de serenidade é prejudicial aos interesses políticos de Jair Bolsonaro. Não por acaso, seus discursos sempre se orientam para o conflito, para a raiva e para o ressentimento, campo onde o presidente se sente em casa, e não para questões de governo e de interesse da sociedade – que, para Bolsonaro, é terra estrangeira. Essa é a grande tragédia do bolsonarismo: para triunfar politicamente, tenta despertar o pior de cada um.

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Além da retórica

Por Merval Pereira, O Globo, 12/7/2022

Não há discussão sobre o fato de o presidente Bolsonaro ser responsável direto pelo clima de radicalização que resultou no assassinato de um petista por um simpatizante seu.

—O que tenho a ver com isso? —pergunta, em vez de condenar o uso da violência como argumento político.

Se o próprio presidente diz que é preciso armar a população para se defender “dos comunistas”, a partir daí não se controla mais ninguém; abriu-se a porteira para situações como essa.

Tudo porque Bolsonaro é irresponsável, não mede as palavras para atingir seus objetivos. Está querendo criar confusão na campanha eleitoral e não pode se eximir de culpa. Dizer que foi apenas mais uma briga de bêbados no fim de semana brasileiro é não só tentar tornar normal assassinatos, mas não assumir responsabilidade por atos e palavras.

O problema é que o assassino demonstrou apoio político a Bolsonaro de uma maneira agressiva, que é como o presidente estimula seguidores contra adversários. É uma tragédia que precisa ser contida, ou teremos outros episódios equivalentes. A retórica política violenta leva a ações desse tipo.

O próprio ex-presidente Lula, que agora acusa a violência bolsonarista, quando começou em seu governo com a política do “nós contra eles”, estimulava esse embate, essa radicalização política. Não há como esquecer o discurso do então poderoso José Dirceu conclamando os petistas a bater nos tucanos em São Paulo “nas urnas e nas ruas”, originando agressão contra o então governador Mário Covas.

No “ato pela democracia” convocado por partidos de esquerda em Diadema, na Grande São Paulo no sábado, dia do trágico assassinato do petista em Foz do Iguaçu, Lula enalteceu o ex-vereador do PT Manoel Eduardo Marinho, o Maninho do PT, preso após agredir um empresário em abril de 2018. A vítima sofreu traumatismo craniano, e o militante foi acusado de tentativa de homicídio qualificado, tendo ficado preso por sete meses.

Naquela ocasião, oposicionistas protestavam em frente ao Instituto Lula, em São Paulo, quando o empresário Carlos Alberto Bettoni se aproximou e ofendeu lideranças petistas que deixavam o prédio. Maninho empurrou Bettoni para a rua, e um caminhão o atropelou, provocando traumatismo craniano. Lula afirmou no sábado que o aliado foi preso “porque resolveu não permitir que um cara ficasse me xingando na porta do instituto”.

— Então, Maninho, eu quero em teu nome agradecer a toda solidariedade do povo de Diadema. Porque foi o Maninho e o filho dele que tiveram nessa batalha. Obrigado, Maninho. Essa dívida que eu tenho com você, jamais a gente pode pagar em dinheiro, a gente vai pagar em solidariedade, em companheirismo — discursou o ex-presidente.

Nossos líderes políticos precisam ter em mente que não podem estimular esse tipo de atitude, que pode nos levar a uma situação gravíssima de conflito. Bolsonaro deveria ter repudiado veementemente o episódio, em vez de minimizá-lo como se fosse uma briga de rua ou de bêbados. Assim como Lula não poderia elogiar em palanque um militante que quase mata um adversário ou chamar de “meninos” os militantes extremistas da esquerda latino-americana que sequestraram o empresário Abilio Diniz às vésperas do segundo turno da eleição de 1989, que ele perdeu para Fernando Collor.

Mesmo que o assassinato de Foz do Iguaçu tenha sido ocasionado por uma discussão banal qualquer, como insinuam os bolsonaristas, transformou-se numa disputa política entre um petista, que comemorava seu aniversário com uma glorificação do PT, e um antipetista, que resolveu estragar a festa na base do tiro. Bolsonaro tem incentivado esse tipo de ação porque não tem cuidado com as palavras, tem uma retórica política agressiva, como exortar a “metralhar essa petralhada”, declaração da campanha de 2018.

A insistência com que Bolsonaro e seus seguidores afirmam que Adélio Bispo, que esfaqueou o presidente, foi filiado ao PSOL indica que querem atribuir a um atentado político o que foi definido pelas investigações como ação isolada de um doente mental. Em 2018, a radicalização levou a que o centro democrático fosse imprensado entre extremos políticos.

A candidatura de Simone Tebet como consequência de um precário acordo partidário entre PSDB, MDB e Cidadania pode dar a esse eleitorado que se encontra sem candidato uma saída. Esses partidos estão se unindo ao União Brasil em alguns estados, como São Paulo, tentando reviver o acordo político entre PSDB, MDB e PFL que levou adiante o Plano Real. É uma construção delicada, até porque dentro desses partidos há divisões, mas a chance de Tebet vingar é tornar-se a candidata da sociedade civil, pois definitivamente não favorece a democracia essa disputa radicalizada que leva à morte.

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É urgente deter escalada de violência na arena política

Editorial, O Globo, 12/7/2022

É intolerável — embora fosse previsível — que a escalada de violência, ódio e intolerância na campanha política tenha resultado em morte. Era só questão de tempo. No sábado, o guarda municipal e tesoureiro petista Marcelo Aloizio de Arruda foi assassinado em Foz do Iguaçu (PR), durante a festa de seus 50 anos, cujo tema era a campanha do pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência. Os tiros foram disparados pelo policial penal federal Jorge Guaranho, simpatizante do presidente Jair Bolsonaro. “Aqui é Bolsonaro!”, gritou Guaranho, segundo relatos. Mesmo caído, antes de morrer o petista disparou contra ele, que continuava ontem em estado grave.

O episódio lamentável acontece na sequência de outros que, embora não letais, precisam ser condenados com a mesma veemência. Num comício de Lula no Centro do Rio, um artefato com fezes explodiu perto da multidão. A polícia agiu rápido e autuou em flagrante o responsável. Caso parecido aconteceu no mês passado em Uberlândia (MG). Apoiadores de Lula que aguardavam um comício foram atingidos por fezes lançadas de um drone.

O assassinato do petista, sob investigação da polícia do Paraná, foi repudiado pela classe política. Chamou a atenção a reação tíbia do presidente Jair Bolsonaro, ele próprio atingido gravemente por uma facada na campanha de 2018. Bolsonaro republicou uma mensagem afirmando que dispensa “apoio de quem pratica violência contra opositores”. Ontem citou o caso como “uma briga entre duas pessoas” e criticou quem se refere ao autor dos disparos como “bolsonarista”.

Bolsonaro deveria lembrar as vezes em que ele próprio insuflou a intolerância. Depois da invasão do Capitólio nos Estados Unidos, disse que poderia haver no Brasil baderna pior caso fosse derrotado. Na semana passada, em solenidade no interior de São Paulo, repetiu seu discurso beligerante e cobrou dos militares que se preparem para “agressões internas”. O bolsonarismo também não economiza esforços para facilitar o acesso a armas e munição, num incentivo tácito ao conflito. Horas antes do assassinato em Foz do Iguaçu, seu filho Eduardo Bolsonaro declarou num ato pró-armas: “A esquerdalha nunca imaginou que tantas pessoas pudessem vir às ruas para falar que, sim, eu quero estar armado”.

O próprio Lula, que enlutado condenou o assassinato, nem sempre se pauta por discurso que promova a tolerância. No sábado, teve o desplante de agradecer ao ex-vereador petista Manoel Eduardo Marinho, preso durante sete meses sob a acusação de tentativa de homicídio, pela agressão, em 2018, ao empresário Carlos Alberto Bettoni, que se manifestava contra o PT. Trata-se de comportamento inaceitável para qualquer um que aspire ao mais alto cargo da República.

Não adianta a classe política condenar o assassinato e depois insuflar o ódio em comícios ou nas redes sociais. A campanha política polarizada entre Lula e Bolsonaro é um terreno propício para a explosão dos ânimos. Com o episódio de Foz do Iguaçu, certamente a temperatura subirá mais. É óbvio que cabe à polícia agir nos casos em que a contenda ultrapassa as cordas do ringue. Mais que isso, é preciso que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e os políticos atuem de forma conjunta e responsável para apaziguar o clima e deter o descalabro. O pior cenário eleitoral é transformar uma disputa política acirrada num bangue-bangue.

12/7/2022

Este post pertence à série de textos e compilações “Livrar o Brasil de Bolsonaro”.

A série não tem periodicidade fixa.

Se tivessem vergonha na cara, os deputados jogariam no lixo a excrescência que é essa PEC da Reeleição. (20)

Com a PEC da Reeleição, o Senado afronta a democracia – e premia o presidente pela incompetência. (19)

 

2 Comentários para “Livrar o Brasil de Bolsonaro (21)”

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