“Mais uma vez, Bolsonaro envergonha o Brasil no exterior”, escreveu O Globo, no título de editorial da edição desta terça-feira, 20/9. O Estado de S. Paulo tascou, no alto de seu editorial do mesmo dia: “Incapaz de sentir compaixão por seus compatriotas, Bolsonaro desrespeita o luto dos britânicos, usa funeral da rainha como palanque e, de quebra, volta a duvidar do sistema eleitoral”.
Jair Bolsonaro fez campanha eleitoral na viagem oficial como presidente da República para representar o Brasil nos funerais da Rainha Elizabeth II, no domingo e na segunda, dias 18 e 19/9, e fez campanha eleitoral ao discursar na abertura da Assembléia Geral da ONU, na terça, 20/9.
Bolsonaro é assim mesmo – não há novidade alguma nisso. Bolsonaro é monstruosamente ofensivo às leis, à dignidade do cargo, à educação mais fundamental. Bolsonaro está sempre, a cada momento, testando os limites – dos bons modos, da Constituição, da democracia.
O que dá um pouco de alento é que as instituições são capazes de oferecer resistência a ele. Já na segunda-feira, atendendo a questionamento feito por partidos, o Tribunal Superior Eleitoral proibiu que a campanha de Bolsonaro à reeleição usasse as imagens infames que o mostravam discursando para apoiadores da sacada da residência oficial do embaixador brasileiro Londres.
O Judiciário tem cumprido seu papel – ao menos em parte. A rigor, o TSE já teria motivos mais que suficientes para cassar a candidatura do monstro à reeleição – mas fazer isso não seria uma medida politicamente correta, a rigor, porque poderia ser a desculpa que o bolsonarismo tanto procura para tentar incendiar o país.
Sim, o Judiciário tem cumprido o seu papel. Instituições fundamentais da sociedade civil têm cumprido seu papel – como ficou claro nas manifestações do 11 de agosto, que reuniram federações patronais, centrais sindicais, universidades, associações representativas das artes, da ciência…
Mas, sobretudo, sobremaneira, a imprensa tem cumprido seu papel.
A velha e boa grande imprensa, que grande parte da esquerda, grande parte do lulopetismo odeia figadalmente, tem sido firme, forte, incansável, ao longo destes quase quatro anos, na resistência, no enfrentamento aos desvarios bolsonaristas.
A edição do Jornal Nacional da Rede Globo nesta terça-feira foi absolutamente corajosa, inteligente, brilhante.
O programa jornalístico mais visto da televisão brasileira, o programa que é odiado igualmente por lulistas e bolsonaristas, separou de forma clara, absoluta, os eventos do primeiro dia da Assembléia Geral da ONU da participação daquele Jair Bolsonaro que não foi lá como presidente da República, e sim como candidato à reeleição.
Em um bloco, o Jornal Nacional mostrou o que de importante aconteceu na ONU – e, diacho, muita coisa importante rolou lá. Foram históricos os discursos do secretário-geral Antonio Guterres, dos presidentes da Colômbia e do Chile, da França.
Em seguida, numa montagem belissimamente planejada, a apresentadora Renata Vasconcelos afirmou: “O discurso na ONU foi um dos compromissos de Jair Bolsonaro, candidato à reeleição pelo PL, em Nova York.” Corte rapidíssimo, e o correspondente em Nova York narrou: “Pela manhã, Jair Bolsonaro se encontrou com apoiadores….”
Pouco adiante, já em pleno bloco dedicado ao dia de campanha dos candidatos, o JN mostrou Jair Bolsonaro discursando diante de representantes de todas as nações do planeta como se estivesse falando no cercadinho do Alvorada.
Ah, meu, é emocionante! É de dar orgulho do jornalismo brasileiro!
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(Não tem a menor importância, a não ser para mim mesmo, mas registro que eu aqui, quieto no meu cantinho, não consigo deixar de achar engraçado o fato de ter sido jornalista por tantos anos que conheci William Bonner como um jovem editor da Globo, que, a pedido do então chefe da pauta Elói Gertel, me mostrou, nas acanhadas instalações da emissora num prédio antiquíssimo da Praça Marechal Deodoro degradada pelo Minhocão, como é que se fazia a edição de imagens trazidas pelos repórteres. Jornalista por tantos e tantos anos que trabalhei com o hoje diretor-geral de jornalismo da Rede Globo, Ali Kamel, quando ele era quase um iniciante repórter da sucursal do Rio da revista Afinal e eu era editor de Geral, depois de Cultura, depois redator-chefe…
Acho uma absoluta delícia eu estar aqui hoje – um velho aposentado sem qualquer importância – emocionado pelo trabalho brilhante desses garotos… Mas isso foi só um parêntese rapidinho que me permiti fazer, provavelmente por estar mesmo tomado por essa sensação de orgulho da profissão…)
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Em seu editorial sobre o comício infame que Bolsonaro fez em Londres, O Estado conclui que “Esquecido Bolsonaro seguramente não será. Haverá de ser lembrado como um dos presidentes mais indignos que já governaram o Brasil”.
Registro que discordo da última frase do bom editorial do jornal que pagou minhas contas por quase três décadas.
Bolsonaro não haverá de ser lembrado como “um dos presidentes mais indignos que já governaram o Brasil”, e sim como “o mais indigno”.
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Comício infame
Incapaz de sentir compaixão por seus compatriotas, Bolsonaro desrespeita o luto dos britânicos, usa funeral da rainha como palanque e, de quebra, volta a duvidar do sistema eleitoral
Editorial, O Estado de S.Paulo, 20/9/2022
A pretexto de atender ao funeral de Estado da rainha Elizabeth II, o presidente Jair Bolsonaro viajou a Londres para fazer comício e produzir imagens para sua campanha pela reeleição. Trata-se de evidente abuso de poder político e econômico, o que impõe a aplicação de uma punição exemplar pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Não satisfeito, Bolsonaro ainda ampliou sua extensa folha corrida de crimes de responsabilidade ao difundir – mais uma vez sem provas – suspeitas sobre a segurança do sistema eleitoral do País, dizendo que, se ele não ganhar a eleição no primeiro turno, é porque “algo de anormal aconteceu no TSE”.
Durante essa rápida e infame passagem pela capital do Reino Unido, Bolsonaro envergonhou a grande maioria dos brasileiros, que decerto ainda guarda na alma um senso de decência. Além de usar recursos públicos para fazer campanha eleitoral, o que é expressamente proibido pela lei, Bolsonaro se fez acompanhar de indivíduos que nada têm a ver com a missão de Estado que lhe cabia desempenhar, mas têm tudo a ver com sua campanha eleitoral. Interessado em transformar a eleição numa “guerra santa”, Bolsonaro levou um líder evangélico e um padre. Já em Londres, Michelle Bolsonaro levou a tiracolo um influenciador digital que aproveitou para fazer propaganda, nas redes sociais, dos produtos usados pela primeira-dama – afinal, diante de um presidente capaz de fazer comício num funeral, que mal há em fazer marketing com o luto?
O contraste com outro funeral importante, o do líder sul-africano Nelson Mandela, é gritante. Em 2013, a então presidente, Dilma Rousseff, para enfatizar que se tratava de uma missão de Estado, levou em sua comitiva os ex-presidentes Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, José Sarney e Fernando Collor
Enfrentando uma rejeição proibitiva para um incumbente que tenta a reeleição, Bolsonaro achou que era o caso de usar o funeral da rainha para tentar transmitir a imagem de um governante estimado pela chamada comunidade internacional. Na verdade, ao se comportar como um aproveitador, Bolsonaro só logrou aprofundar o sentimento de comiseração que o mundo civilizado passou a nutrir pelo Brasil desde que ele tomou posse.
Da sacada da residência oficial do embaixador do Brasil, no bairro londrino de Mayfair, Bolsonaro se dirigiu a um pequeno grupo de apoiadores prometendo se opor ao que chama de avanço da “ideologia de gênero”, da “ideologia do aborto” e da “ameaça comunista”. De quebra, ignorando completamente o motivo oficial da visita, foi a um posto de combustíveis em Londres para mostrar que a gasolina ali é mais cara do que no Brasil, o que seria um feito de seu governo. Mas a tosca propaganda eleitoral – que, enfatize-se, usou recursos públicos – obviamente não levou em conta o poder de compra de cada país: no Brasil, abastecer com cerca de 50 litros custa 22% de um salário mínimo; no Reino Unido, custa menos de 6% do piso salarial britânico.
Questionado por jornalistas sobre o óbvio uso da viagem para fins eleitorais, Bolsonaro se irritou, mandou os repórteres fazerem “uma pergunta decente”, virou as costas e encerrou a entrevista.
Em países democráticos, uma das regras mais elementares das disputas eleitorais é a igualdade de condições entre os candidatos. No Brasil, tanto a Constituição como a Lei Eleitoral dispõem de normas muito bem definidas para garantir que candidatos que detêm mandatos eletivos não abusem do poder político e econômico de seus cargos a fim de obter vantagens indevidas em relação aos adversários. Bolsonaro tem obliterado impunemente cada um desses anteparos republicanos. Até quando?
No Twitter, o presidente se apropriou de uma fala do arcebispo da Cantuária durante a cerimônia em memória da rainha Elizabeth II para continuar fazendo campanha e transmitir a ideia segundo a qual é um “servo” do povo brasileiro. “Aqueles que servem serão amados e recordados. Aqueles que se apegam ao poder e aos privilégios serão esquecidos.”
Esquecido Bolsonaro seguramente não será. Haverá de ser lembrado como um dos presidentes mais indignos que já governaram o Brasil.
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Mais uma vez, Bolsonaro envergonha o Brasil no exterior
Presidente transforma viagem para funeral de Elizabeth II em palanque de sua campanha presidencial
Editorial, O Globo, 20/9/2022
Nem o mais ferrenho crítico do presidente Jair Bolsonaro poderá dizer que ele é imprevisível. Antes de decolar rumo, primeiro, ao Reino Unido, para o funeral da rainha Elizabeth II, em seguida para Nova York, onde participa hoje da abertura da Assembleia Geral da ONU, seus assessores sonhavam projetar a imagem do presidente como um estadista, com a ajuda de vídeos ao lado de outros chefes de Estado. A compostura daria o tom “presidencial” ao presidente. A ilusão não demorou a se dissipar.
Bolsonaro provou, mais uma vez, ser incapaz de mudar sua conduta. Horas depois de chegar a Londres no domingo, foi para a sacada da residência do embaixador brasileiro fazer discurso de campanha para um grupo de apoiadores que o esperava. Como se estivesse no Brasil, não num país em luto pela morte de uma monarca admirada por seus súditos, repisou sua agenda: combate às drogas, oposição à legalização do aborto, à “ideologia de gênero” etc. Ontem voltou a atacar o petista Luiz Inácio Lula da Silva e o Supremo Tribunal Federal (STF). Jornais locais e agências de notícias internacionais registraram a transformação de um momento que exigiria contrição e respeito num palanque em busca de votos.
Aproveitar a política internacional para reforçar o apoio interno é uma estratégia usada por diferentes presidentes e primeiros-ministros há muito tempo. A maneira como os Estados Unidos definem as relações com Cuba é há décadas influenciada pelo peso político da comunidade latina, principalmente no estado da Flórida. O erro de Bolsonaro em Londres foi ter desconsiderado o ambiente. Trata-se, afinal, de um cerimônia fúnebre. Os poucos apoiadores que o esperavam em frente à residência do embaixador certamente teriam ficado satisfeitos com um aceno. Mas circunspecção não é algo que se possa esperar de Bolsonaro.
Em Nova York, ele não manterá reunião bilateral com nenhum chefe de Estado de país expressivo. Faz tempo que se tornou radioativo pelas grosserias que comete (caso das ofensas à mulher do presidente francês, Emmanuel Macron), pela devastação da Amazônia e por ser visto como ameaça à democracia no maior país da América Latina.
A diplomacia busca beneficiar o país ao cumprir determinados objetivos previamente estabelecidos. Faz isso com base em persuasão e pressão sobre diversos protagonistas da cena internacional, trabalho diário dos diplomatas que representam o Brasil no exterior. A diplomacia presidencial, dependendo de quem ocupe o cargo, pode ser uma arma potente de representação simbólica ao personalizar a política de Estado. Quando bem feita, capta a atenção da opinião pública internacional para temas positivos da agenda brasileira. Fernando Henrique Cardoso e Lula souberam fazer isso com competência. Dilma Rousseff foi abaixo da média. Bolsonaro é um desastre.
20/9/2022
Este post pertence à série de textos e compilações “Livrar o Brasil de Bolsonaro”.
A série não tem periodicidade fixa.
Destruir – como faz com o programa Farmácia Popular – “é a essência do governo bolsonarista.” (22)
O presidente da República tem tudo a ver com o assassinato do petista em Foz do Iguaçu. (21)
Obrigada, Sergio Vaz.
Tento acompanhar você, mas você é rápido e eficiente, não tenho dado conta.
Importante ter você na luta contra essa desgraça que se abateu no Brasil.
Transpor os editoriais dos jornais e telejornais, dá trabalho.. Mais uma vez, obrigada.
Ler você é confortante.