É tudo patético, é tudo muito triste, horroroso, deprimente, depressivo, desanimador, desalentador. Apesar de ter vindo para substituir o que tinha ampla aprovação da população e fazia um bom trabalho neste terrível tempo da Peste, apesar de ter vindo porque o anterior defendia o confinamento, o isolamento social, o novo ministro da Saúde afirma que cada área do país deve decidir o que fazer, de acordo com a sua realidade.
Sua fala é titubeante, insegura, incerta, não exatamente clara, nada firme, nada poderosa – mas ao menos tem lógica. Toda a lógica. Não vai contra a ciência, contra a obviedade.
Exatamente no mesmo dia, no entanto, Jair Bolsonaro, o ex-militar que teve que deixar o Exército por defender um plano terrorista de explosão de bombas para pedir aumento de soldos – e por essas e outras foi chamado pelo general Ernesto Geisel de “mau militar” –, comete novo ato terrorista e invade e ocupa o Supremo Tribunal Federal na tentativa de pressionar a mais alta corte do país a abandonar o princípio lógico, básico, óbvio e além de tudo constitucional de respeito aos entes da Federação.
Nos piores tempos dos governo lulo-petistas, hordas de descerebrados invadiram um centro de pesquisas e destruíram mudas de árvores transgênicas que eram objeto de pesquisa havia 15 anos. Usavam como explicação, ou desculpa, o fato de pertencerem ao MST. Foi apenas um dos atos de invasão de propriedade privada cometidos pelo movimento.
Neste triste dia 7 de maio, o eterno terrorista Bolsonaro invadiu a sede do símbolo maior do Poder Judiciário na tentativa de fazer valer seu ponto de vista: que se dane a Constituição, que se dane a Federação, que morram dezenas de milhares de brasileiros – é preciso que o governo federal tome as decisões, e acabe logo o isolamento social.
(É preciso registrar: essa imagem de que Bolsonaro invadiu o Poder Legislativo foi feita na GloboNews por Carlos Alberto Sardenberg. Usei a imagem dele e acrescentei a semelhança com os ataques que o MST fazia contra as propriedades privadas.)
***
É tudo muito desalentador. Na verdade, quase tudo.
No fundo do fundo do fundo dessa escuridão tremenda em que o governo Bolsonaro enfia o país, houve dois motivos de alento nesta quinta-feira.
Um deles foi o editorial da revista The Lancet. Do alto de seus quase dois séculos de existência (foi fundada em 1823), a revista, uma das publicações científicas mais prestigiadas do mundo, afirmou em editorial que Jair Bolsonaro é a maior ameaça ao combate à Covid-19 no Brasil:
“Bolsonaro não só continua a semear a confusão ao desencorajar as medidas sensatas de distanciamento social e lockdown tomadas por governadores e prefeitos, mas também perdeu dois importantes e influentes ministros nas últimas três semanas”, diz o editorial.
The Lancet fala das saídas do governo de Luiz Henrique Mandetta, figura “respeitada e querida”, e de Sergio Moro, “uma das figuras mais poderosas do governo”, para em seguida afirmar que “tantos problemas no coração da administração são uma distração mortal no meio de uma emergência de saúde pública” e “um sinal de que a liderança do Brasil perdeu seu compasso moral, se é que já teve um.”
Não, digo eu, dizemos muitos milhões de brasileiros. Bolsonaro jamais teve qualquer tipo de compasso moral.
O editorial termina de forma brilhante: “Ele tem que mudar completamente o curso, ou então vai ser o próximo a sair”.
***
O outro motivo de alento nesta quinta-feira em que um presidente golpista, terrorista, subversivo, louco, desvairado, invadiu e ocupou a sede do Poder Judiciário foi o texto de Ruth de Aquino.
“O que o Brasil precisa agora é de um lockdown do presidente e de seus filhos. Que os genocidas sejam isolados no Palácio, sem acesso a seus robôs reais e virtuais. Já se comprovou que essa família não está nem aí para o total de mortos na pandemia: que sejam 10 mil, 100 mil ou muito mais, não lhes importa. Eles só querem a PF do Rio de Janeiro.”
Ah, meu, um texto assim espanta nosso desânimo, nossa desesperança.
Vamos à luta, brasileiros de todos os cantos, de todas as cores, de todas as preferências religiosas, sexuais!
Vamos gritar, vamos pressionar a Câmara, os deputados todos, em especial o presidente Rodrigo Maia! É preciso aceitar um dos vários pedidos de impedimento desse genocida louco! É preciso começar o processo!
A cada dia estão morrendo mais de 600 de nós.
***
Cale a boca, presidente Bolsonaro
Por Ruth de Aquino, O Globo, 7/5/2020
Com todo o respeito, por que não te calas? Não quero mais saber de Bolsonaro. O que o Brasil precisa agora é de um lockdown do presidente e de seus filhos. Que os genocidas sejam isolados no Palácio, sem acesso a seus robôs reais e virtuais. Já se comprovou que essa família não está nem aí para o total de mortos na pandemia: que sejam 10 mil, 100 mil ou muito mais, não lhes importa. Eles só querem a PF do Rio de Janeiro.
E isso para mim chegou no limite, tá ok? Não tem mais conversa. Acabou a paciência. Não negociamos com sequestradores da compaixão e da cordialidade brasileiras. Cale a boca, pelo amor de Deus, o senhor aí na rampa, tresloucado em mangas de camisa, porque eu não perguntei nada. Assim o senhor se dirigiu a jornalistas – mas no imperativo, duas vezes. Cala a boca! Cala a boca! De que adianta, depois, sob pressão, se desculpar por mais uma “grosseria” entre tantas?
As Forças Armadas estão mesmo do seu lado? Desconfie. Os militares apoiam que o senhor insufle seguidores a agredir jornalistas, profissionais da saúde e fiscais do Ibama? Os generais não são estúpidos assim. Eles lembram bem que o capitão foi expulso do Exército por indisciplina, anarquia e planos incendiários.
O respeito à hierarquia e ao chefe do Executivo vai até um limite: o da desonra à vida. A Constituição será cumprida, Bolsonaro, a qualquer preço, e esse preço será mais alto do que o pago ao Centrão em troca de apoio. Lei e ordem não estão sendo respeitadas no Brasil. A incitação à violência vem de cima. Pior ainda, essa sublevação ocorre num país que já perdeu, no momento em que escrevo, mais de 8 mil brasileiros para a “gripezinha”. E daí?
Nossa curva acentuada de óbitos parece um foguete desgovernado. E isso se deve ao desrespeito a todos os alertas de infectologistas e pneumologistas, ao menosprezo à ciência. E a um líder populista, caricato e vil. A cada domingo, a rampa do Planalto serve a mais uma performance de desobediência civil. Que no Dia das Mães as bolsonaristas pensem em primeiro lugar na vida de seus filhos. Não se inspirem no guru que leva a filha sem máscara para aglomerações.
O povo não está com Bolsonaro. Está amedrontado. Sem água ou casa digna. Em filas por R$ 600. O povo quer comida, leitos, remédios, médicos e respiradores para seus parentes. O povo é conduzido à morte pelo fanfarrão. Bolsonaro cria crises, ignora o vírus e coloca a economia contra a vida. Aposta na ignorância. Até quando essa insensatez não será punida como um crime contra a humanidade? Qual o número aceitável de mortos antes de outros poderes intervirem? A lealdade é ao chefe direto ou à nação?
O Brasil pode se tornar o recordista mundial de subnotificações, contágios e mortes. Não respeitou o isolamento horizontal como deveria – e sabemos o porquê. Mudar o comando da Saúde, por vaidade e disputa política, foi trágico. As previsões são apocalípticas. “Os mortos ‘batem à nossa porta’, enchem cemitérios, câmaras mortuárias e IMLs”, disse ao GLOBO o infectologista Rafael Galliez. “Não há resposta de Estado que priorize a vida”. Após tanto tempo perdido, até o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, aquele que só se expressa no futuro, já recomendou lockdown, o bloqueio total, em estados mais atingidos. Não diz claramente onde e quando. Papelão.
Diante da morte de artistas que ajudaram a construir nosso patrimônio cultural, não ouvimos nenhuma palavra federal, nem mesmo de Regina Duarte. Vergonha. O ator Lima Duarte falou pelo Brasil, em vídeo para Flávio Migliaccio, que se despediu desiludido da vida. Aos 90 anos, com a lucidez e emoção que faltam ao governo, referiu-se à fala de seu personagem em peça de Bertolt Brecht no Teatro de Arena: “Os que lavam as mãos, o fazem numa bacia de sangue”. É o silêncio dos culpados. Não podemos nos calar.
7/5/2020
Um lembrete: esta série de textos e compilações “Fora, Bolsonaro” não tem periodicidade fixa.
É preciso concentrar o foco no que importa: tirar Bolsonaro. (13)
É exatamente porque estamos afundados no meio do caos que o impeachment é urgente. (12)
Um dos momentos mais vergonhosos da História. (11)
Até quando o país aguenta um Jim Jones na Presidência? (10)
59% ainda não perceberam, mas é preciso tirar Bolsonaro da Presidência (9)
Vai ficando provável que ele não consiga terminar o desgoverno em 2022 (8).
Excelente texto meu amigo, complementado brilhantemente pelo texto de Ruth de Aquino.
Sergio Vaz como sempre brilhante. E hoje, ainda por cima, nos brinda com o artigo sensacional de Ruth de Aquino, a grande colunista de O Globo que demonstra, em fortes palavras, tudo que o Brasil está sentindo!
Obrigada, Sergio.