Cala Boca!

Enquanto lavava com água sanitária as latinhas de ervilha, de milho, de tomates pelados, as garrafas de leite, de óleo e de vinho, claro, porque ninguém é de ferro, me lembrei de que hoje era dia de escrever para a coluna e que nem tinha pensado no assunto.

Entre uma embalagem e outra que estava sendo lavada (descobri que algumas não se dão bem na água. Por sorte o interior contido em saquinhos plásticos não foi danificado), comecei a bolar um texto.

Entre pandemia e pandemônio teria que escolher um tema.

Ah, já sei! Vou falar sobre o “Cala a Boca” que o nosso elegante presidente mandou para uma repórter que tentava fazer uma pergunta.

Arrepiei! Imediatamente me transportei para o ano de mil novecentos e bolinha – mais exatamente em 1983 – quando o temível e terrível chefe do SNI, general Newton Cruz, mandou o jornalista Honório Dantas, da Rádio Planalto se calar! Foi um Cala a Boca cheio de raiva, com sangue nozóio, igualzinho ao do Bolsonaro.

Não é assustador pensar que passados quase 40 anos a história se repita? Que ao invés de andar pra frente a gente está andando pra trás?

E eu que achava que essas coisas ocorriam só durante a Ditadura Militar, e nunca numa Democracia, desanimei.

Disse para mim mesma: mude de assunto porque esse parece irreal. Não pode estar acontecendo de novo, apesar das gravações que provam o contrário.

Então, para não me estressar, fui procurar outro tema.

Abro o iPad e procuro pelos sites notícias que possam me dar uma ideia para um texto leve.

Qual o quê! Além das informações sobre o alarmante número de mortos e de infectados pela Covid-19 aqui e no mundo, me deparo com uma foto do presidente caminhando em direção ao Supremo com vários ministros, entre eles Paulo Guedes, e com alguns empresários que tinham ido pedir providências ao presidente. Foram fazer uma visita surpresa ao Dias Toffoli. (Que falta de educação, senhor presidente! Não se vai nem sozinho na casa dos outros sem avisar.)

E acham que era só pra tomar um cafezinho com ele? Nããão! Ele foi lá carregando essa turminha a tiracolo, alguns até a contragosto, na maior cara de pau falar pro Toffoli que o Supremo não tem nada que se meter com esse negócio de isolamento social. Que ele não pode autorizar governadores e prefeitos a estabelecer restrições de circulação de gente e nem impedir a volta ao comércio, porque isso vai parar a Economia do país.

Que belo momento pra tentar pressionar o STF. No dia anterior o Ministério da Saúde tinha anunciado um novo recorde de contaminados e de mortos.

Ele não vai parar com esse papo, cacete?

Não entra nessa cabeça-dura que o isolamento é o único “remédio” pra combater esse maledeto vírus?

Não, não entra! Ele parece aquelas crianças birrentas que quando querem alguma coisa ficam esperneando até conseguirem.

O presidente liga tanto para a pandemia que depois dessa visita inesperada saiu falando que os CNPJs (Cadastro Nacional de Pessoas JURÍDICAS) estão na UTI e que dali vão direto para o cemitério, reiterando a sua preocupação com as empresas.

Ou seja, cagou e andou para os CPFs (Cadastro de Pessoas FÍSICAS), que já estão nas UTIs (quando tem vaga) e indo às pencas para os cemitérios.

Por falar nisso, vou voltar à minha atividade anterior e passar álcool gel nas bananas para tentar desestressar, e se me bater um assunto mais ameno volto, apago tudo e escrevo outro.

Mas já vou adiantando, não vai ser fácil!

Esta crônica foi originalmente publicada em O Boletim, em 8/5/2020.

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