Historinhas de redação (6): o fulcro do assunto, ainda

Um dos grandes diferenciais do velho Jornal da Tarde, em seus tempos gloriosos, era o lead. O problema é que, para contar esta historinha sobre Marcos Faerman, lenda do jornalismo brasileiro, é preciso fazer um nariz-de-cera, que é o anti-lead.

         O nariz-de-cera

Rapidinho, para que o eventual leitor não-jornalista possa compreender: o lead é o primeiro parágrafo do texto, e, segundo uma concepção criada no jornalismo americano, ele deve conter todos os pontos fundamentais de uma notícia, de tal forma que o leitor saiba, já no primeiro parágrafo, a síntese do assunto. O fulcro, como diria o Celso Ming.

Os americanos chamaram esse princípio de who, what, when, where, why, how. Quem, o que, como, onde, quando, por quê.

No segundo parágrafo, ou sublead, viria o detalhamento de um aspecto importante da notícia. As informações menos relevantes, menos fundamentais, os detalhes, ficariam para o corpo da matéria.

Chamava-se a esse princípio a pirâmide invertida: o mais importante no início, o menos relevante para o fim, de tal forma que, se o leitor não quisesse ler o texto inteiro, poderia parar lá pelo terceiro ou quarto parágrafo. Ou, se o texto não coubesse inteiro no pedaço de página destinado a ele, poderia ser cortado pelo pé.

Foi o então maravilhoso Jornal do Brasil, criminosamente morto pela má administração, que primeiro implantou no país a exigência do lead perfeito, que respondesse com brilho, em texto enxuto e ao mesmo tempo agradável, a essas perguntas básicas. Nos anos 60, todos os grandes jornais brasileiros usavam a estrutura do lead

Quando o Jornal da Tarde surgiu, no dia 4 de janeiro de 1966, pretendia, como todos os jovens rebeldes, ir contra essa estrutura.

O que importava, no texto do JT, era ser atraente. Fisgar o leitor no lead não por fornecer a ele, burocraticamente, o quem, o que, como, onde, quando, por que, mas sim oferecendo uma informação gostosa, interessante, que o fizesse querer prosseguir na leitura por puro prazer, como se estivesse lendo uma Agatha Christie, um John Grisham, um Stieg Larrson – os dois últimos ainda não existiam naquele tempo, mas a frase é só para dar uma idéia da coisa.

O JT pretendia que seus leads fossem tão page-turner, tão unputdownable quanto um bom romance policial.

Findo o nariz-de-cera (“nariz-de-cera Sm introdução muito genérica com que se pode começar qualquer discurso; preâmbulo vago”), vamos à historinha.

         A historinha, com mais um pouco de nariz-de-cera

Marcos Faerman, o Marcão, era tido como o autor de alguns dos melhores leads do JT. Para muitos, ainda hoje Marcão é uma lenda do jornalismo brasileiro, uma espécie assim de Gay Talese, de Tom Wolfe que veio dos pampas brilhar na paulicéia. Tinha uma fantástica capacidade de encontrar os tipos mais interessantes, mais sui-generis, mais exóticos, nas suas andanças pela cidade. Ninguém mais achava os tipos que Marcão achava. Os personagens de suas matérias tinham as frases mais brilhantes a contar para o repórter.

         O lead, enfim

Em 1968, o ano das passeatas – cada dia tinha uma –, Marcão sempre voltava à redação com a melhor história para abrir sua reportagem.

Uma noite, depois de uma passeata das grandes, Fernando Mitre, então editor de reportagem-geral, berrou para o copy que canetava a matéria do Marcão – e para que toda a redação ouvisse:

– Ô Castor, conta aí as dez primeiras linhas e bota o intertítulo: “A passeata”!

Dezembro de 2010

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7 Comentários para “Historinhas de redação (6): o fulcro do assunto, ainda”

  1. Sérgio, você ou alguém tem de contar a história do “cara-de-homem”. abs.Góes

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