“É preocupante, desesperadora até, a bomba fiscal que vem sendo gestada em Brasília. Na tentativa de aumentar suas chances nas eleições de outubro, o presidente Jair Bolsonaro passou a conceder benesses que deteriorarão ainda mais um Orçamento onde já não existe espaço para nada e aumentarão o risco de déficits crescentes nas contas públicas.”
O parágrafo acima abre o principal editorial do jornal O Globo desta quarta-feira, 20 de abril. Exatamente o mesmo alerta é feito no principal editorial de O Estado de S. Paulo:
“A avidez com que o presidente Jair Bolsonaro busca apoio e votos para reeleger-se custará caro para quem ocupar a Presidência da República a partir de 1.º de janeiro de 2023 – mesmo que seja ele mesmo, embora as pesquisas indiquem que, no momento, essa não é a hipótese mais provável.”
O estrago monstruoso nas contas públicas que está sendo feito pelo desgoverno Bolsonaro foi também tema da jornalista Miriam Leitão, publicada no portal do jornal O Globo na terça-feira, 19/4. Como fez o Estado, Miriam Leitão ligou a bomba fiscal à tentativa de Bolsonaro de ganhar as eleições de outubro:
“Para tentar ganhar a eleição, o governo Bolsonaro tem tomado decisões que além de impactar os cofres públicos vão também atingir o orçamento doméstico. Reportagem do jornal O Globo da repórter Fernanda Trisotto demostra que as medidas de incentivo econômico e benesses do governo têm o potencial de virar uma bomba fiscal em 2023. Mas além do que está decidindo agora há o que já foi decidido. No ano passado, houve a quebra do teto de gastos , proposta pelo próprio ministro da economia. E houve o calote proposto também pelo ministério com o adiamento do pagamento dos precatórios para os próximos anos. Isso já é uma herança que vai ficar para quem se eleger em 2022.”
A íntegra dos dois editoriais e do artigo estão abaixo, neste volume 4 da série Livrar o Brasil de Bolsonaro. (Sérgio Vaz)
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Bomba fiscal não tardará a explodir
Editorial, O Globo, 20/4/2022
É preocupante, desesperadora até, a bomba fiscal que vem sendo gestada em Brasília. Na tentativa de aumentar suas chances nas eleições de outubro, o presidente Jair Bolsonaro passou a conceder benesses que deteriorarão ainda mais um Orçamento onde já não existe espaço para nada e aumentarão o risco de déficits crescentes nas contas públicas.
As principais — não as únicas — são o corte de impostos de olho em eleitorados estratégicos e o aumento salarial irresponsável ao funcionalismo. Mesmo medidas sensatas, como a correção da tabela do Imposto de Renda (IR), terão impacto negativo. Pensado sem nenhum juízo, o leilão de regalos aumentará o endividamento público e acabará estourando no colo de toda a sociedade nos próximos anos.
Medir o tamanho da bomba fiscal é um desafio. Basta ver o que aconteceu no Orçamento deste ano, cujas despesas já vieram infladas pelo estouro do teto de gastos. O economista Marcos Mendes, do Insper, analisou o aumento de despesas não incluídas e chegou a um valor aproximado de R$ 25 bilhões, quantia que ainda poderá crescer se prosperarem projetos com menor probabilidade de aprovação. Se acrescentado o reajuste linear de 5% ao funcionalismo no final do semestre, o rombo subiria a R$ 31 bilhões.
Para o ano que vem, se desenham novos desvarios. Obedecendo ao prazo legal, o governo enviou ao Congresso o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) com suas metas e prioridades. Só que o valor turbinado do Auxílio Brasil, programa social que substituiu o Bolsa Família, só tem provisão para este ano. Se pretender manter a mesma quantia em 2023, o governo precisará garantir a verba (neste ano foram R$ 57 bilhões além do teto). No feriado da Páscoa, Bolsonaro afirmou que debatera com o ministro da Economia, Paulo Guedes, a elevação da faixa de isenção do IR para R$ 3 mil. Levada adiante, a medida traria queda de receita. Como fechar as contas públicas gastando mais e arrecadando menos?
Ninguém sabe onde a demagogia pode parar. Pela estimativa do Ministério da Economia, a dívida bruta terminará 2023 em 79,6% do PIB, 2024 e 2025 em 80,3%. Mas isso depende da arrecadação beneficiada pela alta das commodities. Da última vez em que houve aumento explosivo nos gastos e se confiou no cenário externo — governo Dilma —, a história não acabou bem.
Mesmo assim, o governo jura que está em curso um “crescimento estrutural” da arrecadação devido ao aumento da atividade econômica. Essa avaliação é um erro, pois estamos diante de fatores conjunturais: o avanço mais forte do PIB resultou da recuperação da recessão causada pela pandemia; a inflação alta turbinou temporariamente a arrecadação; e a alta das commodities foi alavancada pela guerra na Europa.
Reduzir impostos, dar reajustes salariais e corrigir a tabela do IR são medidas desejáveis. O inaceitável é adotá-las sem ter lastro, de forma irresponsável. Não existe mágica. Dinheiro não brota em árvore. A conta de tudo isso pode demorar a chegar, mas não tarda. Pior: perpetua o terrível padrão de voo de galinha da economia brasileira.
Quanto maior o buraco fiscal, mais alta a dívida, mais juros paga o governo, menor a quantidade de dinheiro disponível para investimentos e piores as chances de crescimento. Em vez de quebrar esse ciclo vicioso por meio da austeridade orçamentária, o governo insiste em repetir erros do passado.
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Armadilha fiscal como herança
Editorial, O Estado de S.Paulo, 20/4/2022
A avidez com que o presidente Jair Bolsonaro busca apoio e votos para reeleger-se custará caro para quem ocupar a Presidência da República a partir de 1.º de janeiro de 2023 – mesmo que seja ele mesmo, embora as pesquisas indiquem que, no momento, essa não é a hipótese mais provável. De vantagens tributárias para setores econômicos e segmentos sociais que Bolsonaro considera parte de sua base política a promessas de benefícios para grupos mais amplos, vai se formando um conjunto de bondades que imporão aumento de gastos ou quebra de arrecadação. Uma armadilha fiscal está sendo sistematicamente montada pelo governo com objetivos puramente eleitorais. Se não desmontada a tempo pelo próximo presidente, tornará muito mais difícil a superação dos problemas que o País enfrenta, e que poderão piorar. O legado de devastação que este governo deixará e tem sido descrito nesta página é formado também por promessas populistas que agravarão os problemas financeiros do setor público.
O aumento de 5% para todos os servidores federais é um exemplo perfeito da armadilha montada pelo governo e retrata com perfeição o modo de agir de Bolsonaro quando se trata de conquistar apoio eleitoral – que tem sido seu único objetivo desde que tomou posse. O problema começou com a promessa de aumento restrito a carreiras ligadas à segurança, área de particular interesse do presidente. Para isso, foi reservada verba de R$ 1,7 bilhão no Orçamento de 2022.
Como era previsível, outras categorias do funcionalismo, especialmente as mais organizadas e mais bem remuneradas, protestaram e passaram a exigir aumentos. Temendo a ampliação de paralisações ou operações-padrão que já prejudicavam a liberação de cargas nos portos e aeroportos, impediam a divulgação de relatórios econômico-financeiros e podiam comprometer o atendimento nos postos do INSS, o governo anunciou o aumento linear de 5% para todos os funcionários.
As diferentes categorias reagiram ao anúncio, por considerarem a correção insuficiente diante da inflação de mais de 10% ao ano. As que já estavam mobilizadas disseram que continuarão a exigir reajustes maiores. E as que seriam beneficiadas pelo aumento anunciado inicialmente por Bolsonaro – policiais federais, policiais rodoviários federais e agentes penitenciários federais – também reclamaram, porque o novo reajuste é muito menor do que estavam esperando.
Há risco de que, diante da resistência dos servidores, o índice de correção seja alterado ou benefícios específicos sejam concedidos para algumas carreiras. Do ponto de vista orçamentário, não há recursos suficientes nem para pagar o aumento de 5% que já vem gerando protesto em todo o serviço público. O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2023 reservou R$ 11,7 bilhões para o aumento do funcionalismo. Nas contas do secretário especial de Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Esteves Colnago, o reajuste linear anunciado implica gastos adicionais de R$ 12,6 bilhões no ano que vem. Só aí já faltam R$ 900 milhões.
O pagamento dos precatórios agendado para 2023 também não está adequadamente programado, o que poderá resultar em despesas adicionais na casa dos bilhões de reais. No ano passado, numa lambança legal e fiscal sintetizada na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios, o governo Bolsonaro destruiu o teto de gastos ao abrir, malandramente, espaço para gastos acima do limite máximo inscrito na Constituição. “O teto de gastos é apenas um símbolo, uma bandeira de austeridade”, disse na ocasião o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Isenções ou reduções expressivas de alíquotas de tributos, como o IPI, e a prometida elevação do limite de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física tendem a ser medidas permanentes, mas sua justificativa, o aumento da arrecadação, tem efeito momentâneo.
“Existe a necessidade de ajuste fiscal”, reconhece o secretário de Tesouro e Orçamento. Parece voz isolada num governo que demonstrou total irresponsabilidade na área fiscal.
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Além de bomba fiscal, governo está deixando conta para brasileiro pagar
Por Míriam Leitão, O Globo, 19/4/2022
Para tentar ganhar a eleição, o governo Bolsonaro tem tomado decisões que além de impactar os cofres públicos vão também atingir o orçamento doméstico. Reportagem do jornal O Globo da repórter Fernanda Trisotto demostra que as medidas de incentivo econômico e benesses do governo têm o potencial de virar uma bomba fiscal em 2023. Mas além do que está decidindo agora há o que já foi decidido. No ano passado, houve a quebra do teto de gastos , proposta pelo próprio ministro da economia. E houve o calote proposto também pelo ministério com o adiamento do pagamento dos precatórios para os próximos anos. Isso já é uma herança que vai ficar para quem se eleger em 2022.
Também faz parte deste pacote o corte de alguns impostos. O IPI foi reduzido sem uma discussão profunda, num corte linear. Ao mesmo tempo, a zona franca de Manaus terá o crédito referente a um imposto da alíquota anterior, o que na verdade, é renúncia fiscal. O governo reduziu também o Pis/Cofins, que chegou até a querosene do avião. E sabemos que as companhias aéreas não repassam nenhuma vantagem ao consumidor.
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Agora discute-se o aumento de salários dos servidores. Mais uma confusão criada pelo próprio governo que prometeu aumento somente para o pessoal de Segurança. Depois, disse que iria conceder um reajuste linear de 5%, o que desagradou os policiais. Outras categorias se rebelaram, não só pelo salário, mas a Receita Federal, por exemplo, pela retirada da autonomia.
A administração da crise hídrica também foi mal feita, refletindo em mais gastos para o Tesouro e para a população. Contrataram energia suja das termelétricas, por um preço alto demais e por vários anos. O governo permitiu que as distribuidoras pegassem um empréstimo que vai ser pago na conta de luz dos próximos anos.
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Passei por todas essas medidas para explicar que não é só uma bomba fiscal para o governo, mas também para nós, consumidores. E esse pacote de benesses tem um único objetivo: aumentar a intenção de voto no presidente Bolsonaro, que está em desvantagem nas pesquisas.
O que mais me impressiona é este tipo de comportamento da equipe do Ministério da economia que sempre diz: ‘Sim, senhor’. Nunca tinha visto algo do tipo em todos esses anos como repórter de economia. Não brigam, não tentam argumentar. O ministro Paulo Guedes acha que, por ter sido eleito, o presidente Bolsonaro tem o poder. Não é assim que funciona. Já vi várias vezes, como na época do ministro Pedro Malan, que se insurgia contra o presidente FHC e ia ao seu encontro para argumentar até convencê-lo. A equipe econômica tem que lutar pelos seus pontos de vista e explicar ao governante da ocasião que ele não pode tudo.
20/4/2022
Este post pertence à série de textos e compilações “Livrar o Brasil de Bolsonaro”.
A série não tem periodicidade fixa.
Esse desgoverno corrompe, corrói, erode, desintegra, degrada tudo à sua frente. (3)
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