Livrar o Brasil de Bolsonaro (2)

“O governo Bolsonaro não apenas tem corrupção, como os malfeitos florescem na área que deveria ser a prioridade absoluta do País: a educação”, afirmou O Estado de S. Paulo em editorial no dia 11 de abril. “São escândalos que envergonham profundamente o País e confirmam, uma vez mais, o modo como Jair Bolsonaro trata as suspeitas de corrupção no seu governo: até que venham a público, elas são rigorosamente relevadas.”

“A corrupção sempre esteve presente no governo Bolsonaro, mas está escalando neste final de mandato”, escreveu Miriam Leitão em sua coluna no Globo em 14 de abril. “O presidente Jair Bolsonaro tem dito que é um governo sem corrupção. Está mentindo. O Ministério da Educação tinha pastores pedindo propina a prefeitos, o dinheiro do Fundo Nacional de Educação está sendo distribuído de forma fraudulenta, uma construtora desconhecida domina as licitações em obras financiadas com verba do orçamento secreto e até as Forças Armadas distribuem recursos a políticos de forma não transparente.”

“As ‘escolas fake’ são a mais perfeita tradução de um governo igualmente ‘fake’. Quase nada do que foi prometido na campanha que elegeu Jair Bolsonaro para a Presidência em 2018 saiu do papel, das reformas às privatizações”, disse O Estado de S. Paulo em outro editorial, no dia 12 de abril. E mais adiante: “Se o governo é ‘fake’, a corrupção, no entanto, é bem real. A manipulação obscura do Orçamento talvez seja o caso mais grave, já que esconde dos cidadãos os critérios de distribuição de recursos públicos. Mas está longe de ser o único.”

Esta é a segunda compilação de editoriais e artigos que demonstram cabalmente por que é necessário livrar o País do pior presidente que já houve na História. As íntegras dos três belos textos estão abaixo. (Sérgio Vaz)

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A corrupção na educação

Editorial, O Estado de S. Paulo, 11/4/2022

O governo Bolsonaro não apenas tem corrupção, como os malfeitos florescem na área que deveria ser a prioridade absoluta do País: a educação. As revelações feitas pela imprensa nas últimas semanas relacionadas ao Ministério da Educação (MEC) mostram uma administração federal conivente com preços superfaturados, desperdício de dinheiro público e fortes indícios de enriquecimento ilícito. São escândalos que envergonham profundamente o País e confirmam, uma vez mais, o modo como Jair Bolsonaro trata as suspeitas de corrupção no seu governo: até que venham a público, elas são rigorosamente relevadas.

O caso da licitação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a compra de ônibus escolares foi acintoso. Os órgãos de controle do próprio governo sinalizaram a existência de sobrepreço na oferta do MEC. Valendo no máximo R$ 270 mil, os veículos iriam ser adquiridos por até R$ 480 mil. No entanto, mesmo depois dos alertas, o governo Bolsonaro não viu nenhum inconveniente em continuar oferecendo R$ 2 bilhões por 3.850 ônibus escolares rurais que o próprio governo sabia que valiam R$ 1,3 bilhão.

Previsto para terça-feira passada, o pregão com o preço inflado ia ocorrer normalmente, como se não houvesse nenhuma irregularidade. Só não ocorreu porque, três dias antes, o Estadão revelou o superfaturamento. Exposto o sobrepreço, o FNDE fez um ajuste às pressas do edital, reduzindo R$ 510 milhões do valor total. Eis o montante que uma única matéria da imprensa economizou dos cofres públicos: meio bilhão de reais. O pregão com o novo valor foi realizado, mas o resultado foi embargado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), para uma melhor avaliação das contas. De fato, todo cuidado é pouco.

Na quinta-feira passada, outro caso gravíssimo veio à tona. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, R$ 26 milhões de recursos da educação foram destinados para a compra de kits de robótica – pelo preço individual de R$ 14 mil, valor bem acima do mercado – para escolas de pequenos municípios de Alagoas. Por si só, o sobrepreço já é escandaloso, mas há uma agravante. Muitas escolas que receberam os kits de robótica nem sequer têm computadores, acesso à internet ou mesmo água encanada. Ou seja, a compra dos kits de robótica não representa nenhum cuidado com a educação ou com os alunos.

O escandaloso patamar de moralidade do governo Bolsonaro não está restrito a pequenas cidades do interior do País. Também em Brasília se observa uma normalização de práticas que há muito deveriam ter sido superadas. O Estadão revelou que dois diretores do FNDE, logo após assumirem por indicação do Centrão os cargos públicos, compraram carros de luxo cujos valores (entre R$ 250 mil e R$ 330 mil) são incompatíveis com seus salários (em torno de R$ 10 mil). Vale lembrar que o FNDE está envolvido não apenas na licitação dos ônibus escolares superfaturados, mas também na operação do gabinete paralelo do MEC, com a intermediação de verbas da educação e pedidos de propina por pastores.

Os escândalos do MEC e do FNDE são extremamente preocupantes. Recursos públicos que deveriam ser investidos, de forma responsável e eficiente, na formação das novas gerações estão sendo gastos (e desviados) da pior maneira possível. Os efeitos desse modo de atuar são conhecidos: escolas sem infraestrutura mínima, alunos sem ensino de qualidade, privados de um futuro minimamente digno.

A corrupção na pasta da Educação expõe não apenas práticas nefastas do Centrão. Ela afeta diretamente Jair Bolsonaro. O MEC não é uma área acessória do governo. Sempre foi cobiçada e ocupada pelo bolsonarismo. Basta ver que todos os ministros da Educação eram parte da chamada ala ideológica, provenientes do núcleo bolsonarista mais ferrenho. Pois bem, tudo o que o País tem descoberto nas últimas semanas ocorreu precisamente na pasta que sofreu a maior ocupação – o maior aparelhamento – por parte do bolsonarismo. É mais uma triste semelhança entre os governos lulopetistas e o bolsonarista. Só não vê quem não quer.

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Corrupção no atual governo

Por Míriam Leitão, O Globo, 14/4/2022

A corrupção sempre esteve presente no governo Bolsonaro, mas está escalando neste final de mandato. O presidente Jair Bolsonaro tem dito que é um governo sem corrupção. Está mentindo. O Ministério da Educação tinha pastores pedindo propina a prefeitos, o dinheiro do Fundo Nacional de Educação está sendo distribuído de forma fraudulenta, uma construtora desconhecida domina as licitações em obras financiadas com verba do orçamento secreto e até as Forças Armadas distribuem recursos a políticos de forma não transparente.

O Ministério da Educação foi minado pela corrupção. O órgão nunca foi tão necessário e nunca foi tão inútil para a educação brasileira. E além disso foi ocupado por picaretas. A ligação entre as maracutaias dos pastores e o presidente é clara. Mas agora o governo tenta apagar as pegadas, colocando em sigilo as entradas no Palácio do Planalto dos pastores que, pelo que disse o ex-ministro Milton Ribeiro, haviam sido enviados pelo próprio presidente Bolsonaro.

Quatro ONGS — Transparência Internacional, Human Rights Watch, Anistia Internacional e WWF — através de suas sedes no Brasil, enviaram ontem à OCDE um pedido de audiência com o novo secretário-geral, Mathias Cormann, fazendo alertas sobre os retrocessos brasileiros na área de direitos humanos, proteção ambiental e combate à corrupção.

— Os exemplos da carta são bem ilustrativos em todas as áreas e mostram, no fundo, um retrocesso democrático. Em todos os setores que apontamos há desafios, mas o mais importante deles é o retrocesso nos níveis de transparência da informação pública no governo atual. O governo tenta enfraquecer a Lei de Acesso à Informação, nega acesso aos dados, e decreta sigilos extraordinários e abusivos — diz Bruno Brandão, da Transparência Internacional.

Os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, suspeitos de corrupção no Ministério da Educação, entravam e saíam do Planalto. O GLOBO pediu acesso a essa informação. Não apenas foi negado como o Gabinete de Segurança Institucional colocou as as informações em sigilo alegando que isso afeta a segurança do presidente.

— Para se ter uma ideia do uso abusivo desse recurso, os papéis da guerra do Vietnã ficaram 40 anos sob sigilo. A ida dos filhos do presidente ao Planalto e a carteira de vacinação foram colocados em sigilo de um século — comparou Brandão.

A empreiteira Engefort nunca havia tido contrato com o governo até que passou a dominar as licitações. Ganhou 53 de 99 licitações e 70% dos seus contratos são financiados pelo orçamento secreto. Tudo sob o guarda-chuva da Codevasf. Há outros casos.

Na CPI da Pandemia foi revelado que o governo assinou contrato da vacina Covaxin por um preço 1000% mais caro do que a empresa havia oferecido seis meses antes. Ex-diretor de Departamento de Logística do Ministério pediu propina de US$ 1 por dose. A pressão para fechar o contrato foi denunciada diretamente ao presidente, segundo revelou na CPI o deputado Luis Miranda, e Bolsonaro nada fez. A denúncia na CPI impediu que o negócio fosse realizado. O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles foi alvo de investigação internacional por suspeita de acobertamento de contrabando de madeira.

As falcatruas do Ministério da Educação englobam compra de kit robótica para enviar para escolas sem água e sem luz, sobrepreço na proposta de licitação de ônibus escolares e anúncio de escolas falsas. O ministro Ciro Nogueira tem induzido prefeitos a anunciar início de obras que não podem ser executadas, porque libera-se apenas um percentual mínimo do valor da obra. Com isso o eleitor é enganado, o dinheiro público é desperdiçado e obras que precisam ser concluídas são abandonadas.

No ano passado, o Grupo de Trabalho sobre Suborno da OCDE criou um subgrupo apenas para monitorar o caso do Brasil:

— O governo neutralizou os dois pilares centrais do sistema de checks and balances brasileiro: o jurídico e o político. O jurídico pela indicação de um PGR com alinhamento sistemático com o governo, e o pilar político pelo orçamento secreto. É o que a gente chama de corrupção institucional — disse Bruno Brandão.

O governo Bolsonaro está mergulhado em corrupção, mas não se deixa investigar, nega o acesso à informação, enfraqueceu a Polícia Federal, neutralizou a PGR e comprou uma parte do Congresso dando uma enorme fatia do Orçamento.

Com Alvaro Gribel (de São Paulo)

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Governo fake, corrupção real

Editorial, O Estado de S. Paulo, 12/4/2022

O Ministério da Educação (MEC) autorizou a construção de 2 mil escolas sem que houvesse a respectiva dotação no Orçamento, em afronta escancarada às leis orçamentárias e de responsabilidade fiscal. Na feliz expressão da reportagem do Estadão que revelou mais esse escândalo do governo que se jacta de ter acabado com a corrupção, trata-se de “escolas fake”, destinadas somente a enfeitar os discursos de campanha dos bolsonaristas.

As “escolas fake” são a mais perfeita tradução de um governo igualmente “fake”. Quase nada do que foi prometido na campanha que elegeu Jair Bolsonaro para a Presidência em 2018 saiu do papel, das reformas às privatizações. Mas, agora está claro, não é só incompetência; é vocação: o governo de Bolsonaro está estruturado para atender aos interesses do Centrão, que, em troca, mantém o presidente no poder, a despeito das inúmeras razões para seu impeachment. E agora, em ano eleitoral, essa mesma máquina funciona freneticamente para conquistar votos, para o presidente e para os parasitas que se associaram a ele na tarefa de se apropriar do Estado para a satisfação de seus objetivos privados.

Se o governo é “fake”, a corrupção, no entanto, é bem real. A manipulação obscura do Orçamento talvez seja o caso mais grave, já que esconde dos cidadãos os critérios de distribuição de recursos públicos. Mas está longe de ser o único.

Durante a pandemia de covid-19, por exemplo, o País, já indignado com a incompetência do governo para lidar com a crise, soube, estupefato, que integrantes do Ministério da Saúde tentaram negociar a compra de vacinas fora do horário de expediente e num shopping de Brasília. Agora, é o Ministério da Educação que se tornou uma usina de escândalos, que se juntam ao aparelhamento ideológico promovido pelo bolsonarismo. Ao longo de toda a pandemia, o governo federal cruzou os braços para a situação do ensino e dos estudantes, mas se mostrou muito eficiente na produção de casos de mau uso do dinheiro público.

Antes das “escolas fake”, o Estadão havia revelado que, mesmo depois de advertido por órgãos de controle, o MEC, num processo de compra de ônibus escolares, seguia oferecendo até R$ 480 mil por unidade que valia, no máximo, R$ 270 mil. O edital foi ajustado só depois que o caso veio à tona. Houve também o caso, revelado pelo jornal Folha de S.Paulo, da compra de kits de robótica com sobrepreço para escolas sem água encanada. Não tinha infraestrutura mínima, não tinha prioridade no ensino, mas tinha superfaturamento.

Até o momento, o Palácio do Planalto dá sinais de que não está preocupado em sanear os processos do MEC ou de qualquer outro órgão do governo. Empenha-se apenas em impedir – todos os seus movimentos se orientam neste sentido – que as investigações sobre os escândalos avancem.

Bastou a movimentação de alguns senadores para viabilizar a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre os casos escabrosos do MEC – medida de elementar prudência perante tantos casos de mau uso dos recursos públicos – para que o governo rápida e eficientemente agisse para demover alguns parlamentares. Ou seja, o governo que passou todo o mandato de Bolsonaro demonstrando cavalar incompetência na articulação com o Congresso para aprovar reformas exibe agora inaudita eficiência para impedir que uma nova CPI fustigue o governo, algo delicado especialmente em ano eleitoral.

A repentina diligência do Palácio do Planalto gerou resultado imediato. Na sexta-feira passada, os senadores Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), Styvenson Valentim (Podemos-AC) e Weverton Rocha (PDT-MA) retiraram seu apoio para abertura da CPI da Educação. Uma vez que os indícios de corrupção no MEC só aumentam, não se sabe se o governo conseguirá de fato barrar a investigação do Congresso. De toda forma, uma coisa é inegável: quando o objetivo é proteger o presidente, escamoteando a incompetência administrativa, a obscura manipulação do Orçamento e os negócios esquisitos conduzidos pelos operadores do governo, a gestão Bolsonaro adquire uma espantosa vitalidade.

18/4/2022

Este post pertence à série de textos e compilações “Livrar o Brasil de Bolsonaro”.

A série não tem periodicidade fixa.

A pior ameaça de todas é à própria democracia (1).

 

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