O ajuste de outubro

A eleição presidencial que se aproxima está cada vez mais parecida com a que aconteceu em 2018, mas agora com sinal trocado. Em vez do antipetismo, vamos ter o antibolsonarismo, com o petismo surfando sobre os fracassos retumbantes do atual governo em encontrar um rumo nas áreas mais sensíveis da vida brasileira.

Perdemos o rumo na economia, perdemos o rumo na educação, perdemos o rumo na saúde, perdemos o rumo na conservação ambiental, perdemos o rumo na PGR, perdemos o rumo no Parlamento, que se tornou subserviente ao Executivo e abraçou sem nenhum pudor o fisiologismo e o clientelismo em benefício próprio.

Essas perdas foram propositais. O bolsonarismo não faz sentido sem o caos. A extrema direita, que ele representa, não quer construir uma nova ordem, um novo mundo, mas destruir o atual e instalar uma anarquia cívico-militar. A volta da inflação é um projeto político, pois só a instabilidade garante um terreno fértil para a extrema direita disseminar sua visão de mundo conspiratória e culpar terceiros pelo caos que ela mesma produz.

Faz parte do caos a confusão mental que querem instalar no país, chamando de liberdade de expressão, por exemplo, o xingamento chulo, a avacalhação das instituições, a apologia das armas e da violência, as ameaças de estupro e morte. Em outubro, esta visão do mundo será confrontada pelo eleitorado que quer a ordem de volta: a inflação domada, a economia crescendo, o emprego e a renda aumentando. São coisas que não vimos mais acontecer desde 2013/2014, época em que o governo Dilma embicou para baixo e acabou nos levando a um estado de coisas impensável quando se elegeu, em 2010.

Uma treta do destino faz com que o protagonismo desse projeto de restauração da ordem geral venha não pelo centro político, mas pelo espectro da esquerda, a mesma que por seus erros levou o país à crise do segundo impeachment desde a redemocratização. A história, por aqui, é pendular e não vai para o centro: passa por ele direto, indo de um extremo a outro.

É um ajuste de contas entre duas visões de mundo. Agora com a novidade de que a esquerda está se fixando numa posição mais centrista, com a aliança Lula-Alckmin. Essa também é um efeito da opção do eleitorado pela extrema direita em 2018. A polarização com o bolsonarismo puxa a esquerda para o centro, para não ficar isolada em seu extremo de conforto e correr o risco de perder a eleição novamente.

O Lula das décadas de 70/80 era de esquerda. O Lula dos anos 2000 não era mais, e o de 2022 menos ainda. Na verdade, ele é o centro hoje. Leite, Dória, Tebet são secundários como centro político, assim como Ciro. Todos foram tragados pelo novo centrista, mais experiente, carismático e matreiro que todos juntos.

Chamá-lo de corrupto/ladrão não adiciona pontos contra, até porque, do outro lado, o bolsonarismo tem telhado de vidro fino como casca de ovo. O ajuste não é entre o mocinho e o bandido, o bem e o mal, a virtude e o pecado. O ajuste é entre a ordem e a anarquia, entre a vida e a fome, entre a vida e a morte.

Abril de 2022

Nelson Merlin  é jornalista aposentado e resistente. 

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