Voto útil ou voto no melhor? (2)

Mudou pouca coisa nos números da pesquisa Ipec (ex-Ibope) divulgada na segunda-feira, 12/9, em relação à anterior, apresentada uma semana antes, no dia 5. E no entanto houve importantes mexidas no cenário, neste início da antepenúltima semana antes das eleições de 2/10.

A nova rodada do Ipec reabre a expectativa de vitória de Lula já no primeiro turno.

A campanha do petista havia passado nos últimos dias a bombardear Ciro Gomes (PDT), em busca do voto útil dos eleitores do cearense, que poderiam garantir a vitória de Lula no primeiro turno.

E anuncia-se que, em contrapartida, a campanha de Ciro começaria ainda nesta terça-feira, 13/9, a divulgar uma sequência de vídeos de 15 segundos contra a ofensiva da campanha de Lula. Numa das peças, uma locutora questiona: “O que você diria a alguém que mandasse você mudar de time dizendo que ele pode não ser campeão?” Em seguida entra o próprio Ciro dizendo que “para eles voto útil é tornar o seu amor inútil”.

Também nesta terça, O Estado de S. Paulo publicou um editorial pregando contra o voto útil. “Nos últimos dias, aumentou a pressão da campanha de Lula pelo chamado ‘voto útil’, diz o jornal. “A questão é: o ‘voto útil’ no petista, já no primeiro turno, é útil para quem, afinal? Para Lula, obviamente, é. No entanto, para o conjunto da sociedade, esse desfecho não é necessariamente bom.” A íntegra do editorial vai mais abaixo.

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Na pesquisa do Ipec divulgada agora, Bolsonaro não se mexeu: tinha 31% das intenções de voto no dia 5, manteve os mesmos 31% na rodada que saiu dia 12. Lula oscilou de 44% para 46%. Como se sabe, não se deve usar “subir”, porque dois pontos são apenas uma oscilação dentro da margem de erro.

Lá embaixo, bem lá embaixo, longe dos dois primeiros, Simone Tebet        (MDB, PSDB-Cidadania) se manteve com 4%, enquanto Ciro Gomes oscilou para baixo, de 8% para 7%.

Esses números é que dão razão à primeira frase deste texto: mudou pouca coisa.

No entanto, se virmos os números no gráfico, a distância entre Lula e Bolsonaro ampliou-se. Pouca coisa, mas ampliou-se. A boca do jacaré se abriu.

Mais ainda: consideradas apenas as intenções de voto válidas – sem contar brancos, nulos e indecisos –, Lula voltou a ter 51%. Vitória no primeiro turno. Bem apertada, mas vitória.

É uma situação bem diferente da mostrada nas pesquisas mais recentes do outro dos dois mais importantes e respeitados institutos de pesquisa do país, o Datafolha. No Datafolha divulgado dia 9/9, Lula ficava parado nos mesmos 45% da rodada divulgada dia 1º/9, enquanto Bolsonaro oscilava para cima, de 32% para 34%.

A boca do jacaré se fechava. A distância entre os dois candidatos, que já havia sido de 21 pontos percentuais em 26/5, caía para apenas 11 pontos.

O que, naturalmente, causava pavor entre todos os brasileiros que  estão decididos a não votar no monstro que ocupa a Presidência.

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Datafolha e Ipec são, repito, os mais importantes e respeitados institutos de pesquisa do país, mas, claro, não são os únicos.

Nesta terça-feira, 13/9, o Paraná Pesquisas divulgou novo levantamento eleitoral – e ele mostra Lula e Bolsonaro empatados tecnicamente.

Segundo esse levantamento, Lula tem 39,6% das intenções de voto e Bolsolnaro, 36,5%. Como a margem de erro é de 2,2 pontos para mais ou para menos, isso é empate técnico.

Credo em cruz.

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No domingo agora, 11/9 – o mesmo dia em que comecei esta série de textos sobre esse dilema, voto útil ou voto no melhor –, Wladimir Ganzelevitch publicou no Facebook um post que refletia com perfeição esse pavor de que a distância entre Lula e Bolsonaro continue diminuindo até o dia do segundo turno, permitindo talvez o que todas as pessoas de bem deste país deveriam lutar para evitar – a reeleição do Capitão da Morte.

Como eu, como tanta gente, Wladimir – cujas opiniões são respeitadas por centenas e centenas de amigos no Facebook – pretendia votar em candidato da terceira via. Mas os números das pesquisas mostram claramente – e a nova rodada do Ipec só veio confirmar isso – que nem Ciro Gomes nem Simone Tebet vão conseguir sequer chegar perto dos dois líderes da corrida presidencial.

Eis o post dele, com o título do jeito que ele escreveu, em caixa alta:

“LAMENTO, NÃO VAI DAR TEMPO.

Fiquei até agora torcendo para que uma terceira opção pudesse ir ao segundo turno e competir pra ganhar. Eu queria renovação. Não vai mais dar tempo. Não me sinto confortável de voltar a pôr no poder Gleisi Hofman, Ruy Falcão, Zé Dirceu e toda a entourage do Lula, cujo carisma demagógico e populista também desprezo. Serei oposição ao Lula desde o primeiro minuto de seu governo, como fui em 2003. Mas é nele que vou votar para afastar de vez essa sarna que infestou a vida nacional. O risco da reeleição do ignóbil me obriga a votar no Lula e a recomendar esse voto a todo aquele que acha que eu tenho juízo e que, mesmo quando sou aliado, sou aliado crítico.”

Dezenas de pessoas concordaram com ele:

“Eu entendo perfeitamente e com tristeza vou fazer o mesmo…”, escreveu uma. “Estou no mesmíssimo barco”, disse outra. “É o que tenho pensado, muuuuito dificil, mas concordo com você.” “Entendo, mas também farei o mesmo. Muito triste ter que escolher um cidadão que também não me representa, infelizmente ele é o único que pode tirar esse ser do poder.”

Tirar esse ser do poder. É isso aí. Diacho: é preciso tirar esse ser do poder!

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Carlos Marchi, outro caro amigo, outro formador de opinião, expôs posição oposta no Facebook:

“Por múltiplas razões, não tenho temor algum (da reeleição do monstro), meu caro amigo Servaz. Primeiro, porque não ajudei a fabricar nenhum estrupício, nem Lula nem Bozo. Segundo, porque 1º turno é tempo de votar no melhor – eu votarei em Ciro, você, em Tebet. Terceiro, porque, também por múltiplas razões, jamais Bozo alcançará Lula.

Primeiro, porque tem mais de 50% de rejeição e ninguém com 50% de rejeição ganha eleição majoritária. Segundo, porque está de 8 a 12 pontos atrás e quase 80% dos eleitores dizem que consolidaram seu voto, o que significa que só em torno de 20% ainda não têm certeza do voto – e estes 20% certamente se bandearão para todos os candidatos, inclusive Lula.

Então, tenha como matematicamente certo que Lula vencerá o 1º turno por algo entre 5 e 8 pontos de diferença (no mínimo) e ganhará o 2º turno por 10 ou mais pontos percentuais. E por que essa diferença será maior no 2º turno? Por uma razão muito simples: todos os outros candidatos (e seus respectivos eleitores) são de oposição a Bozo. Ele está sozinho no inferno dele. Então, vote tranquilamente em Tebet no 1º turno, tanto quanto eu votarei em Ciro. Não dará nem Ciro nem Tebet, mas também não dará Bozo.”

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Marina Silva (Rede), 22 milhões de votos para presidente em 2014 (ela terminou em terceiro lugar, depois de Dilma Rousseff e Aécio Neves), anunciou na segunda-feira, 12/9, seu apoio a Lula, de quem estava afastada há mais de dez anos:

“Olhando para o que está acima de nós, manifesto meu apoio de forma independente ao candidato e futuro presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Compreendo que neste momento crucial da nossa História quem reúne as condições para derrotar Bolsonaro e a semente maléfica do bolsonarismo é a sua candidatura.”

Marina Silva tem centenas de milhares de seguidores. O apoio dela pode trazer muitos votos para, como diz a amiga de Wladimir Ganzelevitch, “tirar esse ser do poder”.

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Como pretendo apresentar aqui argumentos contra e a favor do voto útil para tirar esse ser do poder já no primeiro turno, aí vai o editorial sobre o tema.

‘Voto útil’ para quem?

Editorial, O Estado de S. Paulo, 13/9/2022.

O candidato Lula da Silva não quer apenas ganhar a eleição em outubro; ele quer ser eleito no primeiro turno, o que seria uma façanha inédita para o PT após mais de 30 anos de disputas pela Presidência. Nos últimos dias, aumentou a pressão da campanha de Lula pelo chamado “voto útil”. A questão é: o “voto útil” no petista, já no primeiro turno, é útil para quem, afinal? Para Lula, obviamente, é. No entanto, para o conjunto da sociedade, esse desfecho não é necessariamente bom.

O “voto útil” é aquele que o eleitor escolhe dar, no primeiro turno, não a seu candidato preferido, mas àquele que é visto como mais capaz de derrotar o candidato que esse eleitor repudia. Assim, o “voto útil” aceleraria a derrota do candidato indesejado, impedindo-o de chegar ao segundo turno. Considerando-se que o segundo turno é uma outra eleição, em que há apenas dois postulantes em condições praticamente iguais de disputa, é possível que muitos eleitores escolham evitar que o candidato que repudiam tenha essa chance de vencer.

Trata-se de um raciocínio válido, é claro – afinal, o eleitor é livre para estabelecer suas prioridades na hora de votar. O problema é que esse “voto útil” entra no balaio de votos do candidato vencedor como se fosse um aval às suas propostas de governo, e isso não é necessariamente verdadeiro. Aliás, é provavelmente falso, uma vez que o “voto útil” em geral é dado não pelo que o candidato propõe, mas exclusivamente por sua capacidade de derrotar o oponente que o eleitor não quer ver na Presidência. Vota-se, portanto, no “mal menor” – que, malgrado seja “menor”, não deixa de ser “mal”.

Ademais, e isso talvez seja o mais importante, o eleitor que vota no primeiro turno como se estivesse no segundo, ou seja, antecipando uma escolha que não precisa ser feita neste momento, desperdiça o voto que poderia servir para robustecer a oposição. Isso é crucial numa democracia: o candidato derrotado é tão relevante quanto o que vence, pois é do derrotado que se espera o exercício da oposição. Sem oposição forte, o governo se sente à vontade para governar somente para aqueles que o elegeram, e não para o conjunto da sociedade. Quanto mais votos essa oposição tiver, mais a sociedade ganha.

Por fim, é uma grosseira falácia atribuir a Lula da Silva a missão de “salvar a democracia”, isto é, impedir a reeleição do presidente Jair Bolsonaro, que representaria uma suposta ameaça às liberdades democráticas e à estabilidade do País. Ora, se a democracia depende de Lula da Silva para ser “salva”, estamos mal – afinal, como pode alguém se dizer salvador da democracia e ao mesmo tempo manifestar admiração por ditadores latino-americanos, tratando-os carinhosamente como “companheiros”?

O objetivo de Lula com essa campanha pelo voto útil é “liquidar a fatura”, como dizem seus apoiadores, já no próximo dia 2. Recentes pesquisas de intenção de voto têm mostrado que a distância que separa o petista de Bolsonaro não é mais tão confortável como há alguns meses. Mas uma coisa é a tática eleitoral de Lula; outra, muito diferente, é o interesse da sociedade.

Recentemente, Lula afirmou no Twitter que ele “não tem por que ter vergonha de ganhar no primeiro turno”, afinal, “se quem tem 5% (de intenções de voto) sonha em ter 40%, por que quem tem mais de 40% não pode sonhar em ter mais um pouquinho e ganhar no primeiro turno?”.

Lula pode sonhar com o que quiser. A bem da verdade, qualquer candidato a cargo majoritário deve almejar ser eleito no primeiro turno. É um truísmo. O ponto é que a Constituição não prevê eleições majoritárias em dois turnos por acaso. Trata-se de um sistema que visa ao amadurecimento democrático, evitando escolhas plebiscitárias a priori.

Neste ano, não há apenas dois, há dez candidatos à Presidência. E nenhum deles tem um voto sequer antes da abertura das urnas. Pesquisas de intenção de voto aferem nada além disso – a intenção dos eleitores num dado momento. Fossem atestados fiéis da vontade da maioria, nem precisaria haver eleições, bastaria encomendar pesquisas. É tempo de reflexão, e não de pressa.

13/9/2022

Este post pertence à série de textos e compilações “Voto útil ou voto no melhor?”.

A série não tem periodicidade fixa.

São os não fanáticos que vão definir se haverá segundo tgurno ou se a decisão é logo no primeiro.

3 Comentários para “Voto útil ou voto no melhor? (2)”

  1. Querido Sergio, acho muito interessante esse debate e torci muito pra que qualquer terceira via vingasse e ao menos chegasse um pouco mais perto. Nas últimas eleições eram 10 ou 12 candidatos e nas proximidades da eleição acabei fazendo campanha pro Ciro pois me arrepiava só de pensar em mais um governo do PT, mas tinha engulhos de pensar nesse ser ignóbil ocupando o cargo de presidente! No segundo turno tampei o nariz e votei no Haddad. Pra meu desespero e horror descobri que o Brasil era muito mais racista, homofóbico, misógino, violento do que eu jamais imaginei!
    Hoje estou assustada com o discurso de ódio, da apologia à violência, da falta de noção e educação, de “religiosos” armados em nome de Jesus….
    Temo pelo país e por todos os adversários desse ser abjeto em um segundo turno com as milícias armadas da família metralha.
    No lado positivo, minha humilde análise de cidadã que não perdeu totalmente a Fé na humanidade:
    Penso que o Lula vai fazer de tudo 2, num esforço de reconciliação e resgatar o país desse caos em que nos encontramos pra tentar limpar o nome dele e pra poder passar pra história de uma forma mais digna e não como o homem do povo que chegou lá e acabou na prisão. E entregar um país um pouquinho melhor pra Simone Tebet

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