Livrar o Brasil de Bolsonaro (6)

A imprensa tem cumprido seu papel. Desde o feriado de Tiradentes, quando Jair Bolsonaro fez seu gesto mais ousado contra as instituições após assumiu a Presidência, ao decretar a impunidade do deputado arruaceiro pitbull que o SFT havia condenado – menos de 24 horas antes – a 8 anos e 9 meses de prisão, os grandes jornais brasileiros e o noticiário das emissoras de TV independentes vêem mostrando o absurdo da situação. E feito duras críticas aos atos golpistas do presidente.

“Indulto à arruaça”, escreveu a Folha de S. Paulo em editorial. Também em editorial, O Globo definiu o gesto como “uma afronta”. “Não se trata da concessão de graça, mas de um ato de afronta ao Supremo, que fere o princípio da independência entre os Poderes”, escreveu Reinaldo Azevedo na Folha. No Globo, Vera Magalhães escreveu que Bolsonaro “está conclamando seus seguidores à guerra, e a batalha final todos sabem qual é: a eleição”.

Isso assim para citar apenas quatro textos publicados nos últimos dias e que reuni no volume 5 da série “Livrar o Brasil de Bolsonaro”, no dia 22/4, sexta-feira, logo após o decreto ofensivo.

De lá para cá, a imprensa continuou cumprindo o seu papel – e neste volume 6 da série de compilações vou transcrever mais três importantes textos publicados nos últimos dias.

Quem não tem levantado a voz nem feito gesto firme contra os avanços antidemocráticos, golpistas do presidente é o Congresso Nacional. Infelizmente. Lamentavelmente. Absurdamente.

Não apenas os presidentes de Câmara e Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) deixaram de condenar com firmeza o gesto que é obviamente uma afronta ao Poder Judiciário e portanto um ataque à democracia, como ainda por cima insistiram em defender que é constitucional o decreto de Bolsonaro.

E o que se vê no Congresso é a ala bolsonarista se agitando para defender os deputados que, como esse pitbull marombado Daniel Silveira, fizerem declarações contra o Judiciário e incentivarem violência contra o Supremo Tribunal Federal e seus ministros. Um bolsonarista evangélico, Sóstenes Cavalcante, veio com uma proposta de passar de maioria simples, absoluta, para maioria de dois terços o número de votos exigidos para cassar um parlamentar. E outra bolsonarista, essa da ala mais histérica de todas, a tal Carla Zambelli, veio com a proposta de estender a graça dada a Silveira também para outros que fizeram ataques à democracia, como Roberto Jefferson e Allan dos Santos.

Que quadra é essa que atravessamos, meu Deus do céu e também da Terra. Como se não bastasse o pior presidente que o Brasil já teve, temos também a pior legislatura de toda a História. E, na presidência de Câmara e Senado, um deputado troglodita, um coronelzinho do sertão alagoano, e um senador com pinta de bom moço e ações de um banana.

Lira e Pacheco – escreveu Vera Magalhães em artigo no Globo desta quarta-feira, 27/4 – “não demonstram ter a menor compreensão de que, ao brincarem à beira do precipício em que um dos Poderes foi posto por Bolsonaro, o próximo poderá ser aquele que presidem”.

Ainda no sábado, 23/4, Ascânio Seleme, em sua coluna no Globo, havia feito ponderação parecida: “Pacheco e Lira foram condescendentes e são cegos. Não conseguem enxergar que mantida esta escalada, mais adiante os alvos da ira antidemocrática do presidente serão eles e seus pares. Bolsonaro se coloca acima da Constituição ao decretar que o Supremo Tribunal errou e indultar Silveira. E o que os presidentes das casas legislativas fazem? Nada. Apenas Pacheco fez uma breve ponderação, passando o pano sobre o ato que chamou de constitucional e que, segundo ele, tem de ser acatado pelo STF.”

E Ascânio Seleme ainda cravou, mais adiante:

“Se consumar o golpe que vem tentando desde 7 de setembro do ano passado, sua prática será absolutista. Não ouvirá ninguém. Se fosse moderado, cassaria alguns ministros do Supremo e parlamentares da oposição. Mas, não, Bolsonaro é Sylvio Frota. O golpista empoderado fecharia o Congresso e o STF, rasgaria a Constituição e governaria como um monarca totalitário. Pacheco, Lira e outros parlamentares do Centrão que apoiam o governo, a maioria por razões fisiológicas, não conseguem ver o óbvio. Aparentemente, a proximidade dos cofres públicos embaça a visão.”

Que tristeza – mas que bela constatação: “Aparentemente, a proximidade dos cofres públicos embaça a visão.”

Temos um presidente da República autocrata, golpista, que defende a ditadura e reverencia os torturadores, como diz no seu artigo o jornalista do Globo. Na Câmara e no Senado, um coroné grosseiro e um almofadinha banana – ambos cegados pela proximidade dos cofres públicos.

Enquanto eu escrevia este texto, veio a notícia que é de fato um escárnio, é uma prova de que a Câmara dos Deputados resolveu cuspir na cara dos brasileiros: Daniel Silveira, que deveria estar preso e cassado por seus próprios pares, foi indicado para ser membro titular da comissão mais importante da casa, a Comissão de Constituição e Justiça! E já tomou posse!

Só nos restam o Judiciário e a imprensa.

Como diz O Estado de S. Paulo na linha fina embaixo do título do principal editorial desta quarta-feira, 27/1, “Não há duelo entre Bolsonaro e STF. A Corte tem apenas cumprido seus deveres. E a briga do presidente é mais ampla e mais grave: é com a lei e com a democracia.”

O Judiciário não está duelando com Bolsonaro, diz o belo editorial – ele vem apenas fazendo o seu trabalho. Bolsonaro é que cria todo tipo de confusão, com a finalidade de “enfraquecer as instituições e, assim, avançar com mais desenvoltura em sua caminhada rumo à impunidade da família e, quem sabe, à permanência indeterminada no poder. Não foi assim que Hugo Chávez fez?”

Aí vão, abaixo, as íntegras do editorial do Estado e dos artigos de Vera Magalhães e Ascânio Seleme. (Sérgio Vaz)

***

Judiciário emparedado

Por Vera Magalhães, O Globo, 27/4/2022

Jair Bolsonaro conseguiu, às vésperas do início oficial de uma campanha há muito já em curso, emparedar o Judiciário. Não foram poucas as vezes em que tentou anteriormente, com arroubos como os atos que culminaram no 7 de Setembro de 2021 ou com a campanha pelo voto impresso.

Nos lances anteriores, fracassou sem exatamente ser contido pelas instituições. Suas manifestações e gestos, que já denotavam a intenção de minar a Justiça, foram enfrentados com inquéritos no próprio Supremo Tribunal Federal, cujo efeito foi sendo diluído no tempo graças a um conjunto de omissões — a começar pelo Ministério Público Federal.

Pois agora, com o decreto em que concedeu a graça presidencial ao deputado Daniel Silveira, Bolsonaro conseguiu encurralar o Supremo de tal maneira que se torna difícil prever os próximos passos.

Como a investida foi de tal forma bem aplicada, o Legislativo também passou a claramente vislumbrar uma nova realidade em que seus integrantes são inatingíveis pela Justiça, algo que também não começou agora, com o parlamentar anabolizado que se recusa a usar tornozeleira eletrônica.

Desde que se organizou a reação à Lava-Jato, de tal modo que todos os políticos escapassem incólumes, foram votadas e aprovadas pelo Congresso várias medidas que minam instrumentos de investigação de crimes do colarinho branco que haviam sido instituídos ou endurecidos nos anos subsequentes. A Vaza-Jato mostrou relações indevidas entre procuradores de Curitiba e o juiz Sergio Moro? Sim, mas a reação coordenada já havia começado antes e não diz respeito apenas aos investigados da 13ª Vara.

Da mesma maneira, a revisão dos processos da Lava-Jato e o arquivamento de uma sucessão de denúncias contra políticos de diferentes partidos pelos tribunais superiores fizeram uma parcela da população associar o Supremo à impunidade, sentimento que bizarramente agora Bolsonaro consegue mobilizar enquanto ele, sim, dá salvo-conduto a um deputado que cometeu crime contra a democracia ao ameaçar integrantes da Corte.

Estamos começando a pagar o preço pela letargia em entender que um governante disposto a bagunçar o coreto, quando encontra os responsáveis pelos freios e contrapesos dispostos a lhe passar a mão na cabeça e a deixar a coisa rolar até a eleição, na esperança de tirá-lo, pode surpreender com a mudança nas regras do jogo no meio do caminho.

Um dos piores desserviços nessa trajetória contínua e nunca disfarçada de Bolsonaro para desmoralizar a Justiça foi praticado pelo ex-presidente Michel Temer, com aquela cartinha a Alexandre de Moraes quando, já ali, o presidente deixava clara sua intenção de descumprir ordens judiciais.

É insano contemporizar e dizer que um autocrata em formação não cometerá as afrontas à Constituição que anuncia em alto e bom som, muitas vezes com transmissão ao vivo, para cumprir seu objetivo único de permanecer no poder.

É, ainda, uma grave forma de conivência com o avanço perigoso da bagunça rumo a impasses como o que agora se vê. Alexandre de Moraes testou a temperatura da água nesta terça-feira, com um despacho em que tenta mostrar que o julgamento do STF que condenou Silveira por 10 votos a 1 ainda vale alguma coisa.

Que fizeram, ato contínuo, os presidentes da Câmara e do Senado? Disseram que nada disso: a perda de mandato do fanfarrão dependerá do Legislativo. E quando isso será votado, deputado Arthur Lyra? Ele e Pacheco não demonstram ter a menor compreensão de que, ao brincarem à beira do precipício em que um dos Poderes foi posto por Bolsonaro, o próximo poderá ser aquele que presidem.

***

STF não deve cair na provocação bolsonarista

Editorial, O Estado de S.Paulo, 27/4/2022

Segundo o conto bolsonarista, o que se vê hoje no País seria o duelo entre Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal (STF), nada mais que a disputa, própria do sistema de freios e contrapesos, entre dois Poderes da República. Esse discurso, aparentemente muito institucional, não tem nenhum apoio nos fatos. Os últimos dias foram especialmente significativos para desmascarar a falsa simetria entre o STF e o Palácio do Planalto, a começar pelo comportamento do próprio Bolsonaro.

Na semana passada, cumprindo suas funções constitucionais, o STF julgou uma ação penal proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), que, em função do cargo, tem foro privilegiado. No julgamento da ação, não houve a rigor nada de estranho. O órgão judicial competente analisou a causa criminal, proferindo decisão de condenação por 10 votos contra 1. Era apenas o Judiciário fazendo o seu trabalho.

Ação penal não é tema do Executivo, mas Jair Bolsonaro viu, no caso, uma oportunidade para criar confusão. Sob o pretexto de conceder indulto, o presidente da República arrogou o direito de rever a decisão judicial, declarando que o deputado do PTB era inocente. Segundo Bolsonaro, as ações de Daniel Silveira estariam cobertas pela imunidade parlamentar.

O decreto presidencial não continha, portanto, nenhum perdão. Era nada menos que um novo entendimento jurisprudencial, proferido por órgão inteiramente incompetente. Não era o Executivo federal exercendo uma de suas atribuições constitucionais. Era Bolsonaro sendo Bolsonaro, convertendo todas as situações em ocasião de enfraquecer as instituições.

Desde os dois episódios da semana passada – condenação pelo Supremo e revisão da condenação pelo Palácio do Planalto –, os dois padrões de comportamento vêm sendo sistematicamente repetidos. De forma exemplar, o Supremo não caiu na provocação de Jair Bolsonaro. Fosse verdadeiro o discurso bolsonarista, seria a ocasião perfeita para o STF responder na mesma moeda. Mas não. O que se viu foram despachos técnicos, proferidos nos autos, tanto pelo relator da ação penal, ministro Alexandre de Moraes, como pela relatora da ação que questiona o indulto, ministra Rosa Weber.

Alexandre de Moraes determinou que o decreto presidencial seja juntado aos autos, lembrando o entendimento consolidado do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no sentido de que indulto não alcança a inelegibilidade relativa à condenação criminal. Em seguida, intimou a defesa de Daniel Silveira para que se manifeste sobre o decreto e sobre o descumprimento de medidas cautelares por parte do réu. Na outra ação, Rosa Weber abriu prazo de 10 dias para Jair Bolsonaro se manifestar sobre o indulto. Assim atua a Justiça: de forma técnica, nos autos.

Por sua vez, Jair Bolsonaro confirmou que seu objetivo nunca foi indultar Daniel Silveira, e sim criar tumulto. Uma vez que o Supremo não respondeu ao deboche de quinta-feira passada, Bolsonaro precisou recorrer a novos assuntos para manter o clima de aparente duelo. Na segunda-feira, chegou a dizer que talvez não cumpra a decisão do STF sobre o marco temporal para a demarcação de terras indígenas. “Se ele (Edson Fachin, relator da ação) conseguir vitória nisso, me restam duas coisas: entregar as chaves para o Supremo ou falar que não vou cumprir”, disse.

É constrangedor o comportamento de Jair Bolsonaro, em descarada procura de assuntos que o coloquem em colisão com o Supremo. Engana-se quem pensa, no entanto, que a briga do bolsonarismo é com a Corte constitucional. O presidente não está preocupado com eventual ida de Daniel Silveira à cadeia, tampouco com o STF, como se o motivo da desavença fosse a interpretação de algum ponto da Constituição.

A confusão provocada por Jair Bolsonaro é muito mais grave. É meio para enfraquecer as instituições e, assim, avançar com mais desenvoltura em sua caminhada rumo à impunidade da família e, quem sabe, à permanência indeterminada no poder. Não foi assim que Hugo Chávez fez?

***

Bolsonaro é Sylvio Frota

Por Ascânio Seleme, O Globo, 23/4/2022

À primeira vista, o desgraçado indulto que Jair Bolsonaro concedeu ao deputado Daniel Silveira foi visto pelo presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, como um ato normal que não pode ser contestado. Depois, em entrevista ao GLOBO, disse que ele fragiliza a justiça penal, mas é legítimo. Antes do decreto ser assinado, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, já havia enviado ofício ao Supremo Tribunal Federal em favor de Silveira, pedindo que a Corte defina que apenas o Congresso pode cassar o seu mandato. Os chefes da Câmara e do Senado, que deveriam defender as instituições e a democracia que as duas Casas sustentam, condenando com veemência a afronta de Bolsonaro, se posicionaram de maneira dúbia, com espinhas dobradas.

Pacheco e Lira foram condescendentes e são cegos. Não conseguem enxergar que mantida esta escalada, mais adiante os alvos da ira antidemocrática do presidente serão eles e seus pares. Bolsonaro se coloca acima da Constituição ao decretar que o Supremo Tribunal errou e indultar Silveira. E o que os presidentes das casas legislativas fazem? Nada. Apenas Pacheco fez uma breve ponderação, passando o pano sobre o ato que chamou de constitucional e que, segundo ele, tem de ser acatado pelo STF.

O que houve, além da afronta ao Supremo, foi um insulto ao Congresso, mas seus líderes abaixaram a cabeça. Um dia podem ser obrigados a baixá-las para serem cortadas pelo presidente golpista.

Bolsonaro, todos sabem, é um candidato a autocrata que defende a ditadura de 1964 e faz reverência a torturadores, como o seu herói Brilhante Ustra. Se fosse mais velho e não tivesse sido expulso do Exército por baderna, certamente estaria entre a tigrada que desceu o pau nos porões do regime. Provavelmente teria se conflagrado contra o presidente Ernesto Geisel e apoiado o general Sylvio Frota na tentativa de golpe que o ministro do Exército quis aplicar contra a abertura do regime, em 1977. Bolsonaro, não tenham dúvida, seria da linha dura da ditadura.

Se consumar o golpe que vem tentando desde 7 de setembro do ano passado, sua prática será absolutista. Não ouvirá ninguém. Se fosse moderado, cassaria alguns ministros do Supremo e parlamentares da oposição. Mas, não, Bolsonaro é Sylvio Frota. O golpista empoderado fecharia o Congresso e o STF, rasgaria a Constituição e governaria como um monarca totalitário. Pacheco, Lira e outros parlamentares do Centrão que apoiam o governo, a maioria por razões fisiológicas, não conseguem ver o óbvio. Aparentemente, a proximidade dos cofres públicos embaça a visão.

O objetivo de Bolsonaro é evidente. Obviamente ele não está indultando um presidiário que cumpriu parte da sua pena, que se comportou exemplarmente durante o encarceramento, que tem família para criar. Ele está beneficiando um criminoso aliado do seu agrupamento fascistóide de maneira a provocar o Supremo, gerando uma crise institucional que beneficia seu projeto golpista. Ele quer um óbice do STF para alegar que seus poderes constitucionais estão sendo violados. Por isso, para reforçar a posição do tribunal, os líderes do Congresso deveriam se manifestar de maneira firme e inequívoca contra o indulto. Não foi o que se viu.

27/4/2022

Este post pertence à série de textos e compilações “Livrar o Brasil de Bolsonaro”.

A série não tem periodicidade fixa.

Com a graça concedida ao arruaceiro, Bolsonaro declarou guerra aberta à Suprema Corte, e portanto à democracia. (5)

A bomba fiscal que se prepara para o próximo governo é desesperadora. E o povo é que pagará. (4)

 

2 Comentários para “Livrar o Brasil de Bolsonaro (6)”

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *