Um tiro no pé

Mais um tiro do capitão que sai pela culatra. O tal indulto, por motivos pessoais e políticos, é um fragrante de inconstitucionalidade que lhe vai render novas ações no STF e outros pedidos de impeachment na Câmara Federal, além dos 150 e tantos que já tem e o servil presidente da Casa está sentado em cima.

A legitimidade do indulto pouco importa, contanto que traga para mais perto de si o caos e a confusão geral. É assim que ele e seu eleitorado-raiz querem: em vez de propostas para o futuro imediato da nação, um tiroteio de bagunças. Para ele, é a forma de varrer a inflação, o desemprego e a estagnação econômica para baixo do tapete.  Outras virão, pois quanto mais bagunças houver para esconder os fatos, melhor.

É no caos que a extrema direita trumpista, putanista, orbánista etc mais gosta de governar, para mostrar toda sua fúria e desprezo pelas instituições democráticas, a liberdade, os direitos humanos, o direito à paz. Querem a paz? Então que se preparem para a guerra! O que querem é destruir e matar, como faz Putin, para então dominar e subjugar. Muita gente também gosta disso e vota nisso, e esse é o aspecto mais grave do fenômeno.

Esse projeto de destruição não é novo. Ele percorre a História trazendo o bafo da barbárie em oposição às conquistas que se implantam a duras penas para melhorar a civilização. Coisa que os sociopatas, por definição, repelem violentamente. Eles são a soldadesca do atraso. Após os escombros da II Guerra Mundial, pensava-se que estavam extintos. Em pleno século 21 estão mais vivos do que nunca.

O que aconteceu para a barbárie rebrotar?

A derrocada da ex-União Soviética teve sua parcela nisso, ao romper-se o equilíbrio de forças sob o pano de fundo do terror nuclear. A ex-URSS era um urso de papel em termos econômicos e sociais, mas tinha o maior arsenal nuclear do mundo e um exército que só não era maior que o chinês. O custo disso quebrou a URSS. O caos interno que se deu após o colapso não desaguou numa democracia, mas numa ditadura de direita disfarçada que perdura até hoje, com aplauso do voto popular. Sim, o povo vota na Rússia. Já votava na URSS, embora em lista única de um partido único. Desde a renúncia de Yeltsin, em 1999, vota na direita de Putin e Medvedev.

Fortalecida, essa direita neoczarista passou a atuar além de suas fronteiras, para influenciar eleições de ultradireitistas em diversos países, inclusive os EUA. Em 2016, Donald Trump teve o apoio do ouro de Moscou – hoje na forma de disparos em massa de fake news por robôs na internet. E não se elegeria sem ele.

Outro fator importante foram as migrações de refugiados de guerra ao redor do mundo. Isso atiçou os ardores nacionalistas e xenófobos das pequenas cidades, obrigando o maior contingente de refugiados a concentrar-se nas periferias dos grandes centros. O fenômeno causou uma pressão nunca vista sobre os sistemas de seguridade social, emprego e mobilidade urbana. Com o pano de fundo da maior crise econômica e social do pós-guerra na Europa, devido à migração do grande capital industrial europeu e norte-americano para a China.

Esse último ingrediente da crise é de fácil compreensão. Com a revoada das indústrias para a China – convertida em fábrica do mundo –, uma grande massa de trabalhadores ficou sem emprego em seus países. E sem emprego não há renda. Os trabalhadores empobreceram e, mais ainda, os refugiados. Com a miséria batendo na porta de ingleses, franceses, alemães e outros bem nutridos, a direita cresceu sem parar. Na França, após a eleição de domingo passado, é hoje a segunda força política.

No Brasil, a direita é um ponto fora da curva e seu fim político está próximo. Sua existência, seguramente não. Nem sua capacidade de bagunçar a vida política do país. Vale tudo e qualquer coisa para isso. Inclusive um indulto inconstitucional a uma figura sem qualificação para algo mais que porteiro de boate. A direita é rasa. Não vai muito longe. Mas deixará escombros que vamos levar alguns anos para tirar do caminho. Por onde passou, o nazifascismo deixou um rastro de destruição e miséria. Não é diferente aqui.  Podíamos passar sem essa, mas c’est la vie.

Nelson Merlin é jornalista aposentado e curioso.

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