Livrar o Brasil de Bolsonaro (18)

Os cupins estão empenhados em sugar até a última gota, enquanto podem, enquanto ainda dão as cartas – o que a cada dia mais parece ter data marcada para acabar, 1º de janeiro de 2023, quando assume o próximo presidente. Diante dessa perspectiva cada vez mais inescapável de que vai acabar, o apetite dos cupins aumenta. Eles estão dispostos a tudo, até não sobrar mais país nenhum.

Se não forem impedidos, os cupins do desgoverno Bolsonaro deixarão como legado a destruição de todo o aparato de proteção do Estado.

É a isso que o país está assistindo. É isso que mostram dois belos textos publicados nesta quarta-feira, 22/6, em O Globo e O Estado de S. Paulo. Usando esses termos mesmos que usei aí acima, exatamente eles, sem tirar nem pôr.

Aqui vão – nesta 18ª compilação da série “Livrar o Brasil de Bolsonaro” – o editorial do Estadão e o artigo de Vera Magalhães no Globo. (Sérgio Vaz)

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Até não sobrar país nenhum

Por Vera Magalhães, O Globo, 22/6/2022

Diante da perspectiva, cada vez mais concreta, de não reeleição de Jair Bolsonaro, o Centrão parece empenhado em sugar até a última gota e não deixar sobrar país nenhum para quem assumir em 2023 — tornando, assim, seu apoio ao próximo presidente tão vital quanto custoso.

Arthur Lira, hoje, dá as cartas no Brasil. A partir da presidência da Câmara, opera coordenado com seu parceiro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e, depois de dominar o Orçamento-Geral da União, quer retomar para seu partido e o consórcio de legendas que comanda a ingerência perdida sobre as estatais, com a Petrobras como joia a recuperar.

É escandalosa em grau inaudito até para os padrões do bolsonarismo a ideia de rasgar a Lei das Estatais a menos de quatro meses de uma eleição em que o grupo que está no poder está em desvantagem.

É outro braço do golpismo que campeia na esfera institucional, aquela em que Bolsonaro articula as Forças Armadas e a Polícia Federal para questionar e, se possível, tentar empastelar o pleito.

A lei, aprovada no governo Michel Temer, foi uma resposta ao escândalo do petrolão, que, a despeito de revisões que tenham sido feitas em condenações decorrentes dos processos da Lava-Jato, foi um escândalo que resta comprovado.

Por meio de um acordo político consentido pelos governos do PT, partidos como o PP de Lira, Nogueira e companhia bela loteavam a Petrobras e suas subsidiárias para, em conluio com grandes empreiteiras e funcionários da companhia, de carreira ou nomeados, desviar quantias milionárias em contratos superfaturados, com cartas marcadas e outros conchavos.

Ao estabelecer regras de governança e critérios técnicos para o preenchimento de cargos em conselhos e diretorias das estatais, a lei que Lira e aliados querem agora incinerar funcionou como uma blindagem à repetição desse tipo de esquema.

Com o pretexto “popular” de baixar o preço dos combustíveis, os partidos do Centrão querem assegurar mais um espaço de poder, também para o futuro, no momento em que os que desfrutam estão ameaçados pela perspectiva de derrota de Bolsonaro nas urnas.

Não é a primeira lei que integra o arcabouço de controle e fiscalização a ser atacada no governo Bolsonaro. A Lei de Improbidade foi implodida sob o pretexto de evitar exageros, e uma Lei de Abuso de Autoridade foi aprovada com o claro propósito de intimidar autoridades a cumprir seu dever.

No mundo invertido bolsonarista, os ataques sistemáticos ao sistema republicano são sempre travestidos de ideias nobres. O mais estarrecedor é que os ditos democratas, liberais e pró-mercado — que pegariam em panelas caso qualquer outro governo propusesse arrancar as catracas para promover a farra do boi em conselhos e diretorias de estatais —calam o bico diante do avanço da tropa de Lira sobre o arcabouço legal que preserva minimamente a principal empresa do Brasil da interferência tosca a que está submetida por Bolsonaro.

Ricardo Barros, o mais literal dos súditos de Lira, deixou extravasar a intenção real da canhestra manobra que estão empreendendo ao dizer:

— Ele [Bolsonaro] demita, mas o cara não vai embora.

Evocou, com essa fala esparramada, o clássico de um antigo cacique de seu partido, Severino Cavalcanti, quando venceu de surpresa a presidência da Câmara e se pôs a exigir uma diretoria “que fura poço e acha petróleo” na mesma Petrobras.

A batalha que se trava para implodir os controles da Petrobras nada tem de nobre preocupação com o alto custo dos combustíveis sobre o orçamento das famílias e com a inflação. Trata-se de desespero do Centrão pelo preço eleitoral que cobra de um hospedeiro, Bolsonaro, que já não tem tanto a oferecer e de quem planejam sugar até a última gota.

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O ataque dos cupins da República

Editorial, O Estado de S.Paulo, 22/6/2022

O presidente Jair Bolsonaro e seus aliados no Congresso intensificaram sua ofensiva contra o conjunto de leis e dispositivos que dificultam a pilhagem do Estado e a destruição das contas públicas. Para os propósitos eleitoreiros dos bolsonaristas, essa cidadela republicana, responsável pela estabilidade da economia e pela redução da corrupção, tem de ser arruinada. O motivo é óbvio: onde há regras que limitam gastos públicos e que impõem boa governança em estatais, há pouco espaço para gastança populista e para o aparelhamento corrupto de empresas que devem servir ao País, e não ao grupo que está temporariamente no poder.

O alvo mais recente dessa ofensiva é a Lei das Estatais, um dos maiores marcos aprovados pelo Legislativo dos últimos anos. Meses após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o Congresso conseguiu elaborar um conjunto de normas que representaram o resgate da moralidade e estabeleceram padrões civilizados de governança nas empresas públicas. O texto, sancionado em junho de 2016, consolidou princípios de transparência, eficiência e boa gestão para as empresas públicas e sociedades de economia mista. A lei estabeleceu regras para a escolha de diretores e conselheiros, proibiu a indicação de dirigentes partidários, ministros, sindicalistas e parlamentares e passou a exigir comprovação de experiência prévia dos candidatos a cargos executivos.

Muito se fala sobre a elaboração de políticas públicas baseadas em evidências e na necessidade de avaliação constante de seus resultados. No caso das estatais, talvez não haja prova maior do sucesso dessa legislação do que os balanços financeiros. A Petrobras, principal vítima do intervencionismo estatal nos governos petistas, conseguiu rapidamente reverter uma trajetória de perdas bilionárias e obteve lucros expressivos. Surpreendentemente, isso se tornou um problema para a classe política e tem servido como desculpa para questionar a jovem Lei das Estatais.

Bolsonaro, por exemplo, acusou a Petrobras de registrar um lucro “absurdo” e sugeriu que o comando da empresa atua contra o País. Por isso, quer colocar na direção da Petrobras um obediente apaniguado, embora esse indicado não tenha experiência na área de petróleo, como exige a Lei das Estatais. Ato contínuo, o presidente da Câmara, Arthur Lira, sugeriu ao Executivo que envie uma Medida Provisória, com força de lei desde a data de sua publicação, para alterar a Lei das Estatais.

Bolsonaro elegeu a Petrobras como inimiga do País com o objetivo de mobilizar sua base e, principalmente, desviar o foco do fracasso de seu governo. Para o Centrão, no entanto, trata-se de uma imperdível oportunidade para retomar o poder que o grupo tinha nas empresas públicas. Descoberto nos governos petistas, o petrolão contou com a participação direta de partidos como o PP de Lira. O presidente da Câmara afirmou que a mudança na lei seria uma forma a assegurar “maior sinergia entre as estatais e o governo do momento”, o que é a senha para a submissão das empresas aos interesses políticos do governo, o exato oposto do que preconiza a Lei das Estatais.

Assim como o teto do ICMS para bens essenciais, mudar a Lei das Estatais não derrubará os preços dos combustíveis, mas aumentará as chances de a Petrobras voltar a ser saqueada pelo governo de turno e seus aliados. Essa estratégia diversionista começa a ficar repetitiva – elevar os benefícios do Auxílio Brasil para vulneráveis foi a desculpa para destruir o teto de gastos e violar a Lei de Responsabilidade Fiscal, dar calote nos precatórios da União, garantir recursos para o fundo eleitoral e manter o pagamento integral das emendas de relator. Destruir os pilares macroeconômicos teve resultados imediatos na bolsa, nos juros e no valor da moeda, mas também para a população, ampliando a corrosão do poder de compra das famílias. A intervenção na Petrobras também terá efeitos trágicos – e já se sabe quais são eles. Se não for impedido, o governo Bolsonaro deixará como legado a destruição do aparato de proteção do Estado contra os cupins da República.

22/6/2022

Este post pertence à série de textos e compilações “Livrar o Brasil de Bolsonaro”.

A série não tem periodicidade fixa.

O presidente sempre se manteve e sempre se manterá alinhado aos destruidores da floresta. (17)

Duas reportagens demonstram como a incompletência do desgoverno arruína o pais. (16)

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