Para não repetir

O livro Para não esquecer – políticas públicas que empobreceram o Brasil, organizado por Marcos Mendes, revê políticas adotadas nas últimas décadas e tem feito a cabeça de muita gente.

Há dois capítulos que tratam especificamente do intervencionismo do estado no setor de combustíveis, desde a alteração do marco regulatório da exploração do pré-sal, com a instituição do regime de partilha, até a questão do controle dos preços.

Adotada no governo Dilma Rousseff em 2013 e mantida até o fim do segundo turno de 2014, essa política gerou uma dívida astronômica para a Petrobras, comprometendo sua capacidade de investimento.

O represamento de preços traz algum benefício para a vida das pessoas no curto prazo, mas é extremamente danoso em seguida, provocando aumento da inflação e dos juros, recessão e desemprego. Foi o que aconteceu nos anos finais do governo Dilma, quando o PIB brasileiro teve uma queda de 7,1%, os juros chegaram a 14,5% e o exército de desempregados chegou à casa de 14 milhões de pessoas.

O Brasil tem uma larga tradição de intervencionismo desde os tempos da famigerada Comissão Interministerial de Preços, que arbitrava até o preço do chuchu.

O governo Geisel foi um dos mais intervencionistas de nossa história, inclusive no primeiro choque de petróleo da década de 70. O intervencionismo não é monopólio de nenhuma corrente ideológica. Governos de direita e de esquerda utilizaram desse expediente em momentos diferentes, embalados por um mesmo projeto: o nacional-desenvolvimentismo.

Refletir sobre os erros do passado torna-se necessário no momento em que o mundo vive um novo choque de petróleo em decorrência da guerra de Putin na Ucrânia – com o bloqueio do petróleo da Rússia, segundo maior produtor do mundo – e da retomada da economia mundial no pós-pandemia. Os preços do petróleo são inflados, ainda, pela inflação mundial.

Como aconteceu em outras épocas, o Brasil está sendo duramente penalizado pelo novo choque do petróleo. E, como no passado, aparece a tentação de minimizar seus efeitos perversos na vida dos brasileiros por meio do represamento dos preços. Não se ignora a necessidade de políticas de governo – e não da Petrobras – de proteção dos mais necessitados. Alguns países utilizam o instrumento de fundos de compensação para promover a estabilização dos preços dos combustíveis em momentos de grande volatilidade mundial como o que vivemos agora.

Mas o controle de preços e o desmanche da arcabouço institucional da Petrobras, duramente construído com a Lei das Estatais e pela política de preços sintonizado com o mercado internacional do petróleo, representarão um enorme retrocesso.

A duras penas, a maior empresa do país construiu, na gestão de Pedro Parente, durante o governo Temer, um sistema de governança e de compliance que blindou a estatal do loteamento político e de ataques especulativos como os que desaguaram no escândalo do Petrolão. Com isso a Petrobras recuperou sua capacidade de investimento.

Além das sabidas consequências no médio prazo – aumento da inflação, da dívida pública, do desemprego, diminuição da atividade econômica, etc –  hoje o intervencionismo teria mais dois efeitos extremamente perversos.

O primeiro é o risco de desabastecimento, sobretudo do óleo diesel, pois o país importa cerca de 30% do que consome. Não há patriotismo capaz de levar um importador a comprar diesel no exterior por um preço no mercado internacional e vendê-lo mais barato no Brasil. Isso é mais preocupante porque pode acontecer em setembro, quando começa a safra de grãos no Centro-Oeste e há uma grande demanda pelo combustível.

O segundo é o de afugentar os investidores, sobretudo estrangeiros. Previsibilidade e respeito aos contratos são condições indispensáveis para sua atração. Ninguém investe em um país onde as regras podem mudar conforme o humor do governo de plantão. Se a própria Petrobras tiver seu arcabouço institucional desconstruído, a tendência é que os investidores estrangeiros, que representam cerca de 45% do capital total da empresa, tentem se livrar de suas ações, o que levará à desvalorização da empresa.

Nem sempre a solução mais fácil e mais popular é a mais adequada. Assim, seria mais recomendável seguir a sugestão de Décio Oddone, autor dos dois capítulos do Para não esquecer. Diz ele: “Há sempre demandas por controle de preços, intervenção na Petrobras. No entanto essas soluções trazem novos problemas…  As soluções e mitigações efetivas requerem reformas quase sempre difíceis de aprovar. É preciso estimular a concorrência em toda a cadeia produtiva, desde o refino até o ponto final de consumo, eliminando regulações e práticas comerciais que se revertem em poder de mercado para as empresas. Isso significa acabar com a posição monopolista da Petrobras no refino…”

É hora de o Brasil refletir sobre experiências passadas para que elas não se repitam.

Em 1986, durante o Plano Cruzado, os preços ficaram congelados até o dia da eleição. Foi um estelionato eleitoral. Logo após, eles foram liberados e a inflação disparou.

Já em 2014, Dilma Rousseff fez o mesmo com os preços da energia e dos combustíveis. Três dias após o segundo turno deu início a um tarifaço.

O país não se pode dar ao luxo de reprisar o mesmo filme em 2022.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 22/6/2022. 

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