No curtíssimo período de 40 dias, Jair Bolsonaro demitiu o ministro das Minas e Energia e dois – dois! – presidentes da Petrobrás que ele mesmo havia nomeado. O quarto presidente que ele indicou para a maior empresa brasileira, Caio Paes de Andrade, secretário de Desburocratização do Ministério da Economia, homem de confiança de Paulo Guedes, não tem qualquer experiência no setor de óleo e gás, conforme afirmou com todas as letras, algumas semanas atrás, o próprio vice-presidente Hamilton Mourão.
“Eu conheço o Caio”, disse o vice, no dia 6 de abril, em entrevista. “Ele tem feito um excelente trabalho nessa parte de desburocratização. Mas vamos ver o que pode progredir disso aí porque, na realidade, ele não tem experiência nessa área de óleo e gás.”
Um artigo da Lei das Estatais exige experiência profissional mínima de dez anos, no setor público ou privado, na área de atuação da empresa, ou quatro anos ocupando cargo de diretoria em empresa de porte similar. Um grupo de acionistas minoritários da estatal já se prepara para entrar na Justiça caso o nome do indicado por Bolsonaro seja aprovado pelo Comitê de Pessoas e pelo Conselho de Administração da Petrobrás.
Mesmo que venha a ser aprovado, e possa assumir – o que demoraria no mínimo um mês –, ele não vai conseguir o que Bolsonaro diz que quer: o controle dos preços dos combustíveis. Para isso, o governo teria que alterar o estatuto da Petrobrás – que é estatal, mas é uma empresa de capital aberto, com ações nas Bolsas de Valores de São Paulo e de Nova York. E controlar artificialmente preços sempre dá errado – a História está cheia de exemplos disso.
É absolutamente claro, óbvio, evidente: não adianta trocar ministro ou presidente da Petrobrás. Para melhorar, tem que trocar é o presidente da República.
Editoriais e artigos nos três maiores jornais do país nesta quarta-feira mostram como é absurda, inútil e contraproducente a forma com que o desgoverno Bolsonaro lida com a questão dos combustíveis e da energia de uma maneira geral.
“Intervenção na Petrobrás não tem como dar certo”, sintetiza com precisão o título de editorial de O Globo:
“Não tem limite a sanha do presidente Jair Bolsonaro por intervir no preço do diesel e da gasolina, de olho na eleição. (…) Qualquer que seja o resultado dessa nova mudança na política de preços da empresa, está claro que não dará certo. (…) Bolsonaro ignora que preços de mercado refletem o equilíbrio entre oferta e demanda — e não dá para manipulá-los por decreto. Ele quer que a Petrobras funcione como a venezuelana PDVSA, estatal aparelhada e levada à bancarrota para financiar os desmandos do chavismo. Conhecemos esse roteiro. Não tem como dar certo.”
O Estado de S. Paulo diz em editorial:
“Empenhado, como sempre, muito mais na reeleição do que na função de governar, o presidente continua tentando controlar, e talvez congelar até as eleições, os preços dos combustíveis. Ao insistir nessa intervenção, menospreza a gestão empresarial e os interesses de mais de 750 mil acionistas nacionais e estrangeiros.”
E a Folha de S. Paulo afirma, também em editorial:
“O mandatário e sua trupe populista querem financiar a aquisição de alguns pontos nas pesquisas de voto por meio da apropriação de receitas de governos estaduais e municipais, da redução forçada do faturamento da Petrobras e da instabilidade do setor elétrico.”
Em artigo no Globo, Alvaro Gribel afirma que “o nome de Caio Paes de Andrade para a presidência da Petrobras representa a mais forte tentativa de intervenção na companhia desde a aprovação da Lei de Responsabilidade das Estatais, de junho de 2016”. E lembra: “Para quem se iludiu com uma suposta agenda liberal deste governo, ficou provado mais uma vez que tudo não passou de uma enorme cortina de fumaça.”
As íntegras dos três editoriais e do artigo citados vão aí abaixo, nesta 13ª compilação da série “Livrar o Brasil de Bolsonaro”. (Sérgio Vaz)
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Intervenção na Petrobras não tem como dar certo
Editorial, O Globo, 24/5/2022
Não tem limite a sanha do presidente Jair Bolsonaro por intervir no preço do diesel e da gasolina, de olho na eleição. Nem bem acaba de trocar o ministro de Minas e Energia e o presidente da Petrobras — ambos refratários à intervenção —, promoveu uma nova troca no comando da estatal, descontente com o nome que ele próprio indicou há 40 dias. Qualquer que seja o resultado dessa nova mudança na política de preços da empresa, está claro que não dará certo.
Bolsonaro pode trocar ministro, presidente, a diretoria inteira da Petrobras, que não superará todos os obstáculos a suas intenções. Primeiro terá de enfrentar os empecilhos internos: a estrutura rígida de governança da estatal (reforçada depois dos desvarios do governo Dilma Rousseff com o preço do combustível) e as exigências da Lei das Estatais, aprovada depois dos crimes desmascarados pela Operação Lava-Jato, justamente para preservar o patrimônio público de ingerência política.
Os requisitos para alguém ocupar a presidência da Petrobras vão muito além das qualificações do novo indicado, o executivo Caio Paes de Andrade (falta-lhe experiência em gestão pública e em empresas do setor). A indicação terá ainda de passar por comitês internos que dificilmente a endossarão. A reunião de acionistas para aprová-la só pode ser convocada para o final de junho e, mesmo que o nome passe (o governo, afinal, tem maioria no Conselho), a presidência da empresa não tem o poder de mexer na política de preços a seu bel-prazer. Bolsonaro teria ainda de aparelhar o comitê encarregado disso, que tem mais dois diretores. É o que ele planeja.
É até provável que consiga vencer esses obstáculos de ordem política. Mas não tem como mudar a realidade econômica. A intervenção nos preços, mesmo a dilatação do prazo entre reajustes, teria consequências bem mais nocivas que apenas deteriorar o balanço da Petrobras, que pagou no ano passado R$ 37,3 bilhões em dividendos ao Tesouro e R$ 203 bilhões em impostos, contribuindo para a saúde fiscal. O impacto nas bombas seria o oposto do imaginado por Bolsonaro.
A crise dos combustíveis é global e tem alcance bem maior que o imaginado no início da Guerra na Ucrânia. A demanda já é pressionada pela Europa, com a substituição do petróleo russo, e pela China, com a recuperação da atividade depois dos lockdowns. O Brasil importa 30% do diesel e 15% da gasolina que consome. Se o preço deixar de seguir a cotação internacional, como quer Bolsonaro, ninguém importará para vender com prejuízo por aqui. É certo que haverá desabastecimento e filas nos postos, cenas nada agradáveis para um presidente em campanha.
A melhor forma de garantir o preço justo na bomba teria sido levar a cabo o plano de privatização de refinarias, de modo a criar um mercado realmente competitivo. Teria sido possível também conceber um fundo de estabilização para subsidiar o preço na bomba, mantido não pelo acionista da Petrobras, mas pelo Tesouro, talvez com recursos dos dividendos pagos nos tempos de bonança. Nada disso foi feito. Bolsonaro ignora que preços de mercado refletem o equilíbrio entre oferta e demanda — e não dá para manipulá-los por decreto. Ele quer que a Petrobras funcione como a venezuelana PDVSA, estatal aparelhada e levada à bancarrota para financiar os desmandos do chavismo. Conhecemos esse roteiro. Não tem como dar certo.
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Além da Petrobrás
Editorial, Folha de S. Paulo, 25/5/2022
Jair Bolsonaro (PL) e seus adeptos lançaram nova ofensiva da campanha para conter —ou parecer que tenta conter— os preços dos combustíveis e da energia elétrica.
O governismo abriu mão de impostos, com aumento da dívida pública; quer impor cortes de tributos a estados e municípios, suspender no Congresso reajustes de energia elétrica e ensaia promover um tabelamento de preços ao menos temporário na Petrobras.
Não foi por outro motivo que o candidato a reocupar o Planalto demitiu o terceiro presidente da petroleira em menos de quatro anos, no cargo havia meros 40 dias. Bolsonaro cria instabilidade a fim de obrigar a direção da estatal a segurar a alta dos combustíveis. Os reajustes já têm sido espaçados.
O mandatário e sua trupe populista querem financiar a aquisição de alguns pontos nas pesquisas de voto por meio da apropriação de receitas de governos estaduais e municipais, da redução forçada do faturamento da Petrobras e da instabilidade do setor elétrico.
É incerto se a frente vai alcançar integralmente seus objetivos. Seja como for, terá conseguido ao menos difundir ainda mais a percepção de que estabilidade administrativa, contratos, estatutos, leis e normas de responsabilidade orçamentária correm risco no país sob a atual administração.
A quarta mudança no comando da Petrobras é ato que mistura incompetência com demagogia. Se o comando de qualquer instituição é alterado com tamanha frequência, as escolhas do presidente são também más ou irresponsáveis.
No caso, trata-se da maior empresa e maior investidora do Brasil, produtora de um insumo crucial para a economia e de mercadoria de peso nas exportações. É decisão que afeta a imagem econômica do país, acionistas (entre eles o próprio Tesouro Nacional), credores e outros tantos participantes do mercado, como importadores de combustível.
Um tabelamento informal pode até mesmo afetar o abastecimento, em parte importado.
Pelas normas da companhia, o novo indicado para presidir a Petrobras, Caio Mário Paes de Andrade, não apresenta um currículo com os requisitos necessários para ocupar o cargo. Ainda que o nome venha a ser aprovado, não se diz com que objetivos assumiria a empresa, além daqueles do interesse político de Bolsonaro.
Não se veem mais programas ou diretrizes de administração para a petroleira. Mas não só para ela: a política econômica parece rendida ao imediatismo de um projeto de estelionato eleitoral.
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Os sócios do caos
Editorial, O Estado de S.Paulo, 25/5/ 2022
Em mais um golpe contra a Petrobras, a maior estatal brasileira, o presidente Jair Bolsonaro demitiu o terceiro líder da empresa nomeado desde a sua chegada ao Palácio do Planalto. Com a nomeação do substituto, a companhia atingirá a marca muito rara – e assustadora para o mercado – de quatro comandantes em menos de quatro anos. Empenhado, como sempre, muito mais na reeleição do que na função de governar, o presidente continua tentando controlar, e talvez congelar até as eleições, os preços dos combustíveis. Ao insistir nessa intervenção, menospreza a gestão empresarial e os interesses de mais de 750 mil acionistas nacionais e estrangeiros. Não só o Executivo, no entanto, é marcado pela mistura de populismo, irresponsabilidade e incompetência. Nesse tipo de jogo, há uma clara parceria entre o presidente da República e forças do atraso alojadas no Congresso Nacional.
Enquanto o presidente Bolsonaro tenta impor seus interesses eleitorais à Petrobras, congressistas mexem nas finanças de Estados para baratear combustíveis e energia elétrica. Já haviam interferido na gestão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), para obrigar os governos estaduais a uniformizar a alíquota cobrada sobre gasolina e diesel. Foi uma evidente violação dos padrões federativos. Mas a organização nacional, a ordem republicana e as instituições democráticas têm sido, em Brasília, muito menos valorizadas do que haviam sido até 2019.
Não ocorre, no entanto, apenas uma depreciação de valores democráticos. É função dos Poderes cuidar do País, produzindo normas, defendendo a ordem legal e empregando os meios públicos em tarefas de interesse – pelo menos idealmente – coletivo. Na tradição norte-americana, esses poderes são chamados branches of government, ramos do governo. É uma boa denominação, porque aponta, com clareza, o caráter genérico de suas funções: trata-se de governar, atendendo a aspectos diferentes da atividade pública. Em Brasília, no entanto, a noção de governo, incluída a ideia de administração, é hoje uma raridade.
No Executivo, como no Legislativo, tem predominado a busca de soluções fáceis para inconvenientes imediatos. Se o aumento de alguns preços causa incômodo e pode levar a perdas eleitorais, a saída é improvisar um remédio. A ação pode ser obviamente grosseira e desastrada, como têm sido as tentativas, sempre toscas e autoritárias, de intervir na política de preços da Petrobras. Também pode ser mais complexa, mas igualmente improvisada, incompetente e populista, como a produção de leis para intervir na tributação estadual.
É evidente bobagem tratar o ICMS como causa de aumento de preços. Se esse tributo fosse zerado, no dia seguinte os preços dos combustíveis poderiam subir, se houvesse alta das cotações internacionais, dos custos da Petrobras ou do valor do dólar. É fácil juntar esses pontos, mas tanto no Executivo quanto no Legislativo aquela tolice é repetida.
Pode-se defender com outro objetivo a redução, por exemplo, das alíquotas sobre a eletricidade, muito importante para o consumo familiar e para a vida empresarial. Energia elétrica é um item relevante para atividades tão diferentes quanto as de um salão de beleza e as de uma fábrica de caminhões. Faz sentido baratear esse insumo, mas é um erro enorme cuidar disso de forma improvisada, sem levar em conta o peso desse item para as finanças estaduais e sem discutir formas de compensação para os Estados.
Nenhuma dessas preocupações foi expressa pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, ao defender a criação de um teto para o ICMS sobre energia elétrica e combustíveis. Ao encaminhar o projeto, ele falou sobre “a realidade emergencial do mundo de hoje”. Mas esse problema, longe de ser emergencial, é conhecido há muito tempo, e nada justifica enfrentá-lo de forma tosca e improvisada. Ao agir dessa forma, o presidente da Câmara confirma seu invencível despreparo para questões de interesse público, mas ao mesmo tempo reafirma sua proximidade com o estilo bolsonariano de desgoverno.
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A Petrobrás sob nova intervenção
Por Alvaro Gribel, O Globo, 25/5/2022
O nome de Caio Paes de Andrade para a presidência da Petrobras representa a mais forte tentativa de intervenção na companhia desde a aprovação da Lei de Responsabilidade das Estatais, de junho de 2016. A indicação tem um propósito claro: mudar a política de preços dos combustíveis para segurar a inflação e beneficiar o presidente Jair Bolsonaro em sua tentativa de reeleição.
No mercado, há cálculos de que o projeto do ICMS, que tramita no Congresso, somado a um congelamento do diesel e da gasolina, poderia diminuir em até dois pontos percentuais o IPCA deste ano. Paes de Andrade não tem currículo para o posto, mas o governo aposta em uma brecha na Lei para que ele assuma o cargo.
Fontes da Petrobras contaram à coluna que, mesmo com a mudança no Ministério de Minas e Energia, havia a expectativa de que José Mauro Coelho pudesse continuar à frente da empresa. Para evitar uma nova mudança brusca na gestão da maior companhia do país, eles acreditavam em algum tipo de “acomodação” do executivo no cargo e lembravam evento na última semana, no Jardim Botânico, no Rio, em que Bolsonaro esteve presente mas não fez ataques à diretoria.
Com a confirmação da troca, o clima passou a ser de apreensão, com a certeza de que o governo fará o que for preciso para atingir os seus objetivos políticos.
A expectativa recai agora sobre o Comitê de Pessoas (Cope) da estatal, que irá elaborar um parecer para assessorar o Conselho de Administração, que terá a palavra final sobre a aprovação ou reprovação de Paes de Andrade. Ele claramente não cumpre as exigências para assumir a Petrobras, mas o governo irá se apegar a um pequeno trecho da lei para tentar contorná-la: o artigo 17, alínea a, diz que é preciso experiência profissional de no mínimo 10 anos na área de atuação ou em área conexa para a qual for indicado.
É essa “área conexa” que poderá ganhar uma interpretação mais abrangente para permitir a aprovação, me disse uma fonte da companhia. Se isso acontecer, o risco de judicialização será enorme, porque qualquer acionista poderá contestar a medida.
No mercado, gestores tinham sentimento de incredulidade e resignação de que as intervenções vieram para ficar. Por isso a queda das ações ontem aqui no Brasil e nos Estados Unidos. Essa percepção irá se refletir sobre o valor da companhia no longo prazo, embora no curto prazo o momento ainda seja favorável, pelos preços elevados do petróleo que irão engordar o caixa da empresa.
Ainda assim, para quem se iludiu com uma suposta agenda liberal deste governo, ficou provado mais uma vez que tudo não passou de uma enorme cortina de fumaça.
25/5/2022
Este post pertence à série de textos e compilações “Livrar o Brasil de Bolsonaro”.
A série não tem periodicidade fixa.
Ou livramos o Brasil de Bolsonaro, ou Bolsonaro vai conseguir livrar o Brasil da democracia. (12)
No desgoverno de B., o ministro que entra é sempre pior que o que sai. (11)
2 Comentários para “Livrar o Brasil de Bolsonaro (13)”