Livrar o Brasil de Bolsonaro (12)

Bradar que está libertando o Brasil da “velha política”, ao lado de Fernando Collor de Mello e de políticos do Centrão, como Jair Bolsonaro fez na terça-feira, 17/5, no interior de Sergipe, seria até engraçado se não fosse patético, grotesco, idiota, boçal – e mentiroso.

Entrar com notícia-crime no Supremo Tribunal Federal alegando que o ministro Alexandre de Moraes cometeu “abuso de autoridade” por realizar “ataques à democracia” e “desrespeitar a Constituição” é tão patético, grotesco, idiota, boçal – e mentiroso – quanto a declaração feita em Propriá.

O factóide da noticia-crime não durou sequer 24 horas. Antes das 2 da tarde desta quarta-feira, 18/5, o ministro Dias Toffoli já havia rejeitado a ação. Vapt-vupt, como tinha mesmo que ser.

Imediatamente, Bolsonaro insistiu em tentar reavivar o mesmo factóide: vai acionar a Procuradoria-Geral da República – a dócil, servil PGR do lambedor-geral de botas Augusto Aras – para que investigue o ministro Alexandre de Moraes.

É tudo que ele sabe fazer: criar factóides, plantar mentiras, tentar criar confusão. Preparar o golpe.

Factóides, mentiras, confusão não ajudam em absolutamente nada o país, envolvido, como se sabe, em gravíssimas crises econômicas, sociais e ambientais, com inflação sem controle, desemprego altíssimo e milhões de famílias em situação de miséria absoluta.

“O que se tem é o presidente da República, ninguém menos, anunciando diariamente – e há algum tempo – que não vai reconhecer o resultado das eleições caso seja derrotado”, diz O Estado de S. Paulo em editorial nesta quarta-feira, 18/5. “A democracia, afinal, prevalecerá, mas se até a eleição Bolsonaro não for contido por quem tem a prerrogativa de fazê-lo, o País estará prestes a viver seus dias de maior tensão institucional e social em muitas décadas. É tudo o que Bolsonaro quer.”

A democracia prevalecerá mesmo?

A questão mais premente hoje – em vez de ser a fome, o desemprego, a inflação – é a ameaça perene, eterna, diária de que aí vem o golpe.

A questão mais premente hoje é saber se haverá mesmo o golpe.

Que estamos em “estado de golpe”, isso a imprensa já vem demonstrando. Mary Zaidan usou essa expressão em artigo no Blog do Noblat dois domingos atrás, em 8/5.

A questão agora é saber com quantas divisões Bolsonaro de fato conta. Com quantos generais, almirantes, brigadeiros.

Infelizmente, já chegamos a este ponto.

Em artigo no Globo da segunda-feira, 16, Carlos Andreazza dá um panorama absolutamente sombrio: “Quando admitiremos, à luz da coleção de fatos robustecida dia após dia, que as Forças Armadas — zelosas de caráter interventor assaltado à Constituição — estão fechadas com Bolsonaro?”

Já no Globo desta quarta, Vera Magalhães tem outra visão, outra perspectiva. Segundo ela, juntos, Senado e Judiciário estão reagindo aos ensaios de golpe. E mais: “Generais deixaram claro em conversas recentes que não darão apoio a tentativa alguma de empastelar o pleito” de outubro.

Esta 12ª coletânea da série “Livrar o Brasil de Bolsonaro” traz as íntegras do editorial do Estado e dos artigos de Carlos Andreazza e Vera Magalhães.

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O presidente está nervoso

Editorial, O Estado de S.Paulo, 18/5/2022

A proximidade das eleições está mexendo com os nervos do presidente Jair Bolsonaro. A bem da verdade, sereno ele nunca foi. Mas, a julgar por sua postura ainda mais irascível nas últimas semanas, parece que a estagnação nas pesquisas de intenção de voto tirou Bolsonaro do prumo. Talvez não contasse com esse quadro a cinco meses da eleição.

No dia 16 passado, durante um evento organizado pela Associação Paulista de Supermercados (Apas), em São Paulo, o presidente voltou a ameaçar com uma sublevação caso seja derrotado nas urnas em outubro. Aos berros, comparou o atual momento do País com aquele que antecedeu o golpe militar de 1964. “Os que tentaram nos roubar em 64 tentam nos roubar agora. Lá atrás, pelas armas. Hoje, pelas canetas”, afirmou o presidente à plateia de empresários.

À luz da razão, essa fala de Bolsonaro não tem pé nem cabeça. O Brasil de 2022 em absolutamente nada se aproxima do Brasil de 1964. Nem o mundo é o mesmo. Das duas uma: ou a comparação provém de uma mente perturbada, alheia à realidade, ou é pura tática eleitoral. Ainda que o presidente de vez em quando pareça perturbado, é mais seguro apostar na segunda opção.

Bolsonaro não está nervoso pelas razões que afligiriam qualquer presidente digno do cargo: a fome de milhões de seus concidadãos, o desemprego, a alta da inflação, a falta de perspectiva de futuro em áreas fundamentais, como economia, educação e meio ambiente. Bolsonaro tem medo de perder a eleição, é isso que tira o seu sono. O próprio presidente já projeta um futuro nada bom caso seja derrotado nas urnas: “Por Deus que está no céu, eu nunca serei preso”. Ora, e quem disse que será? Acaso o presidente vê algum motivo para ser preso?

Decerto sentindo-se protegido por uma espécie de imunidade tácita, haja vista que nem o Congresso nem a Procuradoria-Geral da República (PGR) agiram como mandam as leis e a Constituição para impor limites aos ataques de Bolsonaro contra o Estado Democrático de Direito, o presidente tornou a mentir sobre as urnas eletrônicas e afirmou que as eleições de 2022 serão “conturbadas” caso não sejam “limpas”. Com essa retórica antidemocrática, Bolsonaro exerce uma espécie de “direito de espernear” preventivo. Ao fim e ao cabo, valerá a palavra final do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o resultado das eleições.

Os rompantes de fúria, as ameaças de baderna (material e institucional) e as mentiras sobre o sistema eleitoral são previsíveis à luz da tática eleitoral de Bolsonaro, que pretende, assim, inflamar sua base mais radical de apoiadores para manter, no mínimo, a chance de chegar ao segundo turno. Mas não são menos graves por isso.

O que se tem é o presidente da República, ninguém menos, anunciando diariamente – e há algum tempo – que não vai reconhecer o resultado das eleições caso seja derrotado. A democracia, afinal, prevalecerá, mas se até a eleição Bolsonaro não for contido por quem tem a prerrogativa de fazê-lo, o País estará prestes a viver seus dias de maior tensão institucional e social em muitas décadas. É tudo o que Bolsonaro quer.

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As coisas fora do lugar

Por Carlos Andreazza, O Globo, 16/5/2022

Quando admitiremos, à luz da coleção de fatos robustecida dia após dia, que as Forças Armadas — zelosas de caráter interventor assaltado à Constituição — estão fechadas com Bolsonaro? Num fechamento que não apenas abarca o ataque à credibilidade do sistema eleitoral, mas mesmo se intensifica neste que é ataque à República.

É óbvio que as Forças são usadas pelo presidente. São usadas sob autorização — estímulo — dos comandos militares. Usam-se. Servem-se. Não há submissos num arranjo de poder que configura o governo militar. Todos mui satisfeitos, os fardados comendo na frente — como lembra a reforma da Previdência que o Ministério da Defesa produziu para si.

Há uma sociedade. Os militares estão com Bolsonaro, ativamente, no projeto de golpear a instituição eleitoral — o que, repito, equivale a golpear a República. Fazem isso de barriga cheia. Essa turma tem nome e está no Planalto; ou não fomos informados de que, desde 2019, os helenos e ramos, usando estruturas públicas, GSI inclusive, operam para colher informações que subsidiem as teorias da conspiração disseminadas por Bolsonaro contra as urnas eletrônicas?

Não nos venham com esses papinhos de que militares incomodados (nunca sabemos quem são) estariam, por meio da ascensão do general Paulo Sérgio ao Ministério da Defesa, costurando, com o TSE, um antídoto à sanha corrosiva do presidente. Os fatos contam outra coisa.

Como se comporta o general que dirige o Ministério da Defesa? Agora, ele centraliza a relação com o TSE na esfera da Comissão de Transparência das Eleições. E querem nos fazer crer que isso seria bom sinal; da tentativa de esvaziamento da infiltração militar no tribunal. Pode-se esvaziá-la à vontade doravante. O estrago está feito.

Naquela ocasião, quando Braga Netto escolheu o braço que plantaria no TSE, ainda havia, no modo como se apregoou o currículo do general Portella, alguma preocupação em dar verniz técnico à jogada. Com Paulo Sérgio matando no peito, o que se informa é que nada mais será — nem sequer disfarçadamente — técnico e impessoal. O assunto é político e será tratado pelo general ministro da Defesa, o próprio espalhamento de uma instituição que, sob a leitura pervertida do Artigo 142 da Constituição, age como Poder especial da República, com alcance para intervir.

Quer entender, no mundo real, a dinâmica da queda do general Portella, apeado da tal comissão? Primeiro: cumpriu a missão. Segundo: é alguém ligado a Braga Netto. Há disputas políticas no interior do governo militar. Braga Netto botou seu homem no TSE e foi ser candidato a vice. Rei morto. Rei posto. O rei posto sendo também o que, convidado e legitimado como interlocutor em matéria eleitoral, fala de igual para igual com os Poderes. Para que intermediários? As questões diabólicas, conjunto cuja essência se resume em “a Justiça Eleitoral brasileira é desonesta”, já resultaram. Nunca precisaram de respostas. Agora é só avançar.

É maio de 2022. Vão-se três anos e cinco meses de um governo que sustenta estado permanente de confronto e instabilidade, para o que sempre colaboraram os militares. Não existe, nunca existiu, ministro da Defesa moderado de Bolsonaro. Ou se é moderado, ou se é ministro da Defesa de populista autocrata. Não dá mais para embarcar na de “Paulo Sérgio é o novo Fernando Azevedo e Silva” — até porque Azevedo e Silva jamais foi moderado.

Ou se é ministro da Defesa moderado, ou se sobrevoa, com o presidente, em helicóptero camuflado, manifestação pedindo “intervenção militar com Bolsonaro no Poder”? Isso foi em maio de 2020.

Quem era o comandante do Exército quando Pazuello, general, subiu em carro de som para — em afronta aos códigos militares — discursar em ato de campanha eleitoral antecipada de Bolsonaro? Paulo Sérgio. E o que ele fez? Colocou os seus no devido lugar ou ignorou o regramento e passou adiante a mensagem de que militar podia ser agente político?

Os coturnos estão sobre a mesa da atividade política.

Que norte para a moderação encontra-se na forma e no conteúdo com que o general reagiu à fala do ministro Barroso — observação tão correta quanto atrasada — sobre estarem as Forças Armadas orientadas a desqualificar o sistema eleitoral? Barroso não deveria ter falado. Muito menos deveria ter reagido o ministro da Defesa. Mas ele é agente político cujo “âmbito das competências” há muito deixou de ser sugestão ambígua.

“As forças desarmadas”, como Fachin definiu quem cuida de eleição, não é só sacada esperta. É expressão que coloca, ao menos em palavras, as coisas no lugar, já que um dos componentes que distinguem e fundamentam a jactância militar como Poder interventor é a condição armada. Exatamente uma das razões por que militar não pode se meter em política.

As coisas — as armas — não estão no lugar. Não fingir que estão ajuda.

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A hora da contenção

Por Vera Magalhães, O Globo, 18/5/2022

É muito alentador que líderes do Senado e ministros do Supremo tenham, finalmente, começado a se mexer para reagir aos ensaios de golpe que Jair Bolsonaro pratica em praça pública todos os dias. Que bom que aconteceu a tempo.

A dúvida é que instrumentos esses entes institucionais terão para atuar na contenção. A chave, quando se conversa com esses atores, é entender até que ponto as Forças Armadas estão embarcadas na teoria conspiratória que Bolsonaro inventou para desacreditar o processo eleitoral brasileiro.

Nesse aspecto, próceres do Senado se sentiram mais confortáveis nos últimos dias por informações que receberam do Alto-Comando, de generais que deixaram claro em conversas recentes que não darão apoio a nenhuma tentativa de empastelar o pleito.

Também têm sido medidos os humores do presidente da Câmara, Arthur Lira, e dos ministros políticos dos partidos que estarão na aliança de Bolsonaro. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, tem sido firme em incluir Lira no rol dos que não aceitarão nenhuma tentativa de quebra de normalidade democrática nem de questionamento do resultado das urnas.

Ouvi de um dos participantes das cada vez mais frequentes e graduadas conversas sobre os possíveis caminhos pelos quais Bolsonaro pode tentar tumultuar o ambiente eleitoral que ninguém que vá disputar o voto em outubro —a não ser aqueles cuja existência política depende exclusivamente do bolsonarismo — aceitará questionar a própria eleição.

Lira, segundo essas forças, tem deixado claro que o limite da aliança do Centrão com o presidente é a aceitação, pelos dois lados, de que o “contrato” entre eles vale para administrar agora e para disputar as eleições, não para depois, nem para a hipótese de Bolsonaro tentar melá-las, o que representaria “quebra” desse acordo.

Num certo sentido, o fato de essas forças da velha política terem dominado boa parte da execução do Orçamento seria um “lastro”, no entendimento dos que têm conversado sobre a necessidade de fazer frente aos planos golpistas do presidente, de que ele será abandonado e contido caso decida ir além da bravata cotidiana e intolerável.

Desembarcados os generais do Alto-Comando (ainda que uma parte das Forças Armadas esteja perigosa e irremediavelmente disposta a caminhar com Bolsonaro), afastada a hipótese de amparo político do Centrão, resta a incógnita de como reagiriam o mundo e o dinheiro caso o presidente estique a corda.

Esses senadores e ministros do STF têm sondado os humores de embaixadas, empresas e bancos em busca da resposta. Têm ouvido que, diferentemente de 1964, não há clima possível para que qualquer país democrático aceite uma tentativa de ruptura num país do tamanho do Brasil.

Da mesma forma, bancos, investidores, empresas, mesmo parte da imprensa, que de alguma forma assistiram à tomada de poder pelos militares em 64 e aceitaram algumas das premissas, por mais falsas que fossem, não se coadunarão com a balela de que urnas que vêm elegendo presidentes, governadores, senadores, deputados e vereadores desde 1996, inclusive toda a família Bolsonaro, seriam suscetíveis a fraudes só porque ele teme perder a eleição ou ver a si e/ou aos filhos julgados e presos.

A contenção, portanto, está em curso. Nas necessárias falas de repúdio, mas também nas mais estratégicas conversas em que cenários são traçados e limites pactuados.

Nada disso nos livrará do calvário de aguentar por mais de quatro longos meses que nos separam do dia da eleição os ataques de Bolsonaro ao direito supremo do povo de escolher quem vai governá-lo. Mas significa que parecem estar chegando ao fim os dias em que ministros, empresários e generais seriam plateia silente desse golpismo que a cada dia tentava ganhar uma casa no tabuleiro. Parece haver democratas em Brasília.

18/5/2022

Este post pertence à série de textos e compilações “Livrar o Brasil de Bolsonaro”.

A série não tem periodicidade fixa.

No desgoverno de B., o ministro que entra é sempre pior que o que sai. (11)

Em apenas dois dias, várias notícias terríveis na economia, na área ambiental, na destruição do Estado republicano. (10)

Um comentário para “Livrar o Brasil de Bolsonaro (12)”

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