Neste domingo em que fiéis da seita satânica de Jair Bolsonaro fizeram manifestação em Brasília carregando caixões, possivelmente para comemorar que o Brasil passou Itália e Espanha em número de infectados pelo novo coronavírus, e agora é o terceiro do mundo nesse campeonato mundial macabro, uma notinha de jornal serviu para deixar a gente ainda mais triste.
“Lula concorda com a tese de FHC sobre o inimigo em comum, Jair Bolsonaro: hoje, não há a menor possibilidade de o Congresso aprovar um impeachment. Faltam o impulso das ruas e ambiente político, na avaliação de ambos.”
Está na coluna de Lauro Jardim, em O Globo. E prossegue:
“Para Lula, o adversário não apenas se segura, como avança sobre o seu espólio. Avalia que, no campo político, Bolsonaro marcou gols importantes. Lula prevê que a distribuição dos R$ 600 durante a pandemia vai empurrar para os braços do capitão uma parcela importante do eleitorado petista. Não é por outro motivo que Bolsonaro pensa em manter o auxílio por mais tempo, para desespero de Paulo Guedes.”
É desalentador. É de sentar no meio-fio e chorar – se é que fosse permitido sair de dentro de casa pra sentar no meio-fio e chorar.
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Mas, felizmente, na mesma edição de O Globo, há o artigo de Míriam Leitão.
E, no Blog do Noblat, e também aqui no 50 Anos de Textos, há o artigo de Mary Zaidan.
O artigo de Míriam Leitão nos dá um pouco de alento, um pouco de esperança, depois de ler essa ducha fria que é a nota de Lauro Jardim.
Não tanto ducha fria por causa de Lula. Lula se demonstrar descrente em processo de impeachment de Bolsonaro é o esperado. Porque Lula, a gente sabe, não quer saber de impeachment de Bolsonaro. Para Lula, vale aquele velho ditado: quem é inimigo do meu inimigo é meu amigo. Como o inimigo de Lula é Sérgio Moro, Bolsonaro é amigo.
Não é apenas porque são almas gêmeas, Lula e Bolsonaro – um tanto trogloditas, rústicos, toscos, um tanto (ou muito) chegados a um autoritarismo, um centralismo democrático, a uma voz do dono, a um machismo Idade da Pedra. Não é apenas porque a rigor defendam as mesmas idéias obtusas – Estado grande, forte, poderoso, que tudo pode, danem-se as contas públicas, e todo apoio às catigoria qui vota ni nóis, e qui nóis se reeleja pra todo o sempre.
É sobretudo porque Moro é o inimigo – e portanto eles hoje exibem abertamente, sem pejo algum, que são aliados. Lula e o anti-Lula não têm vergonha de demonstrar que são unha e carne – a tal ponto de o ex-presidente sair fazendo declarações pró-Bolsonaro em alto e bom som chamando Moro de traidor.
Ducha fria é por ver uma notinha que identifica FHC com Lula, que diz que os dois estão sintonizados na descrença do impeachment.
Dá ânsia de vômito qualquer coisa que tente jogar Lula e FHC no mesmo balaio.
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Houve ainda outro motivo de desalento nos jornais deste domingo. Nem tive ânimo para ler a matéria atentamente, mas Mary me chamou a atenção para ela. Está no Estadão, e é assinada por Andreza Matais e Rafael Moraes Moura. O título e o olho são uma injeção de desânimo na veia: “Investigadores não vêem até agora crime de Bolsonaro. Avaliação de quem tem acesso ao inquérito no STF é que potencial de estrago das denúncias de Moro é mais político que jurídico.”
Ainda bem que existem Miriam Leitão e Mary Zaidan.
“Seja como for, com ou sem vídeo, Bolsonaro está nas cordas”, escreve Mary. ”Não por outro motivo, aumenta o tom e acelera o risco-país. Não o econômico, há muito já debilitado, mas o institucional. (…)
“O presidente Jair Bolsonaro cometeu crimes de responsabilidade”, escreve Miriam. “Vários. Ele tem ameaçado a federação, tem infringido o direito social à saúde, ameaça o livre exercício do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. Tanto a lei que regulamenta o afastamento do presidente, a 1079/1950, quanto a Constituição Federal estabelecem o que são os crimes de responsabilidade.”
Lula, esse é absoluto pulha, sabemos muito bem. Vê o universo a partir de seu umbigo. Todos os seus movimentos são pensados única e exclusivamente visando ao seu próprio benefício, a ele ficar bem na foto, a ele receber votos na eleição seguinte.
FHC é um político ponderado, cauteloso. Vai devagar, prefere só pisar em terreno firme. É preciso respeitar sua cautela.
Mas a verdade é que – bem ao contrário do que a notinha de Lauro Jardiz diz que é o pensamento de Lula e FHC -, é preciso afastar jair Bolsonaro da Presidência da República. Já. O quanto antes.
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Bolsonaro entre artigos e incisos
Por Míriam Leitão, O Globo, 17/5/2020
O presidente Jair Bolsonaro cometeu crimes de responsabilidade. Vários. Ele tem ameaçado a federação, tem infringido o direito social à saúde, ameaça o livre exercício do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. Tanto a lei que regulamenta o afastamento do presidente, a 1079/1950, quanto a Constituição Federal estabelecem o que são os crimes de responsabilidade. Impeachment é um julgamento político, e quem estiver na presidência precisa apenas de 172 votos para barrá-lo. O inquérito na PGR investiga se ele cometeu outros crimes. Até agora os depoimentos e contradições enfraqueceram a defesa do presidente. O procurador-geral da República, Augusto Aras, pode querer muito arquivar o inquérito, mas os indícios aumentam a cada dia.
Bolsonaro pode enfrentar um processo de impeachment no Congresso, se o deputado Rodrigo Maia der início. Há elementos para embasar um pedido de interrupção de mandato por crime de responsabilidade. O Congresso pode fazer isso ou não. É processo longo e penoso. Mas se não ocorrer, a explicação não estará em falta de crime, mas sim em algum insondável motivo que pertence aos desvãos da política.
O artigo 9º da lei 1079 estabelece em seu inciso 7 que é crime contra a probidade da administração “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”. Decoro que ele quebrou inumeráveis vezes. No inciso 5, “infringir no provimento de cargos públicos, as normas legais”. O que está sendo revelado no inquérito da suspeita de interferência na Polícia Federal dá várias razões para se concluir que ele tentou ferir esse dispositivo da lei. O artigo 6º caracteriza os crimes contra o livre exercício dos poderes constitucionais. O primeiro inciso fala em “tentar dissolver o Congresso Nacional” ou “tentar impedir o funcionamento de qualquer das Câmaras”. O presidente Bolsonaro já participou de atos que explicitamente pedem o fechamento do Congresso, em faixas e palavras de ordem e nos motivos da convocação. Discursou dizendo que acreditava nos manifestantes e afirmou que as Forças Armadas estavam com eles, em clara ameaça ao país. No artigo 7º, a lei de 1950 define o crime contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais. Nele, o inciso 9 indica: “violar patentemente qualquer direito e garantia individual.” Nesse ponto se enquadra a violação do direito à saúde, quando ele prega diariamente contra as medidas recomendadas por todas as autoridades sanitárias do mundo e todos os especialistas brasileiros em saúde pública.
No artigo 85 da Constituição Federal são considerados crimes de responsabilidade os atos do presidente que atentem contra: “a existência da União.” Bolsonaro foi do “aqueles governadores paraíba” até a conclamação dos empresários para jogar pesado contra os governadores porque “é guerra”. Isso atenta contra a União. “O livre exercício do Poder Legislativo e do Poder Judiciário”. Com as manifestações pedindo fechamento do Congresso e do Supremo, o que fez Bolsonaro? “O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais”. Ele os fere insistentemente.
Mesmo se for arquivado, o inquérito na PGR pode fornecer elementos para sustentar um processo de impeachment. Interferir na polícia judiciária afeta o próprio livre exercício do Poder Judiciário.
A lei 1079/50 foi muitas vezes analisada durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma. Ela foi acusada pelo artigo 10, que define “os crimes contra a lei orçamentária”. A Constituição também, no artigo 85, fala dos crimes orçamentários. Depois que passa, fica na memória pouca coisa, o registro é de que ela errou no Plano Safra, baixou decretos de criação de despesa sem a prévia autorização do Congresso. Mas foi mais. As pedaladas são apenas a palavra que a crônica política criou. Dilma caiu porque arruinou a economia, criou uma recessão que perdurou por dois anos, fez uma escalada de desemprego, abriu um rombo nas contas públicas e usou os bancos públicos para pagar despesas orçamentárias. Ela fez gestão temerária na economia. Eu achava naquela época, acho agora.
Desconhecer os crimes muito mais graves cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro é aceitar um perigo infinitamente maior. Não se trata de ameaça à economia. Agora é a democracia que corre riscos. Com Alvaro Gribel (de São Paulo)
17/5/2020
A foto é de Pedro Ladeira/Folhapress
Um lembrete: esta série de textos e compilações “Fora, Bolsonaro” não tem periodicidade fixa.
Não adianta apelar para o bom senso – ele não sabe o que é isso. É preciso pôr para fora. (17)
É sempre importante lembrar: os alemães acharam que um doido varrido não iria longe. (16)
Esperava-se dos generais bom-senso, não “adulação de avós condescendentes com diabruras”. (15)
Até quantos mortos por dia o país vai esperar para botar Bolsonaro para fora? (14)
É preciso concentrar o foco no que importa: tirar Bolsonaro. (13)
4 Comentários para “Para presidente criminoso, impeachment”