Mais mito. E mais perto do impeachment

No dia 22 de abril, contavam-se 2.906 brasileiros mortos pela Covid-19; havia 45.755 infectados, e a curva era terrivelmente, horrorosamente ascendente. Durante a longa reunião ministerial, no entanto – como mostrou o vídeo, liberado exatamente um mês depois, nesta sexta-feira, 22 de maio –, o presidente Jair Bolsonaro não falou uma frase sequer que demonstrasse preocupação com o avanço da pandemia, o número de doentes, de mortos.

Em duas horas de reunião, Bolsonaro e seus ministros demonstraram que não dão a menor importância para a vida das pessoas.

Esse foi um dos pontos que mais me pareceram mais importantes no vídeo da reunião – e abri com ele este texto porque é especialmente chocante, apavorante, a forma com que Bolsonaro e seus ministros demonstraram seu desprezo pela vida dos brasileiros. No meio da mais grave crise sanitária o país e o mundo enfrentam em 100 anos, o governo escancara que não está preocupado em encontrar formas de minorar o sofrimento das pessoas.

A preocupação do presidente é obter informações para impedir que as entidades que cuidam da lei e da ordem fodam seus parentes e amigos. Um ministro quer é que ninguém mais fale em “nações indígenas” e que sejam presos os membros do Supremo Tribunal Federal. Uma ministra quer é que sejam presos governadores e prefeitos que tentam proteger as populações de seus estados e municípios contra a Covid-19 – e que não venha a Justiça defender o aborto, esse procedimento em defesa da mulher que é legalizado em mais de 60 países, inclusive quase todo os mais desenvolvidos.

De 22 de abril para 22 de maio o número de brasileiros mortos pelo novo coronavírus saltou de 2.906 para 21.048, e o de infectados, de 45.755 para 330.890. Já somos o país com o maior número absoluto de infectados, atrás apenas dos Estados Unidos, que tem uma população cerca de 50% maior que a brasileira.

Ao longo deste mês, não houve qualquer mudança para melhor nas preocupações de Bolsonaro, das ações de seu governo. O presidente tem duas idéias fixas a respeito da pandemia: parar com os procedimentos de isolamento social, defendidos por todos os médicos do mundo, e liberar o uso de cloroquina, medicamento que não ajuda no tratamento e só tem contra-indicações.

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Outro ponto:

A interferência, a vontade clara, manifesta, de interferir na Polícia Federal está absolutamente exposta. Não poderia ser mais nítida. “Vou interferir nos Ministérios, sem exceção.” “Eu não sou informado. Por isso vou interferir.” “Tenho a PF que não me dá informação.”

“Tenho a PF.” Exatamente como Lula, seu irmão siamês, seu sósia e agora seu parceiro na luta contra Sérgio Moro, ele demonstra claramente que não sabe distinguir entre o que é dele e o que é do Estado. Qual Luís XIV, acha que o Estado é ele, que a PF é dele.

Mas o que importa neste momento é isso: o vídeo da reunião deixa absolutamente claro que Bolsonaro tentou e tenta interferir na PF, assim como diz que interferiu no Inmetro, assim como quis interferir na Polícia Rodoviária Federal, assim como quis interferir na Receita Federal – sempre para proteger sua família e seus amigos.

Se, ao final das diligências pedidas pelo ministro Celso de Mello,  o procurador-geral da República vai pedir um inquérito para apurar os fatos, ou se vai passar para a História como o lambedor-geral de saco do presidente, não dá para saber.

Mas que o vídeo comprova que houve tentativa de interferência na PF, disso não há dúvida.

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Um terceiro ponto impressionante do vídeo de que o país tomou conhecimento hoje: Jair Bolsonaro disse com todas as letras que tem um sistema particular de informações.

O ex-secretário geral da Presidência e um dos primeiros apoiadores da campanha de Bolsonaro, Gustavo Bebianno, acusou Carlos Bolsonaro de tentar criar uma Abin paralela – algo que seria absoluta, flagrantemente ilegal, inconstitucional.

Não dá para saber se o sistema particular de informações de Bolsonaro é a Abin paralela criada por Carluxo Zero Dois, aquele gênio da raça – mas Bolsonaro afirmou com todas as letras que tem um sistema particular de informações. Todo o resto é uma porcaria, disse ele. Todo o sistema de informação da República Federativa do Brasil só desinforma, disse ele. “O meu particular funciona.”

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Um quarto ponto – quarto apenas porque estou apresentando em quarto lugar. Não há ordem de importância, aqui. Todos esses pontos que me impressionaram na reunião ministerial de 22 de abril são igualmente importantes, e apavorantes.

Um quarto ponto: ao defender abertamente, claramente, que a população se arme, Bolsonaro demonstra da maneira mais cabal que já havia feito até hoje que ele de fato não tem a menor noção de como funciona o sistema democrático, do que representa exatamente a democracia.

Bolsonaro imagina o mundo como o Velho Oeste dos filmes americanos. A força das armas, a Justiça que se faz linchando o ladrão de cavalos.

Não consegue admitir que a civilização leva a que haja uma instituição que cuide da Justiça, e outra instituição que crie leis. Não cabe na cabeça tosca, pequena, miúda dele a existência de Legislativo e Judiciário. Ele acha que ele e aquele grupo de gente que ele nomeou e estava ali participando daquele espetáculo degradante são os xerifes que vão botar ordem no saloon, com o auxílio dos milicianos amigos.

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O outro ponto que quero destacar é amplo demais. É o que a exibição daquele show de horrores para o país vai produzir.

Uma coisa é absolutamente certa: Bolsonaro se fortaleceu ainda mais entre os que já eram convertidos, entre os que já eram fanatizados.

É agora mais mito que era antes.

Já vi gente boa dizendo nas redes sociais que depois da exibição do vídeo Bolsonaro já está reeleito.

Besteira brava. Bolsonaro ficou ainda mais mito entre quem já babava por ele. Uns 25% da população. Talvez 30%. Não mais que 32%, na pior das hipóteses. Isso não elege ninguém.

Acho – e seguramente um eventual leitor poderia dizer que sou otimista – que essa exibição de truculência, brutalidade, baixaria, falta de simpatia pelos parentes dos atingidos pela pandemia, falta de planejamento, falta de qualquer tipo de bondade, de vontade de fazer o bem deixa o governo ainda mais isolado e mais enfraquecido do que ele era uma semana atrás.

A exibição desse circo de horrores deixa Bolsonaro politicamente mais frágil.

Acho que o vídeo tornou a abertura de um processo de impeachment uma possibilidade mais próxima.

22 e 23/5/2020

Um lembrete: esta série de textos e compilações “Fora, Bolsonaro” não tem periodicidade fixa.

Para presidente criminoso, impeachment. (18)

Não adianta apelar para o bom senso – ele não sabe o que é isso. É preciso pôr para fora. (17)

É sempre importante lembrar: os alemães acharam que um doido varrido não iria longe. (16)

Esperava-se dos generais bom-senso, não “adulação de avós condescendentes com diabruras”. (15)

Até quantos mortos por dia o país vai esperar para botar Bolsonaro para fora? (14)

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