O que vai parar o louco perigoso, o terrorista?

Um louco nos governa. O país já está anestesiado pelas atrocidades diárias do presidente da República. Um presidente da República que comete crimes diariamente e não é impedido de fazê-lo ou porque os que o cercam, seus ministros e seu vice, são cúmplices, ou porque os que tentam têm à sua disposição instrumentos legais e institucionais que não são capazes de lidar com a sanha autoritária e genocida que Jair Bolsonaro já não faz questão de esconder.

O que vai pará-lo? Ou vamos assistir inertes a uma escalada que não tem limites?

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Gostaria muito de ter escrito cada uma das frases acima. São de duas jornalistas admiráveis – Míriam Leitão, em sua coluna do sábado, 13/6, no  Globo, e Vera Magalhães, no Estadão. Assino embaixo de todas essas afirmações – assim como, tenho a certeza, assinariam embaixo os 70% da população que não aprovam esse desgoverno.

Um louco nos governa – um louco tão louco que é capaz de sugerir aos seguidores que invadam hospitais para fotografar e comprovar a tese dele de que há leitos de sobra, de que a pandemia é um exagero da imprensa, de que a doença não passa de uma gripezinha.

Não é um louco manso. De forma alguma. É um louco perigoso, uma ameaça à sociedade mesmo se o país navegasse em águas calmas, cristalinas. Uma ameaça gigantesca num momento em que o país enfrenta a mais grave crise sanitária dos últimos 100 anos.

Não ter um presidente da República que saiba governar, que lidere o país, que seja o responsável pela coordenação dos esforços contra a pandemia já seria um horror. Mas o que temos é milhares de vezes pior: um presidente que só atrapalha os esforços de governadores, prefeitos, secretários de saúde e todos os profissionais da área médica.

Temos no Palácio do Planalto um louco raivoso que atenta contra a saúde da população com a mesma contundência com que atenta contra a Constituição que jurou defender. Um “mau militar”, como perfeitamente sintetizou o então presidente Ernesto Geisel, o ditador que, enfrentando os maus militares, a “linha dura” dos que defendiam a tortura e o assassinato dos oponentes nos porões dos quartéis, encaminhou o país para a “abertura ampla, geral e irrestrita”.

Nos seus tempos de farda, Bolsonaro remou contra a abertura de Geisel, e propôs a seus colegas explodir bombas em locais estratégicos do Rio de Janeiro como forma de protesto contra os baixos soldos dos militares. Foi condenado no primeiro julgamento pela Justiça Militar – e,  no segundo julgamento, escapou da prisão mas foi forçado a deixar o Exército.

Terrorista desde sempre, Bolsonaro, em apenas 15 meses como presidente da República, vem conseguindo explodir a dignidade com que as Forças Armadas vinham se comportando nas últimas 3 décadas e meia, após o final da ditadura.

Na noite da sexta-feira, 13/6, avançou um pouco mais em seu plano de rasgar a Constituição e dinamitar a democracia: juntamente com seu vice, Hamilton Mourão, e o ministro do Exército, Fernando Azevedo e Silva, assinou uma nota oficial em que ameaça não obedecer a eventuais decisões do Legislativo ou do Judiciário que o desagradem.

Se não gostar de uma decisão dos outros dois poderes, ele não obedece.

Como sintetizou Eliane Cantanhêde no Estadão deste domingo, 14/6:

“Em resumo, portanto, temos que o presidente, o vice e o ministro da Defesa anunciam ao País que não aceitam julgamentos do STF, do TSE e do Congresso. Não porque eventualmente contrariem a Constituição e as leis, mas os que ameacem suas posições e interesses.”

E ela acrescenta: “E isso é álcool na fogueira de manifestações antidemocráticas.”

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Então, o que temos é um louco furioso, um terrorista desde sempre, que jamais construiu absolutamente nada na vida – em 28 anos como deputado federal, jamais apresentou um projeto de lei –, que não ajuda no combate à pandemia, e, muito ao contrário, atrapalha, e atrapalha muito, e faz ameaças diárias à democracia.

E aí repito o questionamento feito por Vera Magalhães:

“O que vai pará-lo? Ou vamos assistir inertes a uma escalada que não tem limites?”

Há mais de 30 pedidos de impeachment na gaveta do presidente da Câmara dos Deputados.

O que vai parar o louco perigoso, o terrorista?

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O louco que nos governa

Por Míriam Leitão, O Globo, 13/6/2020

O país já está anestesiado pelas atrocidades diárias do presidente da República. Ainda assim tomou um susto com a criminosa atitude de estimular pessoas à invasão de hospitais. Isso é crime contra a saúde pública, é perturbação da ordem e incitação à prática de ilícitos. Coloca em risco pacientes, médicos e a população. Os seguidores do presidente podem seguir a proposta e executar tal desatino. Ele avisou que encaminhará os vídeos que receber à Polícia Federal. Se o fizer, será denunciação caluniosa. O negacionismo de Bolsonaro levou-o à loucura. Um louco nos governa.

Vamos olhar as leis. O código penal estabelece o crime de pôr em perigo a saúde de outrem (artigo 132), violação de domicílio (150) , infração de medida sanitária (268), incitação ao crime (286). Atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de utilidade pública (265). Na lei de abuso de autoridade, o artigo 22 estabelece que é crime “invadir ou entrar astuciosamente ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio”, no artigo 25, obter provas, em procedimento de investigação ou fiscalização, de forma ilícita. Essa lei prevê o ato de cometer crime por meio de terceiros. Na lei das contravenções penais, artigo 42: “perturbar alguém, o trabalho, ou o sossego alheios, com gritaria ou algazarra”.

Para entrar em um hospital, em qualquer momento, é preciso apresentar documentos, passar pela segurança, saber se a pessoa pode receber visita, lavar as mãos, passar álcool gel, respeitar as restrições. Numa pandemia, todos esses cuidados aumentam. Se é crime invadir um hospital em períodos normais, imagine no meio de uma pandemia. Os governadores do Nordeste em carta o chamaram de inconsequente.

A proposta é um desrespeito aos pacientes, invasão de privacidade desses doentes, ameaça aos médicos e enfermeiros e coloca em risco a própria pessoa que o fizer, porque ela pode contrair o vírus e ser um vetor de contágio. O presidente está levando pessoas à morte com uma fala como essa.

Confesso que num primeiro momento não acreditei. Dei ao presidente Bolsonaro o benefício da dúvida. Infelizmente era verdade. O crime é agravado por ele ser o presidente da República. Ele acha que assim serão desmascarados os governadores e prefeitos, que, no seu delírio persecutório, estariam mentindo sobre os números de mortes e infectados e a respeito da sobrecarga do SUS, para ter ganhos políticos.

Bolsonaro repetiu a afirmação de que ninguém no Brasil morreu por falta de leitos ou respiradores. Está convencido de que há uma conspiração entre imprensa, governadores, Organização Mundial da Saúde (OMS), os que ele acha que são seus inimigos. Todos estariam inventando mortos. Indício claro de transtorno psíquico.

Bolsonaro voltou a atacar o “penúltimo”, que é como ele chama o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, dizendo que o número está alto agora porque Mandetta havia “dado uma inflada”. Vamos desenhar para o primeiro mandatário: quando ele foi demitido, em 16 de abril, os números oficiais eram de 1.933 mortos e de 30.449 contagiados, de acordo com o Ministério da Saúde. Ontem, estávamos com mais de 41 mil mortos e mais de 800 mil infectados. O aumento desde então foi de 20 vezes. Mesmo que todos os óbitos registrados no período do ex-ministro fossem apagados, ainda assim o país teria 39 mil mortes. Aliás, desde que o general Pazuello assumiu, as vítimas fatais pularam de 14.817 para 41.828.

Na frente desta guerra pela vida estão médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, todo o pessoal de apoio. Eles trabalham duro, diariamente, longe muitas vezes das suas famílias, com risco de contaminação, em cargas horárias pesadas, com equipamento de proteção desconfortável e insuficiente, vendo a falta de remédios, passando por momentos de estresse. Inúmeros integrantes das equipes médicas dos hospitais públicos já morreram de Covid-19. Como vítimas desta tragédia, estão os doentes, tentando se recuperar nos hospitais, ou sofrendo numa UTI entre a vida e a morte. Seus parentes estão aflitos à espera de notícias. A todos eles, médicos, pacientes, familiares, o presidente Jair Bolsonaro desrespeitou com essa imperdoável atitude de convocar seus seguidores para invadir hospitais. Que pessoa sã faria isso? Com Alvaro Gribel (de São Paulo)

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Derrotados

Por Vera Magalhães, O Estado de S.Paulo, 14/6/2020

Perdemos. O Brasil não se recuperará da derrota acachapante nesta pandemia. Caminhamos resolutos para romper a barreira de 50 mil mortes e 1 milhão de infectados relegados à própria sorte: sem ministro da Saúde, sem isolamento social em canto algum, sem estratégia, sem governos.

E com um presidente da República que comete crimes diariamente e não é impedido de fazê-lo ou porque os que o cercam, seus ministros e seu vice, são cúmplices, ou porque os que tentam têm à sua disposição instrumentos legais e institucionais que não são capazes de lidar com a sanha autoritária e genocida que Jair Bolsonaro já não faz questão de esconder. O que vai pará-lo? Ou vamos assistir inertes a uma escalada que não tem limites?

Em fevereiro, quando informei que Bolsonaro estava escondidinho no WhatsApp convocando atos golpistas contra o Supremo e o Congresso, ele mentiu e me ofendeu.

Agora, aquelas mensagens parecem coisa de criança perto do que o capitão já fez às claras, ao vivo, em rede nacional, nos palácios que ocupa como se fossem a casa da mãe Joana.

Um breve retrospecto:

O presidente já participou, de carro, a cavalo, de helicóptero, a pé ou na boleia de caminhonetes de pelo menos seis atos de natureza claramente antidemocrática. Os convocou, chancelou, festejou, apoiou e abriu a rampa do Planalto para eles;

Bolsonaro mandou censurar e maquiar os números de covid-19 no Brasil. Só recuou depois que o Supremo exigiu;

Em sua sanha persecutória, demitiu um ministro da Saúde e viu outro se demitir porque queria que eles prescrevessem remédio sem eficácia comprovada ou maquiassem os números que depois o general interino topou torturar;

Agora o presidente deu de flertar abertamente, inclusive em notas nas redes oficiais, com a interpretação golpista do artigo 142 da Constituição, com a assinatura de Hamilton Mourão e dos demais generais ministros, para tentar acossar o Supremo;

Como se não bastasse tudo isso e muito mais que não cabe em uma coluna, o presidente atingiu o suprassumo da bestialidade ao conclamar (e ser imediatamente atendido) seus apoiadores igualmente lunáticos a invadirem hospitais para filmarem leitos vazios.

Isso precisa parar. O presidente precisa ser instado, a partir de representação imediata do Ministério Público Federal ou dos partidos ao Judiciário, a se retratar de maneira inequívoca dessa última sandice que é crime contra a saúde e a ordem públicas e afronta de maneira textual vários artigos de textos legais, da Constituição à Lei de Abuso de Autoridade, passando pelo Código Penal de cabo a rabo.

É uma vergonha que ministros que se dizem democratas aceitem jogar sua biografia na lata do lixo servindo a um regime que condena o País a esses atentados diários ao bom senso, à paz social, à saúde pública e à economia, porque ninguém mais é capaz de acreditar na balela cínica de que alguém que age dessa forma tresloucada tem qualquer preocupação com empregos e crescimento.

Paulo Guedes pode até fingir que acredita que vamos voltar (voltar?) a crescer depois desse pesadelo, mas não é possível que coloque a cabeça no travesseiro à noite e não reconheça que nenhum investidor com juízo vai colocar dinheiro num País desgovernado.

E governadores e prefeitos, que tiveram do STF a delegação de cuidar das suas populações já que o governo federal não era capaz? Jogaram a toalha e resolveram também se fingir de loucos.

Reabrir a economia na base do vale-tudo, como estão fazendo de Norte a Sul, é tão criminoso quanto o show de horrores diário de Bolsonaro. As ruas abarrotadas, as filas em shoppings, as festas cobrarão seu preço em mortes e hospitais colapsados. E não será possível jogar a culpa toda em Bolsonaro. Fracassamos como País.

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Esticando a corda

Por Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo, 14/6/2020

A nota conjunta do presidente Bolsonaro, do vice Mourão e do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, é uma clara ameaça e está em sintonia com o secretário de Governo da Presidência, general Luiz Eduardo Ramos, que disse à revista Veja que é “ultrajante” falar em golpe militar, para em seguida ressalvar: “Mas não estica a corda”. A frase ficou no ar. Faltou completar: senão…

O que significa “não esticar a corda”? Enquanto a resposta não é clara, soa como advertência a um menino levado, desobediente: “Ou você se comporta, ou vai ficar de castigo, levar uma palmada”. O que nos remete às ameaças de “ruptura” e de AI-5, já alardeados por ninguém menos que o filho do presidente da República, que orna a parede da sala de jantar com a imagem de uma metralhadora.

Nos remete também às “consequências imprevisíveis” citadas pelo general Augusto Heleno contra uma decisão do STF e encampadas pelo general Fernando – que é o primeiro militar a ocupar o Ministério da Defesa e desfilou num helicóptero com Bolsonaro para saudar manifestações contra o Supremo e o Congresso. Outros militares de alta patente prestigiaram atos assim, como o próprio Ramos, que é da ativa. Do alto da rampa do Planalto, mas ele estava lá.

Quanto à nota, Bolsonaro e os dois militares dizem que as Forças Armadas estão sob autoridade suprema do presidente e não cumprem “ordens absurdas, como a tomada de poder”. E ressaltam: “Também não aceitam a tomada de poder por outro poder da República, ao arrepio das leis, ou por conta de julgamentos políticos”. Novamente, faltou: senão…

É preciso especificar, ou decifrar, o que significa dizer que as FA “não aceitam” isso ou aquilo. No caso, a tomada do poder pelo Executivo (um auto-golpe) ou por um “outro poder”. E vem o dedo em riste: um outro poder que possa fazer “julgamentos políticos”. Vale para o Judiciário, citado literalmente, já que responsável por julgamentos. E vale para o Congresso, que faz julgamentos legal e legitimamente políticos, como o que sofreu Dilma Rousseff.

Em resumo, portanto, temos que o presidente, o vice e o ministro da Defesa anunciam ao País que não aceitam julgamentos do STF, do TSE e do Congresso. Não porque eventualmente contrariem a Constituição e as leis, mas os que ameacem suas posições e interesses. E isso é álcool na fogueira de manifestações antidemocráticas.

É uma situação delicada, a ser tratada com maturidade institucional e firme consciência democrática, num momento em que o Supremo investiga a acusação do ex-ministro Sérgio Moro de intervenção de Bolsonaro na Polícia Federal, o TSE analisa oito ações contra a chapa Bolsonaro-Mourão, STF e CPMI acumulam dados sobre fake news que podem chegar ao Planalto e, na presidência da Câmara, pousam 30 pedidos de impeachment de Bolsonaro.

Com trocas de informação, pedidos de vista daqui e dali e declarações variadas contra impeachment, as instituições se autodefendem das ameaças de “ruptura” e acumulam arsenal. O TSE deu sinal verde para embolar as investigações sobre fake news num mesmo processo: no TSE, denúncias de uma máquina de robôs para disparar mentiras na campanha de 2018; no STF, a rede de ataques contra ministros, suas famílias e a própria instituição.

Quem ameaçou primeiro, porém, tem armas, arsenal literalmente mais letal. E é aí que essa guerra se torna assimétrica e nos arrepia. De um lado, a democracia, com apoios e uma resistência difusa, mas atuante, na sociedade civil. Do outro, as armas – e não só das FA. Onde Bolsonaro quer chegar? Até onde as nossas Forças Armadas se sujeitam a ir? E qual a força da munição do Supremo, do Congresso e do TSE para resistir?

14/6/2020

Um lembrete: esta série de textos e compilações “Fora, Bolsonaro” não tem periodicidade fixa.

Bolsonaro asfixia o sistema de saúde (20)

Os fanáticos aplaudem, é claro. Mas a exibição do circo de horrores enfraquece Bolsonaro. (19)

Para presidente criminoso, impeachment. (18)

Não adianta apelar para o bom senso – ele não sabe o que é isso. É preciso pôr para fora. (17)

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