Na hora, e naquele local, pareceu totalmente absurdo, inadequado, extemporâneo. No portão do Palácio da Alvorada, no meio da claque reunida para aplaudir e macaquear o presidente em sua chegada ao fim do expediente, no início da noite de segunda-feira, 16/3, o haitiano disse: – “Bolsonaro, acabou. Você não é presidente mais.”
Houve protesto imediato da claque, é claro, é óbvio. Absurdo, inadequado, extemporâneo – e, no entanto, agora, tão poucos dias depois, parece que o bravo haitiano, que não chegou a ser identificado e de quem nunca mais se ouviu falar, foi premonitório.
A frase #BolsonaroAcabou virou trend topic no Twitter já no dia seguinte, a terça, 17. Ao longo do dia, nas redes sociais surgiram convites para um panelaço contra Jair Bolsonaro na quarta, 18 – mas o povo não quis esperar. Na própria terça, às 20 horas, houve panelaços e gritos de “Fora, Bolsonaro” em vários bairros de São Paulo e do Rio e em Brasília.
Na quarta-feira à tarde o governo resolveu mostrar serviço, e Bolsonaro, cercado por oito ministros, fez uma apresentação das medidas que seu governo está tomando contra a pandemia do novo coronavírus que ele mesmo chamava poucos dias antes de “fantasia”, uma febrezinha como tantas outras, em torno da qual a imprensa criou uma história.
As cenas de Jair Bolsonaro se enrolando com a máscara descartável que todo o Brasil viu na TV – primeiro ao vivo, e depois repetidas e repetidas e repetidas nos telejornais – eram de dar inveja a Charlie Chaplin, Jerry Lewis, Didi, Dedé e Mussum.
E o panelaço que se ouviu em 22 capitais do país foi tão forte quanto as mais fortes da época do Fora, Dilma.
No bairro em que eu moro, Perdizes, na Zona Oeste de São Paulo, o protesto contra Bolsonaro durou cerca de 40 minutos.
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Nesta quinta-feira, 19, o deputado Alexandre Frota, que votou em Bolsonaro e foi eleito pelo então partido dele, o PSL, entrou com um pedido de impeachment do presidente da República junto à mesa da Câmara dos Deputados. A peça alega que Bolsonaro cometeu crimes contra a saúde pública, contra a segurança nacional e de responsabilidade.
É o terceiro pedido de impeachment de Bolsonaro encaminhado à direção da Câmara nesta semana. O primeiro foi feito na terça-feira pelo deputado distrital Leandro Grass, da Rede, e alega alguns dos mesmos crimes que a peça de Frota. Na quarta, deputados do PSOL apresentaram um segundo pedido de impeachment, que conta com o endosso de intelectuais.
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É óbvio que o fato de haver três pedidos não significa que a Câmara vá abrir um processo de impeachment. Entre dezenas de outros motivos, porque o país está em meio a uma pandemia que já matou 8 mil pessoas mundo afora, e os números aqui estão explodindo, de forma apavorante, de forma talvez até pior que na Itália e na Espanha, os dois países até agora mais atingidos, depois da China, de onde o novo coronavírus se espalhou.
Mas a verdade é que a situação política mudou tremendamente nos últimos dias.
“Hoje, está claro que Bolsonaro não é um presidente, mas um estorvo”, resumiu, de forma tão concisa quanto pertinente, o jornal O Estado de S. Paulo em editorial nesta quinta-feira, 19.
“O fato é que ele não está mais no comando”, escreveu Ascânio Seleme em artigo na página 3 de O Globo da quinta.
E escreveu mais:
“Bolsonaro não importa. Não deve ser levado a sério. Ele não conta.”
“Bolsonaro é um irresponsável.”
“Bolsonaro é um problemão, que precisa ser resolvido.”
“Ele não sabe de nada, não conta coisa alguma e não comanda ninguém além da turma ideológica que o cerca, o contamina e por ele é contaminada.”
Na página 2 de O Globo desta quinta, Merval Pereira escreveu: “Com as atitudes que tomou em relação ao coronavirus, Bolsonaro demonstrou claramente que não é preparado para a presidência da República.”
E mais:
“Ele é um péssimo exemplo, se transforma num perigo à saúde pública.”
“É de dar engulhos ouvirem-se seguidas mentiras da boca daquele que deveria representar o respeito às leis e a responsabilidade social.”
Em sua coluna no caderno de Economia do Globo, Míriam Leitão escreveu: “Mesmo com máscara, e dois ministros infectados, ele insistia em usar a palavra ‘histeria’ para a preocupação com os acontecimentos. Isso sem falar na compulsiva distorção dos fatos recentes. Bolsonaro parece que, a cada dia, esquece o que fez e disse no dia anterior.”
E mais:
“Bolsonaro desafina o tempo todo e demonstra por atos e palavras que não entendeu a dimensão do que está acontecendo, mesmo no dia em que montou o teatro para convencer o país de que ele afinal está agindo.”
Ainda no Globo desta quinta, Bernardo Mello Franco escreveu: “A cena de Jair Bolsonaro tapando os olhos com uma máscara cirúrgica, em tentativa desastrada de cobrir o nariz e a boca, produziu uma boa alegoria do drama brasileiro. Assombrado pela pandemia do coronavírus, o país se vê nas mãos de um sujeito que não consegue proteger o próprio rosto.
E continuou: “O pastelão do Planalto lembrou um quadro dos Trapalhões. A pretexto de mostrar preocupação com a doença, o capitão e seus ministros se fantasiaram de médicos. O uso cenográfico das máscaras contrariou as normas sanitárias. Em outro momento Didi Mocó, Bolsonaro desistiu do teatro e pendurou sua peça na orelha.”
Eliane Cantanhêde sintetizou no Estadão: “Há um fosso entre a realidade e o que o presidente diz.”
Seguem, abaixo, as íntegras dos artigos de Ascânio Seleme, Eliane Cantanhêde e Merval Pereira, e do editorial do Estadão.
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Bolsonaro não se emenda
Por Ascânio Seleme, O Globo, 19/3/2020.
Pronto. Bolsonaro outra vez deu um passo atrás, e lá vamos nós passar a mão na sua cabeça. A história se repete. Como um moleque bagunceiro que faz arte, depois carinha de bebê chorão, e todos acham que ele realmente se arrependeu e ficam felizes porque o menino finalmente se emendou e agora vai ser um bom rapaz. Bobagem! Bolsonaro não se emenda.
Primeiro ele convoca uma manifestação contra o Supremo e o Congresso, depois volta atrás e diz que não é bem assim. Com o coronavírus na porta, faz pronunciamento dizendo que não é hora de aglomeração. Depois, incontido e falso, vai à manifestação e se esbalda com os manifestantes. Não bastasse o gesto político, o menino travesso se agarra à turba e, mais do que se submeter ao contágio, pode estar contaminando as pessoas, já que ele é o risco. Dezessete dos seus mais próximos assessores testaram positivo, até o braço-direito general Heleno.
Mais adiante reclama da “histeria” que toma conta do país, ataca governadores por tomarem corretas medidas de controle e diz que isso atrapalha a economia, lamenta que vendedores de mate perderão seu sustento com o cancelamento de jogos de futebol e se diz preocupado com flanelinhas porque ninguém sai de casa. Todos condenam o comportamento absurdo do presidente, e ele volta atrás. Mas depois faz um post dizendo que ele e a mulher vão fazer uma festinha para comemorar seus aniversários que estão chegando. É um aloprado. Alguém tem dúvida?
Em seguida, por orientação do Ministério da Economia, manda mensagem ao Congresso pedindo autorização para decretar estado de calamidade. Com o decreto, o governo pode remanejar despesas e fazer gastos não previstos sem infringir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Medida vital num momento como este. Ah, que bom, o moleque se corrigiu, nem tudo está perdido. Seríamos tolos se acreditássemos em mais essa. O fato é que ele não está mais no comando. Bolsonaro não importa. Não deve ser levado a sério. Ele não conta.
Somos condescendentes com ele porque, afinal, se trata do presidente. Foi eleito pelo voto para governar o país. Só que não governa. Bolsonaro é um irresponsável. Fica cada vez mais claro mesmo para os que o cercam e usufruem do poder que a ele foi concedido pelos eleitores. Ministros, secretários, assessores fora do círculo infernal da família não suportam mais nem ouvir a sua voz. Suas audiências continuam acontecendo, mas muitos dos seus subordinados só vão a ele quando são chamados, não pedem despacho.
Bolsonaro é um problemão que precisa ser resolvido. E já está sendo, aos poucos. As medidas contra o vírus tomadas acertadamente pelos ministérios da Saúde e da Economia ocorrem à revelia do presidente, como o decreto de calamidade pública. Ele não sabe de nada, não controla coisa alguma e não comanda ninguém além da turma ideológica que o cerca, o contamina e por ele é contaminada.
Ontem, o capitão se materializou liderando um grupo de ministros mascarados no Palácio do Planalto. Falaram das medidas já em curso e anunciaram o decreto de calamidade pública. Foi uma pajelança desenhada para reconstruir a imagem do presidente. Ao ser perguntado sobre as declarações de histeria, disse que cumpria seu papel de tranquilizar a nação. Sobre seu encontro com os manifestantes de domingo, falou que se comportava como o líder de uma batalha. Disse que estava dando um bom exemplo e ainda jurou amor ao Congresso e ao Supremo. Francamente, alguém cai nessa?
No auge da maior crise sanitária dos últimos cem anos, nem mesmo o super esquisito Boris Johnson conseguiu superar o extra ordinário Jair Bolsonaro. Como ele, apenas o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, que no fim de semana saiu às ruas abraçando e beijando populares. Obrador faz discurso muito parecido com o do capitão brasileiro. Claro que estamos falando de um populista, como Bolsonaro, só que de esquerda. Opostos politicamente, mas iguais na estupidez. Nem Lula seria capaz de ir tão longe.
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Entre meias-verdades e puras mentiras
Por Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo, 18/3/2020
O presidente Jair Bolsonaro usou a primeira entrevista coletiva sobre a profunda crise do País e do mundo para fazer o que faz melhor: política, autopromoção, com meias verdades em meio a algumas puras mentiras. Enquanto os ministros falavam à população, Bolsonaro dirigia-se à tropa bolsonarista que teme perder.
Na questão central, sobre a liderança do chefe de Estado e o exemplo que precisa dar à sociedade, o presidente voltou a fingir que o grande problema de seu contato com manifestantes, no domingo, foi o risco de ele se contaminar. Ostensivamente, ele escapuliu do principal: o risco de contaminar centenas de pessoas, que poderiam ter efeito multiplicador na disseminação do Covid-19.
Além de tergiversar, tirou uma casquinha da pergunta para fazer o mais barato populismo em meio à crise, colocando-se como “um chefe da Nação ao lado do povo brasileiro, na alegria e na tristeza”, aventando até a hipótese de confraternizar com “o povo” num ônibus, num metrô. Se assim for, “o povo” deve seguir as recomendações das autoridades sanitárias e sair correndo.
Ontem, a lista de contaminados da comitiva a Miami subiu para 17, com os ministros Augusto Heleno (GSI) e Bento Albuquerque (Minas e Energia). Pela recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, quem tem contato com contaminados deve se isolar. Bolsonaro fez dois testes, ambos negativos, mas depois deles continuou tendo contato constante com Heleno.
O presidente também classificou manifestações como “expressões da democracia” e aproveitou para convocar duas vezes seus apoiadores para fazer panelaço pró-governo à noite e para praticar seu esporte favorito: atacar e tentar desqualifcar a mídia.
Depois de voltar a negar todas as evidências e dizer que os vídeos de convocação da manifestação do dia 15 divulgados pela colunista Vera Magalhães eram de 2015, o presidente se esqueceu de que tornou a estimular o movimento no sábado, 7/3. Jurou que nunca convocara manifestação nenhuma, assim como jurou que nunca atacou o Congresso. Aliás, enviou mensagens de paz para Legislativo e Judiciário. Deve ter muita gente achando que foi cara-de-pau… Há um fosso entre a realidade e o que o presidente diz.
Na coletiva, ele fez com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o que já fizera com o da Justiça, Sérgio Moro: mostrou quem manda. Pôs o diretor substituto da Anvisa, contra almirante Antonio Barras Torres, no meio dos ministros, com direto a ser o segundo a falar depois dele próprio e Paulo Guedes. Mandetta reagiu como Moro: passou sua fala toda _ clara e firme, a melhor da entrevista _ desmanchando-se em reverências ao presidente, a quem chamou de “grande timoneiro”.
Pois esse “grande timoneiro” reclamou que o brasileiro não tem cultura de prevenção e pediu a todos para seguirem “os preceitos” do Ministério da Saúde. Só que ele próprio nem previu ou preveniu coisa nenhuma, insistindo que o novo coronavírus era “fantasia” e “histeria” da mídia, nem seguiu os “preceitos” das autoridades de saúde ao sair do isolamento e colocar seus apoiadores em risco. É a tal história: “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”. O presidente continua numa realidade paralela.
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Espetáculo patético
Por Merval Pereira, O Globo, 19/3/2020
Foi deprimente assistir ao presidente da República, fantasiado com uma máscara medicinal que lhe caía a todo o momento da face, tentar distorcer a realidade, transformando sua irresponsabilidade em ação para tranqüilizar a população.
Diante deste quadro dantesco da pandemia do Covid-19, vem o presidente Bolsonaro dizer que sempre se preocupou com o povo, e por isso foi apertar as mãos de seus correligionários. Não é possível aceitar tamanha desfaçatez, sobretudo porque ele mente em várias dimensões.
Disse que sabia que não estava infectado, quando o exame de contraprova só foi feito no dia seguinte à manifestação. Garantiu que não há vídeo mostrando que convocara a reunião, quando sua fala em Roraima foi mostrada em jornais televisivos e circula pela internet.
Jair Bolsonaro aproveitou a coletiva de imprensa sobre coronavírus para fazer não uma autocrítica, mas um auto-elogio de seu governo, pedindo aplausos para si mesmo, o “técnico” de “um time que está ganhando de goleada”. E insistiu no erro, ao alertar: “Não se surpreenda se você me ver (sic), nos próximos dias, entrando no metrô lotado em São Paulo ou na barcaça Rio-Niterói”.
Mesmo admitindo que a pandemia é grave, disse que o país já enfrentou problemas mais graves no passado sem tanta repercussão na mídia, mas não deu exemplos. Para todos os líderes mundiais, a pandemia do Covid-19 é a mais grave de uma geração.
“Minha obrigação de chefe de Estado é antecipar os problemas e levar a verdade que não ultrapasse limite do pânico”, alegou desajeitadamente.
O panelaço de ontem à noite nas principais cidades do Brasil, que fora precedido por outro, na terça-feira, mostra que o presidente Bolsonaro já perdeu uma parte razoável de seu eleitorado na classe média.
O sinal que essa manifestação nos dá é de que o apoio ao presidente hoje é apenas de uma minoria radical. O panelaço foi parte fundamental para a criação do clima favorável ao impeachment da ex-presidente Dilma, e é uma demonstração de protesto da classe média, que começa a considerar que o governo não está atendendo às necessidades do momento.
Com as atitudes que tomou em relação ao coronavirus, Bolsonaro demonstrou claramente que não é preparado para a presidência da República. Na hora em que ele coloca o país em risco porque demora a tomar providências, fingindo que é tudo fantasia da grande mídia, chega-se à conclusão de que o presidente está fora da realidade.
Tanto assim que minimizou panelaços, e convocou outro a seu favor, mais uma vez para tentar confundir. Ao distorcer a realidade para mitigar a frustração que vem provocando em vasta parte do eleitorado que já se arrepende de tê-lo como presidente, que já se reflete nas redes sociais e nas pesquisas de opinião, Bolsonaro mostra que tem apego apenas a seus interesses eleitorais.
Esse cinismo facilmente desmascarado nos tempos atuais, em que tudo é registrado em qualquer lugar do mundo pelos novos meios, só faz aumentar o repúdio a um tipo de político que usa o povo em seu benefício. Ele é um péssimo exemplo, e se transforma num perigo à saúde pública além de ser agressivo, polêmico e ter dividido o país.
É de dar engulhos ouvirem-se seguidas mentiras da boca daquele que deveria representar o respeito às leis e a responsabilidade social, especialmente neste momento em que, além dos problemas inerentes à pandemia, vemos escancarada nossa desigualdade social extrema, que nos traz mais graves dificuldades para cuidar da saúde pública.
A rápida disseminação do vírus Covid-19 ameaça a todos, mas principalmente aos mais pobres, que moram amontoados em comunidades sem esgotamento sanitário ou limpeza pública. Esses precisam, além do dinheiro que o governo acertadamente vai distribuir, do exemplo do presidente da República para resistirem a esses tempos muito duros que temos pela frente.
Não precisamos de um espetáculo patético de ministros mascarados sem necessidade, só para fazer fotos.
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Com os nervos à flor da pele
Editorial, O Estado de S. Paulo, 19/3/2020
Num gesto espontâneo, cidadãos foram à varanda de seus apartamentos na noite de terça-feira em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Brasília e outras cidades para protestar contra o presidente Jair Bolsonaro.
São brasileiros cansados de um presidente cujo único talento parece ser a capacidade de ampliar as crises que deveria administrar e conter. O valor simbólico dessa manifestação, independentemente de sua dimensão, é muito maior do que o ato golpista de domingo passado, em que grupos bolsonaristas, insuflados pelo presidente, foram às ruas em algumas cidades para pedir o fechamento do Congresso e a prisão de políticos e de ministros do Supremo Tribunal Federal.
No domingo, Bolsonaro festejou o que chamou de manifestação “espontânea” de seus apoiadores, e disse que lá estava o “povo”. Esse devaneio populista começou a ser desfeito na noite de anteontem, quando o presidente experimentou a exasperação sincera de quem está cansado de suas patranhas e resolveu demonstrar publicamente essa insatisfação.
Além disso, Bolsonaro vem perdendo popularidade de forma acelerada nas redes sociais, segundo a percepção do próprio entorno do presidente, como informou o Estado. Como se sabe, a única coisa que Bolsonaro leva a sério são os cliques e as interações do mundo virtual, que ele toma por real. Ante a perspectiva de perder o controle no ambiente em que até agora navegava soberano – por ter menosprezado uma epidemia letal e que está causando imensos transtornos e incertezas para todos os brasileiros –, Bolsonaro tentou parecer mais cordato. “Superar esse desafio depende de cada um de nós”, escreveu no Twitter, pregando “serenidade” e pedindo que “população e governo, junto com os demais Poderes”, somem “esforços necessários para proteger nosso povo”. Vindo de quem até horas antes se dizia vítima de um “golpe”, denunciava a “disputa de poder” por parte “desses caras”, em referência aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, e criticava as medidas sensatas dos governadores para conter a pandemia, foi um avanço. Resta saber até onde irá a “moderação” de Bolsonaro.
Na mesma frase em que pregava a união de todos para enfrentar a crise, o presidente disse que “o caos só interessa aos que querem o pior para o Brasil”. Ou seja, mesmo quando precisa demonstrar que governa para todos e no interesse coletivo, continua a valer-se de suas fantasias conspirativas para propagar sua mensagem divisionista e de ódio, com a qual construiu sua carreira política e chegou à Presidência. O lobo pode até perder o pelo, mas jamais perderá o vício.
Se estivesse realmente empenhado em se emendar e agir como presidente da República, e não como chefe de facção, Bolsonaro teria condenado categoricamente a convocação, pelas redes bolsonaristas, de uma nova manifestação governista, marcada para 31 de março, aniversário do golpe de 1964, explicitamente destinada a defender um novo golpe. Até agora não o fez. Pior: pelo Twitter, informou que ontem haveria um “panelaço” a favor de seu governo, como resposta aos protestos daqueles que, presos em suas casas por causa da quarentena imposta pela pandemia e com os nervos à flor da pele, não suportam mais um governante que tudo faz para politizar a epidemia, agravando uma situação que já é crítica.
Assim, de nada vale o mise-en-scène patético de um presidente que agora aparece com seus ministros, todos com máscaras, para tentar mostrar serviço, pois a presença de Bolsonaro já foi dispensada por aqueles que estão à frente dos esforços contra a pandemia, inclusive no próprio governo. Hoje, está claro que Bolsonaro não é um presidente, mas um estorvo. Não à toa, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que tem feito até aqui um bom trabalho, corre o risco de perder o emprego para o diretor da Anvisa, Antonio Barra Torres, um médico bolsonarista que, para agradar ao chefe, não viu nenhum risco de contaminação da covid-19 numa manifestação governista da qual participou o presidente.
Até aqui, Bolsonaro viveu de inventar crises. Na primeira crise real de seu governo, mostrou do que é feito.
19/3/2020
Ou a democracia pára Bolsonaro, ou Bolsonaro pára a democracia (3)
Ou a democracia pára Bolsonaro, ou Bolsonaro pára a democracia (2)
Ou a democracia pára Bolsonaro, ou Bolsonaro pára a democracia (1)
Um lembrete: esta série de textos e compilações não tem periodicidade fixa.
A foto de Didi Trapalhão, perdão, de Jair Bplsonaro se atrapalhando com a máscara é de Adriano Machado/Reuters.
A foto do prédio com o Fora, Bolsonaro é de Olga Pacheco/Jornal do Comércio de Porto Alegre.
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