Uma das melhores piadas de Groucho Marx, o mais genial dos irmãos que fizeram rir multidões no mundo inteiro nos anos 30 e 40 e até hoje, é aquela em que ele diz que jamais toparia pertencer a um clube que o admitisse como sócio.
Outra das suas grandes piadas tem o sentido exatamente contrário desta – e, aos comediantes, é perfeitamente permitido que sejam metamorfoses ambulantes, que digam hoje o contrário do que disseram ontem. Dos comediantes – ao contrário do que deveria acontecer em relação aos homens públicos – não se exige coerência, apenas a graça.
E então o mesmo Groucho que disse que jamais toparia pertencer a um clube que o admitisse como sócio iria dizer, em outra ótima piada: “Estes são os meus princípios. Se vocês não gostarem deles… Bem, tenho outros.”
Groucho Marx foi lembrado nesta terça-feira, 22 de dezembro, por Ancelmo Gois, em uma deliciosa notinha em sua coluna no Globo:
“Em comovente esforço, Nelson Barbosa procurava, ontem (a segunda-feira, dia de sua posse como ministro da Fazenda), palavras que acalmassem o mercado, a ponto de um cínico dizer que só faltou a ele imitar Groucho Marx (1890-1977): ‘Estes são os meus princípios, e se vocês não gostarem deles… Bem, tenho outros.’ Maldade.”
O homem público que diz uma coisa hoje e amanhã se desdiz, e amanhã se desdiz de novo, não merece respeito algum. Quem defende a cada momento uma posição, para agradar ao ouvinte da vez, demonstra simplesmente não ter princípios.
Definir-se como metamorfose ambulante é muito legal para roqueiro, não para homem público, porque deste se espera que tenha princípios, e portanto seja coerente.
Nelson Barbosa, diz editorial do Estadão desta terça, “assimilou muito bem o ensinamento do mestre Lula de que, quando se abre a boca para falar, é preciso saber bem o que as pessoas querem ouvir. Barbosa, não nos esqueçamos, orgulha-se de ser quadro fiel do PT”.
O desenvolvimentista Barbosa, o petista Barbosa, o que defendeu a tal da “nova matriz econômica” de Dilma com unhas e dentes, agora fala em cortes de gastos, ajuste fiscal.
Palavras ao vento. Palavras que não significam nada. Não têm qualquer lastro.
De resto, como diz o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, é a presidenta que define a política econômica. Argh duplo: pela presidenta, e pelo que a frase significa.
“A economista Dilma acredita em almoço grátis”, diz o editorial de O Globo desta terça-feira. A frase é de uma crueldade fantástica, descomunal – do mesmo tamanho da verdade que encerra. Economista que é economista sabe que não há almoço grátis.
O editorial do Estadão também tem uma frase perfeita: “Mas, se está muito claro o que deve ser feito para, conforme garante o novo ministro, ‘construir a estabilidade e a recuperação do crescimento’, cabe outra pergunta: por que isso não foi feito até agora?”
Sim: por que passaram 13 anos no poder e não fizeram isso até agora?
Aí abaixo vão as íntegras dos editoriais dos dois jornalões.
A rigor, elas deveriam estar no post “Nunca houve governo tão incompetente (28)”. Tratam exatamente do mesmo tema. Só não entraram nele porque o post foi feito antes de os jornais da terça-feira serem publicados. Não há como publicar no dia 21 o que só sairia nos jornais no dia 22. Isso é um truísmo tão óbvio quanto dizer que não há almoço grátis.
Só acreditam em almoço grátis, e no valor de dizer a cada momento o que aquele determinado interlocutor quer ouvir, os lunáticos, os alienistas e os absolutamente safados.
No melhor estilo petista
Editorial do Estadão de 22/12/2015
“Podem ficar tranquilos que, com o tempo necessário, vamos resolver todos os problemas.” Se dependesse apenas do industrioso e deslumbrado otimismo do novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, os brasileiros já poderiam começar a se preparar para a comemoração de uma nova e auspiciosa era de prosperidade como nunca antes vista na história deste país. Ainda em seu gabinete no Ministério do Planejamento, Barbosa recebeu o Estado com exclusividade, no sábado, para garantir que vai “aperfeiçoar a política econômica” e promover uma “retomada mais rápida do crescimento da economia”. Tudo isso com “estabilidade fiscal” e “controle da dívida pública”.
Tomadas pelo valor de face, essas declarações em nada distinguem o novo ministro de seu antecessor Joaquim Levy. É o caso, então, de perguntar: por que a troca? A primeira resposta Barbosa ofereceu claramente agora que se sentou na cadeira que há muito cobiçava: assimilou muito bem o ensinamento do mestre Lula de que, quando se abre a boca para falar, é preciso saber bem o que as pessoas querem ouvir. Barbosa, não nos esqueçamos, orgulha-se de ser quadro fiel do PT. E demonstra a habilidade retórica que nunca foi o forte de seu antecessor.
Pelo menos até agora, o ministro diz apenas o que soa bem aos ouvidos de quem lhe cobra definições. Para o mercado, mirando o futuro, ressaltou enfaticamente a importância do ajuste fiscal para colocar em ordem as contas públicas e recuperar a confiança dos investidores numa economia fortemente dependente dos desígnios governamentais. Para quem ainda cultiva o fetiche de ser de “esquerda” – ou seja, a obstinada militância petista e as organizações sociais dependentes do poder central –, preferiu falar do passado: apresentou-se com a credencial de ter participado “do período dos governos do PT em que houve crescimento da renda per capita de todos os segmentos, sendo que a dos mais pobres foi a que cresceu mais”. Esse é o estilo lulopetista do novo ministro da Fazenda.
Ao nomear Joaquim Levy, um ano atrás, com a missão precípua de botar em ordem as arrombadas contas do governo, Dilma Rousseff tinha consciência da falência da política econômica sustentada pela gastança para promover o crescimento da economia via aumento do consumo. Essa “nova matriz econômica” fora concebida ainda no governo Lula, quando havia dinheiro sobrando para gastar graças à combinação de um mercado internacional generoso com os fornecedores de matéria-prima com uma política fiscal ainda minimamente fiel aos fundamentos do indispensável equilíbrio. Já no início do segundo mandato de Dilma o reajuste fiscal era a prioridade número um, porque era preciso colocar o pé no freio da gastança.
Mas como colocar isso na cabeça de quem entende que o governo tudo pode e, portanto, basta ter vontade política para custear todas as justas reivindicações populares? Foi aí que Dilma, já complicada na área política por suas próprias lambanças, passou a ser fortemente pressionada por seu criador, que não perdia ocasião para gritar: “Fora Levy”.
Levy não deu conta do recado e agora temos Barbosa. Ele é um “desenvolvimentista” – seja lá o que isso quer dizer – que, aparentemente, tem um olhar retrospectivamente crítico sobre a tal “nova matriz econômica” de que um dia se orgulhou tanto. Pelo menos, recusa-se a ressuscitar a expressão: “Não gosto de debater política econômica com base em rótulo, estereótipo ou caricatura. A diferença entre governo e economia é que estamos aqui para resolver problemas, não para provar ou refutar teses. É importante interpretar o passado, mas mais importante ainda é aprender com os erros e com os acertos do passado”. Se for uma autocrítica sincera, ótimo!
Mas, se está muito claro o que deve ser feito para, conforme garante o novo ministro, “construir a estabilidade e a recuperação do crescimento”, cabe outra pergunta: por que isso não foi feito até agora? Em recente encontro com Dilma, Lula teria dito à pupila: “Você precisa liberar o crédito, fazer a roda da economia girar e dar notícia boa”. Parece fácil, pelo menos para Lula. É aí que reside o perigo.
A crise de confiança é maior que o desequilíbrio fiscal
Editorial de O Globo de 22/12/2015
Ao dar posse aos novos ministros da Fazenda e do Planejamento, ontem em Brasília, a presidente Dilma Rousseff resumiu o que pensa sobre a política econômica: “Precisamos ir além das tarefas de corte de gastos”, disse. “A tarefa dos ministros é, de imediato, contagiar a sociedade com a crença de que equilíbrio fiscal e crescimento econômico podem e devem ir juntos”.
Complementou, aos ministros: “Três orientações: trabalhar com metas realistas; atuar para reduzir a dívida pública de forma consistente e fazer o que for preciso para retomar o crescimento, sem guinada e sem mudanças bruscas”.
O nomeado para a Fazenda, Nelson Barbosa, se preocupara em conversar com um grupo de representantes de fundos de investimentos, em teleconferência à tarde.
Tinha seus motivos. Ele é reconhecido (e por isso mesmo, temido) como um dos artífices da “matriz econômica” incensada por Dilma, que, em boa medida, está na origem do desastre econômico dos últimos dois anos.
Barbosa se esforçou numa mensagem tranquilizadora. Afirmou que o foco continua a ser no ajuste fiscal e no combate à inflação. Informou que, no próximo ano, o governo vai se dedicar à realização da meta de superávit fiscal (primário) equivalente a 0,5% do Produto Interno Bruto. Até citou a reforma da Previdência como prioridade: “ É a reforma mais crítica do momento. Temos que ajustar o sistema à realidade da economia brasileira”.
Talvez tivesse êxito, caso não insistisse em afirmar que sua chegada à Fazenda não significa mudança na condução da política econômica. “A direção da política econômica é a mesma”, repetiu. A evidente insegurança dos agentes econômicos continuou a influenciar o recuo da Bolsa e a valorização do dólar.
O problema central é, justamente, a falta de confiança na condução da política econômica, assumida de fato desde 2010 pela presidente da República.
A economista Dilma acredita em almoço grátis. Reelegeu-se sob os fogos de artifício de intervenções desastradas em setores como o de energia e a concessão de extraordinários subsídios de bancos públicos aos eleitos pelo governo Lula como “campeões nacionais”.
A consequência foi a corrosão do caixa governamental. Uma calamitosa tentativa de remédio com pedaladas fiscais agravou a situação e resultou na crise política que está aí, depois de um biênio de recessão, expressivo aumento do desemprego e um setor industrial destroçado pela ressurrecta tática de combate à inflação pela valorização do real em relação ao dólar.
Dilma precisa resolver os desequilíbrios fiscais com urgência. Diagnóstico e terapia são conhecidos, assim como a sua resistência política.
O novo problema é que a crise de confiança no governo se tornou maior e mais profunda que a crise fiscal cevada no Palácio do Planalto.
22/12/2015
OS MURROS EM POTA DE FACA. A intolerância e seus efeitos.
Chico Buarque, que circula sempre pelas ruas do Leblon, bairro onde mora, no Rio, foi provocado na noite dessa segunda-feira por conta de seu ativismo político em favor do PT. O músico, que saía de um jantar na rua Dias Ferreira com Cacá Diegues, foi cercado por uma turma de jovens entre 20 e 30 anos, que incluía o filho de Alvaro Garnero, empresário paulista, e o rapper Tulio Dek, ex-namorado de Cleo Pires. E começou um bate boca. “Petista, vá morar em Paris. O PT é bandido”, escutou Chico, que, ao se defender, disse que a posição do grupo era influenciada por veículos de comunicação e retrucou: “Eu acho que o PSDB é bandido”. A discussão, na porta do restaurante Sushi Leblon, um dos mais concorridos da região, tomou conta da rua. Chico xingou e foi xingado, mas manteve o tom de voz baixo, apesar da alta temperatura.