Más notícias do país de Dilma (158)

Com base nos poderes que lhe são conferidos pela cara-de-pau, pela desfaçatez, pelo absoluto descompromisso com a verdade dos fatos, e valendo-se da esperteza do marqueteiro João Santana, o lulo-petismo decreta: votar contra o PT é golpe contra a democracia. E revogam-se as disposições em contrário.

Seria risível, ridículo, se não fosse perigoso, danoso, deseducativo.

O Globo escreveu em editorial:

“‘Golpe’ foi o termo usado pela própria candidata-presidente para qualificar a publicação pela imprensa de texto e áudio ‘vazados’ de depoimentos de Paulo Roberto e Youssef`ao Ministério Público e à Justiça sobre as delinquências cometidas dentro da estatal para drenar dinheiro público da empresa, a fim de financiar políticos, partidos e, como nunca deixa de acontecer, o enriquecimento de pessoas físicas. O juiz federal do Paraná Sérgio Moro, responsável pelo processamento judicial das acusações feitas contra Costa, Youssef e outros a partir de provas colhidas pela operação Lava-Jato, da PF, negou que tenha havido qualquer vazamento. Moro esclareceu, em despacho, que, por se tratar de ação penal, ela é pública. Tanto que o próprio juiz havia liberado os depoimentos para a CGU e à CPI mista sobre a Petrobrás.

E prossegue:

“Numa avaliação sensata dos fatos, conclui-se que seria necessária uma inverossímil conspirata coordenada entre a PF, o juiz federal paranaense e um ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki, a quem é remetido o material sobre o envolvimento de políticos com foro privilegiado, para que esses depoimentos fossem prestados a tempo de influenciar num eventual segundo turno das eleições.”

Também em editorial, o Estadão disse que, com essa história de “golpe”, Dilma parece ter perdido definitivamente a compostura.

A frase é forte, como exige a gravidade da asneira dita pela presidente da República. A única questão é saber se algum dia Dilma Rousseff teve compostura.

Diz o Estadão:

“Em comício em Canoas (RS), na semana passada, a petista deixou toda a prudência de lado e acusou a oposição de tramar um ‘golpe’. Que não se considere menor essa gravíssima denúncia apenas pelo fato de que ela foi feita em meio ao natural improviso palanqueiro. Dilma sabia muito bem o que estava dizendo e a quem se dirigia quando declarou, em outras palavras, que seus adversários estariam em pleno curso de uma ruptura institucional com o propósito de apear o PT da Presidência.”

E prossegue:

“Ao usar três vezes a palavra ‘golpe’ na mesma declaração, Dilma ultrapassou os limites da civilidade. Embora ela própria já tenha dito que, em época de eleição, se pode ‘fazer o diabo’, uma presidente da República deve saber que não pode destruir pontes com nenhuma parte da sociedade, pois ela governa para todos, e não somente para seus simpatizantes. Quando diz, com todas as letras, que a oposição é ‘golpista’, Dilma liquida qualquer possibilidade de diálogo, num eventual segundo mandato, com aqueles que representam cerca de metade dos eleitores do País.”

Boa lembrança. Mais da metade dos eleitores do país votaram contra Dilma Rousseff e o PT, no primeiro turno da eleição presidencial.

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Na campanha para o segundo turno, Dilma e o PT prosseguiram na sua tática à la Goebbels, de que uma mentira repetida várias vezes vira verdade.

Se virou verdade na Alemanha, um dos países mais ricos, desenvolvidos e educados do mundo, imagine-se neste pobre país em que mais de 50% da população não sabe ler e interpretar um texto de 20 linhas, e 25% vivem do Bolsa Família.

Por isso, Dilma e o PT voltaram a repetir que o PSDB quebrou o país três vezes. O que é mentira, como se sabe e como se comprova em texto aí abaixo, de autoria da economista Monica Baumgarten de Bolle publicado na Folha de S. Paulo.
Lula e Dilma disseram e repetiram que Fernando Henrique Cardoso criticou os nordestinos. O que é mentira, como se sabe e como ficou claro em texto que vai aí abaixo, assinado por Elizabeth Lopes e Luciana Nunes Leal no Estadão, e também em artigo assinado pelo economista Roberto Macedo e publicado no Estadão. .

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Dilma criticou o “vazamento” de informações sobre os escândalos da Petrobrás. Não houve vazamento algum – assim como não houve críticas à corrupção em si, só à divulgação dos escândalos.

Como disse o Estadão em editorial: “Classificar de vazamento a divulgação legítima dos depoimentos e atribuir dolo ao comportamento do juiz Sérgio Moro só pode ser produto de má-fé”

Lula disse que está de “saco cheio” com tanta denúncia sobre corrupção na Petrobrás.

“Eu também estou”, escreveu Ricardo Noblat no Globo.

“E como anda o ‘saco’ dos brasileiros, Lula?”, questionou Suely Caldas no Estadão.

Mais de metade dos eleitores do país responderam à pergunta de Suely Caldas no primeiro turno, votando contra Dilma Rousseff e o PT.

Pelo menos 60 milhões de brasileiros estão de saco cheio com o PT, Dilma, Lula, ladroeira, incompetência.

Para ser exato, 60.694.884.

Ai vai a 158ª compilação semanal de notícias e análises que comprovam os malefícios e a incompetência do lulo-petismo como um todo e do governo Dilma Rousseff em especial. Elas foram publicadas entre os dias 10 e 16 de outubro.

Uma campanha de mentiras e baixarias

* Dilma diz que o PSDB quebrou o país três vezes. É mentira

“Mentira tem perna curta.
O PT diz que o Brasil quebrou três vezes na era FHC. O país quebrou nos anos 1980, na década anterior. O PT comete estelionato eleitoral ao mentir

Há quem ache que mentira repetida à exaustão torna-se verdade absoluta. Há quem subestime a capacidade de reflexão das pessoas repetindo refrões mentirosos como ‘o Brasil quebrou três vezes durante a época em que o PSDB esteve no poder’, nos anos 90. Prefiro outro dito popular, o que diz que mentira em cima de mentira corre, corre, mas não chega a lugar algum com suas pernas desavantajadas. Igual ao Brasil de Dilma Rousseff.

O Brasil verdadeiro sabe pensar por si. Nos anos 1990, o país fez o Plano Real, que levou a inflação de mais de inacreditáveis 900% ao ano para um dígito.

Nos anos 1990, o Brasil instituiu os programas sociais que, junto da estabilização macroeconômica, começaram a tirar milhões de pessoas da miséria, trabalho árduo e longo, continuado pelo PT. O mesmo PT, que inicialmente se opunha e que não via mérito nesses programas, chamava-os de ‘esmola’, como se algo de degradante fossem. Mentira tem perna curta, como eles próprios reconheceram, tacitamente, anos mais tarde.

E a história de o país ter quebrado três vezes? Bem, o Brasil, de fato, quebrou. Mas foi nos anos 1980, uma década antes do que acusa hoje o PT. E não foi só o Brasil. Quebraram também o México, a Argentina e o Uruguai. Foram anos difíceis para os países da América Latina nessa fase em que os regimes militares na região estrebuchavam e a democracia desabrochava.

Quando o Brasil pôde, finalmente, sair da situação de moratória que o impedia de ter acesso aos financiamentos do exterior? Foi nos anos 90, na época de Fernando Henrique Cardoso, o mesmo que o PT insinua ser fantasma do passado.

Foi árduo o trabalho de acabar com a inflação e criar as bases para que a classe média conseguisse se reerguer depois da catástrofe dos anos 1980 e que, assim, fosse ampliada com a inclusão social que melhoraria a vida de milhões de brasileiros. Quando o PT se refere ao país que ‘quebrou três vezes’ fala, na verdade, dos empréstimos do Fundo Monetário Internacional que facilitaram a empreitada.

Primeiramente, em 1998-1999, quando houve a crise da transição para o regime de câmbio flutuante. Depois, em 2001, ano complicado, quando a Argentina quebrou, e quebrou de verdade. Teve de declarar aos quatro ventos e aos seus credores que não tinha mais dinheiro para saldar as suas dívidas.

Ficou sem pagar a dívida durante boa parte do início dos anos 2000. Será que o PT confunde o Brasil com a Argentina? Por fim, em 2002, o Brasil recorreu ao FMI para financiar a chegada de quem? De Luiz Inácio Lula da Silva. O então presidente Lula ficou com 80% dos recursos negociados com o FMI pela equipe econômica de Fernando Henrique Cardoso. Mal-agradecidos os petistas? O leitor que os julgue.

Eis que a perna curta da mentira se cansa, os músculos se desgastam, as cabeças de milhões e milhões de brasileiros que têm de acalentá-la todos os dias ficam cada vez mais indignadas com a desfaçatez de pessoas que fazem troça da inteligência alheia. Da inteligência e do bolso do contribuinte. A mentira, afinal, é estelionato eleitoral.” (Monica Baumgarten de Bolle, economista, Folha de S. Paulo, 10/10/2014.)

* Dilma diz que Armírio Fraga é contra o salário mínimo. É mentira

O economista Armírio Fraga, ex-presidente do Banco Central e um dos principais assessores de Aécio Neves na campanha presidencial, distribuiu a seguinte nota:

“Em comício há pouco em Salvador a presidente Dilma Rousseff disse que eu não gosto do salário mínimo.

Trata-se de um absurdo, que repilo com veemência. Ela está mal informada ou distorce os fatos.

Defendo que qualquer política econômica digna do nome tem que ter por objetivo aumentar o salário e a renda das pessoas, especialmente os mais pobres, que se beneficiam de aumentos reais no salário mínimo.

Mencionei no passado inclusive que os há muito espaço para os salários crescerem, especialmente se a economia crescer, o que não vem ocorrendo.”

Arminio Fraga, coordenador da área econômica da Coligação Muda Brasil.

* Lula e Dilma dizem que FHC criticou os nordestinos. É mentira

“Em vídeo postado ontem (10/10) em sua página oficial no Facebook, o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso diz que o ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva mentiu quando o acusou de criticar os nordestinos. “O PT fica querendo fazer demagogia, querendo nos jogar contra o povo, dizendo que o PSDB fez isso ou aquilo, que eu disse isso ou aquilo, o Lula mentiu, eu não falei de Nordeste ou de nordestinos, nada disso”, disse.

“A reação de Fernando Henrique é mais um episódio na polêmica iniciada quando ele, em entrevista ao portal UOL, disse que ‘o PT está fincnado nos menos informados, que coincide de ser os mais pobres’. A candidata à reeleição, Dilma Rousseff, e o ex-presidente Lula têm explorado a declaração de FHC, dizendo ser preconceituosa contra o Nordeste e os nordestinos.

Na postagem de ontem, Fernando Henrique disse lamentar que a presidente e candidata à reeleição pelo PT, Dilma Rousseff, ‘tenha embarcado nessa, não é verdade’. E disse: ‘O povo não é bobo, o povo sabe que quem fez o Plano Real fomos nós, quando fui ministro da Fazenda, que melhorou a vida de todo mundo, dos pobres, do trabalhador.’

“Nas críticas à gestão petista, o ex-presidente tucano disse que é com o receituário do PSDB que se combate a pobreza ‘e não deixando a inflação voltar e depois aconselhando o povo a não comer carne, a comer tomate, a comer frango, ovo’. E continuou: ‘Não é deste jeito que se resolve a pobreza. Nós, do PSDB, sim, fizemos o que dissemos e deu certo.”

No Rio, o candidato tucano, Aécio Neves, acusou o PT de ‘desonestidade intelectual’ ao atacar FHC e sugerir que ele não governou para os pobres. ‘É triste, chega a ser melancólico, o início do segundo turno com essa perversa tentativa de divisão por parte do governo. É triste ver a presidente, que deveria ter responsabilidade de manter o país coeso, querer transformar os brasileiros em inimigos. Quero dizer à presidente que perder a eleição é do jogo. O que não pode é perder a coerência.’” (Elizabeth Lopes e Luciana Nunes Leal, Estadão, 11/10/2014.)

* Pela ousadia de cogitar a alternância no poder, os brasileiros serão obrigados a assistir a um circo de horrores

“Deu a lógica nos resultados iguais das primeiras pesquisas dos dois maiores institutos brasileiros, Ibope e Datafolha, sobre a intenção de voto para o segundo turno da eleição presidencial: o oposicionista Aécio Neves à frente de Dilma Rousseff, 51% contra 49% dos votos válidos, por enquanto dentro da margem de erro. Deu a lógica porque, afinal, a soma dos votos recebidos pelos dois principais candidatos oposicionistas no primeiro turno – Aécio Neves e Marina Silva -, no total de 57 milhões (56,8%), superou com folga os 43,2 milhões (41,8%) dados a Dilma Rousseff.

“Esses números dizem que a considerável maioria dos brasileiros quer mudança. E mudança significa apear o PT do poder. Se alguém tem alguma dúvida sobre o caráter antipetista dos votos dados a Marina Silva no primeiro turno, basta lembrar que a própria campanha de Dilma Rousseff se encarregou, de forma brutal e indigna, de estigmatizar a candidatura do PSB. É difícil de acreditar que o eleitor de Marina deixe de se ater agora à opção que lhe resta: votar em Aécio.

“Mas também é óbvio que nem todos os votos que Marina teve em 5 de outubro serão automaticamente transferidos para Aécio. Mas o forte efeito psicológico tanto, por um lado, da tendência de crescimento da candidatura tucana nas últimas três semanas quanto, por outro lado, da frustrante reversão das expectativas petistas, somado ao substancial apoio a Aécio anunciado por antigos adversários e lideranças políticas ao longo da semana que passou – e ainda as recentes más notícias para Dilma Rousseff e o PT a respeito do desempenho da economia e do escândalo da Petrobrás -, tudo isso certamente influenciará a decisão do eleitor.

“É preciso levar em conta, contudo, que na defesa de seu projeto de poder o lulo-petismo não terá escrúpulos de apelar a qualquer recurso que estiver a seu alcance, como a ominosa falácia de que o PT tem o monopólio da virtude e todos os seus adversários são também inimigos do povo que só pensam em sacrificar os despossuídos em benefício das elites perversas.

“É claro que só quem é mal informado acredita em patranhas como a de que qualquer presidente eleito que não seja do PT acabará com todos os projetos sociais dos governos petistas, principalmente o Bolsa Família. E Lula e Dilma decidiram também proclamar agora que a infâmia está em afirmar que há pessoas mal informadas no Brasil, deturpando deliberadamente declaração feita pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

“A direção em que os ventos eleitorais estão soprando indica que a tropa de choque petista terá trabalho pesado até o dia 26. Por exemplo, uma vez que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, está cumprindo aviso prévio e anda com a credibilidade em baixa, Dilma designou Aloizio Mercadante, atual ocupante do Gabinete Civil, para não deixar sem resposta qualquer ataque da oposição na área da Economia. Aloizio tem credenciais para a missão: foi, em 1994, o arauto petista do fracasso antecipado do Plano Real.

“Na Comunicação, além do notório João Santana, marqueteiro do Brasil dos Sonhos e das Malvadezas, anda assoberbado o jornalista Franklin Martins, aquele que desde que era ministro da Comunicação Social de Lula está obcecado pela idéia de decretar o ‘controle social’ da mídia. No comando do site oficial da campanha de Dilma, Martins tem a responsabilidade de municiar a militância que atua nas redes sociais com toda sorte de informação que não pega bem na boca de quem fala oficialmente em nome do PT e de sua candidata.

“À frente do partido permanece vigilante Rui Falcão, com a importante missão, que não lhe tem dado descanso nos últimos dias, de protestar com indignação contra as denúncias de corrupção no governo que a mídia se vê na obrigação de divulgar todos os dias e de prometer que vai processar criminalmente quem quer que seja que se atreva a questionar os elevados padrões morais da companheirada.

“É esse o circo de horrores que provavelmente os brasileiros serão obrigados a assistir nas duas próximas semanas, como preço a pagar pela ousadia de cogitar a alternância no poder.” (Editorial, Estadão, 11/10/2014.)

* Botando os pingos nos is: Não há os reacionários ortodoxos de um lado e os desenvolvimentistas de esquerda do outro

“Não haveria política social que funcionasse sem a vitória sobre a hiperinflação, e ela foi derrotada por economistas que são do PSDB ou que se identificam com o partido. O salário mínimo começou a se recuperar a partir da estabilização; os programas de transferência de renda foram possíveis por causa do real. As políticas sociais do PT têm méritos, mas o debate eleitoral criou uma dicotomia inexistente.

“Não há os reacionários ortodoxos de um lado e os desenvolvimentistas de esquerda do outro. Temos no cenário político dois partidos da social-democracia com diferenças importantes nas escolhas econômicas, mas com simbioses e complementariedade em outros pontos.Não há conflito entre política fiscal controlada e recuperação da renda das pessoas. Ao contrário. É o descontrole fiscal que leva à inflação, o mal que corrói a renda. No primeiro ano do governo do PT, em 2003 o ministro Antonio Palocci fez uma política fiscal contracionista, elevando o superávit primário, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, subiu os juros. Fizeram por ortodoxia ou por necessidade?

“O pânico que impedia que brasileiros, como explicou Arminio Fraga, comprassem títulos da dívida do Tesouro derivava do discurso despropositado que o PT defendera até então. Dois anos antes, importantes líderes petistas haviam abraçado a causa do plebiscito sobre pagar ou não a dívida interna. Dado que ela é constituída pelos depósitos de brasileiros em produtos financeiros lastreados em títulos do governo, evidentemente houve reação. O dólar disparou, o juro subiu, a inflação se elevou e o governo Fernando Henrique tomou junto ao FMI um empréstimo que teve 80% de seu valor sacado no mandato de Lula, criando um colchão de reservas sem o qual teria sido muito difícil o início do novo governo.

“Esta foi a história que eu vi se desenrolar no dia a dia da cobertura dos fatos econômicos. Sei que foi assim não por ouvir dizer, mas por ter acompanhado cada momento. A reação Palocci-Meirelles permitiu superar o medo criado exatamente pelas atrapalhadas opções retóricas. Depois do ajuste feito em 2003, o país pôde crescer nos anos seguintes com a inflação controlada e chegando a alguns momentos até a ficar abaixo do centro da meta.

“O que houve neste governo na economia está nos números divulgados pelos próprios órgãos oficiais, IBGE, Banco Central, Tesouro: o governo cumpriu 1% da meta fiscal do ano em oito meses, a inflação estourou o teto da meta, o crescimento do PIB desapareceu, a balança comercial está deficitária, e o rombo externo, das transações correntes, chega a US$ 80 bilhões. O país está numa situação precária e terá que passar por um novo ajuste no início do próximo governo. Caso contrário, quem vencer as eleições perderá a chance de fazer o país crescer nos seus quatro anos de mandato. Não será possível retomar o crescimento sem um novo ajuste, que se tornou obrigatório após os erros cometidos pela atual política.

“A irracionalidade do debate e as manipulações dos números e fatos exasperam quem acompanha a economia brasileira há tantos anos e sabe o contexto de cada dado e momento.

“O desemprego baixo é uma excelente notícia, mas suas bases vêm sendo corroídas pelos desajustes fiscais e monetários que este governo permitiu. O emprego na indústria já está em queda há cinco meses, mostrou o IBGE na sexta-feira.

“O recuo do percentual de pobres e miseráveis é outra excelente notícia. Mas de que maneira a queda poderia ter sido construída num país com a hiperinflação que o PSDB domou? A propósito, o ministro Aloizio Mercadante mostrou os bons números da redução da pobreza em entrevista ao jornal ‘Valor Econômico’ de sexta-feira. Disse que o percentual de pobres caiu de 34,4% para 15,9%. Maravilhoso. Mas cabem dois adendos. No resuminho de programa que a presidente Dilma divulgou, por determinação do TSE, está dito — e a candidata repetiu em entrevistas — que ao fim do governo FHC eram 54% os pobres. O dado certo é o de Mercadante, o mesmo do Ipeadata. O segundo detalhe ocultado é que a estabilização, em 1994, produziu a primeira forte queda, de 45% para 34%.

“Há diferenças entre os dois partidos, mas não é a luta entre reacionários e progressistas. Há uma crise séria, produzida aqui dentro, que o governo, ocupado em agredir a oposição, ainda não disse como enfrentará.” (Míriam Leitão, O Globo, 12/10/2014.)

* “A candidata à reeleição pelo PT tem usado e abusado de armadilhas lógicas que podem iludir até pessoas de elevado nível educacional”

“O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou recentemente que o ‘… PT está fincado nos menos informados, coincidentemente os mais pobres. Não é porque são pobres que apoiam o PT, é porque são menos informados’. Essa afirmação foi distorcida por críticos dilmopetistas, que atropelaram a lógica para atacá-lo.

“O que disse foi tomado como uma ofensa ao povo nordestino. Mas FHC não falou de nordestinos e essa armadilha lógica foi assim montada: 1) Ele disse que os mais pobres, que coincidem com os mal informados, votaram majoritariamente no PT; 2) o Nordeste é uma região predominantemente pobre; 3) logo, o ex-presidente tem preconceito contra os nordestinos.

“Essa discussão voltou-se para os mal informados. É verdade que aí há problemas, como deficiências educacionais, e dificuldades de acesso a mais informações. Ou predominam outras. Por exemplo, o programa Bolsa Família costuma ser atribuído errônea e exclusivamente a Lula, daí advindo uma gratidão que determina o voto.

“Mas grande parte da culpa pela má informação é de quem a oferta, ou seja, o sujeito da ação informativa, e não do cidadão objeto dela. Na propaganda eleitoral a candidata à reeleição pelo PT tem usado e abusado de armadilhas lógicas que podem iludir até pessoas de elevado nível educacional, pois isso não significa que estejam sempre atentas a questões de lógica.

“Passo a outra armadilha do ramo. Trata-se da ultrarrepetida afirmação que atribui a Lula todo o mérito de uma taxa média de crescimento do PIB que em seu governo foi superior à dos anos FHC. Essa diferença de taxas de fato ocorreu, mas não se pode concluir que Lula foi quem a produziu. Entre outros aspectos, caberia levar em conta as diferentes circunstâncias que cada um enfrentou nos seus governos. FHC, já no governo Itamar, como ministro da Fazenda, herdou uma altíssima inflação e sérias dificuldades no setor externo, inclusive as causadas pela moratória da dívida externa brasileira decretada pelo governo Sarney (1986-1990). Esse impasse com credores externos por longo tempo prejudicou o fluxo de empréstimos e financiamentos para o Brasil.

“Por essa e outras razões históricas, nos governos FHC o Brasil tinha escassas reservas, que vez por outra provocavam crises cambiais que encareciam o dólar, traziam mais inflação e aumento da dívida pública federal, incluída a interna, em parte indexada a essa moeda. Isso tornava inevitável o recurso a ajustes fiscais, que, embora impopulares, FHC teve a coragem de fazer. Lula e Dilma só souberam distribuir benesses.

“Lula Sortudo da Silva herdou uma inflação domada nos dois governos anteriores. Outra sorte, e de imensas proporções, foi a bonança que veio com o deslanche da economia mundial durante a maior parte dos seus dois mandatos, impulsionada fortemente pela China. Entre outras benesses, vieram uma expansão maior do PIB, que gerou mais impostos, inclusive para ampliar programas sociais, e uma fenomenal acumulação de reservas, que afastou o fantasma das crises cambiais. Esse efeito-China teve tal dimensão que vejo o Partido Comunista, condutor daquele país, como o que mais fez pelo Brasil na década passada, se comparado aos muitos nossos.

“Essas diferentes circunstâncias enfrentadas pelos dois presidentes podem ser comparadas às encaradas por peões de rodeios ao montarem diferentes touros. FHC foi peão de touros bravos, enquanto Lula se sentou nos mansos. Mas quando touros atuam dessa forma o peão não pontua e tem de pegar outro que pule o tanto que se espera dele. Ao sair, Lula fez-se substituir pela peoa Dilma, em quem viu uma competência que não se manifestou. No rodeio da economia, pegou um touro mais bravo, o Pós-Crise, e meteu-lhe as esporas de uma política econômica equivocada. Deu no que deu. Pode cair do touro. E o PIB que carregava já foi ao chão.

“Passando a mais uma armadilha lógica, a de uma trama em que duas premissas corretas levam a uma conclusão equivocada, usada para malhar Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central (BC) e atuante na campanha de Aécio. Tal armadilha foi assim montada: 1) Quando no BC, na era FHC, num dado momento Fraga aumentou bastante a taxa básica de juros; 2) ele será ministro da Fazenda se Aécio for eleito; 3) logo, ele elevará a taxa de juros da mesma forma. Essa armadilha lógica também deixa de lado as circunstâncias diferentes no passado e no presente, em particular sem lembrar que o aumento da taxa básica de juros por Armínio veio em resposta a uma crise cambial. Isso para reduzir a inflação resultante, evitar que divisas escassas fugissem do País e estimular o ingresso de novas.

“Outra grosseira mistificação é dizer que FHC teria ‘quebrado’ o Brasil três vezes. Aponta-se como evidência disso o fato de que ele recorreu ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para obter empréstimos. Ora, trata-se de instituição financeira internacional da qual o Brasil é sócio e o que ela empresta equivale a uma linha de cheque especial para que países possam honrar seus pagamentos externos e reforçar reservas. Usá-la não significa que o país esteja quebrado. Ao contrário, é para evitar que isso ocorra e se chegue a uma moratória, com todas as indesejáveis sequelas.

“E mais: da última vez que o Brasil recorreu ao FMI, em 2002, uma das razões foi a necessidade de conter efeitos da especulação cambial que se manifestava em face de riscos então percebidos quanto ao que Lula faria na economia. Parcela desse empréstimo ficou à disposição dele como presidente. Ele se orgulha de no seu mandato o Brasil ter emprestado dinheiro ao FMI para que este ampliasse suas contas de cheque especial. Mas não serei eu a concluir que fez isso para que outros países pudessem quebrar ao utilizá-las.

“Em síntese, há gente que mal se informa. Mas nesta eleição o destaque cabe a quem mal informa.” (Roberto Macedo, economista, Estadão, 16/10/2014.)

Os escândalos na Petrobrás

* Ex-diretor e doleiro detalham como funcionava o esquema de corrupção dentro da Petrobrás que abasteceu campanhas de PT, PMDB e PP

“O áudio dos depoimentos de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás, e do doleiro Alberto Youssef à Justiça Federal, ao qual o Globo teve acesso, revela em detalhes o loteamento político e a sangria de recursos impostos à estatal. O esquema de corrupção, disseram, era chefiado pelo PT, que arrecadava a maior parte das propinas. Segundo Youssef, o esquema vingou porque o presidente Luíz Inácio Lula da Silva cedeu à pressão de políticos para emplacar o nome de Costa, uma indicação do deputado José Janene (PP-PR), morto em 2010, entre os diretores da estatal. Para forçar Lula a ceder, esses ‘agentes políticos’, segundo Youssef, trancaram a pauta do Congresso por 90 dias, no primeiro semestre de 2004. O esquema de propina delatado por eles entrou em vigor em setembro de 2005, cerca de dois meses depois do então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) denunciar o mensalão.

“- Na época, o presidente Lula ficou louco (com a obstrução parlamentar) e teve de ceder e empossar Paulo Roberto Costa na Diretoria de Abastecimento – disse Youssef.

“O PT cedeu na Diretoria de Abastecimento, mas ficou sozinho com três das cinco diretorias que, segundo Costa, superfaturavam contratos da estatal em até 20% para retirar um percentual de 2% a 3% para os políticos. O ex-diretor afirmou que o PT comandava o esquema de propina nas diretorias de Serviços, Exploração e Produção e Petróleo e Gás, abocanhando sozinho a comissão. Na diretoria de Abastecimento, o PT ficava com 2%, e o PP e o PMDB dividiam o 1% restante. Já a Diretoria internacional era comandada pelo PMDB.

“Graças à delação premiada de Costa, acompanhada por Youssef, a Justiça detalhou o funcionamento do esquema na Diretoria de Abastecimento. Costa era o negociador dos contratos, com poder de vetar qualquer um que ferisse o interesse dos políticos do PP. Na maioria das vezes, recebia pronta a lista das empresas que participariam das licitações e o nome da futura vencedora. Os valores da negociata e da propina eram discutidos em reuniões, com participação dos ‘agentes políticos’ ou de seus representantes. Pelo PT, negociava João Vaccari Neto, tesoureiro do partido, e pelo PMDB, o lobista Fernando Soares, conhecido como ‘Fernando Baiano’. Pelo PP, até 2010, o responsável era o deputado José Janene. Com sua morte, Youssef e Costa passaram a negociar em nome do partido.

“O doleiro afirmou que as reuniões ocorriam geralmente em hotéis do Rio ou de São Paulo e, muitas vezes, na casa dos próprios políticos envolvidos. Os encontros eram formalizados em atas, uma forma de garantir que o compromisso das empresas fosse cumprido.

“Para receber o dinheiro de pelo menos 13 empresas, entre elas algumas das maiores empreiteiras do país, Youssef criava firmas de fachada. O dinheiro saía do cofre das fornecedoras da Petrobrás legalmente, com nota fiscal e contratos de prestação de serviços que nunca foram efetivamente prestados.

“Era o doleiro quem repartia a propina. Os políticos recebiam sua parte em dinheiro vivo. Na lista de beneficiados em poder do Ministério Público Federal e do Supremo Tribunal Federal (STF), devido ao foro privilegiado dos envolvidos, estão nomes de governadores, senadores e deputados federais. Na Diretoria de Abastecimento, 60% da comissão paga pelas empreiteiras e empresas parceiras se destinavam a políticos. Costa ficava com 30%, e os 10% restantes eram divididos por Youssef e por João Cláudio Genu, já condenado a cinco anos de prisão no julgamento do mensalão. Os políticos exerciam controle ferrenho. Youssef contou que se reunia quase diariamente com eles. Costa citou no depoimento a oração de São Francisco para explicar o esquema na estatal:

“- É dando que se recebe.” (Cleide Carvalho e Germano Oliveira, O Globo, 10/10/2014.)

zzzzpropina * Delatores contam que dinheiro das fornecedoras da estatal migrou para o caixa 2 de PT, PMDB e PP

“O doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, contaram em depoimento à Justiça Federal do Paraná detalhes de como o dinheiro das fornecedoras da Petrobrás migraram para o caixa dois do PT, PMDB e PP e abasteceram suas campanhas políticas em 2010. Segundo ele, cada diretoria tinha um operador indicado pelo partido de mando. Até agora, foram identificadas 13 empresas que pagaram ou repassaram, a pedido de empreiteiras, dinheiro de suborno destinados a políticos. Odebrecht, Camargo Corrêa, OAS, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Galvão Engenharia, UTC Engenharia, Mendes Junior, Engevix, Toyo Setal, Jaraguá Equipamentos Industriais, Iesa e Sanko Sider são citadas nas investigações.

“Segundo Youssef, ele operava apenas o dinheiro da diretoria de Abastecimento e soube por empreiteiras e pelos próprios operadores do esquema nas demais áreas. O doleiro disse que se reuniu pelo menos duas vezes com João Vaccari, tesoureiro do PT, que atuava como ‘operador’ da diretoria de Serviços, área que recebia 2% do valor dos contratos da diretoria de Abastecimento, além dos 3% integrais dos contratos que ela própria firmava.

“Perguntado se o pagamento da comissão era informado para as empreiteiras, Youssef foi categórico.

“- Era bem colocado, sim, muito bem colocado. Era negociado contrato a contrato – disse, acrescentando que se não pagassem havia ingerência política e do próprio diretor da área, ‘de forma que ela não faria a obra’.

“A maioria das empresas que pagou suborno emitiu notas para empresas de fachada criadas por determinação de Youssef, como Rigidez, GDF e RCI, ou que vendiam notas frias para o esquema, como a MO Consultoria, de Waldomiro Diniz, que cobrava 14,5% do valor das faturas.

“Depois de passar pelas empresas de fachada, o dinheiro era distribuído aos beneficiários.

“- O que era de Brasília ia para Brasília, o que era de Paulo Roberto Costa ia para Paulo Roberto Costa, no Rio de Janeiro – afirmou Youssef, o responsável pelos pagamentos, inclusive de Costa, que recebia o dinheiro vivo em entregas a um de seus dois genros.

“Em seu depoimento, Paulo Roberto Costa afirmou que uma agenda apreendida pela Polícia Federal em sua residência tem uma tabela onde consta que ele pagou R$ 28,5 milhões para sete políticos do PP. Um dos beneficiados foi João Pizzolatti, do PP de Santa Catarina, que recebeu R$ 5,5 milhões. Ele não foi encontrado ontem.

“Acusado de ser o mentor da organização criminosa, Youssef afirmou que o operador inicial do esquema era o deputado José Janene, que se encarregava de fazer a distribuição do dinheiro entre os políticos até 2010.

“- Não fui o criador desta organização. Eu simplesmente fui uma engrenagem para que se pudesse haver recebimento e pagamento a agentes públicos.

“Perguntado se a divisão do dinheiro costumava ser variável, o doleiro disse que não. Segundo ele, os percentuais sempre foram os mesmos e também a divisão era feita de acordo com ‘o cronograma’. Apesar de os percentuais sobre os valores dos contratos serem variáveis e passíveis de serem negociados pelas empresas, o percentual destinado aos agentes políticos era fixo.

“Youssef se mostrou surpreso com a informação de que o PT, na diretoria de Serviços, recebia um percentual de 2%, maior do que o destinado ao PP, de 1%.

“- Se ele (Paulo Roberto Costa) está dizendo que era 2%, ele sabe mais do que eu – comentou.

“A cada licitação da Petrobrás, detalhou, as empresas entregavam a Costa uma lista das empresas que participariam do certame e quem seria a vencedora. O então diretor se encarregava de entregar ao doleiro.

“Das empreiteiras envolvidas no esquema da Petrobrás, a Camargo Corrêa era a única que não repassava dinheiro diretamente para as contas de empresas abertas pelo doleiro Alberto Youssef ou que vendiam notas fiscais para sustentar o esquema. Youssef contou à Justiça Federal que a empreiteira , que lidera o consórcio responsável pelas obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, utilizava empresas subcontratadas para fazer o repasse. Uma delas foi a Sanko-Sider, fornecedora de tubos. Contratada pelo consórcio, a empresa teve de incorporar em sua contabilidade os valores a serem repassados aos agentes políticos. Ou seja, a Camargo Corrêa repassava o valor da propina para a Sanko-Sider e a empresa depositava nas contas das empresas indicadas pelo doleiro Alberto Youssef.

“O doleiro foi além. Disse ainda que dois dos executivos da Camargo Corrêa também recebiam dinheiro do esquema. Ou seja, eram beneficiados pelas propinas. Youssef disse que ele próprio fazia os pagamentos.

“- Eu pagava em dinheiro vivo. Ele retirava no meu escritório – contou.

“Youssef disse que conheceu o sócio da Sanko-Sider, Márcio Bonilho, e que a empresa estava em dificuldades financeiras. Ele teria então passado a apresentar a empresa para fornecedoras da Petrobrás, para que pudesse se recuperar. A cada contrato obtido, a Sanko-Sider pagava uma comissão ao doleiro. Um destes contratos foi para que a empresa fornecesse para o consórcio CNCC, liderado pela Camargo Corrêa e responsável pelas obras da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.

“- Devido ter feito o fornecimento, foi pedido à Sanko que repassasse o dinheiro, para que pudessem pagar os agentes públicos e Paulo Roberto Costa.

“A Camargo Corrêa, segundo ele, teria pagado aos políticos percentual mais alto do que os 3% comuns aos demais contratos. Segundo ele, os políticos receberam 10% do valor pago por cada tubo de aço usado na refinaria de Pernambuco.

“O papel do doleiro, segundo ele próprio, era emitir notas fiscais, por meio de várias empresas, para os fornecedores da Petrobrás. No caso de pagamentos feitos fora do país, seu trabalho era internalizar o dinheiro. Pelo menos duas empresas, a Odebrecht e a Toyo Setal, pagaram as comissões destinadas aos políticos no exterior e o doleiro se encarregou de internalizar o dinheiro, em reais.

“O doleiro afirmou que, além dele, também atuavam no esquema a doleira Nelma Mitsue Penasso Kodama, Leonardo Meirelles, sócio da Labogen, e Carlos Rocha – os três foram indiciados em processos abertos com base na Operação Lava Jato.

“O esquema da propina da Petrobrás, segundo ele, incluía também o setor de navios que atuam com a empresa

“Paulo Roberto Costa afirmou à Justiça que chegou a indicar empresas de menor porte para participar de licitações na Petrobrás. Ele disse que essa era uma forma de tentar quebrar o cartel das grandes empresas.

“- Parece um pouco de demagogia, mas eu fiz isso. Diziam para mim, ‘você vai quebrar a cara, essas empresas não vão dar conta’. Algumas empresas faliram, outras foram em frente. As empresas do cartel ficaram zangadas – disse Costa.

“Costa confessou que os R$ 23 milhões depositados em contas suas e de seus parentes na Suíça são oriundas de propinas pagas por fornecedores da Petrobrás e reafirmou que devolverá o dinheiro aos cofres públicos. Confessou ainda à Justiça que tem mais dinheiro no Royal Bank of Canada, nas Ilhas Cayman, mas não citou os valores.

“- Vou devolver o dinheiro. São vantagens indevidas de propinas na Petrobrás – disse o ex-diretor, que devolverá ainda uma lancha e um terreno em Mangaratiba, no Rio.” (Cleide Carvalho e Germano Oliveira, O Globo, 10/10/2014.)

* Confirma-se a “organização criminosa” na Petrobrás

“O termo ‘organização criminosa’ foi usado formalmente a primeira vez, para designar um esquema de corrupção com o envolvimento de representantes do PT e legendas aliadas, pelo procurador-geral da República Antonio Fernando Souza, no texto da denúncia do mensalão ao Supremo Tribunal Federal. Sete anos depois, a denúncia seria confirmada por sentenças condenatórias no STF.

“Há cinco meses, a expressão voltou a aparecer em documento oficial, desta vez num ofício do delegado da Polícia Federal Cairo Costa Duarte ao juiz federal do Paraná Sérgio Moro, do processo Lava-Jato, em que estão implicados o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa. Ao investigar a compra esquisita da refinaria de Pasadena e outras denúncias em torno da Petrobrás, o delegado pediu ao juiz acesso a documentos obtidos pela Lava-Jato, para facilitar seu trabalho de levantamento de uma ‘organização criminosa’ na estatal.

“Pois trechos divulgados dos depoimentos de Paulo Roberto e Youssef, sob o regime de delação premiada, confirmam a existência da tal organização, eles próprios dois de seus elos-chave — Costa, arrecadador de propinas junto a empreiteiras; Youssef, branqueador do dinheiro, por meio de firmas fantasmas e operações fajutas.

“Relata Costa que PT, PMDB e PP eram os beneficiários da enxurrada de dinheiro ‘por fora’ gerada por comissões sobre contratos bilionários superfaturados. Quase todos assinados com empreiteiras envolvidas com o projeto da refinaria Abreu e Lima, orçada em US$ 1,8 bilhão e que sairá por dez vezes mais. Obra convenientemente administrada pela diretoria de Abastecimento da estatal, ocupada de 2004 a 2012 por Paulo Roberto. Segundo Youssef, Paulo Roberto Costa, funcionário de carreira da estatal, foi nomeado para o cargo depois de pressão dos partidos sobre o presidente Lula. Ele cedeu e o esquema foi montado.

“Mas, diz Paulo Roberto, outras diretorias também atuavam no paralelo: a de Serviços, de Jorge Renato Duque, indicado pelo PT; Nestor Cerveró, já conhecido, e Jorge Zelada, da diretoria Internacional, e também José Eduardo Dutra, ex-presidente da empresa, ex-senador sergipano pelo PT. Até a subsidiária Transpetro, de Sérgio Machado, ligado ao PMDB, consta das denúncias. Também não falta nos depoimentos o indefectível João Vaccari Neto, tesoureiro do PT.

“Pelas cifras envolvidas — apenas Costa tinha US$ 23 milhões seus na Suíça — e dimensão do esquema, o caso deve ser maior que o mensalão petista, de Marcos Valério, José Dirceu, entre outros.

“‘Paulinho’, como Lula chamava Paulo Roberto Costa, assumiu o cargo de diretor em 2004. Seis anos depois, ‘recursos não contabilizados’ tirados da Petrobrás já teriam financiado campanhas de petistas e aliados. Talvez, entre várias, a da própria Dilma.” (Editorial, O Globo, 10/10/2014.)

Correção (publicada em 14/10 na página dos editoriais de O Globo): “Induzido ao erro por afirmação do advogado Antônio Figueiredo Basto, do doleiro Alberto Youssef, o editoral ‘Confirma-se a ‘organização criminosa’ na Petrobrás, de sexta-feira (p. 20), incluiu o ex-presidente da empresa José Eduardo Dutra no esquema de corrupção montado na estatal. Na verdade, segundo depoimentos de Youssef e Paulo Roberto Costa, Dutra apenas tinha conhecimento de indicações políticas para a Petrobrás.”

* Justiça explica que ação é pública e não houve, portanto, “vazamento” de depoimentos

“A Justiça Federal do Paraná afirmou ontem (10/10), por meio de nota, que os depoimentos de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobrás, e do doleiro Alberto Youssef não fazem parte da delação premiada e não estão protegidos pelo sigilo legal garantido aos réus que assinam esse tipo de acordo. Os dois falaram ao juiz Sérgio Moro na ação penal em que respondem por lavagem de dinheiro e ocultação de bens – que, por decisão do Supremo Tribunal Federal, tramita na 13ª Vara Federal do Paraná, ao lado de outras nove abertas com base na Operação Lava-Jato. Esta ação penal não é protegida por segredo de Justiça.

“Num despacho em que autorizou o compartilhamento dos depoimentos como prova na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Petrobrás, o juiz Sérgio Moro afirmou que a ação é pública e, portanto, eles não foram ‘vazados’ pela Corte ou por ‘quem quer que seja’. Para ele, a divulgação pela imprensa é ‘um consectário normal do interesse público e do princípio da publicidade dos atos processuais em uma ação penal na qual não foi imposto segredo de justiça’.

“O juiz defendeu que a transparência é a ‘única forma de garantir o escrutínio público sobre a gestão da coisa pública e sobre a integridade da Justiça’.

“O acesso aos autos da ação penal na 13ª Vara Federal do Paraná é permitido a qualquer cidadão. O processo eletrônico pode ser consultado no site da Justiça Federal, mas, para obter autorização de acesso, é preciso fazer requerimento ao juiz, justificando o interesse. A decisão de permitir ou não é dele. No caso da imprensa, o interesse é informar a sociedade sobre a administração de empresas e recursos públicos.

“Além de compartilhar as provas com a CPMI da Petrobrás, o juiz autorizou ontem o compartilhamento com a Controladoria Geral da União (CGU) e com apurações internas da estatal. Nos dois casos, determinou que os resultados sejam encaminhados à Justiça.

“A delação premiada de Youssef e Costa integra a ação a cargo do Supremo Tribunal Federal, uma vez que políticos suspeitos de participar do esquema têm foro privilegiado – entre eles há governadores, senador e deputados federais. Citados nos depoimentos divulgados pela imprensa, João Vaccari Neto, apontado como operador do PT, e Fernando Soares, que seria operador do PMDB, segundo Youssef, não ocupam cargos públicos e, portanto, não têm privilégio de foro.

“O ex-diretor de Serviços da Petrobrás Renato Duque ingressou com ação penal privada por crime contra a honra contra Paulo Roberto Costa, que acusou a diretoria que comandava de desviar propina para o PT. Na ação apresentada ao Juizado Especial Criminal do Rio de Janeiro, os advogados argumentam que as acusações de Costa são falsas e que não foram apresentadas provas. Edson Ribeiro, advogado de Nestor Cerveró, que foi diretor da área internacional da estatal, disse que seu cliente deixou o cargo em 2008, antes do período investigado, e que Costa foi constrangido a falar.

“Um dos coordenadores de campanha da presidente Dilma Rousseff e ex-presidente da Petrobrás Biocombustível, Miguel Rossetto divulgou artigo ontem classificando o vazamento dos depoimentos como uma tentativa de ‘manipular’ a eleição. O ex-ministro de Desenvolvimento Agrário do governo Dilma disse ainda que as acusações foram feitas sem provas.

“‘Há em curso uma gravíssima tentativa de manipular a eleição presidencial no Brasil. A quinze dias das eleições, justamente no dia do primeiro programa eleitoral do segundo turno, um vídeo de um criminoso investigado é vazado de forma parcial e mal intencionada’, diz trecho do artigo.

“Apesar de não haver sigilo de Justiça no processo, especialistas ouvidos pelo Globo avaliaram que o momento de tornar público o conteúdo do depoimento foi inoportuno por causa das eleições.

“Ex-procurador-geral do Estado de São Paulo, o advogado Marcio Sotelo Felippe considerou que a divulgação ‘fere o princípio do Estado democrático de direito’.

“- O bom senso condena (a divulgação). O juiz deveria evitar qualquer conduta que possa ser considerada interferência no processo eleitoral. Isso não ajuda no processo democrático. E não se trata de decisão final, mas de processo em curso – disse Sotelo.” (Cleide Carvalho e Tatiana Farah, O Globo, 11/10/2014.)

* Havia cartéis fora da Petrobrás, em hidrelétricas, diz ex-diretor da estatal

“O ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa disse, em depoimento à Justiça Federal do Paraná, que empreiteiras que realizavam obras para a estatal pagavam propinas de 3% dos contratos para os partidos da base governista (PT, PP e PMDB) porque, segundo ele, temiam, em represália, ficar sem receber contratos em outras obras de outros ministérios ou estatais.

“— Se as empresas não pagassem as propinas na Petrobrás, os partidos políticos não iriam ver isso com bons olhos — disse Costa, que não informou se as empresas pagariam propina em contratos de outras áreas.

“— Os interesses mútuos dos partidos, dos agentes públicos e das empresas, visavam não só a obras da Petrobrás, mas também em hidrovias, ferrovias, hidrelétricas etc. A Petrobrás até tentou quebrar esse cartel, mas, como eu já disse, o número de grandes empresas é de um grupo muito pequeno. Eu até tentei colocar empresas de menor porte nas obas, mas fui tachado de doido, de que eu iria quebrar a cara, porque algumas empresas não iriam dar conta. Algumas quebraram, como a Santa Barbara, a AIT e a Tenassi. Elas quebraram nos contratos com a Petrobrás, mas outras foram em frente.

“Ao responder ao juiz Sérgio Moro se alguma empresa do cartel se recusou a pagar propina, Costa disse que ‘nunca aconteceu’. No depoimento, ele insinuou que havia influência dos partidos políticos também em outras obras do governo federal:

“— A cartelização funcionava na Petrobrás e fora da Petrobrás. Funcionou, por exemplo, na Repar (Refinaria do Paraná). Em Angra dos Reis e nas hidrelétricas do Norte do país. Primeiro, as empresas tinham interesses em outros ministérios, capitaneados pelos partidos políticos. As empresas que atuam na Petrobrás são as mesmas que atuam em obras de ferrovias, rodovias, aeroportos, portos, usinas hidrelétricas, de saneamento básico, no Minha Casa Minha Vida. Ou seja, em todos os programas a nível de governo tem partidos políticos interessados.

“Costa disse que as grandes empreiteiras sabiam que o dinheiro da propina poderia servir para financiar campanhas políticas em 2010. Procurado, o Palácio do Planalto informou que não comentaria o assunto.

“Os advogados do engenheiro Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobrás, entraram ontem com ação por crime contra a honra contra Costa no 9º Juizado Especial Criminal do Rio. Afirmam que Costa fez acusações falsas e sem apresentar provas de que Duque participasse de um esquema ilícito

“O advogado de Nestor Cerveró, ex-diretor da área Internacional da estatal, informou que seu cliente deixou o cargo em 2008, antes do período investigado. No entanto, Costa disse que o esquema passou a funcionar em 2005. Disse ainda que Costa fez declarações ‘em condições de constrangimento’ e que isso pode levar à invalidade das provas.

“Um relatório técnico da Polícia Federal esmiuçou números da Unidade de Coqueamento Retardado (UCR), da refinaria Abreu e Lima, obra a cargo do consórcio CNCC, liderado pela Camargo Corrêa. Concluiu que o CNCC repassou pelo menos R$ 38,750 milhões a título de ‘comissão’ pela obra da Unidade de Coqueamento Retardado (UCR) da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.

“O valor teria sido repassado por meio de uma fornecedora, a Sanko-Sider. Do valor foram descontados impostos e despesas, e R$ 27,7 milhões foram depositados em contas de empresas de fachada controladas pelo doleiro Alberto Youssef. Para a PF, o consórcio também levou vantagem. O lucro, que era de 9,96% do valor previsto no contrato original, com os aditivos que aumentaram o valor da obra chegou a 26%.” .” (Germano Oliveira e Cleide Carvalho, O Globo, 11/10/2014.)

* Nunca na história do país a corrupção alcançou dimensões tão abrangentes quanto nos governos Lula e Dilma

“‘Já estou de saco cheio. Todo ano é a mesma coisa’, reagiu o ex-presidente Lula às denúncias feitas à Justiça pelo ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa e pelo doleiro Alberto Youssef. Os dois acusaram o PT, o PMDB e o PP de receberem dinheiro desviado da Petrobrás.

“‘Que me desculpe o Pinguelli, mas ele não tem um único voto no Senado’ foi a explicação dada pelo ex-presidente Lula, em 2004, para demitir da presidência da Eletrobrás o professor da UFRJ Luiz Pinguelli Rosa e substituí-lo por Silas Rondeau, afilhado político do ex-senador José Sarney. Pinguelli durou 16 meses na estatal e voltou a dar aulas, Rondeau saiu três anos depois, acusado de corrupção na Operação Navalha, da Polícia Federal. Começava aí, na demissão de Pinguelli, em abril de 2004, a montagem de um extenso esquema de loteamento de cargos públicos entre os partidos aliados do governo que não ficou restrito aos ministérios – foi estendido às estatais e às agências reguladoras e, ao longo das gestões Lula e Dilma, causou graves prejuízos ao País, impostos por políticos ou seus emissários que assumiam fatias do poder para dali extrair dinheiro, favores e vantagens para seus partidos.

“Esse esquema não foi pontual nem episódico, espalhou-se por toda a administração pública e chegou à Petrobrás, maior empresa do País, orgulho dos brasileiros. Também não era um complemento, era o próprio mensalão. Se no Congresso o mensalão se expressava em mesadas aos parlamentares para deixarem os partidos da oposição ou aprovarem propostas do governo, nas estatais e nas agências ele era operado por políticos e apadrinhados a serviço dos partidos da base aliada.

“Lula e o PT passaram a defender tal esquema como necessário à governabilidade. E, quando começaram a pipocar casos e casos de corrupção, justificaram-se buscando companhia: sempre foi assim, em todos os governos, e no de FHC foi pior, diziam. Acertavam no diagnóstico, mas erravam na medida. No Brasil a corrupção esteve presente em sucessivos governos (que o digam Sarney e Collor), mas nunca na história deste país ela alcançou dimensões tão abrangentes. Parece mesmo ter sido tudo planejado a partir do mapeamento de cargos e favores para serem oferecidos aos partidos políticos. Em troca, o PT construiria maioria no Congresso, ganharia tempo na TV em campanhas eleitorais e concretizaria seu projeto de longa vida no poder.

“Na Petrobrás, o primeiro a cair foi o diretor de Abastecimento Rogério Manso, funcionário de carreira, de competência técnica reconhecida e respeitada na empresa. Manso foi demitido em abril de 2004 (logo depois de Pinguelli da Eletrobrás) para dar lugar ao hoje delator e alvo da Operação Lava Jato, Paulo Roberto Costa. Segundo registros da imprensa na época, o então presidente da estatal, José Eduardo Dutra (ex-senador pelo PT, ex-presidente da Petrobrás e depois do PT e hoje diretor da área de serviços da estatal), teria resistido a substituir Manso por Paulo Roberto, mas acabou por ceder às pressões de Lula e do PP.

“Em sua coluna de 1/5/2004 no jornal O Globo, o jornalista Jorge Bastos Moreno publicou oportuno diálogo entre Lula e o líder do PP na Câmara, Pedro Henry, que mostra a avidez do PP pelo cargo, a resistência de Dutra e o estilo fanfarrão de Lula quando dialoga com a classe política entre quatro paredes.

“Em café da manhã com a bancada do PP, Lula teria dito: ‘Ninguém cumpre minhas decisões. Eu não vou mais pedir, vou determinar. Quem não cumprir, demito!’. Ouviu de Pedro Henry: ‘O senhor determinou que ao PP fosse entregue a diretoria de Abastecimento da Petrobrás. Mas liguei para um tal de Diego (Diego Hernandez, chefe de gabinete de José Eduardo Dutra) e ele disse ‘não é bem assim. Tem de passar antes pelo Conselho e por uma série de procedimentos burocráticos’‘. E Lula: ‘Quem nomeou esse conselho fui eu! Eu posso demitir esse conselho! Eu posso demitir esse Diego’.

“Hoje Lula se diz ‘de saco cheio’ com o doleiro Youssef, lembrando seu empenho em atender o PP e nomear Paulo Roberto. E como anda o ‘saco’ dos brasileiros, Lula?” (Suely Caldas, Estadão, 12/10/2014.)

* Dilma reclama do “vazamento” de informações – mas não do vazamento, pelo ladrão, do dinheiro da Petrobrás

“Começam a brotar os detalhes daquele que se afigura como um dos maiores escândalos de corrupção da história brasileira – o assalto à Petrobrás, que teria movimentado ao menos R$ 10 bilhões. Os mais recentes depoimentos dos principais personagens desse escabroso esquema, montado para drenar os recursos da maior empresa estatal do País, revelam a quem foi repassado o produto do roubo – e, mais uma vez, como tem sido habitual ao longo dos governos lulo-petistas, aparecem fartas digitais do PT.

“Fica cada vez mais claro que figuras de proa desse partido – muitas das quais já foram presas por corrupção – permitiram na última década o arrombamento dos cofres do Estado por parte de delinquentes, servindo-se desse dinheiro para financiar seu projeto de poder.

“À Justiça Federal no Paraná, Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Refino e Abastecimento da Petrobrás e um dos pivôs do escândalo, confirmou que uma parte do dinheiro desviado financiou as campanhas do PT, do PMDB e do PP em 2010.

“Contando detalhes que só quem participou da operação poderia conhecer, Costa revelou que de 2% a 3% dos contratos superfaturados eram desviados para atender os petistas. Segundo ele, várias diretorias da estatal eram do PT. ‘Então, tinha PT na Diretoria de Produção, Gás e Energia e na área de Serviços. O comentário que pautava a companhia nesses casos era que 3% iam diretamente para o PT’, relatou o ex-diretor, em depoimento gravado. No caso de sua diretoria, Costa afirmou que os 3% eram repartidos entre o PP, ele e o doleiro Alberto Youssef, o outro operador do esquema. Já a Diretoria Internacional repassava os recursos desviados para o PMDB, segundo disseram Costa e Youssef.

“Costa afirmou que o contato dos diretores envolvidos nos desvios era feito ‘diretamente’ com João Vaccari Neto, tesoureiro do PT. O nome de Vaccari Neto foi confirmado por Youssef, que também prestou depoimento à Justiça Federal.

“Os tentáculos do esquema não se limitavam às diretorias da Petrobrás. Em 2004, segundo declarou Youssef, os ‘agentes políticos’ envolvidos no escândalo pressionaram o então presidente Lula a nomear Costa para a Diretoria de Refino e Abastecimento, ameaçando trancar a pauta do Congresso. ‘Na época, o presidente ficou louco e teve de ceder’, disse o doleiro. Esse relato, se confirmado, revela como a máfia instalada na Petrobrás se sentia à vontade para manipular até mesmo o presidente da República e o Congresso em favor de seus interesses criminosos. E essa sem-cerimônia talvez se explique pelo fato de que membros proeminentes do próprio partido de Lula, a julgar pelos depoimentos, estavam cobrando pedágio e se beneficiando da roubalheira na estatal.

“Os depoimentos de Costa e de Youssef foram os primeiros dados à Justiça depois do acordo em que decidiram contar tudo o que sabem em troca de redução de pena. Se oferecerem informações falsas, perderão imediatamente o benefício – logo, os dois têm total interesse que sua delação seja levada a sério.

“Além disso, ambos ofereceram atas e documentos que, segundo eles, comprovariam as reuniões da quadrilha, os esquemas de pagamento e as transações para lavagem de dinheiro em empresas offshore. As autoridades sabem que estão lidando com material explosivo. Segundo a defesa de Youssef, ele e Costa foram apenas operadores do esquema – os verdadeiros líderes ‘estão fora desse processo, são agentes políticos’.

“Diante da enorme gravidade dos fatos até aqui relatados, e ante a certeza de que se trata apenas de uma fração de um escândalo muito maior, seria legítimo esperar que Lula e a presidente Dilma Rousseff viessem a público para dar explicações convincentes sobre o envolvimento de seus correligionários nos crimes relatados. No entanto, Dilma preferiu queixar-se do vazamento dos depoimentos de Costa e de Youssef – como se o mais importante não fosse o vazamento, pelo ladrão, de dinheiro da Petrobrás. Já a reação de Lula foi típica daqueles que se consideram moralmente superiores: ele se disse ‘de saco cheio’ das denúncias de corrupção contra o PT. Pois os brasileiros podem dizer o mesmo.” (Editorial, Estadão, 12/10/2014.)

* “Lula está de saco cheio. Eu também!”

“Cuidado! Nada de acreditar no que disseram à Polícia Federal e à Justiça Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás, e Alberto Youssef, doleiro, sobre o esquema de desvio de R$ 10 bilhões da empresa para beneficiar políticos em geral e alguns partidos em particular – PT, PMDB e PP.

“Os dois podem estar mentindo.

“Quando comprovada de fato, a verdade deverá ser muito pior. Duvida?

“Gaba-se a presidente Dilma Rousseff – e Lula também – da liberdade com que atua a Polícia Federal.

“Sempre que se descobre um novo escândalo envolvendo o PT e seus aliados mais fiéis, Dilma corre a exaltar as virtudes republicanas do seu governo e dá a entender que a Polícia Federal só procede assim porque ela deixa. Como se a Polícia Federal fosse um órgão de governo e não de Estado.

“Aqui cabem pelo menos duas perguntas.

“Se é marca da Era PT o empenho dos governos em colaborar nas investigações de malfeitos por que há sete meses a Polícia Federal tenta ouvir Lula em um processo sobre restos do mensalão e simplesmente não consegue?

“Lula está para ser interrogado na condição de eventual testemunha – jamais de réu. Como ex-presidente, escolherá hora e local para depor. Não o faz.

“A segunda pergunta: se Dilma repele com veemência a insinuação de que possa não se interessar pelo combate à roubalheira por que então barra qualquer iniciativa das duas CPIs da Petrobrás de apurar o que se passou na empresa nos últimos 12 anos?

“Só a Polícia Federal pode ser livre? ‘Eu sou a favor de, doa a quem doer, as pessoas têm que responder pelo que fazem, seja de que partido for’, prega Dilma. Não convence.

“Arrisco-me a ser impiedoso com a presidente por entender que o jornalismo não cobra piedade de quem o exerce, mas senso de justiça.

“Dilma posa de incorruptível, e deve ser. Nada se conhece que indique o contrário. Quanto a ser conivente com a corrupção…

“Ela o é, assim como a maioria dos governantes por toda parte.

“Paulo Roberto roubou desde que foi nomeado por Lula diretor da Petrobrás. Lula ignorava o que Paulo Roberto fazia por lá a serviço do PP?

“O que fazia meia dúzia de diretores nomeados também por ele a pedido do PP, PT e PMDB?

“Dois anos antes de se eleger presidente, Dilma convidou Paulo Roberto para o casamento de sua filha. Não sabia que ele era ladrão?

“Demitiu-o ‘a pedido’ em 2012. Paulo Roberto deixou a Petrobrás cercado de elogios. Dilma desconhecia seu prontuário?

“Ora, faça-me o favor!

“Na semana passada, Dilma cogitou demitir Sérgio Machado, um economista cearense que há mais de 10 anos preside a Transpetro, subsidiária da Petrobrás. Paulo Roberto contou à Justiça que recebeu de Sérgio R$ 500 mil em espécie.

“O padrinho de Sérgio é Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, citado por Paulo Roberto como envolvido com a corrupção na Petrobrás. Além de cogitar, o que mais fez Dilma?

“De volta de um comício em Maceió, onde ao lado do senador Fernando Collor segurou no microfone para que discursasse Renan Filho, governador de Alagoas, Dilma esbarrou na oposição de Renan, o pai, à demissão de Sérgio. E deixou de cogitá-la.

“Para demitir Sérgio seria preciso que Dilma conseguisse o afastamento de João Vaccari Neto do cargo de tesoureiro do PT, argumentou Renan. Vaccari é outro emporcalhado pela lama da Petrobrás.

Lula disse que está de ‘saco cheio’ com denúncias de corrupção contra o PT feitas às vésperas de eleições.

“Eu também estou.

“E você?” (Ricardo Noblat, O Globo, 13/10/2014.)

* O doleiro Youssef tinha acordo de sigilo com a Petrobrás, diz a Polícia Federal

“Nos computadores de Alberto Youssef, alvo da Operação Lava Jato, a Polícia Federal encontrou um ‘acordo de confidencialidade’ entre a Petrobrás Distribuidora e a CSA Project Finance Ltda., controlada pelo ex-deputado do PP José Janene (que morreu em 2010) e pelo doleiro e usada para lavar R$ 1,15 milhão do mensalão.

“Para os investigadores, a minuta do acordo indicaria que Youssef e Janene, envolvidos no esquema acusado de desviar recursos da obra da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, também atuaram no leilão para erguer e operar a Usina Termelétrica Suape II, em terreno ao lado da área onde, em 2008, começaria a construção da unidade petrolífera.

“O arquivo no computador do doleiro também coloca sob suspeita a versão da estatal, uma subsidiária da Petrobrás, de que desconhecia a ligação de duas de suas sócias no empreendimento da usina com a CSA.

“O documento tem data de janeiro de 2007 e o leilão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ocorreu em outubro daquele ano. Movida a óleo combustível e com capacidade total de fornecer 350 MW para a refinaria, Supae II previa investimento de R$ 590 milhões.

“O consórcio vencedor foi formado pela MPE Montagens e Projetos Especiais, BR Distribuidora, Ellobras Infra-Estrutura e Participações, Genrent Participação Ltda. e Genpower Energy Participações.

“A Ellobras e a Genpower são controladas pela CSA, empresa de Janene e Youssef. As duas somam 40% das cotas do consórcio. As outras três tinham 20% cada, incluindo a BR. Após 40 dias, Ellobras e Genpower negociam com um outro consórcio de infra-estrutura a venda de seus 40% na termelétrica. A CSA e uma instituição financeira levaram cerca de 3% do valor bruto da transação.

“Em 2011, a Petrobrás assumiu o controle da termelétrica, depois de o consórcio ter deixado o controle da concessão.

“Em agosto passado, quando a denúncia da Procuradoria foi divulgada, informando que a BR Distribuidora tinha sido sócia de duas empresas ligadas à CSA, a estatal negou a parceria com a Ellobras e Genpower. ‘Desconhecemos haver qualquer relação da Ellobras e Genpower nesse negócio da termelétrica Suape II, com a empresa CSA Project Finance, relacionada ao sr. Alberto Youssef’, dizia a nota.

“Para os investigadores, a análise nos computadores de Youssef comprovaria que a própria CSA elaborou a minuta do termo de confidencialidade com a BR Distribuidora. No documento, que não está assinado, constam um representante da estatal e um da empresa.

“De acordo com a PF, o texto diz que as partes acordam que ‘iniciarão relacionamento comercial envolvendo aspectos operacionais estratégicos de suas atividades (…) deverão trocar informações confidenciais sobre dados, pesquisas, estratégia, resultados financeiros, segredos comerciais e similares, de forma oral, escrita, ou eletrônica, de propriedade e interesse, conforme o caso, da CSA e da BR’. A Petrobrás foi procurada e não respondeu à reportagem.” (Ricardo Brandt e Fausto Macedo, Estadão, 13/10/2014.)

* Ministério Público e Associação de Juízes reagem às críticas de Dilma e dizem que atuação na Operação Lava Jato é “técnica, imparcial e apartidária”

“Em resposta às queixas da presidente Dilma Rousseff e do PT de que houve ‘vazamento’ em período eleitoral de depoimentos prestados semana passada pelo ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa e pelo doleiro Alberto Youssef, ambos em processo de delação premiada, a Procuradoria Geral da República no Paraná e a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) divulgaram notas ontem em defesa do juiz Sérgio Moro e dos procuradores que estão à frente das investigações da Operação Lava-Jato na Justiça Federal do Paraná.

“A nota do Ministério Público Federal diz que sua atuação, assim como a da Polícia Federal e a do Poder Judiciário, é ‘estritamente técnica, imparcial e apartidária’, que o processo é público e que os depoimentos obedeceram ‘aos prazos fixados para procedimentos de réus presos’.

“‘A atuação da Polícia Federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário, nos procedimentos decorrentes da Operação Lava-Jato, que tramitam perante a 13ª Vara Federal Criminal, é estritamente técnica, imparcial e apartidária, buscando adequadamente elucidar todos os fatos para, se for o caso, serem aplicadas punições a quem quer que sejam os responsáveis. Outras declarações prestadas pelos acusados, em procedimentos investigativos que não fazem parte deste processo, possuem regramento próprio e não podem ser confundidos com os interrogatórios da ação penal pública’, diz a nota do MPF.

“Costa e Youssef prestaram depoimento numa ação penal em que são acusados de desvio de recursos decorrentes de superfaturamento de contratos na Petrobrás. Eles disseram que parte dos recursos eram desviados para PT, PMDB e PP. Em entrevista semana passada, Dilma disse ser ‘muito estarrecedor’ que se faça a divulgação de depoimentos como esses durante a campanha eleitoral, e afirmou que as investigações não podem ser feitas com ‘manipulações políticas’.

“A Ajufe, em nota assinada também pela Associação Paranaense dos Juízes Federais (Apajufe), ressalta que a regra dos processos judiciais é que eles sejam públicos. A entidade observa que as dez ações penais abertas no Paraná sobre o tema não estão protegidas por segredo judicial. Afirma que apenas os depoimentos no âmbito do procedimento de delação premiada são sigilosos e que ‘não se confundem com as declarações prestadas ou que ainda serão prestadas na referida ação penal, que são de caráter público’.

“‘Diante disso, declaramos total apoio e confiança no trabalho desenvolvido com zelo e responsabilidade pela Justiça Federal do Paraná a partir da investigação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal na denominada Operação Lava-Jato. A Ajufe e Apajufe não aceitam qualquer declaração que possa colocar em dúvida a lisura, eficiência e independência dos magistrados federais brasileiros’, diz a nota.

“Também a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) disse que os procuradores do Paraná trabalham ‘alheios a influências políticas’: ‘As investigações, tanto cíveis como criminais, do Ministério Público Federal – bem como de todo o Ministério Público brasileiro -, são invariavelmente notabilizadas pela inteira independência e não sujeição a qualquer tipo de ingerência, pautando-se única e exclusivamente pelo atendimento ao interesse público e pela mais rigorosa legalidade’.

“Segundo o Ministério Público Federal em Curitiba, o processo ‘segue preceitos legais’. O processo não é sigiloso ou secreto, portanto, podendo ser ‘acessado por qualquer pessoa’.

“‘Os depoimentos colhidos nas ações penais como regra são públicos, no propósito de assegurar ao réu julgamento justo e imparcial, não secreto, bem como de garantir à sociedade a possibilidade de fiscalização e acompanhamento da atuação do Poder Judiciário e do Ministério Público. Como expressão do direito de defesa, no caso em questão, os réus tiveram a oportunidade de esclarecer, no término da fase de instrução processual, em seus interrogatórios, os fatos pelos quais estão sendo acusados. Desde maio deste ano o procedimento é público, e por esse motivo os depoimentos e suas gravações podem ser acessados por qualquer pessoa, sem restrição. Os depoimentos obedeceram aos prazos fixados para procedimentos com réus presos, os quais possuem o direito de serem julgados no menor prazo possível, independentemente de considerações externas ao seu processo. Eventual adiamento de atos poderia acarretar a soltura dos réus em decorrência de excesso de prazo, quando sua prisão foi decretada por estrita necessidade cautelar’, diz a nota do MPF.

“Ontem (13/10), o PT protocolou mais uma vez na Procuradoria Geral da República e no Supremo Tribunal Federal pedido de acesso à delação premiada feita por Paulo Roberto Costa, que se mantém em segredo de Justiça. Em outra frente, o PT protocolou no Ministério Público do Paraná processo de difamação contra o ex-diretor.

“- Estamos vendo vazamentos seletivos da delação premiada sem que a gente tenha qualquer chance de se defender – disse o presidente do PT, Rui Falcão.

“O tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, foi citado como parte do esquema de desvio de dinheiro da Petrobrás para partidos políticos. Ele negou as acusações.” (O Globo, 14/10/2014.)

* Os petistas agora desencadeiam uma campanha sórdida contra o juiz Sérgio Moro

“A tese de que a Justiça deve prestar atenção ao calendário eleitoral para julgar seus casos mais polêmicos que envolvam políticos foi desenvolvida primeiro pelo ex-presidente Lula, que pressionou o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes para que trabalhasse pelo adiamento do julgamento do processo do mensalão alegando que ele coincidiria com a eleição para Prefeito e poderia prejudicar o PT, sobretudo em São Paulo.

“O STF manteve seu calendário próprio e o PT elegeu Fernando Haddad para a Prefeitura paulistana. Agora, os petistas de maneira geral e seus aliados na imprensa, especialmente nos blogs patrocinados pelo governo, desencadeiam uma campanha sórdida contra o Juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal do Paraná, atribuindo a uma manobra dele a divulgação dos depoimentos do ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa e do doleiro Yousseff relatando como se processava o esquema de corrupção dentro da estatal, que transferia dinheiro desviado de grandes obras para os cofres dos partidos políticos PT, PP e PMDB.

“Até mesmo dizer que o juiz estaria agindo de maneira célere para ajudar o candidato do PSDB, Aécio Neves, e em recompensa, ser nomeado para o Supremo Tribunal Federal (STF) em um eventual governo tucano, foi aventado. Em primeiro lugar, sempre se pediu que a Justiça brasileira fosse mais rápida, e quando um Juiz cumpre seu dever, é acusado de estar levando o processo rápido demais.

“A insinuação maldosa de que estaria trabalhando para ser nomeado para o STF tem base em uma lista tríplice organizada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) para indicar nomes em substituição a Joaquim Barbosa. Moro foi o mais votado dos três, o que não garante a sua nomeação, pois não é através de associações de classe que são escolhidos os ministros do Supremo. O lugar na lista, no entanto, mostra que ele é bem avaliado por seus pares, o que o faz naturalmente um candidato sério à uma vaga no STF.

“O juiz Sérgio Moro, aliás, é reconhecido como uma especialista em lavagem de dinheiro e trabalhou assessorando a ministra Rosa Weber durante o julgamento do mensalão. Sua escolha foi uma indicação, comentada na época, de que a ministra seria dura com os réus, pois Moro tem fama de ser bastante rigoroso.

“Essa fama, justamente, indica que ele não transgrediria a lei para beneficiar politicamente este ou aquele partido. Ele já dera uma entrevista explicando que os atuais depoimentos não se referem à delação premiada, que, esta sim, é protegida pelo segredo de Justiça. Ontem (13/10) foi a vez da mesma Ajufe divulgar nota hoje defendendo o trabalho da Justiça Federal no Paraná, no caso da divulgação dos depoimentos do ex-diretor da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, e do doleiro Youssef.

“A nota esclarece mais uma vez que os processos judiciais ‘são públicos e qualquer pessoa pode ter acesso, inclusive às audiências, salvo nas hipóteses de segredo de Justiça, de acordo com as previsões legais dos artigos 5º, LX, e 93, IX da Constituição’. As dez ações penais da Operação Lava Jato na 13ª vara federal da Justiça Federal do Paraná não correm em segredo de justiça, incluindo a dos interrogatórios de Costa e Youssef. De acordo com a nota, tais depoimentos não devem ser confundidos com outros realizados decorrentes de acordo de delação premiada.

“Estes últimos, sob análise do Supremo Tribunal Federal, estão em segredo de justiça. Justamente por isso o juiz Sérgio Moro instruiu os réus a não citarem neste depoimento nomes de personagens que tenham foro privilegiado, como parlamentares e governadores, pois nesses casos somente o STF ou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) podem atuar.

“O que é de espantar é que até o momento não se tenha ouvido uma palavra de repúdio aos atos relatados pelos dois réus. Como para receber os benefícios da delação premiada os acusadores precisam provar as denúncias que apresentam, o fato de o ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa estar em prisão domiciliar, com uma tornozeleira eletrônica, significa que ele provou o que disse na delação premiada.

“São, portanto, não denúncias vazias, mas graves, que, pela primeira vez no Brasil, descrevem em minúcias uma cadeia de corrupção institucionalizada não apenas na maior estatal brasileira, mas em diversas obras governamentais. Esse sim é um fato estarrecedor, que deve provocar uma crise institucional gravíssima no país nos próximos anos, quando deputados, senadores e governadores eleitos poderão ser denunciados por corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, peculato, superando em gravidade até mesmo o mensalão.” (Merval Pereira, O Globo, 14/10/2014.)

* A tese de “golpe eleitoral” é insustentável; o estranho é a candidata se mostrar indignada com a publicação de relatos de Costa e Youssef, mas não com o conteúdo das revelações sobre a Petrobrás

“Não se duvida que depoimentos prestados pelo ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef, sobre um avantajado esquema de corrupção montado na estatal, sejam ruins para a campanha à reeleição da presidente Dilma, o PT e partidos aliados envolvidos na trama, PMDB e PP.

“Daí, porém, considerar tudo uma conspiração para sabotar a campanha da petista, vai enorme distância. Bem como dizer que a vitória será de Aécio Neves devido à divulgação de trechos dos testemunhos.

“‘Golpe’ foi o termo usado pela própria candidata-presidente para qualificar a publicação pela imprensa de texto e áudio ‘vazados’ de depoimentos de Paulo Roberto e Youssef`ao Ministério Público e à Justiça sobre as delinquências cometidas dentro da estatal para drenar dinheiro público da empresa, a fim de financiar políticos, partidos e, como nunca deixa de acontecer, o enriquecimento de pessoas físicas.

“O juiz federal do Paraná Sérgio Moro, responsável pelo processamento judicial das acusações feitas contra Costa, Youssef e outros a partir de provas colhidas pela operação Lava-Jato, da PF, negou que tenha havido qualquer vazamento. Moro esclareceu, em despacho, que, por se tratar de ação penal, ela é pública. Tanto que o próprio juiz havia liberado os depoimentos para a CGU e à CPI mista sobre a Petrobrás.

“Numa avaliação sensata dos fatos, conclui-se que seria necessária uma inverossímil conspirata coordenada entre a PF, o juiz federal paranaense e um ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki, a quem é remetido o material sobre o envolvimento de políticos com foro privilegiado, para que esses depoimentos fossem prestados a tempo de influenciar num eventual segundo turno das eleições.

“A Lava Jato começou em 17 de março e os interrogatórios de Paulo Roberto e Youssef foram marcados em 19 de setembro. E quem acusa o juiz do Paraná se esquece que o segredo de justiça protege apenas o material de responsabilidade do ministro Zavascki.

“Mas como eleições são terreno propício a teorias conspiratórias, cria-se um enredo de ficção de uma intrincada coordenação entre braços do Estado tão independentes entre si.

“Causa estranheza é a primeira reação da candidata-presidente ter sido se indignar com o fato de partes dos depoimentos de Alfredo Youssef e Paulo Roberto Costa virem a público, sem dar qualquer importância ao gravíssimo conteúdo do que estava sendo revelado.

“Isto, sim, deveria levar Dilma Roussef a vociferar contra a corrupção praticada por um esquema montado em sua jurisdição. Pois, quando Paulo Roberto foi nomeado diretor de Abastecimento da estatal, em 2004, Dilma já acumulava o posto de ministra das Minas e Energia com a presidência do Conselho de Administração da Petrobrás, deixada por ela apenas em 2010.” (Editorial, O Globo, 14/10/2014.)

* Golpe houve quando os petistas e seus comparsas avançaram sobre os cofres da Petrobrás

“A doutora Dilma chamou de ‘golpe’ a exposição dos depoimentos de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobrás, e do operador financeiro Alberto Youssef. Pode-se achar que tenha sido meio girafa a escolha da ocasião, entre os dois turnos eleitorais. Mesmo assim, o juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, ouviu-os no desempenho de suas atribuições e tinha obrigação tornar públicas as informações que recebeu. ‘Golpe’ houve quando a dupla e seus comparsas delinquiram.

“Como aconteceu no caso do mensalão, o comissariado fez várias apostas e perdeu todas. Houve um dia em que o governo poderia ter saído da crise, tomando o caminho da moralidade: 19 de março de 2014. Na véspera, respondendo a uma indagação da repórter Andreza Matais, a doutora Dilma redigiu uma nota dizendo que, como presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, aprovara a compra da Refinaria de Pasadena baseada em ‘informações incompletas’ de um parecer ‘técnica e juridicamente falho’. Era só continuar nessa linha.

“No dia 20 de março a Polícia Federal prendeu Paulo Roberto Costa. Tratava-se de uma investigação relacionada com suas transações com Youssef, um notório operador de ilegalidades, que já passara por dois escândalos.

“Se o comportamento do Planalto e a ação da Polícia Federal tivessem andado na mesma direção, teria sido possível abrir a caixa-preta da Petrobrás. Doeria, mas seria uma boa marca para o governo. Como no caso do mensalão, os sábios resolveram fazer o contrário. Deram marcha a ré e criou-se um ‘gabinete de crise’ para lidar com o problema provocado pela nota de Dilma. Erro, a nota não era a origem de um problema, mas de uma solução.

“Youssef e o ‘amigo Paulinho’ (diminutivo carinhoso usado por Lula) continuavam na cadeia. O comissariado sabia que empreiteiras, fundos de pensão, fornecedores e políticos haviam caído na rede da investigação. Temia-se que Paulo Roberto Costa virasse um ‘homem-bomba’. O comissariado operou e ‘Paulinho’ passou com louvor por uma CPI. Disse que tinha R$ 1,2 milhão em casa para fazer pagamentos e o líder do PT considerou sua fala ‘satisfatória’. Não se tratava mais de fingir que não se sabia, mas de encobrir o óbvio. Apostaram que o ‘amigo’ ficaria calado e levaram a bomba para dentro do governo.

“Parecia possível empurrar o caso com a barriga, pedindo-se até mesmo a anulação das provas já conseguidas. Em junho, o governo suíço bloqueou US$ 23 milhões que o ‘amigo’ guardava no ultramar. Ele voltou a ser preso e dois meses depois começou a colaborar com a Viúva. Youssef acompanhou-o. Deu no que deu e no muito que dará.

“O governo apostou no efeito barriga. A blindagem chegou ao absurdo quando a doutora Dilma disse que demitira o ‘amigo Paulinho’. A ata da Petrobrás informa que ele pediu demissão, mas ela acrescentou que esse é um ‘direito’ dos servidores. Errado, não existe esse direito. Na ata onde está o registro de sua saída lê-se que o presidente do conselho da Petrobrás, ministro Guido Mantega, ‘determinou o registro do agradecimento do colegiado ao diretor que deixa o cargo, pelos relevantes serviços prestados à companhia’. Falta definir ‘relevantes serviços’.” (Elio Gaspari, O Globo, 15/10/2014.)

* Falar em golpe é demonstração de que Dilma perdeu definitivamente a compostura

“Decerto preocupada com a possibilidade real de derrota no segundo turno, a presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição, parece ter definitivamente perdido a compostura. Em comício em Canoas (RS), na semana passada, a petista deixou toda a prudência de lado e acusou a oposição de tramar um ‘golpe’.

“Que não se considere menor essa gravíssima denúncia apenas pelo fato de que ela foi feita em meio ao natural improviso palanqueiro. Dilma sabia muito bem o que estava dizendo e a quem se dirigia quando declarou, em outras palavras, que seus adversários estariam em pleno curso de uma ruptura institucional com o propósito de apear o PT da Presidência.

“A acusação de Dilma foi uma reação à repercussão dos depoimentos prestados à Justiça Federal pelos principais operadores do gigantesco escândalo de corrupção na Petrobrás, o ex-diretor Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef. Ambos relataram, em detalhes, como o PT recebia parte da propina cobrada de empresas que tinham contratos com a estatal.

“‘Eles jamais investigaram, jamais puniram, jamais procuraram acabar com esse crime horrível, que é o crime da corrupção’, discursou Dilma, referindo-se, como sempre de forma genérica e leviana, aos governos tucanos. ‘Agora, na véspera eleitoral, sempre querem dar um golpe. Estão dando um golpe. Esse golpe, nós não podemos concordar.’

“Ao usar três vezes a palavra ‘golpe’ na mesma declaração, Dilma ultrapassou os limites da civilidade. Embora ela própria já tenha dito que, em época de eleição, se pode ‘fazer o diabo’, uma presidente da República deve saber que não pode destruir pontes com nenhuma parte da sociedade, pois ela governa para todos, e não somente para seus simpatizantes. Quando diz, com todas as letras, que a oposição é ‘golpista’, Dilma liquida qualquer possibilidade de diálogo, num eventual segundo mandato, com aqueles que representam cerca de metade dos eleitores do País.

“A acusação de que a oposição ao PT e os críticos do governo são ‘golpistas’ é recorrente entre os militantes petistas. Na visão dessa turma, que se baseia na mitologia lulista, opor-se a um governo que descobriu o Brasil em 2003 só pode ser sedição. Enquanto era verbalizada apenas pela virulenta claque petista, essa diatribe não causava danos significativos. Mas, quando é a própria presidente da República que decide vocalizar tamanha sandice, que não encontra nenhum respaldo na realidade, isso significa que o Brasil, sob o PT, entrou de vez no clube dos bolivarianos – aqueles países governados por líderes autoritários que dividem a sociedade em ‘nós’ e ‘eles’ e que denunciam ‘golpes’ a todo momento para justificar seus apuros.

“Para sustentar sua teoria da conspiração, Dilma sugeriu que os depoimentos dos envolvidos no escândalo da Petrobrás foram deliberadamente vazados para servir à ‘manipulação política’ por parte da oposição. ‘Eu acho muito estranho e muito estarrecedor que, no meio de uma campanha, façam esse tipo de divulgação’, disse a presidente.

“No entanto, os depoimentos a que ela se referiu não foram ‘vazados’. A ação na qual eles foram colhidos não corre em segredo de Justiça – e, nesses casos, a Constituição manda dar publicidade ao processo. Pelo cargo que ocupa, Dilma deveria saber disso, especialmente antes de fazer acusações tão graves. Mas o comitê de campanha da presidente não parece se importar com o que determina a lei, pois pretende recorrer ao Supremo Tribunal Federal e à Procuradoria-Geral Eleitoral, sabe-se lá com que argumentos, para impedir que esses depoimentos continuem a ser publicados.

“Assim, preocupa observar que, ademais de sua incapacidade como presidente, Dilma agora flerta com o autoritarismo daqueles que não conseguem aceitar o contraditório e a alternância no poder. Ela incorporou a seu discurso as teses de uma militância rastaquera – que pode falar o que bem entende porque não tem responsabilidades institucionais. Se atribui a seus adversários intenções golpistas, segue-se que Dilma deslegitimará o resultado das urnas, se este lhe for desfavorável. Definitivamente, não é uma atitude digna de alguém que preze a democracia.” (Editorial, Estadão, 15/10/2014.)

* “Novos poços de prospecção nesse campo de corrupção na Petrobrás aparecem em bases diárias”

“O escândalo na Petrobrás é como um grande campo exploratório com muitos poços de prospecção.

“A cada dia aparece um furo novo de onde jorrava dinheiro para financiamento político. A resposta da presidente Dilma de que divulgar isso é um ‘golpe’ é a mesma que apareceu na época do mensalão. Que golpe é a Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça apurarem crimes contra cofres públicos?

“Se os fatos têm aparecido em época inconveniente para a candidatura à reeleição, nada se pode fazer. O combate à corrupção não pode parar por causa do calendário eleitoral. Os órgãos que receberam a denúncia, apuram, descobrem, tomam os depoimentos da delação premiada, e divulgam o que não está sob segredo de Justiça. Nada fizeram de errado; cumpriram apenas o seu dever.

“A Petrobrás é muito maior do que o campo de corrupção que está sendo descoberto. Ela tem 60 anos, uma história de serviços prestados ao País e funcionários em sua imensa maioria comprometidos com os objetivos do desenvolvimento econômico. As investigações fortalecem a empresa e não o contrário. Quem enfraquece a Petrobrás é quem foi leniente na fiscalização dos negócios feitos em nome da companhia.

“Novos poços de prospecção nesse campo de corrupção aparecem em bases diárias. Na relação com fornecedores, fundos de pensão e empreiteiras. Onde se fura, acha. Ontem foi a vez do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Antes, nesta semana, descobriu-se que na termelétrica construída ao lado da refinaria Abreu e Lima, a BR Distribuidora entrou como sócia minoritária junto com duas empresas de José Janene e Alberto Yousseff, o doleiro preso e que está depondo em delação premiada.

“Poço muito mais rentável foi a própria construção da refinaria, cujo custo explodiu com aditivos que ignoraram até os alertas dos técnicos da empresa. Eles achavam que acima de US$ 10 bilhões o negócio era inviável. O orçamento original era US$ 2,5 bilhões e está em US$ 18 bilhões. Desse poço jorrou muito combustível aditivado para o esquema.

O Globo informou que a compra de combustíveis no exterior alimentou três contas secretas mantidas lá fora e administradas por genros do réu Paulo Roberto Costa. Para se ter uma idéia da profundidade desse poço: o Brasil importou US$ 40,5 bilhões de combustíveis em 2013. As compras cresceram muito nos últimos anos. Outro poço de extração vinha do fretamento de navios para trazer o produto.

“A refinaria de Pasadena foi também uma jazida promissora. Bastou fechar os olhos para o evidente sobrepreço do ativo, comprado pela Astra a US$ 42 milhões e adquirido dela por US$ 1,18 bilhão. Nem os conselheiros impediram.

“As empreiteiras que fizeram operações com diretorias ligadas aos negócios da prospecção de corrupção irrigaram esse campo e agora terão que se explicar à Justiça.

“Os áudios dos depoimentos do doleiro Alberto Youssef e do ex-diretor da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, divulgados pelo juiz Sérgio Moro mostram a proliferação dos poços de exploração desse imenso campo de corrupção. O esquema de prospectar dinheiro para os partidos na maior empresa brasileira é estarrecedor. A divulgação é esclarecedora e há chance de correção do roubo. O Juiz Moro deu publicidade ao que devia dar e não divulgou o que está sob sigilo: o que os réus disseram na delação premiada. A tentativa da presidente Dilma de condenar a divulgação, e não o crime, foi rechaçada pelo Ministério Público e pela Associação dos Juízes.

“A Petrobrás será beneficiada quando desativarem esse campo de prospecção de financiamento partidário porque poderá se dedicar ao que sempre soube fazer tão bem: explorar petróleo.” (Míriam Leitão, O Globo, 16/10/2014.)

* “Classificar de vazamento a divulgação legítima dos depoimentos e atribuir dolo ao comportamento do juiz Sérgio Moro só pode ser produto de má-fé”

“A esta altura dos acontecimentos, diante das devastadoras evidências que se tornaram de conhecimento público, talvez nem o mais fanático dos petistas tenha dúvida de que a bandalheira rolou solta na Petrobrás. São evidências tão robustas que é inútil tentar negá-las. Por essa razão, nem Dilma Rousseff nem o PT se atrevem a fazê-lo. Mas procuram minimizar os efeitos eleitorais do escândalo apelando para jogo de cena, deliberada confusão de informações e outras manobras diversionistas. Não contestam as acusações, mas o fato de terem sido divulgadas. E por esse crime de que se dizem vítimas, culpam a Justiça.

“À frente de um grupo de deputados petistas que chegaram pisando duro, o presidente do partido, Rui Falcão, protocolou na Procuradoria-Geral da República e no Supremo Tribunal Federal (STF) pedidos de acesso à integra da delação premiada do ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa. Argumentam que conhecer o inteiro teor dessas declarações é indispensável para que o partido possa ‘fazer o exercício mínimo do contraditório’.

“Mero pretexto, já que o verdadeiro objetivo da iniciativa é desviar a atenção do escândalo, fazendo pesadas acusações contra o juiz Sérgio Moro, da 13.ª Vara da Justiça Federal do Paraná, responsável pela condução dos processos decorrentes da Operação Lava Jato. Sem citar o magistrado, o PT denuncia como violação da lei o fato de aquele juiz ter permitido, com motivação política, em pleno processo eleitoral, o vazamento de depoimentos sigilosos.

“‘Esta divulgação’, afirmam os petistas, ‘é uma forma transversa de violar o sigilo da colaboração premiada’ e significa ‘divulgação irresponsável de declarações graves e levianas desacompanhadas até agora de qualquer prova’. Com isso, o argumento do PT escamoteia o fato de que Paulo Roberto Costa já obteve o benefício do abrandamento da pena, o que indica que cumpriu o acordo de apresentar provas de suas acusações.

“Mas o que, de fato, importa é que as acusações contra Moro não têm o menor fundamento. Uma coisa são as dez ações penais resultantes da Lava Jato que correm na 13.ª Vara da Justiça Federal do Paraná. São processos públicos a que qualquer pessoa pode ter acesso, inclusive às audiências. Outra coisa são os depoimentos prestados por Paulo Roberto Costa no processo decorrente de acordo de delação premiada, que se desenvolve em segredo de Justiça, sob supervisão do STF.

“Daí que classificar de vazamento a divulgação legítima dos depoimentos e atribuir dolo ao comportamento do juiz Sérgio Moro só pode ser produto de má-fé.

“Moro é conhecido e respeitado pelo rigor com que trabalha e que demonstrou ao assessorar a ministra Rosa Webber no julgamento do mensalão. As acusações de que foi alvo por parte dos petistas foram veementemente repudiadas, em nota oficial conjunta, pela Associação dos Juízes Federais (Ajufe) e pela Associação Paranaense dos Juízes Federais.

“A atitude do PT, decidida em articulação com o comando da campanha reeleitoral de Dilma, da qual Rui Falcão é o coordenador-geral, é a repetição do mesmo desrespeito ao Poder Judiciário que o partido demonstrou quando assacou aleivosias contra outro magistrado, o ministro e depois presidente do STF Joaquim Barbosa, durante e após o julgamento do mensalão. É como o lulo-petismo, que se considera dono do Estado, trata a Justiça e seus agentes sempre que sente seus próprios interesses contrariados.

“Esse lamentável episódio demonstra também muito claramente o que é a ‘guerra sem trégua’ à corrupção na qual a presidente Dilma Rousseff e o PT se declaram empenhados. Em todas as suas manifestações públicas nas últimas semanas, a candidata em campanha não deixou passar nenhuma oportunidade para se declarar ‘a pessoa mais empenhada do País na rigorosa punição de corruptos e corruptores’.

“A medida da seriedade com que os donos do poder tratam as denúncias de corrupção na Petrobrás está expressa na debochada manifestação de Lula, dias atrás, quando confrontado com o assunto: ‘Estou com o saco cheio disso’.” (Editorial, Estadão, 16/10/2014.)

* Polícia Federal fecha elo de propina no fundo de pensão da Petrobrás

“A Polícia Federal acredita ter conseguido fechar o ciclo de uma transação que teria envolvido o pagamento de propina de R$ 500 mil a dois diretores do fundo de pensão dos funcionários da Petrobrás, feito com empresas do ex-deputado federal José Janene (PP-PR), morto em 2010, e do doleiro Alberto Youssef – um dos alvos centrais da Operação Lava Jato – e que causou prejuízo de R$ 13 milhões ao órgão.

“No computador de Youssef, há uma pasta com 12 arquivos referentes aos negócios do doleiro com a Petros.

O negócio teria sido intermediado, segundo suspeita a PF, pelo tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, e tratado diretamente com dois diretores da Petros – indicações petistas, entre eles o ex-presidente do fundo Luiz Carlos Fernandes Afonso (2011-2014).

“A PF registra a possível interferência de um político não identificado ‘de grande influência na casa’ na liberação de um seguro, em órgão do Ministério da Fazenda, que era condicionante para a transação.

“‘Esse recurso foi desviado para pagamento de propina para funcionários da Petros’, afirmou Carlos Alberto Pereira da Costa, advogado que, segundo a PF, atuava como testa de ferro de Alberto Youssef.

“Costa tinha em seu nome pelo menos duas empresas usadas pelo doleiro, uma delas envolvidas nessa transação com a Petros, a CSA Project Finance. Ele afirmou ao juiz Sérgio Moro que na operação foi retirada uma propina de R$ 500 mil que serviu para pagar os dois diretores da Petros.

“Os diretores são petistas e já citados em outros dois escândalos, segundo registra a PF. ‘As negociações eram realizadas pelo lado da Petros pelo senhor Humberto Pires Grault Vianna de Lima, gerente de novos projetos da Petros, e pelo senhor Luis Carlos Fernandes Afonso, diretor financeiro e de investimentos.’

“Afonso foi nomeado diretor em 2003 e depois nomeado presidente da Petros, em 2011, cargo que ocupou até fevereiro de 2014. Lima era diretor de Novos Projetos e foi nomeado diretor de investimento da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp).

“O ex-presidente da Petros foi condenado em primeiro grau por improbidade sob a acusação de ter cobrado ‘pedágio’ de uma fundação para que ela ganhasse um contrato na Prefeitura de São Paulo, em 2003. Na época, ele era secretário de Finanças do governo Marta Suplicy (PT). A condenação é de 2012 e está em fase de recurso.

Ferro velho. A transação na Petros envolveu a compra de título de crédito emitido por uma empresa falida que havia sido adquirida por Janene e por Youssef. A Indústria de Metais Vale (IMV) foi criada para reciclar ferro velho e vender o material para siderúrgicas, mas estava parada. Ela foi registrada em nome do advogado Carlos Alberto Pereira da Costa, réu da Lava Jato.

“Com a empresa falida, o grupo aportou nela R$ 4 milhões em 2007 e firmou contrato com a CSA Project Finance, que é do doleiro e está em nome de Costa também – para que essa fizesse um projeto de recuperação e captasse recursos antecipados. Para isso, fechou um contrato de venda com recebimento antecipado de uma grande siderúrgica nacional. ‘Com o objeto de antecipar recebíveis oriundos de um contrato de compra e venda de ferro gusa (sucata), celebra entre a IMV e a Barra Mansa, assim adquirindo investimento necessário para a instalação de uma planta industrial, a IMV emitiu Cédula de Crédito Bancário, no montante total de R$ 13.952.055,11’, diz a PF.

“Os termos da cédula de crédito estão no HD do computador de Youssef. Com o título de crédito emitido pelo Banco Banif Primus, o grupo, via CSA e coligados, passou a tratar com os diretores da Petros a compra pelo fundo de pensão.

“Documento apreendido pela Lava Jato com o grupo mostra que eles teriam sido recebidos na Petros pelo então diretor, que depois virou presidente.

“Vaccari é suspeito de ser o intermediador dos negócios do grupo com a Petros. No capítulo sobre a compra do título de crédito da empresa IMV há um histórico sobre suas relações com o partido. Seu nome foi citado na confissão dos réus como elo de pagamentos de propinas em outras áreas e especificamente na Petros em um e-mail interceptado entre os alvos da Lava Jato.

“A assessoria de imprensa do PT, em nota, reiterou versão dada quando o nome do secretário nacional de Finanças do partido, João Vaccari Neto, foi mencionado no início da Operação Lava Jato. ‘Vaccari repudia as inverdades que estão sendo veiculadas e que são baseadas apenas no depoimento de um advogado que afirmou que ‘provavelmente’ ele trataria de questões relacionadas à empresa CSA.’

“Segundo o texto, ‘o referido advogado, Carlos Alberto Pereira da Costa, não apresentou qualquer evidência do envolvimento de Vaccari em operações dessa empresa’.

“O partido afirma que Vaccari não conhece Costa. ‘Vaccari nunca realizou negócios com Cláudio Mente, que trabalhava na CSA. Vaccari atuava como sindicalista, e não como secretário de finanças, entre 2005 e 2006, período em que o advogado o acusa de suposto envolvimento em transações financeiras com a CSA.’

“Vaccari alega estranhar ‘a divulgação de notícias sem provas, ou mínimas evidências, mas que podem causar prejuízos à imagem do PT’.

“A Petros não respondeu à reportagem. Luís Carlos Fernandes Afonso não foi encontrado.

“Humberto Pires Grault, quando foi citado pela primeira vez na Lava Jato, divulgou nota de esclarecimento na qual rechaçou com veemência a citação a seu nome. ‘Não recebi, negociei ou me foi ofertada qualquer tipo de compensação, propina ou comissão em torno de nenhum investimento da Petros e, em especial, no projeto apresentado pela CSA para exploração de ferro gusa.’

“‘Participei do projeto estritamente dentro das funções que tinha na Petros, no cargo de gerente de Novos Negócios, em conjunto com a equipe de profissionais da entidade, avaliando a viabilidade econômico-financeira do empreendimento e apresentando parecer à diretoria, que analisou e decidiu pela aprovação do investimento’, destacou Grault.” (Ricardo Brandt, Estadão, 16/10/2014.)

* Relator no Tribunal de Contas questiona contratos sem licitação de US$ 7,6 bi para Comperj

“O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) José Jorge apresentou ontem (15/10) um voto sobre auditoria realizada no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) questionando a celebração de contratos sem licitação de US$ 7,6 bilhões para a realização de parte das obras. Os acordos foram firmados durante a gestão de Paulo Roberto Costa na diretoria de Abastecimento. O relatório questiona ainda a compra de equipamentos que não serão usados devido a mudanças no projeto original e aditivos de R$ 1,5 bilhão pelo fato de equipamentos não terem chegado ao local por falta de estrutura de transporte até o local.

“Em seu voto, o ministro destaca ainda que há números divergências dentro da própria Petrobrás sobre o custo do complexo. A previsão inicial era de US$ 6,1 bilhões, com mudanças no projeto a companhia já admitiu a elevação para US$ 30,5 bilhões, mas o relator observou que a área de Estratégia Corporativa já estima que o custo total é de US$ 47,7 bilhões. A proposta de José Jorge é pedir explicações à companhia e abrir fiscalização sobre um contrato de US$ 3,8 bilhões, sem licitação, com empreiteiras citadas na Operação Lava-Jato. Houve, porém, pedido de vistas do ministro Bruno Dantas e a votação do acórdão foi adiada.

“O Comperj foi concebido inicialmente como uma petroquímica que seria construída em parceria com a Braskem, empresa que tem a Petrobrás e a Odebrecht como sócias. Posteriormente, o projeto foi alterado passando a incluir também uma refinaria. Por fim, chegou-se a um projeto de construir inicialmente uma refinaria com capacidade para o refino de 465 mil barris de petróleo por dia e posteriormente construir a petroquímica. Não houve ainda confirmação da parceria com a Braskem, que se restringia à parte de petroquímica.

“José Jorge observou que somente em agosto de 2012 passaram a ser analisadas análises de risco relativas ao Comperj. Foi nesta data que verificou-se ser impossível cumprir os prazos previamente estabelecidos. Foi antes desta data que foram assinados os contratos de US$ 7,6 bilhões sem licitação. Dois contratos já estão sob auditoria. O maior deles, de US$ 3,8 bilhões, foi celebrado para a construção da Central de Utilidades do complexo com o Consórcio TUC Construções, formado pela UTC Engenharia, Construtora Norberto Odebrecht e Projeto de Plantas Industriais (PPI), e ainda não há fiscalização específica.

“O ministro destaca que a PPI foi a empresa que realizou o projeto original dessa central, enquanto que as empreiteiras foram citadas por supostamente pagar propinas a Costa dentro do esquema de corrupção na companhia.

“— A questão que considerei mais grave foi a verificação desses contratos de US$ 7,6 bilhões sem licitação e justamente na diretoria de abastecimento na época de atuação do diretor Paulo Roberto Costa, que está aí sub judice. Por isso precisamos investigar se há superfaturamento nestes contratos — disse o relator, em entrevista após apresentar o voto.

“Ele observou que quando fez licitação para outras obras do Comperj a Petrobrás conseguiu um deságio médio de 14,27%. Por isso, na sua visão, é preciso verificar se não houve sobrepreço na celebração dos contratos sem licitação, ainda mais verificando que os prazos não foram cumpridos.

“Durante a sessão, o ministro substituto André Luis de Carvalho sugeriu que fossem suspensos, de forma cautelar, os pagamentos relativos ao contrato de US$ 3,8 bilhões até que se investiguem as irregularidades. José Jorge ficou de avaliar a medida até a próxima sessão, que ocorrerá no dia 22.

“A auditoria que subsidiou o voto levantou ainda que a Petrobrás já teria pago R$ 1,5 bilhão em aditivos porque construtoras estão esperando a chegada de equipamentos a Itaboraí, onde está sendo construído o Comperj. Essa demora ocorreria porque as estradas para a região não suportariam o peso dos equipamentos a serem transportados. Há ainda um prejuízo estimado em mais de R$ 50 milhões com equipamentos comprados que não serão mais utilizados devido às mudanças no projeto.” (Eduardo Bresciani, O Globo, 16/10/2014.)

Uma esdrúxula ajuda da Petrobrás a Evo Morales

* Petrobrás pagou à Bolívia em setembro US$ 434 milhões a mais, sem qualquer motivação justa

“Além dos empréstimos tomados pelo governo para socorrer as distribuidoras de energia elétrica, a um custo estimado pelo TCU em R$ 26 bilhões, os contribuintes terão de arcar com uma benesse internacional concedida pela administração petista: a Petrobrás pagou à Bolívia, em setembro, US$ 434 milhões mais do que o previsto no contrato de fornecimento de gás ao País. A explicação da Bolívia para exigir a ‘indenização’ é que o gás exportado para o Brasil é ‘rico’, com componentes nobres usados na indústria petroquímica, mas se destinou à geração de energia térmica. O pagamento é retroativo, relativo ao período de 2008 a 2013.

“A operação causou espanto até na esfera oficial. ‘A associação entre o pagamento do ‘gás rico’ e o problema de energia no Brasil foi imediata’, disse uma fonte do governo ao jornal Valor (9/10). ‘Não havia por que pagar por um produto que o Brasil não utilizou e que não estava previsto em contrato.’

“A Petrobrás atendeu a uma reivindicação do governo de Evo Morales feita na era Lula. O valor da operação permite presumir que o pagamento foi endossado pelo conselho de administração da estatal, presidido pelo ministro Guido Mantega.

“A decisão é esdrúxula, pois, prejudicada pelo represamento de preços de combustíveis e devendo mais de R$ 300 bilhões, a Petrobrás tem sérios problemas financeiros.

“Segundo analistas, a estatal cedeu porque teria levado em conta a necessidade de a Bolívia entregar o gás prometido a uma termoelétrica de Cuiabá. Foi rápido o acordo entre o presidente da fornecedora boliviana YPFB, Carlos Villegas, e o diretor da Área de Gás e Energia da Petrobrás, José Alcides Santoro, para indenizar a Bolívia. O governo Morales ameaçava não atender a termoelétrica de Cuiabá. O Brasil e a Argentina não estão na lista de prioridades da YPFB, por isso se negocia novo acordo com a empresa boliviana.

“É ominosa a submissão do governo brasileiro às pressões da Bolívia. Pode-se compreender a tentativa de assegurar o fornecimento de gás para evitar o racionamento, mas não por meio de uma negociação nebulosa. Contratos bilaterais devem atender aos interesses das partes e basear-se em critérios técnicos. Reivindicar pagamento retroativo assemelha-se mais a uma extorsão.

“Em 2006, o Brasil aceitou um valor simbólico na expropriação de ativos da Petrobrás pelo governo Morales, invocando razões diplomáticas. Hoje, não há diplomacia que justifique o saque no caixa da Petrobrás.” (Editorial, Estadão, 12/10/2014.)

Os números ruins da semana

* Emprego na indústria volta a cair e atinge menor patamar desde 2004

“A crise na produção fez o parque industrial do País demitir funcionários pelo quinto mês consecutivo. Como resultado, a indústria atingiu em agosto o menor número de assalariados dos últimos dez anos. O total de ocupados no setor hoje é 7,7% menor do que o pico histórico registrado em junho de 2008, segundo os dados da Pesquisa Industrial Mensal de Emprego e Salário (Pimes), divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“A força de trabalho praticamente se equipara à de uma década atrás, de janeiro de 2004. ‘É o pior patamar do emprego industrial em dez anos, superando até o período de crise, que teve seu pior momento em junho de 2009, quando o pessoal ocupado estava 7% abaixo do recorde histórico’, ressaltou o economista Rodrigo Lobo, pesquisador da Coordenação de Indústria do IBGE.

“O número de horas pagas aos trabalhadores em agosto foi o mais baixo da série histórica da Pimes, iniciada em 2001. O total de horas está 9,9% aquém do pico registrado em setembro de 2008. O indicador é considerado um antecedente do emprego, pois os empresários costumam cortar a jornada dos empregados antes de efetivar mais demissões.

“A deterioração da ocupação na indústria já se reflete em outros setores, na medida em que resulta em perda de renda, alerta o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

“‘Quem trabalha na indústria corta cabelo, faz compras. O corte de vagas afeta a renda dos trabalhadores, que afeta os serviços e o comércio. Esses setores já começam a perder vigor. A crise na indústria não é isolada, ela vai se espraiando’, avaliou Rogério César de Souza, economista-chefe do Iedi. De outubro de 2013 a agosto de 2014, a produção da indústria brasileira encolheu 5%. Nesse mesmo período, a população ocupada no setor diminuiu 3,1%, enquanto as horas pagas aos trabalhadores foram reduzidas em 3,8%.

“‘Os números dão um pouco a entender por que o mercado de trabalho na indústria está respondendo de forma negativa. Embora a produção tenha se recuperado nos últimos dois meses, o mercado de trabalho demora a responder, o efeito é defasado. O cenário ainda é de queda’, avaliou Lobo.

“Em agosto, o emprego industrial caiu 0,4% em relação a julho, a quinta queda consecutiva. Apenas nos últimos cinco meses, o total de assalariados já diminuiu 2,9%. Na comparação com agosto do ano passado, a queda chegou a 3,6%, a 35ª taxa negativa consecutiva. A dispensa de trabalhadores nas montadoras de automóveis contribuiu diretamente para o resultado.

“‘A gente tem montadoras dando férias coletivas, fazendo PDV (programas de demissão voluntária). Então, (a indústria) não vai contratar pelo menos até o final do ano’, previu Rafael Bacciotti, economista da Tendências Consultoria Integrada.” (Daniela Amorim, Estadão, 11/10/2014.

* Criação de empregos com carteira assinada tem o pior setembro desde 2001

“O mercado formal de trabalho registrou em setembro a geração líquida de 123.785 empregos – queda de 41,35% em relação ao mesmo período do ano passado, quando foram abertas 211 mil vagas. Foi o pior resultado para o mês desde 2001, quando foram criados 80.028 postos com carteira assinada. Entre janeiro e setembro, foram criados 904.913 postos, considerando dados ajustados (declarações fora do prazo) – o que representa recuo de 31,6% na comparação com o acumulado nos nove primeiros meses do ano passado, quando o saldo ultrapassava um milhão de contratações.

“O resultado do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgado pelo Ministério do Trabalho, veio abaixo da projeção do mercado que aguardava a geração de 144 mil empregos.

“A indústria, depois de registrar saldos negativos por cinco meses consecutivos neste ano, reverteu o desempenho em setembro e respondeu pela abertura de 24.837 vagas. Em seguida, ficaram serviços, com saldo de 62.378 postos e o comércio, com 36.409. A construção civil gerou 8.437 empregos e a agricultura registrou saldo negativo de 8.876 devido à entressafra.

“- Os números são positivos. É a prova de que a economia como um todo está indo bem – disse o ministro do Trabalho, Manoel Dias, que mantém a meta de criação de empregos neste ano em um milhão de empregos.

“Ao divulgar os dados, Dias afirmou que o mercado de trabalho está ‘ótimo’, apesar de admitir que alguns setores, como a indústria, não vão bem. Segundo ele, há uma ‘má vontade’ da mídia em dizer que os números são ruins.

“Dias manteve a meta de criar este ano um milhão de empregos. Mas o saldo acumulado nos últimos 12 meses está em 596.363, incluindo os ajustes, e dezembro registra tradicionalmente resultados negativos devido às demissões de trabalhadores temporários.

“Apesar do desempenho da indústria de transformação no mês passado, subsetores ligados à produção de automóveis tiveram resultado negativo: na indústria de material de transporte, foram eliminados 2.649 postos; na indústria metalúrgica, foram mais 1.789, e na mecânica, 841. Também fechou vagas a indústria de borracha e fumo, com saldo negativo de 2.930 postos, e a de calçados, com outros 1.680.

“Na avaliação do ministro, é preciso modernizar o parque industrial. Ele informou que foi criado um grupo de trabalho formado pelos ministérios do Desenvolvimento, da Fazenda e do Trabalho, para estudar medidas que facilitem a importação de máquinas.

“De acordo com o Caged, as regiões que mais contrataram com carteira assinada no mês passado, em termos relativos, foram Nordeste, Norte e Sul. Entre os estados, os principais destaques foram Pernambuco, com a geração de 21.971 postos formais; Alagoas, com 13.748 vagas, e o Rio, que respondeu por 12.686 novos empregos. São Paulo, onde está localizado o maior parque industrial do país, ficou em quinto lugar, com 11.343 vagas, atrás do Paraná, com 11.547. No mês passado, o nível do emprego nas regiões metropolitanas superou as vagas no interior do país.” (Geralda Doca, O Globo, 16/10/2014.)

A inflação

* O quadro desastroso da economia foi sistematicamente construído pelo PT desde 2003

“Com a inflação acumulada de 12 meses de 6,75% em setembro, acima do limite de tolerância (de 6,5%) de um regime de metas inflacionárias já excessivamente complacente, e sem sinais de que as pressões sobre os preços arrefecerão de maneira expressiva até dezembro, o governo Dilma Rousseff completará os quatro anos que os eleitores lhe concederam da maneira como começou: muito mal. E deixará as finanças públicas e a economia brasileira em condições bem piores do que encontrou, com o crescimento tendendo a zero, o descumprimento da meta de superávit primário e, de modo cada vez mais evidente, a paralisia do mercado de trabalho. Não adianta culpar ‘a crise externa’ por esse quadro desastroso (…)). Ele foi sistematicamente construído desde 2003. Na economia, o governo Dilma colhe o que o PT plantou.

“O que fez a inflação ultrapassar o teto do regime de metas do Banco Central (BC) foi a alta de 0,57% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – calculado pelo IBGE e que baliza a política de metas do BC. Em setembro, a variação foi bem maior do que a esperada pelos analistas do mercado financeiro. A inflação do mês é a maior desde abril e o acumulado de 12 meses, o maior desde outubro de 2011, primeiro ano do governo Dilma.

“Um dos principais responsáveis pela alta de setembro foram os preços dos alimentos, que vinham caindo há meses (redução de 0,11% em junho, 0,15% em julho e novamente 0,15% em agosto), mas no mês passado subiram 0,78%. São preços voláteis, muito suscetíveis às variações do mercado, o que pode resultar em altas expressivas nos próximos meses.

“Este não é o único componente preocupante da inflação em setembro. Nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, Recife e Curitiba, a alta de 12 meses superou 7% (7,63%, 7,16% e 7,13%, respectivamente). E cresceu o índice de difusão de altas entre os componentes do IPCA, ou seja, mais preços estão subindo. Mas os preços administrados, aqueles sobre os quais há alguma forma de controle – como dos combustíveis – subiram menos. Em algum momento, porém, eles terão de ser corrigidos.

“Tanto a variação de setembro como o acumulado de 12 meses são apenas alguns pontos que se aproximam dos extremos de alta de preços desde o início do atual governo. O que o exame dos números da inflação ao longo da gestão Dilma mostra, porém, é que a alta de setembro não é exceção. Tendo herdado do governo anterior – chefiado por Lula, criador da carreira política e inspirador da presidente Dilma Rousseff – uma inflação anual de 5,91%, o atual não conseguiu reduzi-la para a meta de 4,5%. Em 2011, o IPCA acumulou alta de 6,5; em 2012, de 5,84%; e, em 2013, de 5,91%. Embora dentro da margem de tolerância, essas variações estão muito acima da meta. Em 2014, pelos dados já conhecidos, a inflação poderá ficar dentro da larga margem de tolerância, mas muito próxima do teto.

“A meta de 4,5% vem sendo mantida desde 2003, primeiro ano do governo Lula, apenas com a redução da tolerância (de 2,5 pontos porcentuais para mais ou para menos em 2003, para 2 pontos nos anos seguintes). Nesse período, a meta só foi cumprida em três exercícios (2006, 2007 e 2009).

“Não faz sentido, por isso, a declaração do secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, para quem ‘estamos num regime de metas e temos que responder às metas’ e ‘estamos entregando há 11 anos’. A inflação tem ficado, na maioria desses anos, dentro do largo limite de tolerância, mas acima da meta.

“Neste ano, além da aceleração da inflação que já era alta, o governo colhe a forte desaceleração da economia, que deve crescer apenas 0,3% de acordo com a mais recente projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI). O mercado de trabalho, que ainda apresenta sinais positivos, acabará sendo afetado pela desaceleração da atividade econômica e uma de suas consequências, que devem surgir no próximo ano, é a queda da renda real. E o superávit primário bem abaixo do prometido.

“Este é o péssimo quadro que ficará para o próximo governo. Para corrigi-lo, não basta mudar só a política econômica.” (Editorial, Estadão, 10/10/2014.)

A economia estagnada

* Diretora do Fundo Monetário diz que o Brasil está ficando para trás

“Com a ‘forte desaceleração’ experimentada em 2014, o Brasil integra o grupo das economias que ‘estão ficando para trás’, segundo a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde. O desempenho não pode ser atribuído a um padrão comum dos mercados emergentes ou ao cenário externo isoladamente, sugeriu ela, pois todos os grupos de países apresentam atualmente casos de sucesso e de fracasso, diante do mesmo panorama mundial. Ou seja: são fragilidades e deficiências próprias as raízes dos problemas de quem perdeu fôlego ao longo de 2014, como o Brasil.

“— O que notamos claramente, na análise que fazemos, é cada vez mais especificidade de cada país. Não é mais como se um grupo de países, economias avançadas ou mercados emergentes, esteja se recuperando e o outro esteja ficando para trás. Dentro de cada grupo, alguns países estão à frente e outros estão ficando para atrás — explicou Lagarde.

“Essas forças opostas estão se neutralizando e segurando a recuperação global, criando o que Lagarde chamou de ‘risco do novo medíocre’. Este é um cenário no qual a comunidade internacional se acostumaria com um baixo ritmo de atividade, que seria o possível, em vez de agir para destravar o crescimento.

“O Fundo revisou esta semana a projeção de expansão da economia mundial em 0,1 ponto percentual este ano, para 3,3%, o que significa patinar no mesmo patamar dos dois anos anteriores. Para 2015, o organismo espera um pouco de tração, com taxa a 3,8%, mesmo assim, 0,2 ponto menor do que em julho, quando esperava-se que, no próximo ano, finalmente a barreira psicológica dos 4% seria vencida.

“Os sinais do peso da especificidade no comportamento das economias estão evidentes nos panoramas para os quatro principais blocos ricos e mercados emergentes, exemplificou a diretora-gerente do FMI:

“— Nos países ricos, claramente a recuperação é puxada pelos Estados Unidos e Reino Unido, enquanto a zona do euro e o Japão estão ficando para trás. Nos mercados emergentes, temos um crescimento razoavelmente forte, ainda que mais lento, na China e (crescimento) melhor do que o esperado na Índia. E claramente temos uma forte desaceleração em países como Brasil e Rússia.

“As previsões do FMI confirmam esta divisão. Itália (com retração de 0,2%, terceiro ano seguido de recessão), Rússia (0,2%) e Brasil (0,3%) terão em 2014 as menores taxas de expansão da atividade entre as principais economias.

“Na zona do euro, os quatro principais motores (Alemanha, França, Espanha e Itália) tiveram redução da expectativa de crescimento em 2014, ranking que, em magnitude do corte, foi liderado por Brasil (um ponto) e Japão (0,7 ponto). O mercado financeiro já discute o risco de a economia alemã estar em recessão.

“Estados Unidos, com previsão de crescimento de 2,2% (alta de 0,5 ponto sobre julho), e Reino Unido, com alta do Produto Interno Bruto (PIB) estimada em 3,2% em 2014, foram destaques positivos dos documentos divulgados esta semana. Bem como China (7,4%) e Índia (5,6%, alta de 0,2 ponto percentual).

“Algumas respostas necessárias são comuns aos retardatários, apesar da especificidade dos problemas, disse Lagarde. As ações expansionistas dos bancos centrais devem continuar e as políticas fiscais precisam serem relaxadas para elevar o incentivo à retomada na Europa e no Japão. Emergentes, por sua vez, devem estar particularmente atentos a possíveis novas turbulências, geradas especialmente pela esperada alta dos juros dos EUA em meados de 2015.

“No entanto, isso é pouco. A diretora-gerente afirmou que o mundo precisa de uma nova etapa, após os estímulos fiscais e monetários e a limpeza de balanços de bancos e empresas detonados na crise de 2008: reformas estruturais e investimento pesado em infra-estrutura. O FMI acredita que, combinados, estes esforços podem ser o combustível que falta para religar as turbinas globais. É o novo mantra da instituição.

“- Acreditamos que reformas estruturais são muito importantes. Temos recomendado enfaticamente que o investimento em infra-estrutura pode ser uma forma significativa de estimular o crescimento no curto prazo, ao colocar as pessoas para trabalhar, lançar grandes esforços de construção, mas também ter impacto de médio prazo no lado da oferta ao facilitar e acelerar a criação de valor para mais tarde — explicou Lagarde.

“As reformas, porém, reformas devem respeitar as especificidades dos países, enfatizou a diretora-gerente:

“— (As reformas) devem ser bem ajustadas para serem politicamente palatáveis e terem o máximo de efeito multiplicador nas economias. É uma questão de fazê-las, não só de falar sobre elas.

“Há duas recomendações extensivas ao Brasil na ‘Agenda de Política Global’, que formam as recomendações da gerência executiva do Fundo aos países-membros, aos quais cabem a orientação final do foco do FMI.

“Lagarde acredita que a reforma trabalhista é uma prioridade para o país. Medidas devem ter alto custo-benefício, ser focadas em treinamento de mão de obra e englobar cortes seletivos dos impostos patronais. O conselho serve ainda para EUA, China, Índia e África do Sul.

“A redução de barreiras ao comércio exterior e ao investimento seriam outras contribuições importantes à melhora do ambiente econômico. A diretora-gerente, no documento, salienta ainda a necessidade de o Brasil precisa atuar para reduzir os gargalos de infra-estrutura. O objetivo é elevar o crescimento potencial da economia no médio prazo.

“Lagarde destacou ainda que, se forem bem planejados, os investimentos públicos em infra-estrutura sequer representam risco à disciplina fisca.

“— Não só o investimento em infra-estrutura é favorável ao crescimento, é favorável até à dívida, se feito sob as condições certas, se a economia está fraca, se as condições de financiamento continuarem sendo liquidez a custo baixo.” (Flávia Barbosa, O Globo, 10/10/2014.)

* O governo Dilma falhou na economia. E não tem o que mostrar ao eleitor

“O governo Dilma falhou na política econômica. Quem ainda vacila diante de uma conclusão assim tem apenas de conferir os resultados. Não os medidos pelos critérios do mercado financeiro, sempre suspeitos, como diria a presidente Dilma, mas pelos do próprio governo.

“Entre os objetivos de todos estes anos estava o crescimento sustentável da atividade econômica em torno dos 3,0% ao ano. O que o governo está entregando é um avanço médio de apenas 1,6%. Nesse cálculo vai incluída a projeção de 2014 que não promete mais do que um crescimento de 0,3%, como acaba de apontar o Fundo Monetário Internacional (FMI).

A inflação na meta (de 4,5% a cada fim de ano) apresentou até agora um piso de 5,84% e o risco de estouro da meta de 6,5% neste ano – mesmo com o represamento do câmbio e dos preços administrados.

A cada começo de ano, o governo prometeu conseguir um superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de 2,1% a 3,1% do PIB, mas a única vez que entregou 3,1% foi em 2011 e, ainda assim, à custa dos truques contábeis conhecidos. Em 2014, as projeções indicam algo muito próximo de zero.

“O investimento era para ser acelerado a partir do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mas as Contas Nacionais apontaram todos estes anos para baixo. E não vamos colocar nesse balanço nem as incertezas no suprimento de energia elétrica, que paralisam a ampliação da atividade produtiva, nem a perda de competitividade da indústria.

“Agora sobram essas desculpas inconsistentes sustentadas pela equipe econômica. O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, por exemplo, sugere como recurso contra a erosão do poder aquisitivo do consumidor provocada pela inflação, não políticas de estabilização, mas a substituição da carne bovina por ovo e carne de frango. Que comam brioches.

“Além de repisar que o crescimento raquítico do PIB se deve à crise externa, o ministro Guido Mantega aponta a desaceleração do crédito como explicação para a retração das vendas da indústria, como se a queda do crédito não fosse desejada pela política monetária do Banco Central ou, então, como se o Banco Central estivesse marcando gol contra.

“O insatisfatório cacife eleitoral apresentado pela presidente Dilma no primeiro turno das eleições está diretamente relacionado às más escolhas de política econômica que desidrataram o orçamento do trabalhador. Desgastada pelos maus resultados, a equipe econômica do governo não exibe credibilidade para defesa do que está aí.

“Não é o demitido Mantega nem o flexível Tombini que são designados para dar explicações, mas o agora licenciado ministro-chefe da Casa Civil, o economista Aloizio Mercadante, que Dilma manteve afastado das decisões econômicas nestes quatro anos. Ele vem com a revelação de que ‘um país não se reduz a uma moeda’, como se o contra-ataque à inflação fosse um objetivo pouco importante.

“É olhar em torno e concluir que não há no governo gente mais qualificada para convencer o eleitor sobre as excelências da administração Dilma, créditos que sobram apenas nos discursos.” (Celso Ming, Estadão, 10/10/2014.)

* O fôlego das estatais parece ter chegado ao fim, e os investimentos estão em queda

“De janeiro a agosto, as estatais brasileiras reduziram em 15% os investimentos em relação ao mesmo período de 2013, informa a organização não governamental Contas Abertas, com base em dados recentes fornecidos pelo Ministério do Planejamento. Na série histórica desde 2000, no período relativo aos dois primeiros bimestres, foi a segunda vez em que ocorreu redução nos investimentos das estatais, o que vem sinalizar uma vez mais os efeitos deletérios que o governo Dilma tem provocado nas empresas estatais. É também mais um sinal do esgotamento do modelo econômico – se é que se pode dar esse nome a um conjunto de ações desconexas – atual, esgotamento que estrangula empresas privadas e estatais.

“Os investimentos das estatais de janeiro a agosto de 2013 foram de R$ 70,1 bilhões. Neste ano, no mesmo período, os investimentos foram de R$ 59,9 bilhões. A queda de 15% deve-se em boa medida à Petrobrás, cujos investimentos caíram R$ 10 bilhões entre 2013 e 2014 (de R$ 62,1 bilhões para R$ 52,1 bilhões). Mas não foi ela apenas que reduziu investimentos. O mesmo movimento foi observado na Eletrobrás e em outras estatais. Até a Infraero, que nos anos anteriores havia mantido taxas recordes de investimento, reduziu os seus números. A estimativa é de que os investimentos das estatais em 2014 fiquem em torno de R$ 105,8 bilhões, ante R$ 118,6 bilhões em 2013.

“Essa queda, que reflete a situação da economia, é ainda mais significativa quando se observa que o governo do PT sempre teve em alta prioridade – ao menos, nos discursos – os investimentos das estatais. Fica evidente que, apesar da intenção do governo, já não há mais fôlego para manter o ritmo.

“Em 2009, após a crise financeira global, o governo excluiu a Petrobrás e a Eletrobrás – as duas maiores estatais federais – do cumprimento das metas fiscais para geração de superávit primário e controle da dívida pública. Perante a impressão generalizada de que se tratava de uma ‘contabilidade criativa’, o governo justificou a operação sob o argumento de que era uma forma de permitir o crescimento dos investimentos das estatais, também por meio de captações de empréstimos. A idéia era que as estatais – com o aumento dos seus investimentos – servissem de instrumentos anticíclicos no combate aos efeitos da crise financeira global, mantendo a economia brasileira aquecida. Ainda que os resultados dessa política sobre a economia nacional possam ser contestados, a continuidade do aumento de investimentos das estatais – que vem ocorrendo desde 1994, com exceção de 2011 – sem dúvida evitou que, no período da crise internacional, os índices de investimento do País ficassem ainda piores.

“Mas o fôlego das estatais parece ter chegado ao fim, e os investimentos estão em queda. Infelizmente, é a consequência natural de sua situação financeira. Conforme afirma a nota técnica Atualidades sobre os investimentos e as grandes contas das Empresas Estatais Federais no Brasil, do Ibre-FGV, ‘as estatais não vão nada bem e estão precisando se endividar para atender até mesmo as despesas operacionais (custeio)’. Como investir se as coisas andam por essas trilhas?

“A péssima situação das estatais contrasta com o fato de, de 2005 a 2013, ter havido diminuição de sua carga tributária, segundo a mesma nota técnica do Ibre-FGV. Em 2005, a carga era de 3,2% do PIB; já em 2013, foi de 2,14% do PIB – redução mais do que expressiva, já que, no mesmo período, a carga tributária nacional global passou de 35% para 37,4% do PIB. Como se observa, mesmo aliviando o peso dos impostos sobre as estatais, elas não conseguiram resultados satisfatórios.

“Segundo o economista José Matias-Pereira, não é apenas o endividamento a causa para a queda nos investimentos. As constantes ingerências políticas e os casos de corrupção também provocam efeitos daninhos.

“Diante desse panorama, compreende-se que os resultados do primeiro turno das eleições presidenciais tenham levado a uma alta nas ações das empresas estatais. Não é de hoje que Dilma tem feito mal às estatais.” (Editorial, Estadão, 11/10/2014.)

* A economia parou por causa dos equívocos do governo Dilma

“Que o mundo passou por uma crise financeira muito grave, e ainda sofre as consequência dela, é um fato sobre o qual ninguém pode discordar. Mas a crise não é mais justificativa para o fraco desempenho da economia brasileira nos últimos anos. Os equívocos internos de política econômica certamente foram os que mais contribuíram para o país estar estagnado, com retração nos investimentos e séria ameaça na inflação.

“O governo apostou no estímulo ao consumo, acreditando que o ciclo se autoalimentaria, sustentando um forte ritmo de crescimento. E nessa aposta pisou no acelerador dos gastos correntes, confiando na expansão das receitas tributárias. Aposta perdida.

“Quando o modelo, o tal ‘novo marco macroeconômico’, começou a dar sinais de exaustão, já em meados de 2012, o governo não reviu a estratégia. Ao contrário, pisou mais fundo no acelerador dos gastos. Para compensar essa política fiscal expansionista, o Banco Central foi obrigado a elevar consideravelmente as taxas básicas de juros.

“Não por acaso esse ambiente gerou enorme desalento no meio empresarial. Por sucessivas vezes o governo prometeu corrigir os rumos da política econômica e não o fez. A meta de superávit primário nas finanças consolidadas do setor público se tornou fictícia. Já se aproximando do fim do exercício as autoridades mantêm a promessa vã de que o superávit de 1,9% do PIB ajustado para 1,3% será alcançado. Para fechar as contas de exercícios anteriores o governo fez muitas operações contábeis para que receitas extraordinárias pudessem reforçar o caixa no apagar das luzes. Este ano, ao que tudo indica, a chamada contabilidade criativa será mais uma vez acionada para que algum superávit primário possa aparecer nas estatísticas oficiais.

“A resistência a mudar a política fiscal tem sem dúvida motivação político-partidária. O governo assistiu de braços cruzados às distorções do seguro desemprego, cujos números conflitam com os índices de ocupação apurados pelo IBGE ou pelo Ministério do Trabalho. Fez demagogia com os preços dos combustíveis e as tarifas de energia elétrica, sendo que em relação a estas já havia um quadro de cenário hidrológico desfavorável, tornando inevitável o acionamento de todas as usinas térmicas com custo de geração mais alto.

“Para engordar a receita de dividendos, o governo capitalizou suas instituições financeiras com a emissão de títulos públicos, aumentando a dívida bruta e assumindo mais encargos financeiros, o que tornaria necessário um esforço adicional de acumulação de superávit primário.

“É nesse sentido que uma mudança nos rumos da política econômica, especialmente a fiscal, poderá ser capaz de desanuviar o atual ambiente negativo no meio empresarial, fazendo com que os investimentos sejam retomados.” (Editorial, O Globo, 12/10/2014.)

* É hora de mudar. Só um governo crível e comprometido com a mudança do atual quadro todo evitaria o pior

“No debate com Arminio Fraga na GloboNews, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, insistiu em culpar a ‘crise internacional’ pelas dificuldades atuais, e defendeu o modelo de expansão do consumo que vem sendo implementado como a solução ideal para os problemas. Ora, não dá mais para culpar a crise internacional, pois o crescimento do PIB brasileiro passou a ser bem menor do que o do resto do mundo. O problema não é externo, e sim interno. Isso é tão óbvio, que fica a dúvida se a resposta de Mantega é autêntica, ou uma mera busca de bode expiatório externo, que, não sendo um alvo bem definido e estando pouco interessado especificamente no Brasil, é sempre mais fácil de atacar.

“Mesmo com as limitações do tempo de TV, Arminio mostrou ampla evidência do desastre macroeconômico atual. Primeiro, a inflação estourou o teto do intervalo de metas, sinalizando excesso de demanda, e ao mesmo tempo o PIB cresce perto de zero. Só mesmo no Brasil dirigido pelo PT. Segundo, o setor industrial está estagnado desde 2008, apesar de todas as custosas políticas de apoio que o governo pôs em prática nesses anos todos. Já se demonstrou que a trajetória da produção industrial média mundial descolou da brasileira, e vem evoluindo bem mais rapidamente que a nossa. Ou seja, algo mais profundo está acontecendo e precisa ser, no mínimo, entendido e, depois, explicado para a população.

“Na verdade, o motivo é simples, mas o governo parece desconhecê-lo. Quando se joga tanta lenha da fogueira do consumo, uma hora os salários sobem no setor de serviços, que não tem concorrentes externos. Esses salários mais altos a indústria não consegue pagar, pois lá há forte competição das importações, com preços em dólar tendendo a cair pelo efeito China etc. Num mundo inundado em dólares, o câmbio cai ainda mais e torna os preços industriais menos capazes, ainda, de absorver aumentos de custos. Daí o encolhimento da indústria e a fuga de investidores. Mantendo a política pró-consumo, também esgotada por outros motivos, o governo dá um tiro no próprio pé.

“Terceiro, a razão global entre o investimento e o PIB está caindo desde a saída da crise, em 2009. Como o setor público investe pouco, isso mostra, em adição à crise da indústria, o resultado da política de hostilizar o investidor privado, que vem sendo adotada especialmente na fase Dilma, sobretudo onde o governo tem maior ingerência: transportes, energia elétrica e petróleo. Mantega alegou que os investimentos estariam de fato acontecendo nas concessões privadas, e que vão deslanchar ainda mais a partir do ano que vem, passando, de forma espontânea, a carro-chefe da economia. Com base em quê? Esperança? Talvez Arminio tenha tido pouco tempo para aprofundar, mas o fato é que os investimentos são pífios nessa área, apesar dos últimos leilões.

“Levou um tempo enorme para a fase Lula-Dilma entender que os leilões de menor tarifa teriam de se iniciar com tarifas-teto mais altas, pois a concorrência se encarregaria de aproximar as tarifas efetivas das menores possíveis. Como Dilma quer as menores tarifas imagináveis (e não o que é possível, diante de outras alternativas ao alcance dos investidores privados), deu vazio em alguns leilões, até que algo mudasse um pouco. Só que a execução dos contratos é outra estória. As perspectivas para os investimentos se realizarem num ritmo adequado não são boas, pois o governo faz tudo para tentar reduzir os retornos dos negócios ao longo da execução das concessões, pondo em risco a sua viabilidade. E a conta disso tudo — a ser paga a partir do próximo ano — é gigantesca. Na energia elétrica, já representa dois anos de Bolsa-Família.

“O PIB vem crescendo próximo de zero, e o governo diz que o emprego ainda está forte, embora saiba que é só questão de tempo para isso se mostrar nos mercados de trabalho. O pior são as implicações do baixo crescimento do PIB na área fiscal, área em que é possível escrever um tratado sobre sua deterioração recente: queda dos superávits, contabilidade criativa, recurso exagerado a soluções não sustentáveis no tempo etc. Mantega se esquivou da discussão desse desastre, mas há um aspecto fundamental que precisa ser salientado. Nas contas públicas brasileiras, como se sabe, a despesa é super-rígida a curto prazo. Como o PIB passou a crescer menos, o que implica menor aumento da arrecadação, e o governo não sabe o que fazer com isso, a rota para o desequilíbrio financeiro é evento certo.

“Mas há algo mais: a relação entre o crescimento da receita e o do PIB caiu pela metade, de algo próximo de dois para um, entre a fase pré-2008 e a fase mais recente. Ou seja, antes a receita crescia o dobro do PIB. Agora cresce igual ao PIB, que virou pibinho. Assim, uma gigantesca crise fiscal nos espreita, e pode levar à perda do ‘grau de investimento’ nas agências internacionais de risco, e depois à crise cambial, à subida das taxas de juros, e a uma maior queda do PIB e, aí sim, do emprego. Só um governo crível e comprometido com a mudança desse quadro todo evitaria o pior.” (Raul Velloso, economista, O Globo, 13/10/2014.)

* Não se deve olhar para o exterior, mas para Brasília, para encontrar a explicação do fiasco brasileiro

“Seis anos depois do começo da crise, a economia global avança lentamente e a maior parte dos países perdeu potencial de crescimento. O setor financeiro é de novo uma fonte de risco, principalmente pela expansão do shadow banking, sistema paralelo ao dos bancos comerciais e menos sujeito à regulação. Cerca de 200 milhões de pessoas estão desempregadas em todo o mundo e a esse número poderão acrescentar-se mais 18 milhões até 2018. A desigualdade aumentou, os problemas sociais cresceram e as condições de vida pioraram até em áreas desenvolvidas. Os piores efeitos do estouro da bolha imobiliária em 2007-2008 ficaram para trás, mas a recuperação tem sido insegura. O Fundo Monetário Internacional (FMI) reduziu mais uma vez suas estimativas de crescimento para 2014 e 2015. Nesse quadro sombrio, o Brasil se destaca por indicadores muito ruins e graves fraquezas estruturais.

“Poucas autoridades de Brasília participaram este ano, em Washington, da assembléia anual do FMI. O quase ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, preferiu ficar no Brasil. Sua presença, é verdade, faz pouca diferença, ao lado da presidente Dilma Rousseff, em uma reunião internacional. Mas o cenário desenhado pelos economistas do Fundo é relevante para quem hoje se ocupa – e ainda mais para quem vier a se ocupar – da economia brasileira.

“A economia mundial, segundo as novas projeções do FMI, deve crescer 3,3% neste ano e 3,8% no próximo. São números muito fracos, depois das taxas de 3,4% em 2012 e 3,3% no ano passado. Mas os detalhes do quadro indicam diferenças importantes. Com expansão estimada de 2,2% neste ano e de 3,1% em 2015, os Estados Unidos manterão um desempenho melhor que o da maior parte das economias avançadas – e bem superior ao do Brasil.

“Dentre as maiores economias emergentes, só uma, a russa, deve ter resultados piores que os da brasileira. Mas a Rússia, além de apresentar um conjunto significativo de desajustes, ainda é afetada por sanções econômicas, por causa da crise com a Ucrânia.

“Os números globais mudaram e o tom das avaliações se tornou menos otimista em relação à maior parte dos países. Mas a descrição das condições do Brasil repete uma história conhecida e contada muitas vezes. Ela inclui baixa competitividade, investimento insuficiente, gargalos da infra-estrutura e inflação persistente e muito acima da meta oficial de 4,5%.

“Alguns desses problemas são mencionados também quando se trata de outros países. Os desenvolvidos seriam beneficiados, de acordo com o Fundo, pela aplicação de mais dinheiro em infra-estrutura. Também esses países perderam, nos últimos anos, potencial de crescimento. Esta avaliação se estende aos emergentes, incluída a China, a economia mais dinâmica do mundo nas duas últimas décadas. Mas as semelhanças entre os casos do Brasil e de outros países são limitadas e as diferenças logo se ressaltam.

“Dois pontos se destacam facilmente. O crescimento econômico brasileiro foi muito menor que o de outros emergentes, incluídos vários países da América do Sul, nos últimos quatro anos. Neste ano, quase todos perderam impulso, mas o efeito foi muito mais sensível no Brasil. Mais uma vez, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai e Peru devem avançar mais rapidamente e o descompasso, de acordo com as previsões, deve manter-se nos próximos cinco anos. O segundo ponto é a diferença das taxas de inflação. Os preços sobem mais no Brasil e as perspectivas de melhora são limitadas. Isso aparece claramente nas projeções do FMI.

“Todos os países sul-americanos foram prejudicados pela crise internacional e, neste ano, pela baixa dos preços das matérias-primas. O governo brasileiro continua apontando para fora, quando tem de explicar o desempenho econômico do Brasil. Mas por que outros países terão sido menos afetados? A resposta é simples: é preciso levar em conta os fatores internos e também esse detalhe foi repetidamente apontado, nos últimos dias, pelos economistas e dirigentes do FMI. Não se deve olhar para o exterior, mas para Brasília, bem no interior do País, para encontrar a explicação do fiasco brasileiro.” (Editorial, Estadão, 13/10/2014.)

* O país precisa de austeridade fiscal, políticas públicas críveis, competência. Elementos que faltam ao governo Dilma

“Pior do que a queda da receita bruta, em valores reais, constatada pela Pesquisa Mensal de Serviços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é o que a nítida desaceleração do setor de serviços indica para o futuro. Ela mostra que, já ruim, o quadro da economia deve piorar, com a redução do emprego e da renda e, consequentemente, da demanda e do ritmo de crescimento, já muito fraco. Para complicar, tudo isso ocorrerá com a inflação em nível muito alto, ameaçando ultrapassar o limite da tolerância da política de metas do Banco Central.

“Em valores nominais, a receita bruta do setor de serviços cresceu 4,6% em julho, na comparação com o mesmo mês de 2013. É a menor variação nesta comparação em toda a série mensal iniciada em janeiro de 2012. É menor também que a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no período de 12 meses encerrado em julho de 2014, que ficou em 6,5% (no limite de tolerância) – ou seja, a receita real diminuiu.

“No ano, a receita bruta acumulou alta de 7,0% e, em 12 meses, de 7,6%. As duas variações são maiores do que a inflação, mas são as primeiras, desde o início da pesquisa, que ficam abaixo de 8,0% e não há indicações de que esse ganho real, mesmo pequeno, se mantenha nos próximos meses. Desde maio, pelo menos, a variação mensal da receita, em valores nominais, vem diminuindo, numa clara indicação de desaceleração constante das atividades.

“A pesquisa do IBGE abrange as atividades empresariais legais do setor de serviços, pois considera apenas as empresas inscritas no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica. Além disso, exclui do universo da pesquisa os serviços financeiros em geral (bancos, financeiras, corretoras e outras empresas) e os setores de saúde, educação e administração pública. Esses critérios reduzem sua abrangência, mas não sua importância como indicador da evolução futura da economia.

“Trata-se de um setor que, mesmo com as exclusões decorrentes de sua metodologia, emprega grande quantidade de mão de obra. Se se incluir o setor informal, que deve enfrentar dificuldades semelhantes ou piores do que as que afetam as empresas formais de serviços, o número de empregados cresce muito mais. A desaceleração da evolução de sua receita bruta, já registrando queda real na comparação mensal, antecipa desaceleração também do mercado de trabalho. Se a tendência de queda das receitas se mantiver, certamente haverá demissões.

“O desemprego crescente, por sua vez, reduzirá a disposição e a capacidade de consumo das famílias, esfriando ainda mais uma demanda interna que já dá sinais de esgotamento, por causa do alto endividamento das pessoas físicas e de suas dificuldades para honrar os compromissos financeiros. Por abranger atividades como serviços prestados às famílias, serviços de informação e comunicação e serviços profissionais, administrativos e complementares, a própria pesquisa mensal de serviços do IBGE já começa a evidenciar a desaceleração que ela antecipa para outros setores.

“A indústria, às voltas com uma crise que lhe reduz a competitividade e faz encolher seu mercado, já está demitindo e, se a demanda interna se desaquecer, como sugere a pesquisa do IBGE, se verá mergulhada em dificuldades ainda maiores.

“A inflação, de sua parte, depois de bater no teto da tolerância da política de metas, e às vezes rompê-lo, não dá sinais de que vá ceder nos próximos meses – fazê-la ceder não parece preocupação do atual governo, que prefere a convivência com a alta constante dos preços à austeridade necessária para combatê-la.

“A presidente candidata à reeleição tenta convencer o eleitorado de que não há problemas e, se houvesse, saberia como resolvê-los num átimo. Não há, porém, soluções mágicas para romper esse círculo vicioso de desaceleração do crescimento. Austeridade fiscal, políticas públicas críveis, competência na sua formulação e implementação são elementos essenciais para isso. O que a história dos últimos quatro anos nos ensina, porém, é que o atual governo não dispõe deles.” (Editorial, Estadão, 13/10/2014.)

* Professores de economia lançam manifesto com críticas à atuação do governo

“Brasileiros que ensinam economia em universidades mundo afora se reuniram e lançaram hoje um manifesto em que criticam a atuação econômica do governo federal. Assinado por 164 mestres, doutores e PhDs, o texto busca, segundo eles, desmitificar pontos que têm sido usados na campanha e é um gesto de repudio ao governo da presidente Dilma Rousseff, que tenta a reeleição pelo PT.

“A carta aborda oito pontos. Diz que ‘não há, no momento, uma crise internacional generalizada’; que ‘neste cenário de baixo crescimento e inflação alta, a semente do desemprego está plantada’ e que os avanços sociais das últimas décadas ‘estão em risco’.

“O texto ainda critica o atual governo por ‘se eximir de qualquer responsabilidade pelo nosso desempenho econômico pífio’ e culpar a crise internacional.

“Para os 164 professores, que defendem a tese de que não há crise internacional generalizada, ‘a explicação só pode ser outra’. Os especialistas atribuem ‘o desempenho medíocre da economia brasileira e a perspectiva de retrocesso nas conquistas sociais às políticas econômicas equivocadas do atual governo’. Para eles, a atual administração ressuscitou fantasmas da inflação e instabilidade macroeconômica e não afetou apenas a iniciativa privada. ‘O atual governo expandiu a oferta de crédito subsidiado de forma discricionária e irresponsável’.

“Os autores comparam diversas economias latino-americanas. Ressaltam que a Colômbia deve crescer 4,8% em 2014, com inflação de 2,8%, que a economia peruana deve crescer 3,6%, com inflação de 3,2%, e a do México, 2,4%, com inflação de 3,9%. ‘No Brasil, teremos crescimento próximo de zero com a inflação próxima de 6,5%’.

“Entre outros, assinam a carta professores como Daniel Gottlieb, da University of Pennsylvania, Emanuel Ornelas, da London School of Economics, e Marcelo Cunha Medeiros, da PUC-Rio.” (Carolina de Oliveira Castro, O Globo, 15/10/2014.)

As contas públicas desarranjadas

* Os números desmoralizam o discurso oficial de que as finanças do governo são saudáveis

“O Brasil se destaca no cenário global pelo baixo crescimento, um dos menores do mundo, por sua inflação elevada e pelo mau estado de suas contas públicas – muito pior que o da maioria dos emergentes. A desastrosa situação do setor público brasileiro ganhou destaque, mais uma vez, em um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI). Segundo a presidente Dilma Rousseff, o governo brasileiro tem finanças muito mais saudáveis que a da maior parte dos países do Grupo dos 20 (G-20) e, naturalmente, que a da maioria dos países desenvolvidos. Bravatas como essa têm sido repetidas nos últimos anos e endossadas pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Como tantas outras, também essas declarações são desmentidas por números aceitos internacionalmente como confiáveis.

“Para desmoralizar o discurso do governo bastaria uma das tabelas incluídas no Monitor Fiscal, uma publicação periódica do Fundo. No ano passado, o déficit público brasileiro, de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB), foi maior que o da zona do euro, de 3% (resultado médio dos países da união monetária). Foi mais que o dobro da média dos déficits dos países emergentes e das economias de renda média, de 1,5%.

“Pelas projeções do FMI, o rombo fiscal brasileiro chegará a 3,9% neste ano e diminuirá para 3,1% em 2015. A média da zona do euro deve ser de 2,9% em 2014 e baixar para 2,5% do PIB em 2015. A dos emergentes deve ser de 1,9% nos dois anos.

“A presidente Dilma Rousseff tem o hábito de comparar o Brasil com os países desenvolvidos, quando o assunto é contas públicas. De fato, muitos desses países enfrentaram graves problemas fiscais nos últimos seis anos. Em quase todos a dívida pública é muito alta. Em vários, supera o valor do PIB. Mas a comparação é imprópria e, em alguns aspectos, altamente desfavorável ao Brasil.

“Para começar, esse confronto faria sentido se a dívida pública do Brasil fosse tão bem classificada quanto as do mundo rico. Os juros pagos pela rolagem dos papéis públicos dos países avançados têm diminuído. Investidores continuam comprando papéis emitidos pelos Tesouros dos Estados Unidos e da maior parte dos países europeus. Para rolar sua dívida, o Tesouro brasileiro paga juros muito maiores que os do mercado internacional.

“Estabelecer comparações sem levar em conta esses dados é abusar das palavras. Em alguns casos, pode ser demonstração de despreparo. Não se deve desprezar esta hipótese, quando se consideram os pronunciamentos da presidente e de seus assessores a respeito de questões internacionais.

“A comparação mais adequada é, obviamente, com a situação dos países emergentes e em desenvolvimento. A dívida bruta do setor público brasileiro equivaleu a 66,2% do PIB em 2013, deve passar a 65,8% neste ano e a 65,6% em 2015, pelos cálculos do Fundo. Esses cálculos incluem os títulos públicos na carteira do Banco Central (BC). O governo do Brasil apresenta suas contas sem incluir esses papéis. Mas, como os critérios do FMI são usados de maneira uniforme, as comparações são possíveis. Pelo mesmo critério, a dívida bruta média da América Latina, nos três anos, corresponde a 50,4%, 51,3% e 51,8% do PIB. A dos emergentes, muito menor, fica em 39,7, 40,5% e 41,2%.

“Os gastos do governo brasileiro, em todos os níveis, corresponderam a 41,1% do PIB no ano passado, devem ficar em 42,1% em 2014 e em 41% em 2015. Na média dos emergentes, os números são 31,5%, 31,3% e 30,9%. Na média dos emergentes do Grupo dos 20, a média é de 31,6%, 31,2% e 30,9%. O quadro ficaria muito pior se a análise levasse em conta a qualidade e a eficiência dos gastos públicos no Brasil e nos demais países da mesma categoria.

“Neste ano, segundo o FMI, o resultado primário do Brasil – o dinheiro destinado aos juros da dívida pública – será inferior à meta de 1,9% do PIB fixada pelas autoridades. O saldo estimado é 1,3% do PIB. O número seria muito menor se do cálculo se descontassem as receitas especiais usadas pelo governo brasileiro para engordar a arrecadação e tornar o balanço fiscal mais apresentável.” (Editorial, Estadão, 10/10/2014.)

* Será inevitável um ajuste nas finanças públicas

“A indústria deve estar contando os dias para o fim do calendário eleitoral. É que até lá dificilmente ocorrerá alguma correção de rumos da política econômica, porque isso implicaria reconhecimento de que equívocos foram cometidos, o que daria mais argumentos em favor do candidato da oposição.

“Investimentos capazes de dar novo impulso à indústria foram postergados ou engavetados à espera de uma definição dos rumos da política econômica no ano que vem. Certamente não serão retomados se o próximo o governo não deixar claro que pretende pôr as finanças públicas em ordem.

“O déficit público alcançou um patamar insustentável (4%, o nominal), considerando-se o modesto nível de poupança interna do país (14% do PIB). Sem uma correção de rumos, a possibilidade de redução dos juros e normalização do crédito desaparece. A inflação permanecerá como um grave problema, fazendo com que o governo se sinta tentado a impedir que o câmbio flutue para seu ponto de equilíbrio, de modo a baratear as importações, encurralando a indústria já retraída pela perda de competitividade.

“Com a atividade econômica enfraquecida, é ilusório que os índices de desemprego se manterão em patamares tão baixos. A cada mês, os registros do Ministério do Trabalho, no Caged, mostram que a geração de empregos formais está perdendo fôlego, com queda expressiva em relação a anos anteriores. O dado de setembro talvez seja o pior em 14 anos, inferior a 100 mil vagas.

“Não será com passes de mágica que o governo poderá contribuir para uma mudança nesse quadro de desânimo. O país tem muitos desafios a serem superados, mas a maioria desses obstáculos não poderá ser equacionada enquanto não for desatado o nó górdio da economia, que é o desequilíbrio nas finanças públicas. Nessa fase eleitoral, não se vê luz no fim do túnel porque a austeridade fiscal é apontada como antagônica à continuidade de programas sociais. A situação desafia a oposição a promover o ajuste sem sacrificar programas sociais cuja existência influencia parte considerável do eleitorado.

“Visto por esse ângulo, a falta de um debate mais profundo sobre a questão ilude o eleitorado. Pois, sem ajuste nas finanças públicas, não há quem possa garantir a continuidade dos programas sociais.” (Editorial, O Globo, 14/10/2014.

* Promiscuidade e incompetência nas relações entre o Tesouro e os bancos oficiais

“Com suas contas já em mau estado, com risco de piora até dezembro e sem perspectiva de alcançar a meta fixada para 2014, o Tesouro poderá cometer mais uma custosa generosidade. O governo pretende renegociar, ampliando o prazo de pagamento, mais R$ 130 bilhões dos empréstimos concedidos ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Outros R$ 238,2 bilhões já foram renegociados, neste ano, em condições mais brandas de liquidação. Em agosto, o banco devia ao Tesouro R$ 451,1 bilhões. O objetivo da revisão, segundo disse ao Estado uma fonte graduada, é dispensar o governo, por algum tempo, de um novo aporte de capital. Os dois lados – Tesouro e BNDES – entraram numa armadilha criada por uma política econômica mal concebida, imprudente, mal executada e, obviamente, ineficaz.

“Os primeiros passos para esse desastre foram dados em 2009, no fim da recessão iniciada em 2008. A reativação da economia era a prioridade anunciada pelo governo. A idéia era ampliar e reforçar a política anticíclica inaugurada no começo da crise global. Para isso seria lançado o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), com transferência de recursos do Tesouro ao BNDES.

“Lançado para resolver um problema conjuntural, o programa seria de curta duração e os custos fiscais, limitados. Mas o esquema nunca foi extinto. A prorrogação inicial foi repetida regularmente nos anos seguintes e o PSI se manteve durante o mandato da presidente Dilma Rousseff. Só em 2014 o subsídio embutido nos empréstimos ao BNDES deve custar R$ 23 bilhões ao Tesouro.

“Os empréstimos do Tesouro ao BNDES e a outros bancos federais foram a reedição, com algumas alterações, de uma política encerrada no fim dos anos 80 com a extinção da famigerada conta movimento. Enquanto foi mantida, essa conta, por meio de transferências ilimitadas do Banco Central ao Banco do Brasil, dificultou a execução da política monetária e alimentou a inflação. A promiscuidade entre o Tesouro e os bancos federais interfere na política de crédito, prejudica a política fiscal e torna menos transparentes as contas públicas.

“Bastariam estes pontos para mostrar a inconveniência da relação espúria entre o Tesouro e os bancos oficiais. Mas o custo dessa imprudência é bem maior, porque envolve o mau uso de recursos obtidos por meio do endividamento público. Endividamento, sim, porque a transferência de dinheiro ao BNDES implica a emissão de títulos federais e, portanto, o aumento da dívida bruta. A dívida líquida também cresce, porque as operações são subsidiadas. Além disso, renegociar a dívida do BNDES resulta, no mínimo, em alongamento de prazos, com evidente prejuízo para as contas públicas.

“Pode-se apontar desperdício nessas transferências por mais de uma razão. Em primeiro lugar, porque uma grande parte dos empréstimos alimentados pelo PSI foi destinada a grandes estatais, como a Petrobrás, capazes de recorrer ao mercado para se financiar. Além disso, o BNDES tem concedido a maior parte de seus empréstimos a grandes grupos, igualmente em condições de buscar recursos no mercado interno e no internacional. Empresas menores têm normalmente muito mais dificuldade para ter acesso aos financiamentos.

“Mas ainda é preciso levar em conta os efeitos econômicos mais amplos dessa política. O BNDES deveria funcionar como uma alavanca do investimento produtivo. Mas o Brasil continua investindo menos que o necessário. Isso se explica tanto pela incompetência na concepção e na execução dos projetos de governo quanto pela hesitação do setor privado.

“De janeiro a agosto deste ano a produção de bens de capital foi 8,8% menor que a de um ano antes. Até setembro, a importação desses bens – máquinas e equipamentos – foi 5,7% inferior à dos meses correspondentes de 2013. Nos últimos quatro anos, o total investido pelo setor privado encolheu. Estatísticas produzidas pelo próprio governo comprovam, portanto, o fracasso do PSI como alavanca do crescimento econômico. Sobram, portanto, apenas o imbróglio fiscal e o desperdício.” (Editorial, Estadão, 15/10/2014.)

Os erros na área de energia

* Incompetência do governo Dilma deixa uma conta de R$ 66,5 bilhões para nós pagarmos

“A crise no setor elétrico deve custar ao país R$ 66,5 bilhões, segundo o empresário Walter Fróes, da CMU Comercializadora de Energia. ‘Isso será pago por todos os brasileiros’. Ele faz um cálculo pelo valor médio das contas de luz e conclui que cada brasileiro pagará o equivalente a 17 contas a mais até 2017. A crise, segundo ele, foi em parte criada pelas decisões erradas do governo.

“O Brasil tem 75 milhões de unidades consumidoras, em residências, empresas e serviço público. Segundo a Aneel, a fatura média é de R$ 100 no geral; na conta residencial é de R$ 50. Com base nisso, Fróes calcula que, se for feito o rateio do rombo, cada residência estaria devendo R$ 880 para pagar sua parte dessa conta bilionária. Ou seja, 17 meses de contas de luz.

“— Sabe o que pode ser feito com R$ 66,5 bilhões? A duplicação da ‘rodovia da morte’, a BR-381, tem um orçamento de R$ 4 bilhões. Poderia ser duplicada 16 vezes. Poderia ser feita sete vezes a transposição do Rio São Francisco. Daria para pagar três anos de Bolsa Família ou para fazer duas vezes todas as obras prometidas para a Copa do Mundo.

“Estamos em grave estresse hídrico, mas essa crise não foi causada apenas pela falta de chuva. A conta está subindo pelos desequilíbrios do ano passado, quando choveu normalmente. O setor, porém, foi desorganizado pela MP que antecipou o fim de contratos de concessão e baixou o preço da energia. Os reajustes recentes já anularam a redução e, nos próximos três anos, o consumidor vai pagar pela crise de 2014.

“— O governo poderia ter feito uma campanha para diminuir apenas 5% do consumo de energia. Isso reduziria a necessidade de geração térmica em 3.200 MW médios. O custo mensal da geração térmica cairia de R$ 3,7 bilhões para R$ 2,25 bilhões. Uma economia de R$ 1,45 bilhão por mês. Se isso ocorresse de janeiro de 2013 até agosto de 2014, 20 meses, a economia seria de R$ 29 bilhões.

“Um estudo mostrou que os aparelhos eletrônicos em stand-by podem representar 15% dos gastos residenciais. Se houvesse uma campanha para desligar esses equipamentos nas casas haveria uma queda de 4,2% do consumo total do Sistema Integrado Nacional.

“Poderia também ter sido adotado o sistema de bandeiras tarifárias, que funciona assim: quando as condições hidrológicas ficam menos favoráveis, aciona-se a bandeira amarela, que aumenta em 5% a conta de luz; se a situação é grave, e todas as térmicas são ligadas, aciona-se a bandeira vermelha que implica em aumentar em 10% a tarifa. Os reajustes são revogados quando a situação volta ao normal. Começaria em 2014, mas o governo adiou por causa da eleição.

“Se o sistema estivesse em vigor, a bandeira amarela teria sido acionada em janeiro; a vermelha de fevereiro a julho deste ano — meses em que choveu pouco. As distribuidoras teriam arrecadado R$ 543 milhões em janeiro e R$ 6 bilhões entre fevereiro a julho. Isso reduziria o total dos empréstimos que as elas tiveram que tomar — R$ 17,7 bilhões ao todo — e que serão pagos, com os devidos juros, pelo consumidor nos próximos três anos.

“Outro erro de gestão foi o governo deixar as distribuidoras com exposição involuntária ao mercado livre. O mesmo governo tentou forçar preços irreais em quatro leilões. Eles fracassaram. As distribuidoras entraram no ano sem ter comprado toda a energia que teriam que entregar. Com a falta de chuva o preço no mercado à vista explodiu e elas tiveram que comprar energia até a R$ 822 para vender a R$ 120.

“Tem ainda o problema das geradoras. Há um mecanismo que permite que geradoras comprem energia de outras a custo baixo quando o nível do reservatório cai. O problema é que os reservatórios baixaram em todo o Sudeste e Centro-Oeste. Não havia de quem comprar. Elas tiveram que ir ao mercado à vista para cumprir seus contratos e só no segundo semestre de 2014 ficaram com um rombo de R$ 18 bilhões.

“Houve falta de chuva em 2014, mas a crise tem outros motivos. A tentativa de derrubar o preço na marra, o adiamento do sistema de bandeiras tarifárias, a falta de campanhas para economizar eletricidade e o erro ao negociar oferta e demanda de energia criaram o curto-circuito no setor elétrico que vai para o nosso bolso nos próximos anos. É a pesada herança elétrica que começará a ser paga no ano que vem.” (Míriam Leitão, O Globo, 14/10/2014.)

Um governo estatizante que é desastroso para as estatais

* Nada mais natural que as ações caiam quando Dilma vai bem nas pesquisas

“Em sinais invertidos, a campanha deste ano repete um aspecto das eleições de 2002, quando Lula conquistou o primeiro mandato. Naquelas eleições, os mercados reagiam aos indícios crescentes de que o PT desembarcaria, afinal, no Planalto. A rejeição era tão grande que o dólar tocou nos R$ 4, com grande impacto na inflação. Hoje, a Bolsa cai e o dólar sobe se há rumores sobre pesquisa que indicaria algum avanço de Dilma no projeto da reeleição. Em 2002, a má notícia nas mesas de operação era a chegada do PT. Hoje, a permanência de Dilma Rousseff.

“A candidata demonstra não gostar, tampouco o PT. Haverá quem, no bloco político no poder em Brasília desde 2003, que denuncie vis especuladores e perniciosos ‘rentistas’ por esses movimentos bruscos no mercado. Mau humor inútil, pois é assim em qualquer país. Parte importante da liquidez dos mercados é concedida pelo trânsito de operadores que buscam se antecipar aos fatos. Sempre respeitadas as regras estabelecidas para reprimir extravagâncias, como o acesso a informações privilegiadas, entre outras ilegalidades.

“O que ocorre hoje na bolsa brasileira reflete a constatação de acionistas de que o governo Dilma tem sido desastroso para Petrobrás, Eletrobras e Banco do Brasil.

“É curioso que o abalo de empresas públicas importantes seja provocado por um governo de ideologia estatista, num aparente paradoxo. A chave para decifrar a contradição é o uso desastrado pelo governo Dilma do intervencionismo.

“É peça do arsenal ideológico do estatismo o manejo de empresas públicas para se atingir objetivos econômicos. E à esquerda e à direita. O mesmo recurso foi acionado pela ditadura militar brasileira, na busca de divisas para equilibrar o balanço de pagamentos, nos choques do petróleo, fator de enorme desequilíbrio das contas externas brasileiras, causa básica da insolvência externa de 1982. Estatais e país ficaram superendividados.

“Hoje, Dilma usa a Petrobrás para subsidiar combustíveis importados, bancos públicos para inundar o mercado de crédito ao consumo a qualquer custo e a Eletrobras, a fim de cortar em 20% as tarifas de energia. No caso do setor elétrico, o resultado é a desmontagem financeira dele, porque o Planalto insistiu na idéia mesmo em um período de grave seca, em que as termelétricas, de custo mais elevado, têm sido obrigadas a operar o tempo todo. Entende-se, portanto, porque a bolsa sobe, puxada por ações dessas estatais, em meio a rumores de pesquisas favoráveis a Aécio Neves. E desce, em rumores positivos para Dilma. Simples dessa forma.

“A Petrobrás, cujo valor de mercado caiu pela metade desde que foi forçada a subsidiar o consumo, voltou a ser a empresa mais valiosa da América Latina, terça, depois que suas ações subiram 10% na segunda. Títulos do BB ganharam 11% e os da Eletrobras, 7,4%. Não adianta reclamar, é o mercado.” (Editorial, O Globo, 15/10/2014.)

17 de outubro de 2014

6 Comentários para “Más notícias do país de Dilma (158)”

  1. CONTAGEM REGRESSIVA
    FALTAM APENAS 76 DIAS PARA O FIM DAS MÁS NOTÍCIAS.

  2. o “Viver Bem”.

    “A expressão Viver Bem, própria dos povos indígenas da Bolívia, significa, em primeiro lugar, ‘viver bem entre nós’. Trata-se de uma convivência comunitária intercultural e sem assimetrias de poder (…). É um modo de viver sendo e sentindo-se parte da comunidade, com sua proteção e em harmonia com a natureza (…), diferenciando-se do ‘viver melhor’ ocidental, que é individualista e que se faz geralmente a expensas dos outros e, além disso, em contraponto à natureza” – escreve Isabel Rauber, pensadora latino-americana, estudiosa dos processos de construção do poder popular na América Latina indo-africana”.

  3. VIVER BEM – UM MUNDO POSSÍVEL!

    A gravidade da crise ambiental.

    A humanidade está hoje na direção da não-sustentabilidade, caminhando rapidamente para tornar a Terra inabitável: estamos desmatando numa velocidade incrível por toda parte, seja para vender a madeira, seja para exportá-la, seja para dar lugar a grandes pastagens e plantações de commodities (no caso brasileiro, soja e etanol, principalmente). As florestas são fundamentais para garantir a biodiversidade, mas também, entre outras coisas, para termos chuva e lençóis freáticos abundantes. Nossa água doce está sendo utilizada em uma quantidade muito acima de sua capacidade de reposição. Além disso, ela está sendo poluída pelo não-saneamento (despejo de esgotos diretamente nos rios), pelos agrotóxicos, pelas indústrias e seus produtos tóxicos, pela mineração (na qual muitas vezes são usadas substâncias químicas). Por outro lado, o aquecimento global está derretendo fontes de água doce que são as geleiras, os glaciares e as calotas polares, o que pode tornar a vida muito difícil em inúmeras regiões do mundo.

    Nossos alimentos são cada vez mais envenenados pelos pesticidas e agrotóxicos – o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, à frente dos EUA. Alguns alimentos que consumimos são carregados desses produtos. Nós os colocamos em nosso organismo numa quantidade ínfima, mas dia a dia, ano a ano, ingeridos continuamente, esses venenos produzem doenças, entre as quais o câncer.

    Alguns elementos altamente poluentes e prejudiciais à saúde humana, entre os quais os combustíveis fósseis (petróleo, gás, carvão), há mais de cem anos são a principal fonte de energia utilizada pelos seres humanos. Nosso ar é permanentemente poluído pelo uso desses combustíveis e, por mais que a poluição incomode cada vez mais os habitantes das grandes cidades, não é possível contê-la, pois a cada dia aumenta o número de automóveis nas ruas. O automóvel se converteu no grande ídolo da nossa civilização, de sua lógica de produção e consumo: é em função dos carros, principalmente, que nossas cidades são construídas.

    Nosso sistema econômico, para gerar lucro, precisa incessantemente produzir e vender. É por isso que nossa sociedade é uma sociedade de consumo, porque as pessoas precisam consumir sempre mais. Essa é a lógica do capitalismo. E a propaganda é absolutamente fundamental, para tornar as pessoas consumidoras, para convencer as pessoas de que precisam comprar e, depois de comprar, comprar novamente. Os produtos não são feitos para ter durabilidade, eles são feitos para se tornar rapidamente obsoletos, de modo a que as pessoas tenham necessidade de comprar um novo. Mais produtos, mais embalagens, tudo isso gera lucros para as empresas, mas também consome intensamente as matérias primas de que são feitos os produtos, além de aumentar a quantidade de lixo que é descartado num volume maior que a capacidade do meio de absorvê-lo.

    Em consequência, os recursos naturais do planeta estão desaparecendo. Alguns desses recursos não são renováveis e, em algum momento, vão deixar de existir, em razão do consumo excessivo. Outros são renováveis, mas a velocidade com que estão sendo utilizados e a não-sustentabilidade de seu uso fazem com que não haja tempo de regeneração.

    O capitalismo é suicida porque ele não consegue se manter sem destruir as condições que a humanidade necessita para sobreviver: clima equilibrado, recursos naturais disponíveis a longo prazo e segurança alimentar. É desagregador das sociedades, porque tende a produzir fortes desigualdades. A distância entre os ricos, impondo padrões de consumo inalcançáveis, e os pobres, com suas esperanças cada vez mais frustradas, produz o ambiente propício para a proliferação do crime e da violência. A vida se mercantiliza, tudo vira mercadoria, inclusive as pessoas.

    A crise econômica mundial e sua não-solução

    A maior crise econômica mundial desde 1929 eclodiu publicamente em 2008. Ela foi produzida pelas políticas neoliberais e pela globalização econômica implementadas nos últimos trinta anos. Os dogmas neoliberais em poucos dias foram derrubados e as consequências da economia de mercado desregulada ficaram mais evidentes: desemprego,exclusão, aumento da desigualdade social, violência – tudo isso aliado a uma enorme destruição ambiental.

    Mesmo desnudado, porém, o capital financeiro não desistiu do seu caminho. A solução que os governos deram para a quebra de vários grandes bancos e multinacionais foi a injeção de recursos públicos (isto é, dos contribuintes, de todo o povo) nessas instituições. Salvaram os próprios bancos responsáveis pela crise. Agora, depois de salvos pelo dinheiro público, estão novamente tendo lucros privados, isto é, os prejuízos são pagos pelo povo, mas os lucros são reapropriados pelos bancos. As exigências de regulação do sistema financeiro, dos bancos, não foram colocadas em prática, o que significa que hoje estamos praticamente nas mesmas condições que geraram a crise de 2008: podemos portanto prever a eclosão de uma outra grave crise mundial, só não sabemos o momento exato.

    Por outro lado, a saída da crise mundial não pode ser a retomada do crescimento econômico anterior, apoiado na lógica “produtivista-consumista”: a saída é romper com o modelo econômico baseado na exploração e no lucro e estabelecer um modelo de sociedade baseado em uma economia solidária e ecológica, na relação respeitosa com a natureza, na busca do bem-viver, produzindo aquilo que é necessário, evitando o esgotamento dos bens que a natureza nos oferece.

    Nós temos um país com riquezas naturais invejáveis, dotado de uma enorme biodiversidade, com terra agricultável em quantidade, com uma imensidão de trabalhadores aptos a trabalhar – o principal recurso para o desenvolvimento –, com um parque produtivo que foi atingido mas não destruído pelas políticas neoliberais. Somos banhados pelo sol o ano inteiro, temos 13,8% da água doce do mundo e temos ventos: ou seja, poderíamos ter toda a nossa energia renovável, eólica, solar, geotérmica, oceânica e outras.

    É mais do que nunca o momento de pensar em um modelo de desenvolvimento centrado nas necessidades humanas, que garanta a reprodução da natureza, evite o desperdício e não esgote os bens de que precisamos para viver. Um desenvolvimento que esteja voltado para a vida e não para a maximização do consumo.

    Por uma outra concepção de desenvolvimento

    Precisamos construir uma outra concepção de desenvolvimento, centrado na satisfação dessas necessidades. Desenvolvimento não é sinônimo de crescimento econômico, como afirma a teoria econômica dominante – difundida pela grande mídia –, desenvolvimento não é sinônimo de “produtivismo-consumismo”. Desenvolvimento é desdobrar as potencialidades existentes nas pessoas e na sociedade para que tenham vida e possam viver bem2. Isso implica garantir proteção social para que as pessoas se sintam seguras face às dificuldades imprevistas que podem atingir qualquer ser humano.

    O que é necessário para conseguir esses bens? Como obter aquilo de que precisamos sem destruir as condições que nos permitem viver na Terra, sem acabar com a água, os peixes, os animais, a terra cultivável, as florestas, a diversidade cultural, social e biológica? Como organizar a sociedade de modo que haja trabalho para todos?

    Não basta fazer coleta seletiva de lixo, não basta evitar o desperdício de água, substituir os carros a gasolina por carros elétricos. Na verdade, o que é preciso mudar, para interromper a destruição do planeta, é o tipo de desenvolvimento. Desde o século passado, a economia é centrada na produção crescente e no consumo incessante. O objetivo prioritário da economia dominante é o crescimento econômico: o critério universal de avaliação de um país é o PIB, o Produto Interno Bruto, quanto mais produzir, quanto mais vender, melhor é o país, melhor está sua economia3.

    Nessa toada, vão-se embora os bens naturais – a água, a terra fértil, o ar saudável, as árvores, etc. Os especialistas dizem que precisamos de mais de uma Terra para garantir o nível de consumo atual – os países desenvolvidos têm apenas 20% da população mundial, mas consomem 80% dos produtos. É fundamental mudar isso. Mais que fundamental, é urgente, é inadiável: se mantivermos o sistema atual, a humanidade desaparecerá4. No dizer de Leonardo Boff, “a Terra pode sobreviver sem nós, mas nós não podemos viver sem a Terra”5.

    Essa é a preocupação do economista Joan Martínez Allier, no livro “Da economia ecológica ao ecologismo popular” (1998)6. Segundo esse autor – inspirado em Georgescu Roegen, o iniciador dessa linha de pensamento –, economia ecológica “é uma economia que usa os recursos renováveis (…) com um ritmo que não exceda sua taxa de renovação, e que usa os recursos esgotáveis (…) com um ritmo não superior ao de sua substituição por recursos renováveis (…)” (1998: 268).

    Um outro autor, Lester Brown, publicou em 2001 a obra Eco-economia: construindo uma economia para a Terra e, recentemente, em 2009, publicou Plano B 4.0 – Mobilização para Salvar a Civilização7. Obras onde ele propõe outro tipo de economia: desde a mudança da matriz energética até o tipo de indústria que deveríamos ter, o tipo de agricultura, de transporte e assim por diante. E poderíamos citar outros, como Herman Daly, Manfred Max-Neef8.

    É possível organizar a sociedade de outra forma – e melhor

    Não basta dedicar 2% do PIB mundial para tornar a economia sustentável, como afirma documento do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) em preparação à Rio+209.

    Em primeiro lugar, o capitalismo em sua forma neoliberal – hegemônica nos últimos 30 anos – produziu uma forte desregulamentação das atividades econômicas. As empresas, desreguladas, ficaram livres para fazer o que quisessem para obter mais lucros. O resultado foi um incrível aumento da exploração dos trabalhadores: as empresas e, dentre estas, especialmente as empresas financeiras, passaram a ter lucros crescentes, e seus executivos passaram a ter salários altíssimos, em absoluta desproporção aos salários pagos aos demais trabalhadores, severamente comprimidos.

    O primeiro ser natural a sofrer aumento de degradação neste período foi o ser humano, expresso na grande maioria da humanidade. Este foi o primeiro ser vivo a ter sua sobrevivência ameaçada, o primeiro a sofrer perda de direitos.

    A primeira conclusão a tirar desta crise é que a economia precisa ser regulada, é necessário o controle da sociedade sobre a política econômica. Não se pode deixar as empresas decidirem o que e como fazer sem a interferência da sociedade na qual atuam, sem o conhecimento e a avaliação daqueles que sofrem as consequências de sua atuação.

    O enfrentamento da desigualdade social

    Qualquer projeto de desenvolvimento baseado no cuidado ecológico, qualquer projeto de economia ecológica, tem de ter como prioridade a redução da desigualdade social – não basta a redução da pobreza.

    Temos assistido, no período recente, à crise econômica servir de pretexto para desmontar o Estado de bem estar social na Europa. Os trabalhadores vêem seus salários serem reduzidos sucessivamente, suas futuras aposentadorias serem rebaixadas e, mesmo, ameaçadas e uma parte significativa se vê desempregada e vivendo na informalidade, com os serviços públicos sofrendo constantes cortes de recursos.

    No entanto, para surpresa nossa, isso não se deve à diminuição da riqueza de cada país. Para dar um exemplo, vejamos o caso da França: nos últimos 30 anos, as aposentadorias foram reduzidas, os salários rebaixados, a população desempregada quintuplicou e as políticas sociais sofreram sérios cortes. Mas não foi por falta de recursos. Em 1980, o PIB da França era 444 bilhões de euros. Em 2010, foi 1.932 bilhões de euros (1 trilhão e 932 bilhões de euros). O PIB cresceu mais de 300%. Seria possível argumentar que isso ocorreu porque a população cresceu muito. Na verdade, cresceu bem menos que o PIB: ela passou de 36 milhões a 63 milhões de habitantes: um crescimento de 75%. Poder-se-ia dizer que a parte mais velha da população – aquela acima de 65 anos – cresceu muito mais. Mas esta parte aumentou menos de 40%.

    Nas mãos de quem foi parar a renda e a riqueza acrescida entre 1980 e 2010?

    No caso do Brasil, a pobreza diminuiu nos últimos anos, em razão principalmente de um aumento real do salário-mínimo e do programa Bolsa-Família. Isso, porém, não significou mudança nas estruturas geradoras da desigualdade social. Ao contrário, a política econômica vem enriquecendo de modo exponencial os mais ricos – os 5% no topo da pirâmide social. Portanto, ocorre diminuição da pobreza, sim, mas, ao mesmo tempo, aumento da desigualdade social. A maior parte do resultado do trabalho, a maior parte dos recursos produzidos no país, vai para a camada mais rica, através do sistema tributário, do imposto sobre o consumo – que tem um peso maior que aquele sobre a renda – e do pagamento da dívida, dos juros da dívida, do superávit primário.

    Como superar o modelo produtivista-consumista

    Para superar o modelo de desenvolvimento predador, produtivista-consumista, temos de propor outro tipo de desenvolvimento. Como pensar o conjunto da organização social, como pensar as cidades e o campo, o trabalho, a produção daquilo que é necessário?

    Mudar a matriz energética

    Temos de mudar a matriz energética (e a tragédia ocorrida no Japão só fez confirmar a urgência dessa mudança): substituir a energia baseada em combustíveis fósseis e a nuclear por energias renováveis. Nesse ponto, em termos de estudos e de propostas, estamos nos adiantando. Temos estudos mostrando a viabilidade técnica de obter toda a energia de que necessitamos via energia eólica, solar fotovoltaica, solar térmica, oceânica, geotérmica e hidrelétrica10 (ver, por exemplo, o recente estudo do Greenpeace no Brasil, A revolução energética e o Relatório sobre Energia, produzido pela WWF)11. Não temos necessidade de nenhuma nova megausina hidrelétrica para garantir eletricidade para o povo, não precisamos expulsar povos indígenas e ribeirinhos de seu habitat, não precisamos mais acabar com belezas naturais como Sete Quedas, exaltada nos versos de Carlos Drummond de Andrade12.

    Um estudo da Academia americana de Ciências indica que o potencial de produção eólica terrestre representa 40 vezes as necessidades atuais de eletricidade. Na China, cobriria 16 vezes as necessidades do país13. O potencial avaliado pelo Atlas Eólico Brasileiro é de que a energia eólica pode multiplicar por dez a energia gerada por Itaipu (apud Greenpeace, 2010).

    Na China, captadores térmicos instalados nos tetos de casas fornecem atualmente água quente a 120 milhões de famílias. Cerca de 5 mil empresas chinesas fabricam estes aparelhos: é uma tecnologia simples e barata14 e se difundiu enormemente em lugares onde ainda não há eletricidade. A vantagem da energia solar é que ela não precisa de rede para funcionar: cada residência pode ter sua fonte de energia independente, mesmo que esteja situada numa região isolada. Na Alemanha, atualmente 2 milhões de alemães vivem em casas onde a água quente e a eletricidade são assegurados por captadores solares.

    Segundo o Atlas Solarimétrico do Brasil, se 0,3% do Saara fosse usina solar concentrada, geraria energia suficiente para toda a Europa. E, no Brasil, se apenas 5% da energia vinda do sol fosse aproveitada, toda a demanda nacional por eletricidade poderia ser atendida (idem). O Brasil ainda tem condições de ser um dos primeiros em pesquisa e tecnologia de energia solar. Bastaria que algum governo tivesse a vontade política de investir recursos nesta área.

    Tendo em vista que, no futuro, as fontes principais de energia serão renováveis, se tornará desnecessário o transporte do petróleo através de extensos oleodutos e de petroleiros cruzando incessantemente os mares15.

    Em escala mundial, as subvenções aos combustíveis fósseis se eleva a 500 bilhões de dólares por ano. Seria preciso interromper estas subvenções. Para comparar: o investimento em energias renováveis é de 46 bilhões de dólares, dez vezes menos.

    A área agrária-agrícola

    Para a área agrária-agrícola, há propostas consistentes dos movimentos sociais do campo e de setores a eles vinculados. Eles propõem um modelo de agricultura radicalmente diferente do modelo dominante, um modelo que se opõe à dominação das multinacionais, ao agronegócio, à dependência de fertilizantes e agrotóxicos, aos transgênicos. Ele exige a reforma agrária, para que todos os trabalhadores tenham terra e condições para plantar; e propõe um modelo apoiado na agroecologia – sem agrotóxicos –, na produção diversificada, na agricultura familiar16, produzindo prioritariamente para a alimentação da população.

    Esta não é uma proposta teórica apenas, ela já está sendo praticada em vários lugares do país. E tem tido excelentes resultados tanto em termos de produção, quanto em termos de alimentação saudável e suficiente para a população envolvida. A razão pela qual ela não se expande é a prioridade dada pelos governos ao agronegócio, à exportação de commodities e a pouca atenção a este tipo de agricultura. Levando em conta que 70% dos alimentos que consumimos são produzidos pela agricultura familiar, fica claro por que o país tem importado cada vez mais alimentos em que, há menos de vinte anos, éramos autosuficientes.

    O semi-árido brasileiro

    A ASA (Articulação do Semi-Árido) tem propostas amplas sobre como viver e produzir nessa região, sintetizadas na expressão “convivência com o semi-árido”. E não são apenas idéias: estão sendo implementadas em boa parte da região, com resultados muito positivos para a população. São inúmeras tecnologias sociais que permitem ter água durante todo o ano, mesmo com pouca pluviosidade17. O “Atlas do Nordeste”, preparado pela ANA (Agência Nacional de Águas) se apóia em muitas dessas propostas e oferece condições de atender a 34 milhões de nordestinos, o triplo do prometido pelo projeto governamental de transposição do rio São Francisco – e pela metade do valor da transposição.

    A indústria

    Terá de ser toda ela à base da reciclagem dos materiais já utilizados. Temos de passar de um sistema baseado no automóvel e no fluxo de materiais e de produtos descartáveis para um sistema baseado em meios de transporte diversificados e na reciclagem exaustiva das matérias primas e dos produtos acabados18.

    Durabilidade/ consertabilidade/ recuperabilidade

    Isso também implica em exigências quanto à própria fabricação dos bens ou ao seu desmonte. A construção dos prédios deve ser de tal modo e com tais materiais que permita, no futuro, quando vierem a ser desfeitos, que os materiais possam ser reutilizados, reaproveitados. Os aparelhos devem ser produzidos de tal forma que possam ser desmontados, e todas as suas partes reaproveitadas. Eles devem ser feitos de modo a poderem ser consertados em vez de descartados, a poderem substituir apenas uma peça quando esta peça apresentar defeito. Eles devem ser feitos para durar, não para serem trocados em pouco tempo. Há produtos que poderiam ter garantia de dez, vinte anos ou mais, em vez de um ou dois anos.

    A lâmpada, por exemplo, se for fluocompacta (FLC), gasta menos e dura mais que a incandescente. E se for LED (diodo emissor de luz)19, gasta ainda menos e dura muito mais – mais de 15 anos. Os semáforos em alguns países já são LED 20.

    Na Europa, os aparelhos eletrodomésticos são duas vezes mais econômicos que nos Estados Unidos. E existem aparelhos ainda mais econômicos que os da Europa.

    Os transportes

    Repensar o sistema de transporte, investindo pesadamente no transporte coletivo, diversificado, apoiado nos trilhos – trem, metrô, bonde (tramway) -, nos ônibus; e também na utilização de bicicletas – estimulada por investimento público e garantindo condições de segurança. Estabelecer vias preferenciais para os ônibus (o que os torna mais rápidos e mais atrativos), reduzir as áreas acessíveis aos carros individuais, investir em ciclovias e ruas para pedestres.

    Isso implica abandonar a centralidade do automóvel em nossa civilização – e do transporte rodoviário. A prioridade para o automóvel está inviabilizando as cidades, aumentando o aquecimento global, a poluição ambiental e as doenças respiratórias, prejudicando o ser humano.

    A cidade

    Repensar a cidade: a cidade para o bem-estar dos habitantes. Pensar a construção das habitações de modo que os materiais utilizados sejam poupadores e geradores de energia: tetos solares, sistema de captação de água da chuva para diversos usos. Além disso, pode-se produzir equipamentos geradores de energia em pequena escala, residencial – para garantir o abastecimento das necessidades domésticas, para a iluminação e a climatização (“residência eficiente”). Energia fotovoltaica para os aparelhos domésticos, energia solar térmica para a água quente. De forma a aproveitar o máximo e a desperdiçar o mínimo aquilo que a natureza oferece. Mesmo imóveis antigos, mal isolados, podem passar por uma renovação energética e reduzir o gasto de energia em 20 a 50%21.

    A propaganda

    Não precisamos de propaganda para nos convencer a comprar um novo produto, muitas vezes supérfluo. Aquilo de que precisamos não supõe propaganda: basta a informação sobre sua finalidade e as substâncias que contém. Os cidadãos, com esta informação, saberão decidir por si próprios qual dos produtos lhes convém.

    Comecemos por eliminar a propaganda: de medicamentos, pelo risco que oferece à saúde pública, além de incitar ao consumo desnecessário dos mesmos; de bebidas alcoólicas; de refrigerantes, pelo efeito deletério que eles têm sobre a saúde das pessoas (vício, açúcar, obesidade, diabetes, etc.); a propaganda dirigida a crianças.22

    O desenvolvimento que nós queremos

    Queremos um desenvolvimento que nos dê vida e não produtos. Temos de produzir aquilo de que precisamos, não aquilo que as empresas querem que consumamos, para atender a sua ganância de lucros. Não precisamos de um celular novo por ano, de uma televisão a cada Copa do Mundo, de mais ruas, avenidas e viadutos para garantir a venda de mais carros. Não precisamos de máquinas de lavar que quebram depois de um ano ou computadores que ficam obsoletos depois de alguns meses. Tudo aquilo de que precisamos pode ser fabricado de modo a ter longa duração, a poder ser aperfeiçoado sem ser trocado, a ser consertado em vez de eliminado. Precisamos de reengenharia, sim, mas para que nossas indústrias se dediquem a utilizar o que já existe para produzir coisas novas e úteis.

    Sim, é verdade: “outro mundo é possível” – nele poderemos “viver bem”, na solidariedade com os irmãos, em harmonia com a natureza.

    *Ivo Lesbaupin é sociólogo, coordenador do Iser Assessoria e membro da direção nacional da Abong – Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais. Uma primeira versão deste artigo foi publicada em Le Monde Diplomatique Brasil, novembro de 2010.

  4. Divulgar textos – pequenos ou grandes – pensando propostas alternativas (ou mostrando experiências) de organização da sociedade, da economia, de desenvolvimento.
    A partir de 1/1/2015 menos “más notícias” e mais boas idéias.

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