Jejum e mar de palha

O cinema só não é uma arte maior como a literatura porque não há cineastas virgens. O cineasta virgem seria uma contradição nos termos. A câmara de filmar é um falo hiperbólico: devassa, despe, acaricia. Bi ou promíscua, a câmara tanto faz estremecer Keira Knightely e Scarlett Johansson como Michael Fassbender. Continue lendo “Jejum e mar de palha”

O romance facho-hollywoodiano

Mussolini, no escuro do seu cinema, gostava de pôr os olhos na irreprovável nudez de Hedy Lamarr, vendo Êxtase, filme mudo checo de que tinha cópia privada. Mas o seu modelo de indústria era americano. Admirava os grandes estúdios e manteve romance epistolar com a bela e fútil Anita Page, que teria sido a namorada do mundo se Greta Garbo e Joan Crawford não lhe tivessem sufocado a carreira.

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Tirar a roupa

Se a história do cinema ensina alguma coisa é que vem aí uma década de libidinoso aquecimento. No século do código Hays, passagem dos anos 20 para os 30, tudo era proibido. Mesmo o beijo na boca era só uma lástima de beijo na boca. Continue lendo “Tirar a roupa”

Heróico, viril e vil

Todo o passado é sincrético. Como sabem, John Gilbert é um actor do tempo de Homero, Greta Garbo, Ben-Hur ou não fosse o cinema uma invenção mediterrânica. Um dos criadores desse cinema da antiguidade clássica foi Louis B. Mayer. Judeu, claro. Como Aquiles, era heróico, viril e vil. De poderoso soco. Basta vê-lo, à porta do Alexandria Hotel, aos murros a Charlie Chaplin. Foi em Los Angeles: na minha antiguidade clássica já havia América e hotéis de cinco estrelas. Continue lendo “Heróico, viril e vil”

A bomba atómica

Talvez explodisse a uma fulgurantíssima terça-feira. Ou a um domingo, apanhando a família a comer caranguejos, na casinha colonial que tínhamos em pleno musseque Sambizanga. Estava para explodir a bomba atómica que apagaria da face da terra a afrodisíaca insatisfação da humanidade. Continue lendo “A bomba atómica”

Deus já foi um Eusébio cósmico

Tenho uma saudade estrábica da missa de sábado às sete da tarde. Toda a gente sabe que a saudade tem problemas oftalmológicos, mas quem é que ainda sabe o que era a missa de sábado, que já valia como missa dominical, abrindo-me as portas a um domingo inteiro de praia, colonial e tropical, na Ilha de Luanda, ou nos mangais do km 36, antes do Miradouro da Lua? Continue lendo “Deus já foi um Eusébio cósmico”

A mulher irretocável

Tenho falado muito com jovens. O facto de eu usar chapéu facilita. No meu tempo, o chapéu preto era reaccionário, pidesco até, se ainda alguém sabe o significado destes coxos qualificativos. Havia uma excepção, o chapéu na cabeça de Bogart. A cabeça de Bogart enchia qualquer peito de admiração. Continue lendo “A mulher irretocável”

A culpa é de Chuck Norris

Estimado Woody Allen, eu pecador me confesso. Parte da culpa é minha. Quando o senhor Castello Lopes, nos meus tempos de director de programas, tentava vender à SIC os teus filmes, eu propunha-lhe sempre comprá-los por um terço do preço que custava um Chuck Norris. Ui, o teu orgulho artístico ferido. Continue lendo “A culpa é de Chuck Norris”