Honesto à sua maneira, bruto como as casas, Harry Cohn era o boss da Columbia, o estúdio de Rita Hayworth. A falsa ruiva era a sua pérola. Tinha aquela cabeça rubra toda em fogo, um corpo de fazer Nosso Senhor sair da cruz, e uma forma de dançar que fazia de qualquer homem um Herodes. Continue lendo “A Dama de Xangai”
Nunca houve portugueses carecas
Não gosto de tipos que se levam muito a sério, tipos de ar compungido a quem, certamente, mas também não quero ir ver, não cabe um feijão no apertado lugar onde o sol não brilha. Continue lendo “Nunca houve portugueses carecas”
O banho nem sempre é uma limpeza
O assassínio no banho é uma invenção de Hitchcock. No século XVIII, o pintor David imortalizara o revolucionário Marat, mostrando-o a sangrar na banheira onde sossegava a comichão de um eczema contra-revolucionário. Marat está no banho, bem morto e esfaqueado.
Uma cadeira no meio das pernas
Claro que a carreira de Marlene Dietrich tinha pernas para andar. Foi com uma cadeira no meio dessas pernas que Josef von Sternberg lhe construiu a imagem. Quem viu, dizia: “Ah, aquelas pernas.” Eram suspiros de 1930. Começava-se a suspirar na Alemanha e continuava a suspirar-se pelos Estados Unidos da América dentro. Continue lendo “Uma cadeira no meio das pernas”
Godard na “Casa dos Segredos”
“Quando se virou a página, virou-se a página.” É o que sai da boca de Godard. Mas o brilho triste dos olhos que Anna Karina fixa na boca dele desmentem-no. Estão, lado a lado, num plateau de televisão. Vinte anos depois de se terem divorciado. Vinte anos sem se terem voltado a ver. Continue lendo “Godard na “Casa dos Segredos””
O Cristo redentor de Pasolini
Era eu. Numa mão um livro, na outra uma metralhadora Vigneron. O livro era pequeno e vermelho. Boa para a guerrilha urbana, a metralhadora fora recuperada à FNLA, diziam-me os camaradas. Nunca a disparei, se me desculpam começar a crónica com um anticlímax. Continue lendo “O Cristo redentor de Pasolini”
Aproveitemos para caçar ursos
Era homem para dobrar a natureza. E mulheres, dizem. Mesmo que só o tenham amado metade das que amou, ou com quem se deitou, já daria para fazer um gracioso cordão humano à volta dos estúdios da Fox ou da Warner. Continue lendo “Aproveitemos para caçar ursos”
A malcasada
Na América pode haver quem diga: “Estou a pensar em Mel Brooks.” Do Atlântico para cá, a ninguém passa pela cabeça pensar em Mel Brooks. Esclareço os mais novos: é um produtor e realizador mediano. Os seus filmes mais célebres são as comédias The Producers, Young Frankenstein e Silent Movie. Continue lendo “A malcasada”
Pensas que és tu e se calhar és a Meryl Streep
Eu acho exactamente o contrário. Não sei se importa alguma coisa saber-se do que é que estamos a falar. Seja, então, de Meryl Streep. Se disserem que Meryl Streep, de Kramer vs Kramer a The Bridges of Madison County, faz sempre de Meryl Streep, eu discordo. Continue lendo “Pensas que és tu e se calhar és a Meryl Streep”
Hemingway, o cinema e o copo de cerveja do pai
Para Hemingway, Hollywood estava longe de ser o Paraíso na Terra. Hollywood era a selva dos produtores de filmes, onde o escritor é a gazela a fugir da boca de leão do produtor: “Vamos ter com o produtor à fronteira da Califórnia. Atiramos-lhe com o livro para o lado de lá. Ele atira-nos com o dinheiro para o lado de cá. Saltamos para o carro e guiamos de volta como o diabo a fugir da cruz.” Continue lendo “Hemingway, o cinema e o copo de cerveja do pai”
Emídio Rangel em Nova Iorque
Se lá estivesse o Al Pacino de Serpico, não seria melhor. Na 5ª Avenida, à boca do metro, montara-se o inferno. Povo, polícia, o circo da televisão. Bandidos em fuga tinham reféns os passageiros do metro. Cortou-se o trânsito, fechou-se o metro. Esperava-se o som e a fúria das metralhadoras dos NYPD blues. Continue lendo “Emídio Rangel em Nova Iorque”
Um filme de Malick e Jorge Luis Borges
Foi a única vez em que Jorge Luis Borges se zangou com o seu amigo Bioy Casares. De tão irritado, Casares bem gostaria de ter dado um literário murro na mesa. Citara a Borges a mais misantropa das frases – “a cópula e os espelhos são abomináveis porque multiplicam o número dos homens” –, afirmando que a dissera um filósofo de Uqbar, terra misteriosa. Continue lendo “Um filme de Malick e Jorge Luis Borges”
Manoel de Oliveira de calções
Até mesmo Hemingway teve infância. Antes dos touros, dos litros de dry-martinis, de Paris em festa, houve um Ernest antes de haver um Hemingway. Diria mais, ainda o decano de todos os cineastas, o nosso Manoel de Oliveira, não tinha nascido e já Hemingway tinha infância. Continue lendo “Manoel de Oliveira de calções”
Não é bem a história do Capuchinho Vermelho
Se repararem bem, ela está lá. A lingerie é de seda vermelha, collants pescadores de rede vermelha também, uns vermelhíssimos sapatos Manolo Blahniks que, calçasse-os Dorothy, e outra teria sido a sua conversa com o feiticeiro de Oz. Continue lendo “Não é bem a história do Capuchinho Vermelho”
A mulher estrangulada
Deus é um despesista. Fez o mundo em sete dias. Devia era aprender com Edgar G. Ulmer, que fazia filmes em seis dias. O problema de Deus é não ser um cineasta alemão. Tivesse Ele sido assistente de Murnau e de Lang, haveria mulheres na Lua e nas florestas do mundo outros tabus cantariam. Continue lendo “A mulher estrangulada”