pai, leia uma história antes de nós dormirmos. uma história de vida.
uma história? vou então ler uma que eu traduzi do Esperanto.
como se chama?
O pássaro todo maravilha.
Era uma vez uma aldeia. Era cercada por uma enorme floresta. No verão, a floresta era toda verde. Mas na primavera as árvores ficavam com tons diferentes. Cores e mais cores. E, em volta da floresta, montanhas e montanhas. Os animais vagavam na escuridão da mata. E pássaros, milhares de pássaros de todos os tamanhos e cores, cruzavam o céu e cantavam nos galhos. Havia um rio e uma ponte. E casinhas espalhadas. E os seus cães e suas galinhas e porcos e cabritos. E gado.
Um caminho saía da aldeia, cortava seus campos, atravessava a floresta e se perdia no que era longe. Por esse caminho, muito de vez em quando, passava uma carroça, ora indo, ora vindo. Quando vinha, trazia sal, tecidos e ferramentas de ferro. Quando ia, levava frutas, verduras, animais.
Há muitos anos atrás, começara a correr um boato na aldeia. De que na floresta alguém vira o pássaro mais belo do mundo. A notícia era esquecida e, de repente, alguém falava novamente que o tinha visto.
E de que cor era?, perguntavam.
Tinha todas as cores, maravilhoso, difícil de explicar, era todo maravilha!
E novamente se passava um longo tempo e ninguém falava do pássaro até que, inesperadamente, alguém voltava a afirmar tê-lo visto.
Ora, entre a aldeia e a floresta, já quase onde esta começava, havia uma colina. Ali vivia um velho. E o povo dizia que ele morava num palácio, mas a mulher que ia lá de vez em quando, para fazer a limpeza, dizia: é apenas uma casa muito grande escondida por velhas árvores. Mas é tudo muito bonito.
Esse velho raramente descia. Diziam que ele era muito rico, porque todas as vezes que alguém precisava de ajuda, a mulher da limpeza falava com ele e ele mandava a ajuda.
E então, um dia, ele desceu e começou a perguntar às pessoas pelo pássaro todo maravilha. E um rapaz foi chamado, porque ele tinha sido o último que dissera ter visto a ave. E explicou ao velho o local onde a tinha encontrado. E o velho pediu que ele organizasse uma excursão por sua conta, que queria ele também conhecer o pássaro. E deu dinheiro ao jovem.
Mas voltaram sem nada encontrar. E aconteceu que, toda vez que alguém dizia que tinha visto o pássaro todo maravilha, descia o velho – a mulher o avisava, e organizava grupos de procura. Mas nunca o pássaro era encontrado.
E, aos poucos, aqueles encontros com o pássaro foram rareando. Algumas pessoas chegavam a dizer que tudo era invenção, ninguém tinha visto nada, criaram uma lenda. Mas os que tinham visto o pássaro se defendiam, não sou mentiroso, eu vi, eu juro que vi, que cor tinha ele?, que tamanho?, não me lembro direito, já faz tanto tempo!
E, mergulhada na sua pequena rotina, a aldeia acabou esquecendo que havia nas florestas em volta, talvez, um pássaro que era o pássaro todo maravilha.
Um dia, porém, passou a correr por todas as ruas um moleque gritando:
Acharam o pássaro todo maravilha! Acharam o pássaro! Acharam!
E veio vindo um homem e atrás dele um grupo de curiosos que aumentava a cada passo. Ele segurava uma peneira coberta por um pano branco.
O pássaro todo maravilha! Então é verdade! Quem o encontrou? Está amarrado?
E as pessoas repetiam as mesmas frases. Alguém gritou: chamem o velho! Chamem o velho!
E na pequena praça reuniu-se todo o povo, formando um grande círculo. Ficou no centro o homem. Alguém trouxe um banco e nele foi colocada a peneira. As pessoas queriam se aproximar mas tinham um certo medo.
Chamem o velho! Já chamaram! A mulher mandou um garoto! Com certeza ele vai dar uma gratificação! Sim, ele vai dar uma gratificação! Vejam, vejam!
O círculo se abriu num lado e entrou o velho e parou. Há tanto tempo ele não era visto! Tinha envelhecido ainda mais, cabelos e barbas muito compridos e ralos, como os velhos sábios das antigas lendas. Todo de branco com o seu enorme cajado. Mas a barra de sua imensa blusa trazia lindos bordados de flores multicores.
O velho avançou e parou. Silêncio total.
Você o tem aí?
Sim.
Tire o pano.
Tire o senhor.
O velho tirou o pano branco.
Mas está morto!
Mas eu o matei com uma bola de borracha pra não machucar as penas!
Sim!… é bonito!… é bonito!
As pessoas fecharam um pouco o círculo e exclamações escapavam de suas bocas: é bonito! É muito bonito! Até que fez-se um silêncio terrível. O velho tomou o pássaro nas mãos.
É um pássaro todo maravilha! É mais maravilhoso do que aquele que eu apenas tinha conseguido imaginar.
E ficou a olhá-lo um tempo.
Houve murmúrios surdos no grande círculo. O velho sabia o que eles cochichavam entre si. Que ele daria ao homem uma gratificação. Então ele estendeu o pássaro ao homem.
Pegue-o.
O senhor não ficará com ele?
Só por um instante.
O homem tomou o pássaro nas mãos.
E houve um grande silêncio e uma tremenda expectativa.
Devo dar-lhe uma gratificação pelo prazer de ter contemplado esta maravilha. Então… Eu lhe darei tudo que tenho. Não subirei à minha casa, partirei daqui mesmo, tudo será seu…
Meu?
Sim! Tudo que tenho será seu… desde que você o faça viver novamente.
A Espécie Humana, romance de Jorge Teles, está sendo publicado em capítulos.
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