O grande jornalista Elio Gaspari perguntou, em seu artigo na Folha de S. Paulo e em O Globo desta quarta-feira, 27/1, para que pedir “Fora Bolsonaro”. Confio em que grandes personalidades – jornalistas, políticos, juristas, cientistas sociais, gente de todos os campos – saberão responder, com clareza e racionalidade, à pergunta.
Mas, aqui do meu cantinho, já apresento alguns pontos.
* Elio Gaspari argumenta que “o capitão chegou ao Planalto pela vontade de 57,8 milhões de eleitores”. Uai – e daí? Fernando Collor de Mello teve 35 milhões de votos no segundo turno em 1989, e foi devida e legalissimamente impedido. Dilma Rousseff permaneceu no Planalto pela vontade de 54,5 milhões de eleitores no segundo turno em 2014, e foi impedida.
Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos em 2016 com 62 milhões de votos populares – e sofreu processo de impeachment. Depois de ter recebido 74 milhões de votos e perdido a eleição de 2020, Donald Trump foi submetido a novo processo de impeachment, o segundo – processo que, esta semana, foi admitido pelo Senado Federal americano.
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* Elio Gapari argumenta que “a Constituição diz que (Bolsonaro) pode ficar lá até o dia 1º de janeiro de 2023”.
Verdade. Mas, da mesma maneira, a Constituição diz que ele pode ser submetido a um processo de impeachment.
O impeachment é absolutamente constitucional. Constitucionalíssimo. Tão constitucional quanto um presidente – ou governador, ou prefeito – entregar o cargo ao seu sucessor ao fim de seu mandato, caso não tenha sido impedido antes.
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* Elio Gaspari argumenta que o pedido de “Fora Bolsonaro” não tem base parlamentar nem base popular: “28% dos entrevistados pelo Datafolha ainda acham que ele está fazendo o certo no combate à Covid”. “Sua popularidade está derretendo. O capitão é rejeitado por 40%, mas ainda tem o apoio de 31%. Admitindo que a velocidade desse desgaste prossiga, em um mês ele ainda terá 25% de admiradores.”
Ora, base parlamentar é uma realidade que muda. Política é como nuvens, lembrava Magalhães Pinto: você olha, está de um jeito; você olha de novo, está de outro.
Na quinta-feira passada, 21/1,o site Congresso em Foco publicou uma notícia com o título “Deputados do Centrão já cogitam impeachment”. A reportagem de Edson Sardinha afirmava: “Um deputado filiado a um partido do Centrão disse ao Congresso em Foco que a palavra impeachment ganhou força nos últimos dias nos grupos de troca de mensagem de parlamentares. ‘Antes era uma abstração. Agora entrou no plano concreto das cogitações. Estou em grupos de colegas de todos os espectros ideológicos. Comenta-se impeachment agora sem constrangimento’, conta.”
E isso foi quinta, 21/1 – um dia antes da divulgação da pesquisa Datafolha que mostrou que a desaprovação do governo Bolsonaro passou de 32% em dezembro para 40%, e a aprovação caiu de 37% para 31%.
Mais ainda:
A média de apoio a Bolsonaro só supera o índice de Dilma Rouseff na fase do impeachment. Segundo estudo da UERJ, o alinhamento dos deputados com o líder do governo nas votações na Câmara é maior apenas que o registrado antes do impeachment em 2016. A informação foi dada pelo jornal O Estado de S. Paulo, na segunda-feira, 25/1. A reportagem de Daniel Weterman e Camila Turtelli diz:
“Levantamento do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), produzido pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), revela que, na primeira metade de seu mandato, Bolsonaro teve, em média, apoio de 72,5% na Câmara. O índice considera o alinhamento dos deputados com a liderança do governo em todas as votações, excluindo aquelas nas quais houve consenso, como o decreto de calamidade pública para enfrentar a pandemia de covid-19.
“Apesar de ter maioria na Câmara para aprovar projetos de seu interesse, Bolsonaro enfrenta dificuldades. Não sem motivo: o porcentual de 72,5% indica que o apoio parlamentar ao governo é inferior à base que sustentava seus antecessores desde a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (2003 a 2006 e 2007 a 2010).
“A média de apoio ao governo em votações nominais na Câmara no primeiro mandato de Lula, por exemplo, foi de 77,1% até junho de 2004 . Já o ex-presidente Michel Temer, que assumiu o governo após o afastamento de Dilma Rousseff, obteve respaldo de 73,7% dos deputados no período em que permaneceu no cargo, até o fim de 2018. Nos meses que antecederam o impeachment de Dilma, no entanto, a adesão ao governo petista era de 58,2%.”
Base parlamentar definitivamente não é algo sólido. Muitíssimo ao contrário. Muda ao sabor das reações da sociedade.
No último fim de semana houve carreatas pedindo o impeachment de Bolsonaro em São Paulo, Brasília e Rio. Nesta terça-feira, 26/1, líderes religiosos – ligado às igrejas anglicanas, luterana, presbiteriana, batista, metodista e católica e a 17 diferentes movimentos cristãos protocolaram na Câmara dos Deputados o 62º pedido de impeachment do presidente.
Na quinta, 28/1, os partidos de esquerda deverão apresentar o pedido de número 63.
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* Elio Gaspari argumenta que, se Bolsonaro sair, não melhora nada, porque “Mourão é apenas vinho da mesma pipa da safra de 2018”.
Contra esse argumento há um outro, fortíssimo, e a esta altura já bastante difundido país afora: não há nada, nada, nada, absolutamente nada pior que Jair Bolsonaro.
Jair Bolsonaro é o nadir, o ponto mais fundo do fundo do fundo do poço.
Como disse ainda nesta terça-feira, 26/1, em editorial, O Estado de S. Paulo: “Não há nenhuma razão para acreditar que Bolsonaro venha a ser o líder que nunca foi e de que o País tanto precisa neste momento. Ao contrário: sua permanência na Presidência da República tende a agravar, e muito, o quadro. Essa certeza chegou ao empresariado, que já vinha demonstrando fastio com a inação do governo na área econômica, depois de tantas promessas tão grandiloquentes quanto vazias.”
Como disse Miriam Leitão em sua coluna no Globo no domingo, 24/1:
“O impeachment da presidente Dilma não foi apenas por um preciosismo fiscal, por uma singela pedalada, como ficou na memória de muita gente, da mesma forma que Collor não foi abatido por um Fiat Elba. Com seus erros de decisão, sequenciais, Dilma desmontou a economia. A recessão destruiu 7% do PIB em dois anos, a inflação voltou a dois dígitos, o desemprego escalou, o déficit e a dívida deram um salto. Tudo isso derrubou sua popularidade e ela não teve sustentação política. Não foi um golpe. Foi o uso do impeachment por crime de responsabilidade fiscal, e num contexto de descobertas de assalto aos cofres da Petrobras para financiamento político.
“Os crimes de Jair Bolsonaro estão em outro patamar de gravidade, porque atentam contra a vida. A falta de coordenação federal da pandemia matou brasileiros. Ele estimulou o agravamento da pandemia por atos, palavras e omissões. Se permanecer intocado e com o seu mandato até o fim, a história será reescrita naturalmente. O impeachment da presidente Dilma parecerá injusto e terá sido. E isso porque diante de crimes muito mais graves do que os que provocaram a desordem econômica, as instituições cruzaram os braços e lavaram suas mãos deixando Bolsonaro protegido.”
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* Vamos dar uma nova olhadinha nesse argumento de Elio Gaspari de que não se deve pensar em “Fora Bolsonaro” porque o vice, o general Hamilton Mourão “é apenas vinho da mesma pipa da safra de 2018”.
Será que Mourão é mesmo igualzinho a Bolsonaro?
Exemplo 1:
Quando, em 2019, pressionado por Bolsonaro e pelos bolsonaristas, o então ministro da Justiça Sérgio Moro voltou atrás na indicação da especialista Ilona Szabó para o Conselho de Política Penitenciária, o general Mourão afirmou: “O Brasil perde todas as vezes que você não pode sentar numa mesa com gente que diverge de você”.
Exemplo 2:
Em 25 de março de 2020, um dia depois de Bolsonaro ter feito uma defesa da retomada do comércio e das aulas, Mourão disse que a posição do governo por enquanto era uma só: “Defender o distanciamento social”.
Exemplo 3:
Em outubro de 2020, depois de Bolsonaro ter afirmado que o governo federal não compraria a vacina desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan mesmo se ela viesse a ser registrada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O vice-presidente divergiu e disse que que o governo federal iria comprar, sim, a vacina Sinovac, se comprovada sua eficácia.
Exemplo 4:
No dia 13 de novembro de 2020, quando Bolsonaro ainda relutava em reconhecer a derrota de seu ídolo Donald Trump nas eleições presidenciais norte-americanas, Mourão voltou a indicar que Joe Biden havia vencido: “Como indivíduo, julgo que a vitória do Joe Biden está cada vez mais sendo irreversível”.
Exemplo 5:
Também em novembro de 2020, como registrou a Folha de S. Paulo, Mourão apoiou a fala do comandante do Exército, Edson Leal Pujol, na linha de que militares devem ficar fora da política. Foi direto ao afirmar que oficiais da ativa “esses realmente não podem estar participando disso”. Como se sabe, e como a Folha lembrou, a gestão Bolsonaro tem dois comandantes da ativa no primeiro escalão: o general Eduardo Pazuello (ministro da Saúde) e o almirante Flávio Rocha (chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos).
Os exemplos de profundas diferenças entre Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão poderiam continuar aqui indefinidamente. Mas eu só gostaria que o Elio Gaspari me dissesse:
– quando foi que Mourão convocou manifestações pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal?
– quando foi que Mourão desacreditou a Justiça Eleitoral, dizendo que as eleições são fraudulentas, ou podem ser fraudadas, ou que as urnas eletrônicas não são seguras?
– quando foi que Mourão, em discurso a formandos em curso para policiais militares ou preparatório para a formação de militares, instigou-os contra a imprensa, dizendo que a imprensa é sua inimiga, e inimiga do povo brasileiro?
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Fora, Bolsonaro!
Hoje mais que ontem, Fora, Bolsonaro!
Porque a cada dia que passa há novas ameaças à democracia e às instituições que asseguram sua existência.
Porque a cada dia há mais de mil mortos pela pandemia – e muitas dessas mortes poderiam, sim ter sido evitadas caso houvesse um governo em Brasília.
Qualquer governo.
Até mesmo de um militar duro como o general Hamilton Mourão. Duro, tosco, conservacor, de direita, certamente – mas não um completo idiota. Não um assassino.
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Estava terminando este texto quando vi o tuíte do meu amigo Fred Navarro:
Elio Gaspari escreveu hoje na @folha que “o grito de ‘Fora Bolsonaro’ é falta de agenda porque não tem base nem propósito”. Os 220 mil mortos discordam, mas não têm como polemizar.
27/1/2021
Este post pertence à série de textos e compilações “Fora, Bolsonaro”.
A série não tem periodicidade fixa.
Impeachment, impeachment, impeachment. A palavra está no ar. (36)
Excelente texto!
Parabéns!!!
Maravilhosa, contundente, argumentada e tudo o mais que consta de justa é necessária resposta ao texto em questão de Elio Gaspari que, não tenho a mínima dúvida de dar este título e linha fina (ou subtítulo): Uma escandalosa fuga da verdade” “Jornalista Gaspari dá um chute sua credibilidade”
Melhor texto que li nos últimos tempos. Vou compartilhar imediatamente.