Depois do que aconteceu, vão dizer que sou um saudosista irrecuperável. Não é assim. Quando a filha propôs deixarmos nossos apartamentos e viver em uma casa bonita, de um condomínio fechado, me animei. Lembrei dos anos, décadas, inesquecíveis passados em uma casa que eu e minha Haydeé havíamos construído à nossa feição e gosto.
Essa de agora fica em um lugar bonito, arborizado, às margens de um lago cercado por belas casas, sob o carimbo de alto padrão. Tudo muito bem, até o momento em que pisei na construção soberba para conhecê-la. Levei um choque. Tudo nela é impessoal, uma sucessão inclemente de pisos e acabamentos frios. Na cozinha, natural. Mas também na grande sala de estar, quartos, e outros ambientes, inclusive externos. Nem um misericordioso toque de natureza onde está a piscina.
Na casa que tivemos, o piso da sala era uma nata de cimento verde, que se assemelhava a ardósia, invenção da Haydeé. Um estreito jardim separava a saída dos quartos e o ingresso nas salas de jantar e estar. As salas e o jardim ficavam sob um mesmo teto bastante alto. No ponto onde este último estava, telhas translúcidas ofereciam luz.
A sala de jantar era meio metro mais alta que a de estar. Sob ela havia uma adega, acessível por uma portinhola. Na sala de estar destacava-se a lareira. O jardim acabou coberto por tábuas, pois ficamos com medo de que pudesse um roedor asqueroso (aquele) surgir pela terra. Antes do fechamento, recebeu uma planta não habitualmente ornamental. Uma bananeira, alta mas esbelta, que surpreendia e agradava os que nos visitavam.
Agora, depois de tanto, vejo a casa que me espera, asséptica, impessoal, uma exposição de pisos convencionais, encontráveis nas grandes lojas de material para construção. Está bem, virão os móveis e a decoração ao gosto dos ocupantes. Assim será a moradia personalizada. Pena que, com a venda da casa, me desfiz de um carrinho de ferro, grandes rodas raiadas, usado no transporte de areia para a construção civil há muitas décadas. Nele guardava a lenha para a lareira. Na casa nova, ficaria bem na área onde está a churrasqueira.
Na foto, o autor, em seu apartamento, trabalha em um texto de memórias…? Nem pensar, é só brincadeira. O autor está muito feliz com seu laptop, do qual não abre mão por nada deste mundo.
Novembro de 2020
Foto Paulo Rogério Sanches.
Nota do administrador: Este 50 Anos de Textos tem inabalável compromisso com a liberdade de expressão. Assim, é dever informar que, a partir de agora, passaremos a publicar textos de Valdir Sanches reclamando da nova casa – da mesma maneira com que, no passado, publicamos diversos, vários, variegados textos do mesmo autor reclamando da vida em apartamento.
As opiniões dos autores podem variar. O compromisso do 50 Anos de Textos com a sagrada liberdade de expressão se mantém.
Abaixo, alguns textos do autor:
Trocar casa por apartamento… Brrrr!
Família de mudança implora para que levem
O homem não nasceu para morar em apartamento
No condomínio, sobram probições
Uai! O administrador queria o quê? Se não tiver do que reclamar o que vai alimentar os escritos de um autor?
Folgado!