Família de mudança vende. Vende, cede, doa, dá, implora para que levem. Só com a casa vendida, e um apartamento em vista, nos demos conta do volume de tranqueiras que havíamos acumulado durante décadas, amorosamente, para enfeitar o nosso lar…
Agora é definir: o que fica com a gente, o que não fica. A mala do Crime da Mala não fica. É igual à usada pelo sujeito que matou a mulher, em 1908, e despachou o corpo na mala, para a Europa. No cais de Santos, descobriu-se tudo e o esperto foi preso (houve coisa igual, em 1928).
Eu queria ficar com a peça, mas Haydèe foi definitiva: se a mala fica, o mala sai. Fiquei eu. Como consolo, gostaria de manter o carrinho de ferro, com duas grandes rodas raiadas, antigamente usado na construção civil.
Descobri num ferro velho, e troquei por uma bicicleta usada. Já ficou na sala, com lenha. Hoje, está no quintal, embaixo de uma árvore. Ficaria muito bem na sala do apartamento, e poderíamos jantar olhando para ele (nós em pé, porque mesa não ia caber). Sai o carrinho.
Meu sogro comprou móveis de sala de segunda mão, para casar, em 1941. Hoje estão em casa. Estilo provençal, muito bonitos. Só o buffet, com quatro portas, tem 2,30 metros de comprimento. A parte da sala destinada para o jantar, no apartamento, possui menos do que isso.
Solução, vamos passar nos cobres (antiga expressão) para ajudar nas despesas com impostos, cartório, etc., estimadas pela Folha em 8% do valor do apartamento. Pelo menos, já temos compradores.
E o oratório de mesa, do século 18? Tinha essa idade, quando comprei de um colega jornalista do JT, que também vendia antiguidades, amigo de certa soberana. Não encarei a peça como antiguidade, mas Haydèe e eu gostamos do seu jeito de coisa da roça.
Certo dia, resolvemos tirar a limpo a questão da idade. Um antiquário olhou para o oratório e disse: “Estão vendo as pontas em arco das portas? Foram feitas com serra elétrica, e no século 18 isso não existia.” Bem… mesmo assim, vai ser difícil que nos separemos dele.
E os livros? Cinco estantes abarrotadas. Veio um amigo, dono de sebo. Encheu meio porta-malas do carro. Não quis levar a Brittanica, 24 volumes, e duas outras enciclopédias. Não vendem. O Google tornou-as obsoletas, disse.
Mantive uns tantos títulos, alguns com autógrafos de colegas. Não me aborreci com a desova. Se era para fazer, fiz. Não ofereci aos amigos, porque seguramente terão os mesmos autores. Caso vier a sentir falta de algum, compro num sebo, oras!
Trouxe muita coisa de viagem, até onça de madeira de aldeia de índio. Foi ficando tudo pela casa. A bagulhada está sendo levada por parentes. Minha máquina de escrever portátil, das viagens pré-laptop, fica com um sobrinho-neto.
Só não me desfaço da minha Remigton americana, com jeito de anos 1930 e decalque do vendedor: “Casa Pratt, agentes geraes.” E do gramofone portátil que ganhei de presente do fotógrafo Edward Costa, depois de uma viagem.
De tudo o que fui comprando pelo caminho, pelo menos deixei onde estava uma daquelas banheiras brancas antigas, com pezinhos de metal, que a gente transformava em sofá ou floreira. A tentação foi grande. Se tivesse fraquejado, a peça estaria em casa. Poderia ficar bem no terraço do apê, ou substituir o sofá convencional na sala. Bastava convencer dona Haydèe.
Agosto de 2014
Valdir seus “suportes físicos” não resistem a praticidade da Haydée.
Um dia Sérgio quis se desfazer de alguns suportes, anunciou querer se desfazer de uma coleção de livros, “Os Pensadors”, que pelo jeito está até hoje entulhando o ape do nosso amigo.
Ainda bem que você não tem um cão, mais doloroso que suportes!
Fique com o oratório!
Mary, acho que a única obra que pode continuar em suporte físico é A Insustentável Leveza do Ser. Quanto ao Sérgio, com seu gesto ficou sendo mais um entre os Pensadores. Pensou, mas não fez.
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Servaz, quedê o Miltinho? Sem o comentário dele não tem graça. Às vezes a gente leva puxão de orelha, em outras elogios. Na última obsequiou-me com tais encômios, que me deixou até sem graça.
Amigo Valdir, tive que recorrer ao dicionário
para saber o significado de “encômios”. Não sei se é bom ou ruim, ainda não sei se líquido é?
Estou acompanhando sua mudança CASA/APE, eu fiz o inverso APE/CASA e estou colecionando
“suportes físicos” como o Sérgio chama as tranqueiras.
As tranqueiras ajudaram a tornar o peso do nosso ser leve,fizeram parte da trajetória.
Os encômios, seja lá o que for, são fraternos!
Ah, Valdir, mudar de casa, por mais difícil, dá pra encarar. O complicado é o afeto carimbado nas “preciosidades e inutilidades lindas”. E como existem, esquecidas – ou guardadas – pelos cantos, tais preciosidades e inutilidades, não?
A Mary tá certa, fique com o oratório.
Beijo solidário
Vivina
PS. Vamos juntar nossas Barsas e, desalentadamente, lançá-las pelos ares? Quem sabe, sabem voar?
Amigos, essa Mary Dylan é o Miltinho, sob outro codinome. O Miltinho tem quase tantos nomes de e-mail quanto a Imelda Marcos tem pares de sapato!
Aproveito para esclarecer: eu consegui me livrar de diversos dos volumes da coleção Os Pensadores. Um sujeito que leu meu texto dizendo que estava querendo me livrar os livros veio até aqui e levou.
Abraços a todos
Sérgio
E o telefone da segunda foto? Já conseguiu alguém que queira? Moro em outro estado, mas pago Sedex!
Qualquer coisa, entre em contato comigo! :)