O centro se move

O centro ensaia sair da fase intimista. Depois de dois anos se recompondo da derrota nas eleições de 2018, finalmente se move, agora impulsionado pelo resultado eleitoral nos Estados Unidos. A face mais visível de sua movimentação foi o pacto Luciano Huck-Sérgio Moro para criar uma terceira via capaz de deslocar o bolsonarismo do poder em 2022, assim como Joe Biden derrotou Donald Trump.

A articulação teve o mérito de sacudir um campo político submerso na paralisia e provocou burburinho com resistências à destra e à sinistra, sem falar no próprio centro.

Descartando-se os que, por motivos óbvios, como Ciro Gomes, Lula e o PT, só são favoráveis às frentes das quais sejam a cabeça, é compreensível o alarido causado, em função de Sérgio Moro ser uma figura polêmica, que provoca paixões e ódio.

Muito da ojeriza ao seu nome tem a ver com os seus méritos. Sua condução da Lava Jato deixou sequelas ainda não superadas. Seu nome não transita bem em quase nenhum dos partidos, mesmo os de centro. Também recebe críticas por ter largado a toga para ser membro do governo Jair Bolsonaro ou ter deixado o governo com ataques ao presidente.

Dito isto, caracterizá-lo de extrema direita ou é um expediente político mal intencionado de uma esquerda que teme a concorrência no campo da oposição, ou é miopia política, produto do sectarismo. Gostem ou não, o ex- juiz é a maior expressão da luta anticorrupção no Brasil, bandeira com aderência em amplo setores da sociedade.

Em 2018, o lavajatismo desaguou na candidatura Bolsonaro, surfando na onda antipolítica. Mas quem disse que será assim em 2022, se houver uma alternativa viável de um centro democrático que incorpore também o sentimento anticorrupção?

Não se constrói frente política com vetos.

Até porque quem hoje veta amanhã poderá ser vetado. Participar de uma frente não significa, necessariamente, ser um dos membros de uma chapa. O atual estágio de articulação indica que a fulanização pode mais atrapalhar do que ajudar e que os passos devem ser dados de forma a não atropelar o processo.

A articulação Huck-Moro (ou Moro-Huck?) foi na direção correta, a de que é preciso unir um campo hoje disperso e inflacionado por diversas pretensões presidenciais para 2022. Mas, até pela inexperiência política dos dois, apareceu como um prato pronto, difícil de ser digerido por atores importantes, como Rodrigo Maia.  O atual presidente da Câmara pode até não ser o cabeça de chapa, mas as articulações necessariamente passarão por ele. Provavelmente Maia estará para 2022 assim como Ulysses Guimarães esteve para a eleição de Tancredo Neves. O Senhor Diretas sequer foi membro da chapa, mas foi o elemento chave para a transição democrática.

O grande mistério é saber quem pode desempenhar o papel de um Biden ou de um Tancredo na próxima disputa presidencial. Não temos o nome do santo, mas seu perfil, para alcançar êxito, será o de um político moderado, agregador, capaz de pacificar o país. E que tenha muita clareza para onde sua candidatura deve ampliar.

No caso dos Estados Unidos, Biden teve a sabedoria de escolher Kamala Harris para sua vice, uma senadora à sua esquerda. Talvez isto venha a ser o mais adequado para a superação da divisão e da polarização na qual o país mergulhou com a vitória de Jair Bolsonaro.

Certamente as chances de sucesso de uma alternativa de centro-esquerda para 2022 dependerá também do resultado das eleições municipais. Saberemos sua verdade na semana que vem. Há dois anos, o centro saiu das urnas massacrado, com seus candidatos obtendo votações humilhantes.

Se as pesquisas estiverem certas – e no Brasil elas não tem errado tanto quanto nos Estados Unidos -, os ventos mudaram de direção e são grandes as chances de candidatos moderados em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e em outros grandes centros, como Salvador. O DEM, o PSDB e o PMDB tendem a ser os vitoriosos. Qualquer nome que não transite nesta seara dificilmente se viabilizará para 2022.

Abertas as urnas, a tendência é de que as articulações com vistas à sucessão presidencial ganhem ritmo, com a multiplicação de diálogos como o de Luciano Huck com Sérgio Moro. Desde já é preciso reconhecer o mérito da dupla de ter balançado a roseira do centro. Como dizia Galileu Galilei, eppur si muove!

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 11/11/2020. 

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