Gente boa perdendo a razão

Dezesseis meses de Jair Bolsonaro na Presidência da República, após aquela quantidade imensa de tempo de Lula e Dilma, quase 16 anos, deixaram muitas pessoas boas, sãs, inteligentes, educadas, se não à beira de um ataque de nervos, à beira de momentos de perda de razão.

Momentary lapse of reason. Em inglês é bonito. A pena é que a perda de razão, aqui, não pareça ser tão momentânea.

E são, insisto, pessoas boas, sãs, inteligentes, educadas. Não são bolsonaristas, de forma alguma. Não são da corja de idiotas, descerebrados, que participam dessas manifestações contra a democracia em plena pandemia que já matou quase 8 mil brasileiros e está levando o sistema de saúde ao colapso. Não, não, não – são pessoas boas, sãs, inteligentes, educadas.

Vi várias dessas pessoas no Facebook hoje exprimindo imensa decepção diante do texto transcrito das declarações de Sérgio Moro na Superintendência da Polícia Federal de Curitiba no sábado, 2/5.

Elas não entenderam nada.

Sobre isso, fiz um post no próprio Facebook:

Não consigo compreender a frustração que várias pessoas estão demonstrando diante do texto do depoimento de Sérgio Moro.

As acusações estão todas lá. Fortes, firmes, embasadas em provas, em comprovações – e, de resto, naquilo que poderá ser encontrado em caminhos que o ex-juiz expõe para quem vai investigar.

Estamos diante de um embate entre um enxadrista experiente, veterano, firme, seguro, calmo, tranquilo, contra um colegial que não sabe sequer jogar damas, e tudo que consegue é demonstrar crescente nervosismo, perda de controle, diante das jogadas do outro.

E tem gente aí preocupada com o fato de Moro ter dito que não disse que Bozo cometeu crime?

PelamordeDeus, gentinha boa, Moro está apenas se livrando de ser acusado pelo PGR lambedor de saco do Bozo de ter cometido crime de calúnia, falsa acusação ou sei lá como se chama aquilo que Aras quer usar contra o ex-juiz. E, de fato, não cabe a ele dizer que Bozo cometeu crime. Ele não é mais juiz. Agora ele é apenas testemunha.

E tem gente aí dizendo que é pouca coisa para 8 horas de presença de Moro na PF?

PelamordeDeus, gentinha boa, já foi explicado nas matérias que boa parte das 8 horas foi tomada com os técnicos da PF copiando todo o conteúdo do celular de Moro!

Moro moveu as peças de forma firme, engenhosa. E o Bozo, como demonstrou diante do cercadinho ao voltar para o Alvorada, cada vez mais vai entregando suas peças.

Moro está a uns 3 lances do xeque-mate.

***

Há coisa ainda pior – se é que isso é possível.

Armou-se um circo, entre as pessoas boas, sãs, inteligentes, educadas, de críticas ao repórter fotográfico Orlando Brito por ele ter aceitado um convite de Jair Bolsonaro para uma conversa no Palácio da Alvorada.

Pessoas boas, sãs, inteligentes, educadas saíram atacando o profissional nas redes, argumentando que ele não deveria ter aceitado convite de Bolsonaro coisa nenhuma. Logo ele, que foi um dos jornalistas atacados, fisicamente atacados, com porradas, pela falange bolsonarista na manifestação antidemocrática diante do Palácio do Planalto do domingo, 3/5.

Com sua calma, seu discernimento, sua capacidade de analisar politicamente os fatos, Mary Zaidan escreveu no Facebook:

“Aos que estão por aí criticando o fato de Orlando Brito ter aceitado ir conversar com Bolsonaro, digo: jornalista que é jornalista vai e crítica depois. Não ir é perder uma história. Mais: é dar para o agressor a chance de inverter o polo da razão. De dizer que tentou corrigir as coisas e não conseguiu por intransigência da outra parte. Brito acertou.”

***

Insisto e não desisto: estamos há tanto tempo, neste belo país – sim, é um belo país, apesar dos bolsonaros, apesar dos lulas, das dilmas –, sendo bombardeados pela guerra que os extremos insistem em criar entre o nós e o eles, que até mesmo as pessoas que deveriam ter juízo, que deveriam ter capacidade de raciocinar, estão se perdendo em radicalizações ridículas.

Não é o momento – pelamordeDeus! – de gastar energia reclamando de Sérgio Moro, de enxergar como um crime antipátria o fato de um jornalista se dispor a ouvir uma autoridade.

Não é o momento – nunca é o momento – de as pessoas que raciocinam, que têm a capacidade de raciocinar, se comportarem como os walking deads que fazem as carreatas da morte, buzinando diante dos hospitais, pedindo que todo mundo volte para as ruas para se infectar, para adoecer, para morrer.

Vamos tentar concentrar os esforços no que realmente importa: é preciso afastar Jair Bolsonaro.

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Os jornais e os bons sites têm publicado dezenas e dezenas de belos textos sobre o atual estágio do desgoverno Bolsonaro. Um dos mais brilhantes foi o artigo de Míriam Leitão no Globo de domingo. É uma alegria para mim republicá-lo aqui.

Sem medo do impedimento

Por Míriam Leitão, O Globo, 3/5/2020

Jair Bolsonaro nunca foi contra a corrupção e nunca foi um democrata. Mas usou a bandeira que estava em alta e foi eleito dentro das regras da democracia. Os que acreditaram que ele era o melhor antídoto contra a corrupção escolheram o autoengano. Os que apostaram que ele respeitaria as instituições têm provas diárias de que erraram. A elite financeira que o abraçou, os mais escolarizados que foram para a rua por ele, o juiz-símbolo que o avalizou não podem mostrar surpresa. Na escala de valores de certos liberais, mais importante é a promessa de liberdade econômica do que a proteção dos direitos civis. Isso ficou claro na ditadura de Pinochet, quando o Chile enterrava seus mortos e os jovens de Chicago comemoravam o trabalho que faziam na economia.

A pior complicação é agora. Bolsonaro foi eleito na democracia, mas não a respeita e conspira contra ela diariamente. A crueldade extrema do presidente é escalar a tensão institucional quando o país atônito tenta se concentrar no que fazer diante da pandemia que ceifa milhares de vidas. Vivemos uma conjuntura em que o presidente da República torna muito maior o peso que recai sobre nós. Já não basta viver o que vivemos — fechados em casa, assustados, enlutados, hospitalizados — ainda é preciso tolerar um governante infernizando o cotidiano.

Bolsonaro disse que por pouco não houve uma crise institucional. E falou avisando que pode retornar ao confronto e passando a ideia de que só não descumpriu a ordem judicial porque decidiu dar uma segunda chance. O ataque que ele fez ao ministro Alexandre de Moraes foi explícito e ofensivo. O presidente deu um ultimato à Justiça. Depois, na transmissão da noite, disse que tinha feito apenas um desabafo sem ofender ninguém. As instituições brasileiras têm aceitado o desdito diante dos piores ditos. Assim, ele fica sempre impune. Para seus apoiadores ele aparece como vítima, aquele que não consegue governar porque o Supremo não deixa, o Congresso chantageia, a mídia persegue. Apresenta-se como aquele que luta contra “o sistema”. Tudo levando à conclusão de que para bem governar o presidente precisa de super poderes, de um AI-5, como pediram os manifestantes que ele apoiou. Essa é a única ideia na qual Bolsonaro acredita. Fortalecer o “quem manda sou eu”.

Bolsonaro conspira contra a democracia à luz do dia, diante de todos. Alguns líderes políticos pedem paciência, como se ele fosse apenas uma pessoa de maus modos. Não. Ele tem maus propósitos. As Forças Armadas aceitam compartilhar o poder e passam a viver na ambiguidade. Nos 30 anos de democracia, os militares fizeram uma trincheira: defenderiam o período autoritário como necessário. Protegido o passado, eles se dispunham a cumprir suas funções dentro dos marcos democráticos. A atual geração de oficiais generais aceitou o risco de misturar-se ao governo Bolsonaro. O presidente usa a ideia de que as Forças Armadas estão ao seu lado. Alguns fazem críticas ao presidente. Mas só intramuros. Os generais que trabalham diretamente com ele ficam satisfeitos quando conseguem evitar um ato tresloucado. Em seguida ele comete outro. Os militares se confortam com a tese de que seria pior se não estivessem lá. Não notam o que estão avalizando. Garantem que não aceitarão uma “aventura”. Não percebem que estão viabilizando a aventura.

A questão é como proteger a democracia brasileira nessa armadilha na qual o país está. Não há outro caminho que não seja o impedimento. O presidente precisa ser impedido através das leis que regem esse processo, que sempre foi e sempre será traumático, mas já foi usado por muito menos do que o que tem feito Jair Bolsonaro. Nem o Judiciário, nem o Congresso podem ter medo nesse momento. Bolsonaro já cometeu inúmeros crimes de responsabilidade. A lista é longa e os juristas e políticos a conhecem. A ideia de que “não há clima” é muito confortável para todos os que querem eximir-se das responsabilidades que têm.

Se ele não tivesse afrontado as leis tantas vezes, e estivesse apenas atormentando o país com crises diárias no meio de uma pandemia já seria motivo suficiente para se pensar no impeachment. Bolsonaro é um governante que escolheu agravar todas as crises quando o país trava uma luta de vida ou morte. (Com Marcelo Loureiro).

6/5/2020

Um lembrete: esta série de textos e compilações “Fora, Bolsonaro” não tem periodicidade fixa.

É exatamente porque estamos afundados no meio do caos que o impeachment é urgente. (12)

Um dos momentos mais vergonhosos da História. (11) 

Até quando o país aguenta um Jim Jones na Presidência? (10)

59% ainda não perceberam, mas é preciso tirar Bolsonaro da Presidência (9)

Vai ficando provável que ele não consiga terminar o desgoverno em 2022 (8).

Ou o Brasil se livra de Bolsonaro, ou não tem mais Brasil (7).

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