O Brasil é um país sem trégua. Sempre que respira um pouco arranja um jeito de abrir o gás para infestar o ambiente. O anúncio do novo arcabouço fiscal – uma ideia engenhosa e simples, embora de difícil execução – atraiu os holofotes e conseguiu aliviar o ambiente no dia em que o ex Jair Bolsonaro, com todo o peso que ele carrega, regressou ao país. Mas se o clima parecia desanuviado, o Congresso Nacional tratou de estragar.
No mesmo dia 30 de março, uma união de deputados em torno da impunidade gestou duas excrescências de altíssimo custo para o país.
Desta vez a lambança não veio da rinha que o presidente da Câmara, Arthur Lira, insiste em manter com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ao defender ritos inconstitucionais para a tramitação de medidas provisórias. Mas da desfaçatez dos parlamentares à esquerda e à direita, que se aproveitaram das atenções voltadas ao anúncio das novas regras fiscais para tocar a boiada.
Partidos aliados ao governo – PSOL, PCdoB e Solidariedade – entraram com uma ação no Supremo para suspender as multas previstas nos acordos de leniência fechados pelas empreiteiras que surrupiaram a Petrobras. Um favorzinho para as 7 grandes que já depositaram R$ 1 bilhão e ainda devem R$ 8 bilhões, valor que elas se comprometeram a pagar depois que seus executivos confessaram formação de cartel e desvio de dinheiro público.
Só mesmo um país com política de pá virada tem uma ação dessa natureza assinada por siglas ditas de esquerda, que, ao que parece, execram os ricos adulando as suas fortunas.
Possivelmente esses partidos rezam a cartilha canhota do terraplanismo – parte dela repetida pelo presidente Lula – na qual todas as ações contra as mega-construtoras brasileiras foram perseguições armadas pelos Estado Unidos, interessados em minar a grandiosidade e a força delas no Brasil e nos países da América Latina. Haja planura.
Também no dia 30, a Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados protocolou a entrada de um projeto de emenda constitucional de anistia a todas as multas eleitorais de 2022.
Em dois singelos artigos, suspendem-se quaisquer “punições pecuniárias” para os partidos que descumpriram as cotas obrigatórias para mulheres e negros no ano passado. Um terceiro permite que dívidas de campanha anteriores a agosto de 2015 sejam quitadas com recursos de pessoas jurídicas, sob a justificativa de que até aquele ano esse tipo de financiamento não era proibido. Vale lembrar que desde a suspensão das contribuições privadas os partidos recebem fartos recursos do fundo eleitoral, que só em 2022 bateram em R$ 6 bilhões – dinheiro dos impostos dos brasileiros.
A ação que defende a nulidade dos acordos de leniência e a PEC da anistia, proposta pelo deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), já seriam suficientes para lembrar que ar puro é produto indisponível entre nós. Mas esses absurdos não bastaram.
Na sexta-feira, a Câmara aprovou uma Medida Provisória, em vigor desde dezembro, que prorroga pela sexta vez o prazo de regularização de imóveis rurais na Mata Atlântica, suspende as multas por desmatamento ilegal e a obrigatoriedade de reflorestamento. Com um terrível adendo: autoriza desmate para obras de infraestrutura, sem necessidade de estudo de impacto ambiental.
Perto do prazo de perder a validade, a MP do desmatamento, que carrega a marca registrada de Bolsonaro, pode caducar ou ser rejeitada pelo Senado. Mas o sinal dado com a aprovação – acordada com a liderança do governo, ainda que sem qualquer compromisso de apoio de Lula – é terrível. Torna o ar ainda mais irrespirável – literalmente.
O ambiente atóxico e de maturidade protagonizado pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, ao anunciarem as novas travas fiscais é exceção e não regra. Quase nos fez esquecer que no Brasil praticamente inexiste união em favor do país, só em defesa da impunidade e de privilégios. Sem trégua.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 2/4/2023.
“Tocar a boiada”. Em três palavras evocativas, Mary Zaidan dá o tom do que está acontecendo nas nossas pobres casas de leis. É desolador.
Contundente e lúcida, embora triste, análise da calhordice que assola a política brasileira, desde sempre. Por isso defendo sempre a radical mudança no sistema representativo do país. Sei que é utopia, mas jamais me conformarei.
Parabéns!!