Criança já tem saudade.
Marina hoje demonstrou lembrar com saudade – uma saudade boa, gostosa – de algo que acontecia na vida dela dois anos atrás, quando tinha 7 anos e, pandemia da Covid em seus primeiros e duríssimos meses, ela ganhou uma nova rotina na vida, a de brincar com os avós diante da tela do iPad.
Ao final daquilo que nós chamamos de telenetada, e acontecia vários dias na semana, pouco antes da hora do almoço dela, a gente se despedia ao som de uma música que ela botava pra tocar no teclado que havia ganhado dos pais talvez no Natal de 2019, meses antes da chegada da pandemia. Depois que a Mamãe chamava para o almoço – “Tá na mesa, Pessoal!” –, a gente ainda ficava alguns minutos falando tchau, balançando as mãos, cantando junto a musiquinha.
Tornou-se uma marca registrada, um item obrigatório do cardápio. Estabeleceu-se uma tradição – e Marina, desde muito cedo, demonstrou que gosta de coisas que são sempre as mesmas, que se repetem, que passam a fazer parte da vida. All those things that don’t change, come what may, como diz a canção de Ian Tyson.
Mas as coisas mudam, mesmo as de que a gente gosta muito, e, ao longo do segundo ano de pandemia e segundo ano de telenetadas, a musiquinha do tchau tocada no teclado foi sendo abandonada. Marina nunca abandonou a tradição de achar ruim quando chega a hora de encerrar a conversa, a brincadeira, e de tentar adiar no mínimo alguns minutos a hora de enfim desligar, mas a musiquinha do tchau sumiu do nosso repertório. Eu tinha me esquecido completamente dela.
Hoje, por acaso, por causa do desenvolvimento da historinha que estava rolando na telenetada, Marina quis pegar o teclado.
Foi o seguinte: ela era a Hermione, é claro, como sempre tem sido há meses e meses e meses. A Vovó era a Alice, a irmãzinha dez anos mais nova da Hermione. O Vovô ela ainda não havia decidido quem seria – estava meio escanteado da brincadeira, embora atentíssimo a tudo o que rolava. A casa que Marina havia escolhido no joguinho dentro do Roblox para ser a dela e de Alice tinha um piano – e então ela anunciou que Hermione iria ter aula de piano. A Vovó, rápida, se ofereceu para fazer a professora. E Marina teve a idéia de incorporar à brincadeira o teclado elétrico, nos últimos tempos um tanto abandonado – faz alguns meses que ela parou de ter aula online de música.
E então botou o teclado no jogo, na brincadeira.
Embora Marina não goste – na verdade deteste – misturar brincadeira com a realidade, a vida, perguntei se ela se lembrava da música de que ela mais gostava, a que ela mais se esforçou para aprender. Tocou, e tocou direitinho. Falei algo do tipo “Que legal, Fofinha, você não esqueceu!”. Ao que ela contestou (ela contesta cada frase que eu falo): – “Não é fácil esquecer, Vovô!”
Mal sabe ela…
E aí, mexendo no teclado, ela acionou algum botão que fez tocar a musiquinha que era a trilha sonora do nosso tchau nos primeiros meses das telenetadas, nos primeiros meses da pandemia, uns dois anos atrás.
E aí – meu Deus do céu e também da Terra –, ela abriu um sorriso, e falou algo tipo “Nossa, a música do tchau!”. Com uma expressão de quem de repente tinha sido assaltado por uma lembrança boa, de uma coisa querida, gostosa, quente, fofa, agradável, envolvente.
Como se de repente tivesse tido saudade, mas saudade boa, de lembrança de algo doce.
Não existe coisa mais linda do que sorriso de criança. Agora, o sorriso da sua criança, ah, esse é mais belo que o de todas as outras crianças do mundo.
Corri pra fotografar a tela do iPad em que a víamos. Depois veria que nenhuma das três fotos que consegui fazer naquele momento ficou em foco. Ficaram todas absolutamente desfocadas – mas, diacho, está lá o sorriso!
O sorriso do momento em que Marina, 9 anos de idade, se lembrou de uma coisa legal do passado, se lembrou com aquela saudade boa, e ficou feliz.
Ah, meu… Que maravilha!
14/5/2022
P.S.: Será que alguém se lembra de que prometi não fazer mais posts sobre Marina?
Minha mãe dizia que palavra de rei não volta atrás.
Mas, diabo, nem um pobre conde eu sou…
Texto mais gostosos e maravilhoso
Que legal, Sérgio. Adorei a descrição do momento.