Marina e as canções

Mary e eu temos reparado indícios do que pode ser um fenômeno.

Marina sempre demonstrou que não gosta da nossa brincadeira de cantar músicas no meio da conversa ou da brincadeira com ela.

É um troço que eu sempre fiz muito, e Mary também. Volta e meia, surge na conversa alguma palavra, alguma expressão – e eu tasco uma canção com aquilo.

Marina, sei lá por que raio de motivo, não gosta. – “Não!”, ela exclama. Ou – “Pára!”

Isso é desde sempre. Desde que ela era bem pequenininha.

E é automático. Ela fala alguma coisa, no meio de uma brincadeira, e eu canto uma música que tem aquela palavra ou expressão.

Com o tempo, acho que ela foi transformando a reação dela numa brincadeira. Ela fala os “Não!”, os “Pára!” e dá um sorrisinho, às vezes uma risada mesmo. Pessoa de bom humor, e um humor esperto, inteligente, ela tem disso – incorpora coisas, transforma em brincadeiras, piadas.

Às vezes a gente comenta: – “Pra tudo tem música, Marina!” E ela concorda. De vez em quando responde com um – “É mesmo…” de quem está pensando sobre aquilo, verificando que é verdade mesmo…

Pois bem.

Nos últimos tempos, tem acontecido de Marina não mais falar os “Não!”, os “Pára!”

Pode ter simplesmente se cansado da brincadeira de reagir. Mas pode ser também que tenha começado a ficar curiosa para ouvir os versos. Tipo: mas que diabo de letra de música é essa? Ou: ué, como será o resto dessa letra?

Será?

Da brincadeira com “o meu mundo caiu” ela sempre gostou. Faz tempo que volta e meio eu canto, imitando as brincadeiras dos Mutantes com pérolas do cancioneiro: “O meu mundo caiu – pláááá!” – e ela se diverte bem.

Houve o caso do “assassinaram o camarão”. Cantei um dia o “assassinaram o camarão” e a frase é tão louca, tão inesperada, que ela quis saber o que era aquilo, se eu estava inventando. Mostramos a letra inteira pra ela, e ela prestou a maior atenção. Foi um caso isolado, e faz já alguns meses.

Mas, nas últimas semanas, temos reparado de fato que ela não tem mandado eu parar de cantar.

Não dá para dizer que está realmente acontecendo isso que seria uma beleza de fenômeno, uma coisa muitíssimo bem-vinda – ela estar começando a ter interesse, curiosidade, em conhecer as letras das canções.

Mas pode ser.

Marina gosta de música, é claro. Sempre ouviu discos com músicas para crianças, as coisas maravilhosas que há, dos Saltimbancos e Arca de Noé até o Palavra Cantada, e há alguns meses veio o Now United. E presta atenção aos Beatles por causa da mãe, ao Kiss por causa dos pais, e tal. Mas não é, ainda, do tipo que aceita conhecer coisas novas.

E a gente gostaria tanto que fosse… Todos nós: o pai, a mãe, Mary, eu…

Vamos ficar de olho pra ver se é mesmo o fenômeno, ou não é nada.

***

Há dias venho pensando nisso. Hoje aconteceu uma bobagem que detonou a vontade de registrar a coisa numa Agenda do Vô. Marina seguramente vai se divertir quando, depois de adulta, for ler as Agendas do Vô…

A bobagem foi que, enquanto lavava a louça, me veio à cabeça a maravilha do Adoniran, e cantei: “Pafunça, Pafunça, que pena, Pafunça, que a nossa amizade virou bagunça!” Lá da sala, Mary deu uma gargalhada. Completei com o outro verso sensacional, “Nem meu nome tu pronunça”, pensei em cantar isso pra Marina, e vim aqui anotar a Agenda.

Agenda feita, não dá para evitar o pensamento: meu Deus do céu e também da Terra, como avô é trem bobo!

19/8/2022

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