Marina em modo aranhuda

Esta aí é um foto feliz em mais de um sentido. Claro, captou um momento lindo, um momento feliz. A felicidade está aí, visível, óbvia, clara como água de nascente. Vale mais que mil palavras, o que a rigor me complicaria a vida, porque vivi das palavras praticamente a vida inteira, e então, se elas valem pouco, como é que eu fico? Mas isso é tergiversação.

A foto é feliz porque, quando um fotógrafo amador consegue uma foto que capta um momento especial, foi em um especial momento de sorte.

Quem faz foto boa é profissa – aprendi isso ao longo de décadas de convivência com fotógrafos profissas. Quando nós, amadores, conseguimos uma boa foto, como essa aí, que tirei aqui em casa, numa das várias comemorações dos 9 anos da Marina, é sorte pura – foi um momento feliz.

Portanto, a foto é no mínimo duplamente feliz.

Tenho feito, nos últimos muitos meses, um grande esforço para não ficar postando muitas fotos de Marina. Postei fotos demais dela, tenho que admitir, tanto no Facebook quanto no meu site, que tem uma tag Da Agenda do Vô. Fui muito pouco discreto, ao longo dos primeiros anos da minha neta. Fui muito pouco atento à confidencialidade da imagem dela. Pais e avós mais conscientes da importância da confidencialidade me condenariam com carradas de razão.

Mas insisto: tenho feito um grande esforço para me conter. Diminuí tremendamente a exposição de Marina nos últimos muitos meses – tanto no Facebook quanto no meu próprio + de 50 Anos de Textos.

Vou usar esta foto aí acima para uma Agenda do Vô que talvez nem seja propriamente a última – mas que marca, que registra um corte, uma mudança.

Daqui pra frente vou ser muito, muito mais cuidadoso. A exposição de Marina será muitíssimo, muitíssimo menor do que já foi. Será mínima. Prometo. Garanto.

Mas, diabo, vou fazer aqui uma Agenda do Vô pra comemorar os 9 anos da Criaturinha – e para marcar que daqui pra frente tudo vai ser diferente. Tudo, o casi todo, que nos es lo mismo pero es igual, para citar no mesmo parágrafo, Roberto Carlos e Silvio Rodriguez.

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Eu não postei a foto aí acima no Facebook: foi a Mary que postou – e ela é muitíssimo mais cuidadosa do que eu, muitíssimo mais focada na coisa da confidencialidade. Mas não se conteve e tascou a foto no Face, com um texto direto, simples, curto e grosso, vapt-vupt: “A gente se diverte! Marina 9 anos. (Foto: Sérgio Vaz.)”

O post teve uma excelente repercussão. Comentei com um “Isso aí tem uma história… Um dia eu conto…” Houve até alguns amigos que pediram pra eu contar. Conto, e não só porque eles pediram – conto porque estava doidinho mesmo para contar.

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Essas varetas aí no cabelo da Vovó e da Criaturinha são absolutamente idênticas às daquele velhíssimo brinquedo Pega Varetas, que acho que já não era novidade quando eu era criança, milênios atrás. Devem sair da mesma linha de produção – mas não são do Pega Varetas, e sim de um brinquedo, também da Estrela, chamado Cai Não Cai.

Anoto quase tudo, mas não anotei quando foi que compramos o brinquedo Cai Não Cai. Só tenho a absoluta certeza de que foi antes de março de 2020, quando começou a pandemia. Marina, Mary e eu jogamos muitas vezes Cai Não Cai antes que a pandemia fizesse com que nós passássemos vários meses sem nos ver presencialmente.

(Graças ao bom Deus nos ocorreu a brincadeira via tela, via Messenger, a gente vendo a então Pequena, a então Pequena vendo a gente. Com as telenetadas, que se tornaram prática comum uns cinco dias por semana, atravessamos a pior fase da pandemia, os meses de distanciamento social mais rígido, super próximos de Marina, ela super próxima de nós.)

Desde as primeiras vezes em que jogamos, ainda bem antes de março de 2020, Marina portanto com menos de 7 anos de idade, ela inventou uma brincadeira em cima do brinquedo. Não apenas ela se divertia com o brinquedo em si, que é de fato muito gostoso, como desenvolveu, por conta própria, a brincadeira de, a cada vareta retirada do jogo, colocar no cabelão. Um troço que ela chamou desde sempre de “aranhuda”.

Mary, aqui ao meu lado, lembrou agora que a primeira vez em que Marina fez essa coisa da aranhuda foi exatamente em setembro de 2019; ela mesma, a Vovó, estava na Rússia. Há fotos que mostram Marina brincando de aranhuda com a nossa sobrinha Rejane, que havia voltado da Rússia antes da mãe, da tia e da avó Dona Lúcia, e passou algumas semanas aqui em casa, enquanto fazia um curso na Faculdade de Medicina da USP.

As fotos registram o que eu não anotei – o detalhe gostoso de que a brincadeira da aranhuda foi inventada num dia em que jogamos Cai Não Cai Marina, Rejane e eu, em setembro de 2019.

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Há um outro detalhe gostoso da história: esse tal Cai Não Cai é um dos poucos brinquedos aqui de casa de que Marina nos últimos anos realmente gosta, brinquedos que ela curte, que procura quando vem aqui.

Ahnnn… Não são muitos os brinquedos, mas talvez seja injusto e incorreto dizer que são poucos. Ela curte, até hoje, as Barbies, as Pollys, a Cecília que faz xixi, o caldeirão de bruxa pra fazer poções e sopas, os dois kits de coisinhas de médico hoje já misturados, o fogãozinho e as coisinhas de cozinha e de sala de jantar de quando era muuuuuito pequetita, a cabaninha de armar, o carrinho que toca música, os carrinhos a pilha que andam em trilhos…

Temos jogos a dar com o pau, todos os jogos possíveis e imagináveis, mas Marina não gosta muito de jogar aqui em casa. Aqui, ela gosta é de brincar. E, na imensa maioria das vezes, os brinquedos são apenas suportes para ilustrar a brincadeira que realmente interessa, a brincadeira de que ela gosta mesmo – criar histórias, faz-de-conta.

Já cansei de perguntar para ela que brinquedos ela gostaria de ter aqui, na casa 2. Ela diz que não precisa de brinquedo, que gosta mesmo é de brincar.

É impressionante: se todas as crianças fossem como Marina, a venda de brinquedos despencaria loucamente. Fábricas fechariam. Mais gente ainda ficaria sem emprego.

Nesse sentido – meu Marx do céu e também da Terra -, tenho que admitir que é uma maravilha que 99% das crianças da classe média média para cima sejam consumistas, já que garantem empregos, fazem a economia rodar.

Ih, tergiversei de novo. Perdão.

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Mas do Cai Não Cai ela gosta muito. Na quarta-feira, tivemos uma bela partida de Cai Não Cai a quatro. Quarta é o dia da semana em que a gente a pega na escola e traz pra cá pra gente brincar durante pelo menos 2 horas e meia; na quarta passada, um dia depois do aniversário de 9 anos, a Mamãe aceitou nosso convite e, em vez de simplesmente pegar Marina lá embaixo, subiu e janyou conosco,

O Cai Não Cai foi a última brincadeira, a saideira da noite, e na verdade não foi uma partida, e sim três, em seguida. Marina, alegrinha demais da conta, pediu mais uma e depois mais uma, e a Mamãe, embora o horário pensado por ela já estivesse estourando, aceitou.

Uma das coisas que Marina mais gosta na vida é quando estamos nós cinco – Papai, Mamãe, Vovó, Vovô e ela. Gregária, grudentinha, e ainda por cima família, a Criaturinha a-do-ra estar com todo mundo junto. Naquela quarta-feira o Papai, enrolado com trabalho, não pôde estar, mas ela se divertiu demais, demais, demais com o Cai Não Cai jogado a quatro – e, é claro, com a colocação das varinhas no cabelo, as aranhudas.

Eu estava tão absolutamente feliz diante das minhas três meninas mais próximas (a outra, a mais distante geograficamente, havia voltado não fazia muitos dias para a Alemanha, depois de algumas semanas no Brasil), que resolvi mostrar para Marina uma foto do filme do qual sempre lembro quando ela brinca de aranhuda: a foto da jovem Christine-Claude Jade se fingindo de japonesa para se vingar do marido Antoine Doinel-Jean-Pierre Léaud, que havia se engraçado por uma japinha, em Domicílio Conjugal (1970), a terceira parte dos quatro filmes de François Truffaut sobre seu alter ego. Conta-se que Truffaut, que se apaixonava por todas as mulheres bonitas e interessantes que passassem à sua frente, apaixonou-se perdidamente por Claude Jade – mas esta, definitivamente, é outra história.

Marina deu olhada rápida – mas tenho certeza de que boa. Marina tem uma fantástica capacidade de bater os olhos numa coisa e guardar aquilo na memória. Bem, acho que todo mundo aos 9 anos é assim.

Todo mundo aos 9 anos é assim.

Mas a Criaturinha, naturalmente, é especial.

Não há ninguém no mundo como Marina.

24 e 25/3/2022

3 Comentários para “Marina em modo aranhuda”

  1. Ahhh que lembrança boa! E a honra de participar do evento que concretizou essa memória? D.E.M.A.I.S! Mal posso esperar para a próxima partida, 3 anos depois! Vou até cultivar o cabelão para as aranhudas!

  2. Belo texto, feito com amor e repleto de alegrias ! Será muito interessante compilar todos eles e editar um livro com as peraltices ,graças e fotos da Marina.
    A bisa ficou com uma inveja danada. Gostaria de estar aí, bem juntinho e com a cabeça cheia de pauzinhos…
    Aranhuda de cabeça branca é braba!

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